Como a guerra de Canudos acabou

A Guerra de Canudos é tida como um dos principais conflitos que marcam o período entre a queda da monarquia e a instalação do regime republicano no Brasil. No entanto, antes de sabermos maiores detalhes sobre a formação do Povoado de Canudos e o início das batalhas, devemos contemplar algumas passagens da vida de seu principal líder: Antônio Conselheiro. Nascido na vila de Quixeramobim, no interior do Ceará, Antônio Vicente Mendes Maciel cresceu em uma família de padrão de vida mediano. Durante sua infância teve uma educação diversa que lhe ofereceu contato com a geografia, a matemática e as línguas estrangeiras. Aos vinte e sete anos, depois da morte de seu pai, assumiu os negócios da família. Não obtendo sucesso, abandonou a atividade. Na mesma época, casou-se com uma prima e exerceu funções jurídicas nas cidades de Campo Grande e Ipu. Com o abandono da mulher, Antônio começou a vaguear pelo sertão nordestino. Em seguida, envolveu-se com uma escultora chamada Joana Imaginária, com quem acabou tendo um filho. Em 1865, Conselheiro abandonou a mulher e o filho e retornou à sua peregrinação sertaneja. Nessas andanças, começou a construir igrejas, cemitérios e teve sua figura marcada pela barba grisalha, a bata azul, sandálias de couro e a mão apoiada em um bordão. Nessa época, sob a perspectiva de alguém influenciado pelas contrariedades pessoais e os problemas socioeconômicos do sertão, Antônio Conselheiro iniciou uma pregação religiosa defensora de um cristianismo primitivo. Defendia que os homens deveriam se livrar das opressões e injustiças que lhes eram impostas, buscando superar os problemas de acordo com os valores religiosos cristãos. Com palavras de fé e justiça, Conselheiro atraiu muitos sertanejos que se identificavam com a mensagem por ele proferida. Desde o início, autoridades eclesiásticas e setores dominantes da população viam na renovação social e religiosa de Antônio Conselheiro uma ameaça à ordem estabelecida. Em 1876, autoridades lhe prenderam alegando que ele havia matado a mulher e a mãe, e o enviaram de volta para o Ceará. Depois de solto, Conselheiro se dirigiu ao interior da Bahia. Com o aumento do seu número de seguidores e a pregação de seus ideais contrários à ordem vigente, Conselheiro fundou – em 1893 – uma comunidade chamada Belo Monte, às margens do Rio Vaza-Barris. Consolidando uma comunidade não sujeita ao mando dos representantes do poder vigente, Canudos, nome dado à comunidade por seus opositores, se tornou uma ameaça ao interesse dos poderosos. De um lado, a Igreja atacava a comunidade alegando que os seguidores de Conselheiro eram apegados à heresia e à depravação. Por outro, os políticos e senhores de terra, com o uso dos meios de comunicação da época, diziam que Antônio Conselheiro era monarquista e liderava um movimento que almejava derrubar o governo republicano, instalado em 1889.

Incriminada por setores influentes e poderosos da sociedade da época, Canudos foi alvo das tropas republicanas. Ao contrário das expectativas do governo, a comunidade conseguiu resistir a quatro investidas militares. Somente na última expedição, que contava com metralhadoras e canhões, a população apta para o combate (homens e rapazes) foi massacrada. A comunidade se reduziu a algumas centenas de mulheres, idosos e crianças. Antonio Conselheiro, com a saúde fragilizada, morreu dias antes do último combate. Ao encontrarem seu corpo, deceparam sua cabeça e a enviaram para que estudassem as características do crânio de um “louco fanático”.

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Por Rainer Sousa
Graduado em História

Guerra de Canudos foi uma série de conflitos armados envolvendo o Exército brasileiro e sertanejos que seguiam o líder religioso Antônio Conselheiro, tendo ocorrido entre 1896 e 1897, no Arraial de Canudos, interior do estado da Bahia. O Brasil passava ainda pela transição para o sistema republicano, tendo acabado de eleger seu primeiro presidente por voto direto e, também, o primeiro presidente civil: Prudente de Morais.

Esses conflitos marcaram fortemente o início do período republicano, tanto pelo grau de violência quanto pelos motivos que teriam justificado a destruição do arraial e a execução de aproximadamente 25 mil pessoas que ali viviam.

Como a guerra de Canudos acabou
Imagem que retrata a Guerra de Canudos publicada na Revista Don Quixote (1897).

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Principais causas da Guerra dos Canudos

Existem, pelo menos, duas grandes vertentes que tentaram, e ainda tentam, explicar o que foi a Guerra de Canudos.

Baseada na monumental obra Os sertões, de Euclides da Cunha, publicada em 1902 após o autor acompanhar a “última expedição” a Canudos, a vertente “euclidiana” faz uso de leituras sociológicas características do final do século XIX. Por exemplo: o positivismo, de Hippolyte Taine, que buscava compreender as relações sociais com base em determinismos raciais, geográficos e históricos; e também o darwinismo social, de Herbert Spencer, opondo categorias dicotômicas, como “civilização” e “barbárie”.

Outros autores importantes da época e que também foram influências para Euclides da Cunha são: Karl Marx, Émile Durkheim, Auguste Comte, entre outros que foram fundamentais para o desenvolvimento da sociologia.

Uma das teses propagandeadas pelo governo republicano, com a qual Euclides da Cunha partiu rumo a Canudos, refere-se ao conflito como um embate entre um foco de restauração monárquica, representado por Antônio Conselheiro e seus seguidores, e o Exército brasileiro, incumbido de combater os revoltosos.

Contudo, após voltar da guerra, Euclides da Cunha deu lugar a questões sociológicas complexas, com base nas referências teóricas do período, destacando um “raro caso de atavismo” em Antônio Conselheiro e diagnosticando — no ambiente, na miséria ali encontrada e na mestiçagem daquela população vítima do massacre — explicações para aquela situação.

Como a guerra de Canudos acabou
Euclides da Cunha escreve Os sertões, principal material de referência para os estudos de Canudos.

Existia também uma dicotomia entre o litoral brasileiro, desenvolvido e “civilizado”, e o interior do Brasil, onde a “barbárie” reinava. Com base em suas observações, Euclides da Cunha questiona esses modelos defendendo a barbárie como elemento comum a ambas localidades, porém com características diferentes.

No final dos anos de 1950, uma outra tese surge a partir dos artigos publicados de Rui Facó, reunidos no livro Cangaceiros e fanáticos. De perspectiva marxista, as teses de Facó buscavam uma interpretação definitiva de Canudos, associando a Guerra de Canudos à luta pela abolição dos latifúndios, pelo direito à terra e contra a opressão (representada pelos militares e a elite cafeeira da época).

Nesse sentido, o movimento de Canudos passa a ser visto, portanto, sob aspectos positivos, uma vez que representa um capítulo importante na história da luta pela terra no Brasil. Essas teses são mencionadas em algumas bibliografias como “progressistas” e antagonizam com as teses “euclidianas”.

Contudo, nos anos de 1990, a historiografia brasileira começou a revisitar o conflito na tentativa de buscar subsídios que pudessem corroborar ou não com essas teses apresentadas sobre Canudos. Com a dificuldade de encontrar fontes confiáveis e elementos que pudessem sustentar tais assertivas, o conflito acabou ganhando contornos menos idealizados sem, ao mesmo tempo, deixar de destacar os absurdos cometidos contra a população que vivia no arraial. Esse momento, inclusive, é considerado um dos maiores massacres já cometidos pelo Exército brasileiro em território nacional na história do Brasil.

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Estopim da Guerra dos Canudos

Já no final do ano de 1895, o próprio Antônio Conselheiro comprou uma certa quantidade de madeira em Juazeiro para o término da construção de uma nova e maior igreja no arraial. No entanto, apesar de terem recebido o dinheiro da compra, os comerciantes locais não entregaram a encomenda conforme planejado. Isso teria provocado a ira dos moradores do arraial, que, por sua vez, teriam ameaçado “assaltar” Juazeiro.

Vale ressaltar que, conforme a historiadora Jacqueline Hermann aponta em seus trabalhos sobre o tema, não existem documentações seguras que possam sustentar o que de fato ocorreu. Não obstante, esse tom de ameaça, provavelmente, deu início às campanhas militares contra o arraial de Canudos, as quais começaram em novembro de 1896.

Participantes do movimento

Para compreender o movimento de Canudos, é importante situá-lo dentro do fenômeno dos movimentos messiânicos, sobretudo do sebastianismo e sua influência no Brasil. Em 1578, o rei de Portugal D. Sebastião teria desaparecido na Batalha de Alcácer-Quibir, no norte do Marrocos.

A sua volta transformou-se em uma crença messiânica, em que o rei voltaria e libertaria os portugueses da difícil situação que estavam passando naquele momento. Antônio Conselheiro chegou a citar o rei D. Sebastião em seus discursos, mostrando a força que a crença em seu retorno despertava no imaginário luso-brasileiro.

No final do século XIX, o interior do Brasil era marcado pelo alto grau de abandono, sobretudo onde a seca atingia populações inteiras. Vale lembrar que a escravidão foi abolida em 1889, ou seja, não se havia completado cinco anos quando, em 1893, Antonio Conselheiro e seus seguidores instalaram-se em uma estéril e abandonada fazenda conhecida como Belo Monte.

As primeiras notícias do beato Conselheiro datam de 1874, no jornal O rabudo, de Sergipe, onde era referido como Antônio dos Mares. Ele vagava pelos sertões construindo cemitérios, igrejas e capelas, proferindo profecias e descontentamentos com questões políticas em discussão naquele período, como o casamento civil, além de conselhos. Dessa última prática viria a alcunha que lhe tornaria conhecido. Além disso, seus discursos sempre eram marcados pelo forte teor religioso.

Com isso, atraiu uma multidão de admiradores desvalidos que passaram a segui-lo até o arraial de Canudos, formando a comunidade que foi praticamente dizimada anos depois pelo Exército brasileiro.

Antônio Conselheiro

Antônio Vicente Mendes Maciel nasceu em 1828, na cidade de Quixeramobim, na então província do Ceará. Filho de comerciante, chegou a estudar português, francês e latim, tendo assumido os negócios da família após a morte de seu pai. Algumas fontes citam que ele teria lecionado português, geografia e aritmética, e que, depois, teria virado caixeiro viajante, casando-se em 1857.

Segundo relatos da época, suas peregrinações começaram após a fuga de sua mulher com um militar. Movido pela vergonha e promessa de vingança, suas andanças teriam então começado pelos sertões do Sergipe. Dando conselhos, restaurando igrejas, construindo outras, levantando capelas e proferindo profecias, tornou-se o beato de uma massa de sertanejos que passou a segui-lo e a defendê-lo.

Como a guerra de Canudos acabou
Desenho de Angelo Agostini, Antônio Conselheiro rechaça a República. Revista Ilustrada, 1896.

Em 1877, foi acusado de matar a mulher e a mãe e foi preso, mas logo foi solto pela falta de evidências. Assim, continuou suas peregrinações até, em 1893, junto a uma legião de seguidores, fixar-se na abandonada fazenda de Belo Monte, onde foi construído o arraial de Canudos.

Com o passar do tempo, em 1895, Canudos passou a comportar aproximadamente 25 mil pessoas, até a eclosão dos conflitos no ano seguinte. Após sucessivas batalhas, antes mesmo da capitulação completa do Arraial pelas tropas militares, Antônio Conselheiro morre, em 22 de setembro de 1897, de causas desconhecidas, e seu corpo é encontrado no dia seguinte pelas tropas militares.

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Destruição de Canudos

A Guerra de Canudos é dividida em quatro expedições militares, sendo que apenas uma delas, a última, foi vencedora. Foi também na última expedição militar que Euclides da Cunha esteve presente e produziu suas anotações que, em 1902, foram publicadas na obra Os sertões.

Sob rumores de que uma “restauração monarquista” ameaçava a já conturbada transição da República brasileira, no dia 12 de novembro de 1896, o tenente Pires Ferreira, liderando uma tropa com pouco mais de 100 praças e três oficiais, parte de Juazeiro rumo ao arraial de Canudos. No entanto, nove dias depois, a expedição é atacada de surpresa pelas forças conselheiristas. Sete praças e dois civis morreram nesse primeiro embate. Essa notícia provocou uma certa crise política entre civis e militares que só veio a agravar-se nas expedições seguintes.

A segunda expedição parte no dia 25 de novembro de Juazeiro, após, no dia anterior, ter chegado a notícia da derrota das tropas de Pires Ferreira. Começa, então, a segunda expedição, liderada dessa vez pelo major Febrônio de Brito, com o contingente de 609 praças, com o reforço da equipe de artilharia da polícia militar da Bahia, dois canhões e três metralhadoras.

Os primeiros enfrentamentos só foram ocorrer em 18 de janeiro de 1897, tendo as forças do Arraial, novamente, debelado a campanha militar, que, dessa vez, registrou a baixa de 10 praças. As notícias dessas derrotas chegavam ao Rio de Janeiro, capital na época, como uma derrota da República, em um já conturbado momento político que tinha Prudente de Morais, o primeiro presidente eleito por voto direito e civil da República brasileira.

É então que o coronel Moreira César, veterano da Revolta da Armada, é convocado para “resolver o problema”, que, naquela altura, havia se agravado demais. Ele reuniu então aproximadamente 1300 homens (entre grupos de artilharia, cavalaria, infantaria) e um comboio de cargueiro para munição.

No dia 6 de fevereiro de 1897, as tropas chegam a Salvador, e, no dia 18, estabeleceram-se em Monte Santo, ao lado de Canudos, de onde partiria o ataque planejado. Tentando pegar os conselheiristas de surpresa, o coronel Moreira César teria antecipado o ataque que, dessa vez, bombardeou o povoado, incendiou casas, além de ter atacado a igreja local.

Contudo, o próprio coronel foi ferido em 3 de março, tendo morrido no dia seguinte. Outro comandante também foi morto, ao lado das baixas de mais 13 oficiais e mais de uma centena de praças. Os combatentes de Canudos ainda aproveitaram as artilharias deixadas pelas tropas, reforçando ainda mais as forças conselheiristas.

Os embates entre lideranças civis e militares, que já vinham de antes, agravavam-se cada vez mais. Antônio Conselheiro e seus seguidores passaram a figurar como a maior ameaça à recente e já fragilizada República do Brasil.

É quando, do Rio de Janeiro, o general Artur Oscar começa a preparar uma força militar que contou com cerca de 10 mil militares. Após vários assaltos, que receberam reforços de vários batalhões em agosto, Canudos é tomado pelos militares em 5 de outubro de 1897.

Todos os combatentes foram degolados, além de outras atrocidades envolvendo mulheres e crianças. Ao mesmo tempo que as forças conselheiristas foram derrotadas, não se encontrou nada que pudesse comprovar as teorias conspiratórias que teriam justificado a investida contra o arraial.

Era preciso justificar, então, todo aquele esforço e aquelas mortes patrocinadas pela República. Euclides da Cunha, com a sua obra já mencionada, contribuiu ainda mais para os questionamentos posteriores sobre as motivações da destruição de Canudos. Nisso, os militares e os seus projetos para a República, em crise com os civis, foram, também, ao final da quarta e última expedição, derrotados.

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Como a guerra de Canudos acabou
Das expedições feitas pelas tropas militares apenas a quarta e última conseguiu derrotar os conselheiristas, em outubro de 1897.

Curiosidades

  • O filme Deus e o diabo na terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, um dos marcos do cinema brasileiro, foi gravado em 1963, em Monte Santo, por onde Antônio Conselheiro também passou em suas peregrinações. No filme, o personagem Sebastião representa esse líder messiânico que peregrina pelo sertão aos moldes da trajetória de Antônio Conselheiro.

  • Após a Proclamação da República em 1889, Antônio Conselheiro posicionou-se contra a separação do Estado e da Igreja e também contra o casamento civil, isso fez que com sua imagem fosse propagandeada como um “restaurador da monarquia”, um inimigo da República.

  • Após encontrarem seu corpo, Antônio Conselheiro teve a sua cabeça decepada e depositada na Faculdade de Medicina da Bahia, onde ficou preservada até 1905, quando um incêndio destruiu tudo.

  • O nome da fazenda onde se instalou o arraial de Canudos era Belo Monte. O nome Canudos possivelmente refere-se a um tipo de cachimbo de barro muito utilizado pelos seus habitantes.

  • Não se sabe muito sobre os sobreviventes de Canudos. Contudo, descendentes desses prováveis sobreviventes continuaram durante muito tempo idealizando a imagem de Conselheiro e da comunidade.

  • No final dos anos de 1960, o local do arraial de Canudos foi alagado e submerso sob o açude de Cocorobó, a cerca de 10 quilômetros da cidade que, hoje, leva o nome de Canudos.

Resumo

  • A Guerra dos Canudos (1896-1897) foi um dos principais conflitos do período de transição para o sistema republicano, ocorreu no arraial de Canudos e envolveu o Exército contra Antonio Conselheiro e seus seguidores.

  • Os motivos que teriam levado à guerra ainda são objetos de discussão, havendo duas teses principais: a Euclidiana, interpretando Canudos como um foco de restauração monárquica; e a de Rui Facó, marxista, tendo como epicentro a luta pela abolição dos latifúndios, pelo direito à terra e contra a opressão.

  • O conflito é dividido em quatro expedições militares, sendo vencedora apenas a última.

  • Antônio Conselheiro e seus seguidores tornaram-se a maior ameaça a República durante a guerra.