Quando surgiu o Estado de bem-estar social

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Autor:Equipe Mais Retorno

Data de publicação:11/04/2019 às 01:02 - Atualizado 3 anos atrás

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É chamado de Estado de Bem-estar Social um modelo de organização político segundo o qual o Estado se coloca como o principal responsável pela promoção social e econômica. Originado ainda no século XIX, se transformou no maior opositor do modelo estabelecido pelo liberalismo.

Baseado na ideia de cidadania e de que todos os seres humanos nascem com certos direitos sociais intrínsecos, reconhece que é dever do Estado promovê-las.

Isso inclui a educação (em nível básico e superior), as redes de saúde, o saneamento básico e a segurança dos cidadãos, entre outros serviços que devem ser fornecidos com qualidade e de forma gratuita do nascimento até a morte dos mesmos.

Ainda no sentido econômico, os indivíduos que se mostrarem incapazes de custear uma vida digna devem ser amparados através de subsídios que incentivem o seu enriquecimento. Entre eles estão: o seguro-desemprego, a licença-maternidade e a própria aposentadoria.

O Estado de bem-estar social já foi utilizado para amparar políticas em países de todo o mundo. O seu fortalecimento costuma suceder grandes crises político-econômicas, em especial aquelas atribuídas ao liberalismo econômico e aos regimes totalitários  do século XX.

Como surgiu a ideia de Estado de Bem-estar Social?

O surgimento do Estado de Bem-estar Social é frequentemente atribuído a uma série de transformações ocorridas nas sociedades a partir do século XIX.

Da luta de classes que culminou em novos direitos aos trabalhadores à socialização da política, a responsabilização do Estado pela qualidade de vida dos cidadãos chegou ao ápice no século XX.

Revoluções socialistas (como a ocorrida na Rússia em 1917) despertaram esse interesse não somente em seus países, mas também naqueles que seguiam o modelo capitalista. Para estes, a ideia era que, com a classe operária satisfeita, o risco de que a mesma se organizasse em torno do socialismo se tornaria menor.

Seguindo o período, a Grande Depressão de 1929 (frequentemente colocada como resultado das políticas econômicas liberais adotadas até então) serviu como “cereja do bolo” para a adoção do Estado de Bem-estar Social em países de maior expressão. Prova disso é o New Deal, conjunto de medidas sócio-econômicas implementadas nos Estados Unidos ainda na década de 1930.

Quais são os princípios do Estado de Bem-estar Social?

Ainda na primeira seção, te contamos que o Estado de Bem-estar Social parte do pressuposto de que todos nós nascemos com direitos sociais intrínsecos, lembra?

Isso quer dizer que, independentemente de nossas características étnicas, religiosas etc, temos garantidos o acesso a cada um deles.

Mas não há nenhuma tábua divina que indique explicitamente quais seriam esses tais “direitos sociais intrínsecos”, certo? Infelizmente, nosso material genético não vem com nenhuma indicação clara sobre o assunto.

O que os defensores desse modelo de Estado fizeram foi listar o máximo de áreas possíveis sobre as quais o Estado poderia interferir, sem romper com os ideias democráticos. A ideia é criar uma rede de desenvolvimento social sobre a qual o próprio indivíduo pudesse se desenvolver.

Entre essas áreas estão:

  • A educação;
  • A saúde;
  • O lazer;
  • A segurança;
  • O transporte;
  • O saneamento básico;
  • A seguridade social;
  • A distribuição de renda;
  • O trabalho;
  • A infraestrutura.

Para tanto, o Estado deveria se unir aos sindicatos e às empresas privadas, de modo a criar uma relação capaz de promover o progresso dos cidadãos e das companhias.

Além disso, é muito comum a estatização de companhias em áreas estratégicas dessa “cadeia de suprimentos sociais”. A justificativa é de que, em posse desse tipo de organização, o governo teria maiores ferramentas para a promoção dos serviços essenciais.

No entanto, é comum que os países que adotem essa postura acabem por sucumbir às chamadas crises fiscais. Com tantos gastos e uma receita pública incapaz de supri-los, o Estado se torna incapaz de financiar a rede de benefícios que ele próprio criou. Dá-se, então, a abertura necessária para uma recondução ao modelo liberal (ou neoliberal).

E assim a roda segue girando…

O Estado de bem-estar social é uma concepção que abrange as áreas social, política e econômica e que enxerga o Estado como a instituição que tem por obrigação organizar a economia de uma nação e prover aos cidadãos o acesso a serviços básicos, como saúde, educação e segurança. O Estado de bem-estar social visa reduzir as desigualdades sociais decorrentes do capitalismo para promover um modo de vida que leve uma condição mais humanitária às classes trabalhadoras e às camadas mais pobres da população. 

Leia também: Social-democracia: modelo econômico influenciado pelo Estado de bem-estar social 

Criação do Estado de bem-estar social 

É recorrente na história da humanidade a preocupação de algumas pessoas com as classes desfavorecidas. No século XIX, após a instalação do capitalismo industrial na Europa e a leva da industrialização para outros continentes, a população encontrou-se em um cenário caótico de miséria, fome, alastramento de doenças, e crescimento exponencial da violência e da desigualdade social.

Quando surgiu o Estado de bem-estar social
O Estado de bem-estar social apareceu no fim do século XIX com políticas que visavam a redução da desigualdade social.

Os trabalhadores fabris do século XIX enfrentavam longas jornadas de trabalho que, muitas vezes, ultrapassavam 12 horas diárias. Eles não tinham direito a descanso remunerado, como férias e descanso semanal, além de não terem previdência e uma remuneração satisfatória que lhes permitisse uma vida digna. Os trabalhadores viviam na miséria, passavam fome, e a situação ficava ainda mais grave entre os desempregados. 

Em meio à crescente onda de reivindicação de direitos e formação de sindicatos vivida, na passagem do século XIX para o século XX, surgiram teorias que defendiam que o Estado deveria prover um bem-estar mínimo para a população em geral. A primeira grande teoria a defender essa prática foi promovida pelo estadista alemão Otto von Bismarck, na Alemanha, em 1880. 

 

Responsável por unificar os reinos germânico e prussiano na grande nação alemã, Bismarck propôs uma política alternativa que não cederia nem ao liberalismo econômico nem ao socialismo. Havia, na política bismarckiana, um controle estatal sobre a economia, e a gestão dos recursos recebidos por meio de impostos era responsável por distribuir os recursos em benfeitorias para a população. 

No século XX, um economista inglês, John Maynard Keynes, revolucionou a política econômica mundial ao propor um novo sistema que segue os passos da promoção do bem-estar social

O que é o keynesianismo? 

A macroeconomia (estudo da economia de um Estado, de uma nação ou de um local específico como um todo organizado) era regida, até a década de 1930, pela teoria econômica neoclássica, essencialmente liberalista. 

A teoria neoclássica entende que o livre mercado gera empregos e que os empregos são suficientes para solucionar os problemas sociais. No entanto, para que haja empregabilidade, os trabalhadores devem aceitar salários mais flexíveis (baixos) e condições de trabalho adversas (precárias). 

John Maynard Keynes, economista inglês.

Para Keynes, o Estado deve regular a economia, regulando os salários e os direitos dos trabalhadores, além de atuar como um órgão que cobra impostos de todos, inclusive dos empresários, e reverte esses impostos em serviços para a população, criando um Estado de bem-estar social. O caos deixado pela Segunda Guerra Mundial fez com que as ideias disseminadas por Keynes, na década de 1930, fossem implantadas nas grandes potências democráticas ocidentais. 

No entanto, a partir da década de 1960, as economias dos Estados Unidos e da Inglaterra começaram a cair. Com a queda econômica agravada, na década de 1970, pela crise do petróleo, essas duas potências deixaram o keynesianismo de lado e adotaram ideias próximas ao neoliberalismo, fundamentado por economistas da Escola Austríaca, como Ludwig von Mises, e, principalmente, da Escola de Chicago, como Milton Friedman. 

Estado de bem-estar social e políticas públicas 

Políticas públicas são ações tomadas por governos tendo em vista a garantia de direitos. Em nosso país, os direitos estão garantidos na Constituição Federal de 1988, e as políticas públicas são mecanismos do Poder Executivo (às vezes, em parceria com a iniciativa privada) para colocar em prática os direitos garantidos por lei. 

Para pensar-se em um Estado de bem-estar social em pleno funcionamento, é necessário que se tenha políticas públicas eficazes. Nesse sentido, é o governo que deve tomar frente para que haja a manutenção dos direitos da população. No entanto, políticas de governo são passageiras e tendem a desfazer-se, em muitos casos, quando há a transição de um governo para o outro. 

As políticas que permanecem e não são alteradas, por serem frutos de uma “vontade geral” da nação, são as chamadas políticas de Estado. Elas permanecem junto ao Estado Nacional por mais tempo. No tópico a seguir, exemplificaremos como as políticas de governo e de Estado estão ligadas ao Estado de bem-estar social, tomando como exemplo o caso brasileiro. 

Estado de bem-estar social no Brasil atualmente 

O Brasil não é uma forte referência ao falar-se em políticas públicas, tomando por base a vivência empírica dos brasileiros. Entretanto, no âmbito mundial, temos políticas públicas valiosas e muito alinhadas à ideia de Estado de bem-estar social. 

Uma dessas políticas, que se tornou uma política de Estado sancionada pela Constituição Federal de 1988, é a criação do Sistema Único de Saúde, o SUS. Apesar da falta de verba, da falta de profissionais e da deficiente estrutura, o SUS é um dos poucos sistemas de saúde totalmente gratuito e que se propõe a atender qualquer cidadão no mundo. 

Para o SUS, não importa a nacionalidade, a condição socioeconômica, a moradia (ou a ausência dela), enfim, independentemente de qualquer fator, a pessoa tem direito ao atendimento de saúde por esse sistema. Essa é uma política pública brasileira que coaduna com a ideia de Estado de bem-estar social, pois utiliza de recursos públicos para oferecer tratamento de saúde a todos os cidadãos que habitam o território brasileiro. 

Outro exemplo de política pública que está embasada na ideia de bem-estar social é a política de educação brasileira. O Brasil oferece, gratuitamente, a educação básica e superior a qualquer cidadão brasileiro e estrangeiro naturalizado ou com visto. 

A educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) deve ser garantida a todas as crianças e adolescentes, além de haver políticas públicas para jovens e adultos que pretendam concluir suas etapas. O Estado deve garantir que todas essas pessoas estejam inseridas no quadro discente de escolas públicas. 

Quando surgiu o Estado de bem-estar social
A desigualdade social no Estado liberal é imensa, impondo a necessidade da intervenção estatal na vida social.

No caso do ensino superior público, não há uma garantia de que haja vaga para todas as pessoas que queiram ingressar nele, mas há a oferta de vagas totalmente gratuitas. Podemos, portanto, perceber que há uma relação íntima entre a educação brasileira e a ideia de Estado de bem-estar social. 

Outra política pública que se aproxima da ideia de Estado de bem-estar social é o Programa Bolsa Família. O mecanismo criado, em 2003, e convertido em lei, em 2004, (Lei Federal n. 10.836/04), durante o governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, trouxe um sistema de transferência de renda do Governo Federal para as famílias de baixa renda terem acesso à alimentação e a uma vida mais digna. 

Veja também: Cultura brasileira: da diversidade à desigualdade 

O Estado de bem-estar social fracassou? 

Existem inúmeras críticas à ideia de Estado de bem-estar social desde a fundação dos ideais neoliberais em meados do século XX. Economistas da Escola de Chicago, como Milton Friedman, argumentam, com certa razão, que o keynesianismo levaria os Estados Unidos à falência. No entanto, outras medidas de bem-estar social podem ser entoadas para além do que foi proposto por John Maynard Keynes. 

No Brasil, por exemplo, com uma grande maioria da população sem condições de pagar por serviços de educação e saúde, é impossível pensar em outra realidade que não seja com sistemas de educação e de saúde gratuitos. Ademais, os maiores índices de desenvolvimento humano (IDH) do mundo concentram-se nos países nórdicos, que utilizam medidas de Estado de bem-estar social. O modelo de governo utilizado por lá ficou conhecido, inclusive, como modelo nórdico.

Por Francisco Porfírio
Professor de Sociologia