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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

MESTRADO EM HISTÓRIA E CULTURAS

LUCIANA DE MOURA FERREIRA

MEMÓRIA SOCIAL, IMAGINÁRIO E REPRESENTAÇÃO NO ÁLBUM DO

CENTENÁRIO DE SOBRAL - 1941

FORTALEZA

2010

LUCIANA DE MOURA FERREIRA

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1

Memória social, imaginário e representação no álbum do centenário de Sobral- 1941

Dissertação submetida à Coordenação do

Curso de Pós-graduação em História e

Culturas, da Universidade Estadual do Ceará.

Como requisito parcial para a obtenção do grau

de Mestre em História.

Orientação: Prof. Dr. Gisafran Nazareno Mota

Jucá

FORTALEZA

2010

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FERREIRA, Luciana de Moura.

Memória social, imaginário e representação no álbum do centenário de Sobral

-1941/Luciana de Moura Ferreira. Fortaleza,2010.

178p.: il.

Orientador: Prof. Dr. Gisafran Nazareno Mota Jucá

Dissertação (Mestrado em História)- Universidade Estadual do Ceará- UECE.

Centro de Humanidades.

1. Sobral (Ce) Memória Social. 2. Imagens. 3. Imaginário.

1. Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades.CE.

CDD-302

Lygia Conceição Leitão Teixeira CRB-31619

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3

LUCIANA DE MOURA FERREIRA

Memória Social, imaginário e representação no álbum do centenário de Sobral- 1941

Dissertação submetida à Coordenação do

Curso de Pós-graduação em História e

Culturas, da Universidade Estadual do

Ceará.Como requisito parcial para a obtenção

do grau de Mestre em História.

Aprovada em___/___/___

BANCA EXAMINADORA:

____________________________________________

Prof. Dr. Gisafran Nazareno Mota Jucá (Orientador)

Universidade Estadual do Ceará

_____________________________________________

Prof. Drª. Chrislene Carvalho dos Santos

Universidade Estadual Vale do Acaraú

_____________________________________________

Profª. Drª. Zilda Maria Menezes Lima

Universidade Estadual do Ceará

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4

Ao Tio Teúnas, (in memorian),

a Tia Helena e Tia Lúcia,

mais que tios,pai, mães, avós,

amigos, sempre comigo em todas as horas!

Obrigado pelo carinho, amor e confiança.

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5

AGRADECIMENTOS

Sinceros agradecimentos a todos os que direta ou indiretamente, contribuíram para a

concretização das palavras escritas.

Aos Profºs. Drs. Chrislene Carvalho dos Santos e Erick de Assis Araújo, por

participarem do meu exame de qualificação e, desse modo, contribuírem à proposta de

pesquisa com suas recomendações.

Ao amigo Prof. Dr. Gisafran Nazareno Mota Jucá, por acreditar em mim, mesmo

quando eu fraquejava. Obrigado pela paciência e por guiar minha escrita calorosamente.

À Profª Drª. Chrislene Carvalho dos Santos e a profª. Drª Zilda Maria Menezes Lima,

pela gentileza em aceitar participar da banca de defesa.

Ao Prof. Dr. Dênis Mello. pelo incentivo, pelos diálogos e pelos livros.

Aos professores(as) e amigo(as) do MAHIS/UECE, por caminharem comigo, entre

conversas e caminhos construídos, durante a produção deste trabalho.

Às minhas “irmãs e amigas”, Delizier e Arine, pelo carinho, apoio incondicional e

também pelos puxões de orelha.

A Biblioteca Menezes Pimentel, por possibilitar a pesquisa no acervo,

principalmente a Gertrudes, companheira de longas tardes na pesquisa.

À Daniele Alves, Marismênia e Alex Oliveira, minha família de coração com quem

construí laços de amizade, ternura e carinho. Sem esquecer, é claro, das crises, diálogos que

entravam pela madrugada(...) Juntos compartilhamos alegrias, aflições, sonhos e alguns

desencantos...

A Cícero Joaquim dos Santos, por fazer parte dessa dissertação, pela amizade,

carinho e por sempre acreditar em mim...

A meus pais, Stênio e Maria Tereza, guias do meu caminho, segurança e força.

A meus irmãos, Ticiane e Stênio, meus melhores e eternos companheiros, incentivo e

confiança.

À CAPES, por financiar o desenvolvimento da pesquisa.

A todos os narradores da pesquisa, que gentilmente me cederam momentos em sua

companhia, além de compartilharem comigo suas lembranças e histórias

FORÇA SEMPRE!

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RESUMO

Nesta pesquisa procuramos compreender a formação das representações da cidade de Sobral,

a partir da produção do álbum do seu centenário, no ano de 1941. A utilização das imagens

como objeto de memória, nos proporcionou entender como a cidade foi instituída no

imaginário da população. O trabalho com o jornal Correio da Semana nos levou a conhecer

os desejos de transformação da cidade, de um grupo social, que instituiu alguns espaços,

como símbolo do seu progresso e transformação. A partir da memória social, foi possível

perceber que a cidade, cristalizou-se de forma ambígua no imaginário da sua população, pois

as narrativas dos velhos nos levaram a conhecer uma outra cidade, que existia entre as Praças

e os Clubes locais. Uma cidade onde o cotidiano era díspar do divulgado e enaltecido pela

memória oficial. Dessa forma, as imagens divulgadas no álbum revelaram que a cidade pode

ser lida e compreendida de múltiplas formas.

Palavras-chave: Centenário, Memória Social, Imagens, Sobral

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ABSTRACT

In this research we seek to understand the formation of representations of the city of Sobral,

from the album's production of its centenary in the year 1941. The use of images as objects of

memory, provided us understand how the city was established in the minds of the population.

Working with the newspaper Correio da Semana us to meet the desires of transformation of

the city, a social group, which established certain areas, as a symbol of progress and

transformation. From the social memory, it was observed that the city, crystallized somewhat

ambiguously in the imagination of its population, because the narratives of elders led us to

know another city that existed between the Squares and the local clubs. A city where daily life

was reported from disparate and enhanced by the official memory. Thus, the images showed

the album showed that the city can be read and understood in multiple ways.

Keywords: Centennial, Social Memory, Images, Sobral.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO:……………………………... ......................................................................10

1. MÚLTIPLOS OLHARES, DIVERSAS MEMÓRIAS E UMA CIDADE:

SOBRAL..................................................................................................................................29

1.1.A cidade e o jornal Correio da Semana: desejos da cidade ideal..................................31

1.2. Dom José: controle e civilidade em Sobral..................................................................36

1.3.O centenário de Sobral: organização e construção de um passado glorioso.................46

1.4.A produção da comemoração........................................................................................52

1.5.Craveiro Filho e o álbum do centenário........................................................................56

2. LEGIBILIDADE DA CIDADE NA VISÃO DA ELITE: ESPAÇO E IMAGENS NA

CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS..... ........................................................... ……….....…...62

2.1.Álbum do centenário: Sobral monumentalizada...........................................................67

2.2. Sobral retratada: a cidade em imagens instituindo a memória…………….......……..71

2.3. A cidade nos seus primórdios: imagens do passado como exaltação do presente…..82

2.4. A cidade revelada: espaços públicos e poder público no centenário.............………..92

2.5. Lugares de passagem e do “desejado” progresso.......................................................105

2.6. Praça: usos e abusos do lazer.....................................................................................116

3 OLHAR, LEMBRAR E CONTAR: IMAGENS COMO OBJETO DE

MEMÓRIA....…....................................................................................................................124

3.1. Imagens como memória da cidade: narrativas da cidade..................................…….134

3.2. Memórias do centenário: silêncios de fragmentos.....................................................154

4.CONSIDERAÇÃOESFINAIS......................…………………………………………....162

5.FONTES…………………………………………………………………………………..167

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................169

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O Auto-Retrato

No retrato que me faço -

traço a traço -

às vezes me pinto nuvem,

às vezes me pinto

árvore...

às vezes me pinto coisas

de que nem há mais

lembrança...

ou coisas que não existem

mas que um dia

existirão...

e, desta lida, em que

busco

- pouco a pouco -

minha eterna semelhança,

no final, que restará?

Mário Quintana

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10

Introdução

Não se sabe se Kublai Khan acredita em tudo o que

diz Marco Pólo quando este lhe descreve as cidades

visitadas em suas missões diplomáticas, mas o

imperador dos tártaros certamente continua a ouvir o

jovem veneziano com maior curiosidade e atenção

do que qualquer outro de seus enviados ou

exploradores

A justificativa desta pesquisa está intimamente envolvida com a capacidade de

perceber as cidades não apenas em suas formas concretas, nem em seus registros oficiais, mas

na possibilidade de ouvir os sussurros que ecoam pelas calçadas e observar olhos que se

deparam com os espaços da cidade desejada, ao reviverem os encantos e os sonhos que

habitam entre a frieza do concreto e o calor dos desejos.

Assim como Kublai Khan não questionava a veracidade dos relatos de Marco Pólo,

não temos o direito de questionar a verdade daqueles que nos receberam amavelmente e nos

presentearam com suas memórias sobre os “tempos antigos”, revelando-nos outras formas de

perceber e sentir o cotidiano, mostrando que a cidade não era apenas desejo dos que a

“reordenavam, controlavam, transformavam”.

Havia também uma outra cidade, fruto do desejo daqueles que nela viviam e a

delineam através da memória. Era também desejo dos que a observavam transformar-se,

remodelar-se, preservando o perfil de uma cidade ideal. A cidade pertencia àqueles que,

mesmo não podendo ir aos bailes no Pallace Club

, ficavam na calçada, vendo as pessoas

entrarem e saírem. Eles observavam como a elite se vestia e ouvia música, pois também

faziam parte da cidade, mesmo não estando inseridos oficialmente nos espaços exclusivos

dos privilegiados.

Calvino, Ítalo. Cidades Invisíveis.São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

Um dos primeiros clubes diversionais da cidade, fundado em 1909, com o nome de Grêmio Recreativo

Sobralense, sendo em 1926, inaugurado sua nova sede na Praça da Meruoca, hoje Praça de Cuba. O estilo do

Prédio é neoclássico, destacando-se arquitetonicamente pelos detalhes. Durante cinqüenta anos o Palace Club

movimentou a sociedade sobralense com requintadas festas, apresentações de cantores líricos, recitais, shows e

festivais.

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Sobral surgiu meio por acaso em nossa vida. Na verdade, sempre ouvíamos histórias

sobre sua opulência, sua grandiosidade e seu “apego a um passado e suas tradições”, sobre seu

desejo de copiar os modismos americanos e, por isso, chegando a ser conhecida popularmente

como “Estados Unidos de Sobral”.

Esses ouvir dizer sobre Sobral afastavam o desejo de conhecê-la. No entanto, por

um desses imprevistos que ocorrem em nossas vidas fomos morar em Sobral, uma terra

estranha e nada amigável pelo que se ouvia falar. Contudo, aos poucos fomos sendo

envolvidos por um encanto natural, o orgulho dos sobralenses não assustava tanto e até

tornava-se motivo de piadas entre os “estrangeiros”

. Aos poucos, fomos aprendendo a

reconhecer os sobralenses por seu gosto pelo luxo, pela boa educação e receptividade quando

se trata de falar sobre a cidade e seus símbolos. Dona Zuleica Viana

é um exemplo dessa

tipologia, pois não permite que nenhuma visita saia da sua casa sem levar algo consigo. É

preciso reconhecer sua receptividade e carinho, ao abrir as portas das suas lembranças e nos

encaminhar a um mundo novo e diferente daquele que encontramos nos estereótipos sobre a

cidade, a nos ensinar a ver outra cidade que vai além do concreto e invade o campo

sentimental. Andar pelas ruas de Sobral é surpreender-se a cada instante, com o Arco do

Triunfo, com o Boulevar, com sua arquitetura peculiar, com o Alto do Cristo, com as

procissões e devoções, com o gosto pelo luxo. Um mundo globalizado, onde circulam lado a

lado o luxo e a simplicidade do cotidiano.

Em meio a estas descobertas urbanas e ao aprendizado de olhar sempre além do que

os olhos vêem, descobrimos outra forma de enxergar a cidade, através dos seus cronistas,

poetas, jornalistas, fotógrafos, habitantes comuns, simples observadores da cidade, com eles

CF: FREITAS, Nilson Almino de. Sobral Opulência e Tradição. Sobral: UVA, 2000. O autor usa a palavra

estrangeiros para denominar todos aqueles que vivem em Sobral, porém não são naturais da cidade.

Secretária da Diocese de Sobral e uma das entrevistadas na pesquisa.

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fomos descobrindo uma cidade que era dita de várias formas, inclusive pela sua historiografia

que permite, em pleno século XXI, a exaltar os grandes homens e seus feitos.

Entretanto, quanto ao que se tem produzido sobre a cidade, fugindo desta

perspectiva positivista, seus autores ainda estão restritos às paredes do mundo acadêmico.

Veja-se “Sobral: Opulência e Tradição”

, onde o autor realiza um mapeamento da cidade e

das origens da sua tradição, questionando os espaços sociais e a aura de poder que os

circunda, analisando as condutas e regras de sociabilidade ali presentes e a construção do

sentimento da decantada Sobralidade.

Na dissertação de mestrado Construção social do corpo feminino: Sobral

1920/1925

, Chrislene Carvalho dos Santos, tendo por base os jornais ‘Correio da Semana’ e

‘A Lucta’, e da ‘Revista da Semana’, apresenta uma análise do comportamento feminino na

cidade, a partir do “embate”, estabelecido entre a igreja e as idéias modernas divulgadas no

período, pelos liberais. A autora constrói, dessa forma, uma análise das apropriações

realizadas pelos conservadores, sobre a modernidade do comportamento feminino,

institucionalizando idéias, proferidas no discurso da igreja e do Correio da Semana, de forma

a instituir o comportamento de umamulher ideal”, no que se refere ao pensamento católico

de orientação “ultramontana”.

A importância da pesquisa revela-se por nos levar a perceber, como a partir da

publicidade e dos discursos proferidos pela igreja, o comportamento feminino era controlado

e coordenado pelo “poder ordenador da cidade”. É importante salientar que a igreja, tinha na

personalidade do seu primeiro Bispo, D. José, o principal defensor da modernidade e do

FREITAS, Nilson Almino de. Sobral Opulência e Tradição. Sobral: UVA, 2000.

SANTOS, Chrislene Carvalho dos. Construção social do corpo feminino Sobral 1920-1925. Dissertação de

Mestrado em História-Universidade Federal de Pernambuco/UFPE, Recife, 2000.

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desenvolvimento da cidade. No entanto, no que se relacionava ao comportamento feminino, o

mesmo era retrógrado e incentivava a continuidade da submissão feminina.

Agenor Soares Júnior, na sua dissertação de mestrado, A cidade disciplinada: a

igreja católica e os trabalhadores urbanos em Sobral- Ceará(1920-1925)

, apresenta as

relações construídas entre a igreja que ordenava e controlava as transformações da cidade em

prol do progresso e desenvolvimento, mas que controlava as idéias que circulavam no espaço

urbano, especialmente o espaço do trabalho e das idéias consumidas e divulgadas pelos

trabalhadores.

Ainda sobre Sobral, identificamos um artigo escrito pela professora Teresa Maria

Frota Haguette, onde aborda o processo crise iniciado na cidade, a partir da construção da

estrada, que ligaria Fortaleza a Sobral. Ela analisa o processo de crise vivenciado pelas elites

da cidade, que antes mantinham contato direto com a Europa sem o intermédio da Capital.

Neste sentido, o artigo mostra outra visão sobre o inicio do processo de

transformação dessa elite e da cidade, levando em consideração a sua formação educacional,

as transformações econômicas registradas e forte influência da Igreja na construção de um

tempo ideal da elite, moldado na valoração das famílias.

A igreja, através do clero, influiu fortemente como instituição de

controle social para a manutenção de padrões de conservadorismo

moral e político junto à população, haja vista o repúdio dos “crentes”,

ao comunismo e às modas femininas mais afoitas. Por outro lado, sua

contribuição positiva também era sentida no campo da cultura em

geral e dos princípios cristãos que dinfudia.

SILVA JÚNIOR, Agenor Soares e. “A Cidade disciplinada”: a Igreja católica e os trabalhadores urbanos em

Sobral- Ceará (1920-1925). Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal do Pernambuco

UFPE,Recife,2002. p.37.

HAGUETE, Tereza Maria Frota. As elites sobralenses na década de 40. IN: Revista do Instituto do Cea.

Fortaleza. Vol. 105, ano CV. 1991.p. 397.

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A Igreja católica, na primeira metade do século passado, funcionava como instituição

ordenadora da vida social e das famílias. Em Sobral essa atuação era ainda mais forte por ser

ela a mantenedora de ações assistencialistas

, das festas religiosas, que com suas procissões

apresentavam-se como verdadeiros espetáculos, assim como as inúmeras igrejas da cidade

que se transformavam em núcleos centrais de praças, em torno das quais a população

construía suas residências. A Igreja influenciava a constituição da sociedade e de seus valores,

assumindo a responsabilidade na “construção” da cidade.

A produção acadêmica, anteriormente indicada, expressa outras visões sobre Sobral,

que diferem em grande parte da historiografia local, consolidada por Dom José Tupinambá da

Frota

e Padre Francisco Sadoc de Araújo

. Na conhecida produção, eles apontam a cidade

como espaço detentor de um poder e de uma soberania,, independente de raízes portuguesas e

de seus habitantes. Dentre eles, o de maior destaque, Dom José Tupinambá da Frota, que o

imaginário local denominou o segundo pai fundador da cidade, pois foi justamente após

seu retorno à cidade, em 1918, que se iniciou um processo de ordenação urbana, higienista,

social e cultural.

A diocese de Sobral antecipou-se ao estado as ações assistencialistas com a construção da Santa Casa de

misericórdia inaugurada por Dom Joem 1925, e a Sociedade de São Vicente de Paula com seus dispensários

para atender os necessitados, sendo a sociedade criada em 1885 e o dispensário em 1939, além da existência de

diversas associações pias.

José Tupinambá da Frota foi o primeiro Bispo da cidade. Nasceu em Sobral no ano de 1882, onde iniciou

seus estudos, sendo no ano de 1895 enviado por seus pais para o Seminário Arquiepiscopal na Bahia, onde ficou

até 1899, quando embarcou para Roma onde se graduou em Filosofia e Teologia. Ordenou-se Presbítero no ano

de 1905, retornando para o Brasil em 1907; no ano de 1908 retorna a Sobral sendo em 1915 eleito Bispo da terra.

É o autor da obra: História de Sobral. Fortaleza: Henriqueta Galeno, 1974.

Cronologia Sobralense- 5 volumes (1974-1990); A Ciência Criadora (1976); História da Cultura Sobralense

(1978); Estudos Ibiapabanos (1979); História Religiosa da Meruoca (1979); Ceará: Homens e Livros (1981);

Traços Biográficos de Dom JoTupinambá da Frota (1982); Dicionário Biográfico de Sacerdotes Sobralenses

(1985); História Religiosa de Guaraciaba do Norte (1988) e Padre Ibiapina, Peregrino da Caridade- entre outros.

É, também, membro da Academia Cearense de Estudos e Letras, Sócio do Instituto do Ceará, do Instituto

Genealógico Brasileiro e do Colégio Brasileiro de Genealogia.

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15

A visão de Dom José como o grande realizador de ações de natureza social teve

continuidade através da ação de seus seguidores, dentre eles José Teodoro Soares

, que

produz uma vasta obra sobre o período em que o bispo esteve à frente da cidade, fortalecendo

o mito de Dom José.

Enfim, foram estas as razões que nos despertaram o desejo de conhecer e entender

as representações que se constituíram em torno da cidade e da figura de Dom José na década

de 1940, quando a cidade foi dotada de um amplo processo de modernização, alimentada pela

idéia de progresso e desenvolvimento sócio- cultural, quando comemorou seu primeiro

centenário.

Parece-me importante considerar o imaginário, nesta pesquisa, como forma de

abordar os sistemas simbólicos de idéias e imagens de representação coletiva, que conduz os

historiadores a captar a multiplicidade de sentidos e construção de significados diferenciados

sobre o acontecido e sobre suas formas de representação,expressas em textos, imagens e

memória.

Pesavento

, ao discutir o imaginário apresenta-o como “outro real”, um real que

partindo de representações, construídas pelo homem, vão dando significado às coisas. Ou

seja, o mundo que vemos, em que acreditamos é o mundo “real”, no sentido em que é

transformado, pensado e vivido pela maneira como cada um o interpreta e compreende. O

imaginário emerge entre o concreto e o onírico, legitimando a forma como percebemos a

realidade.

José Teodoro Soares é natural de Reriutaba- Ceará, onde nasceu a 28 de dezembro de 1940. Bacharel em

Direito e Filosofia, Licenciado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Paris

(1968), e em Ciências Sociais pelo Instituto Católico de Paris no mesmo ano. Mestre em Administração Pública

pelo Instituto Internacional de Administração Pública de Paris(1970). Autor de vários livros entre eles: “Em

defesa da educação e da universidade cearense. Sobral: Edições UVA, 1997”; “Universidade regionalização e

Cultura. Crato/Fortaleza: URCA/UFC, 1990”; “Pensar e Repensar a Universidade (série) 1 a 5. Sobral:UVA,

1996”, entre outros.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano Paris, Rio de Janeiro,

Porto Alegre. 2. Ed. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002, p.11.

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16

Entre as muitas possibilidades de estudar a cidade optamos pela história cultural

,

que se propõe a estudar a cidade partindo de suas representações, sendo elas uma das

fascinantes formas de ouvir os sons, e perceber os sentidos que a cidade emite por meio de

sua literatura, arquitetura, cotidiano, práticas sociais, imagens, costumes e tradições que

constituem o imaginário da Cidade.

Compreendendo a cidade pelo olhar de Pesavento

, a definimos como objeto de

múltiplos discursos e olhares, que não se hierarquizam, mas que se justapõem, compõem ou

se contradizem, sim, por isso, serem uns mais verdadeiros ou importantes que os outros”.

Assim, pensamos a cidade como espaço de experiências, construção de saberes e reflexões

que estão muito além do espaço físico, dando forma e significados a sentimentos, a

sociabilidades que se constituem em representações.

Neste contexto, buscamos entender a cidade de Sobral através das representações que

foram construídas em torno dela e da comemoração do seu primeiro centenário, durante a

década de 1940. Nessa perspectiva, podemos pensar sobre o poder que essas representações

tiveram no modelo idealizado e como influenciaram nas transformações registradas.

Entendemos que a cidade tem seus espaços transformados e produzidos, a partir das relações

de significados socialmente estabelecidos, que são resignificados por seus usuários em forma

de representações.

Nosso objetivo é, pois, entender a cidade, nos anos quarenta do século passado,

através da memória daqueles que tiveram, direta ou indiretamente, contato com esse marco

temporal, ressaltando o processo de constituição das representações reveladas. Visualizar

Sobral, a partir do prisma da memória social é possibilitar o conhecimento de outra Sobral,

Sobre história Cultural ver:BURKE, Peter.O que é história cultural?Rio de Janeiro; Zahar,2005.;ROSSINI,

Miriam de Souza; WEBER, Nádia Maria; PESAVENTO, Sandra Jatahy. (orgs.). Narrativas imagens e práticas

sociais: percursos em história cultural. Porto Alegre: Asterisco, 2008.

PESAVENTO. Op. Cit, p. 17

17

levando em consideração não apenas o papel dos “homens ilustres”, mas de outros agentes

que, na simplicidade de suas experiências cotidianas, nos fazem melhor entender a

complexidade das práticas urbanas, vivenciadas em espaços diferenciados, mas constitutivos

de uma paisagem social.

A interpretação desse cotidiano, revelado por diferentes memórias de múltiplas

opções de fazer possibilita-nos, assim, pensar o período estudado como a apresentação de uma

paisagem urbana, composta por desejos múltiplos, de transformação, definidora de uma

identidade, composta pelo “verso e reverso” da cidade.

A opção pela elaboração de um trabalho acadêmico, onde a memória social e as

fotografias constituem fontes elencadas prende-se ao fato de ser um costume sobralense

utilizar fotografias da cidade, como forma de apresentar, aos visitantes ou observadores da

cidade, o seu passado e sua tradição, visível nas imagens, seu sentido simbólico que elas

trazem em si. Somos cientes de que muitas destas ações de “re” avivamento da cidade

ocorrem com fins de propaganda, de divulgação da cidade pela administração pública ou

mesmo por entidades privadas, que buscam atrair público a partir da sua associação com a

tradição da cidade.

Reconhecendo o poder que as fotografias têm de representação do real, por nós

compreendidas, como fragmentos de um dado momento e produto de uma visão particular de

seu produtor que pode ser direta ou indireta, pensamos serem elas uma das possibilidades de

ler a cidade.

Destacamos as fotografias como uma das possibilidades de ler a cidade.

Reconheçamos o poder que elas têm de representação do real, pois se afiguram como

fragmentos de um dado momento, produto de uma visão particular do seu produtor, que pode

ser direta ou indireta.

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18

As imagens aqui utilizadas como memórias fazem parte do “álbum Histórico

comemorativo ao primeiro centenário da cidade de Sobral”, organizado pelo Jornalista

Craveiro Filho com o apoio e incentivo de Dom José, no ano de 1941.

As fotografias que ilustram o álbum retratam os espaços da cidade que

representavam as ações do Bispo e do poder público rumo ao seu desenvolvimento e

progresso. A utilização das imagens, como representação dos desejos de transformação e

constituição do imaginário da cidade, funcionam como precioso guia, na busca pela

compreensão de como a cidade era desejada pelos produtores dessas representações, além de

serem utilizadas como objeto desencadeador da memória. Afinal, “a imagem é uma espécie de

ponte entre a realidade retratada e outras realidades, e outros assuntos, seja no passado, seja

no presente. E por isso ela não se esgota em si”

, o que nos possibilita um maior número de

interpretações da cidade, pois, pensando a memória não apenas como coletiva, como

Halbwachs

, mas também como individual, voltada para o todo,pois podemos visualizá-la

através de duas lentes: uma individual e outra social, que não se dissociam mas se

complementam.

Em si e por si, a memória é simplesmente subjetiva. Ao mesmo

tempo, porém, a memória é estruturada pela linguagem, pelo ensino e

observação, pelas idéias coletivamente assumidas e por experiências

partilhadas com os outros. Também isso constrói uma memória

social.

A tradição de que a memória é apenas reflexo da produção da verdade pela história

soa absurda nos dias atuais, pois ambas estão envolvidas em questões bem mais complexas

que uma simples busca pela verdade absoluta e a objetividade não parece ser a maior das

PAIVA. Eduardo França, História e Imagens. Belo Horizonte: Autentica 2002. (Coleção História

&Reflexões), p. 19.

Halbwachs. Maurice, A Memória coletiva. São Paulo: Vértice Editora, Revista dos Tribunais, 1990.

FRENTRESS. James, Memória Social: Novas perspectivas sobre o passado. Ed. Teorema, Lisboa, 1992,

p.10.

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19

particularidades de ambas. Neste sentido a memória, nesta pesquisa, é considerada por seu

aspecto social, contribuindo assim para a constituição da história. Para Jucá

, o sentido das

memórias nos leva a saberes sobre o mundo social a partir do individuo, nos revelando

conhecimentos silenciados que foram indiferentes para algumas reconsiderações históricas,

especialmente as oficialmente consagradas.

Como pensar o imaginário da cidade a partir das representações e da memória na

primeira metade do século passado em Sobral se ainda hoje, no século XXI, permanece forte

na cidade o mito de Dom José e sua influência sobre a transformação da cidade no período

abordado? A memória, como afirma Polack

, “é um elemento constituinte de identidade,

tanto individual como coletiva”. Desta forma, pode-se pensar que ela é passível de conflitos,

afinal o indivíduo constrói uma identidade para si e para os outros, sendo, pois na

reconstituição da instituição de um imaginário local, totalmente cabível essa disputa ou até

mesmo uma tentativa de enquadramento da memória. Assim, tentou-se compreender como

este imaginário foi instituído na cidade, a partir de objetos de memória, ou seja, fotografias.

Neste trabalho partimos da utilização de Le Goff

, documento/monumento,

tomando as imagens como imagem /documento e imagem/monumento, utilizando-se do

sentido simbólico, material e funcional que as mesmas detêm, pois se a função dessas

imagens é cristalizar os fatos e os espaços retratados, evitar o esquecimento, fica claro que a

sua função é possibilitar a re-atualização da memória.

Observar uma fotografia com uma distância temporal de seu período de produção e

a experiência de quem a observa no presente é reatulizar a memória, é desvelar um infinito

JUCÁ. Gisafran Nazareno Mota, A oralidade dos velhos na polifonia urbana. Fortaleza: Imprensa

universitária, 2003.

POLLAK. Michael, Memória e identidade social. IN: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992,

p.200 - 212.

Le GOFF. Jacques. História e memória. 4 ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996.

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20

número de sensações e sentimentos, às vezes adormecidos pelo tempo, mas que são

desencadeados pela ação do ver o passado cristalizado.

Como diz Calvino

, uma cidade comporta muitas e analisar uma cidade, mediante

suas transformações, é reconstituir os poderes que a instituíram. A forma que a cidade detém

hoje, naturalmente, foi modificada. No entanto, em Sobral preservou-se grande parte da

estrutura do seu acervo arquitetônico, que é um misto de estilo medieval e moderno. Então,

como fazê-la uma cidade moderna, falar através da memória em meio a uma “natural”

descaracterização do espaço? Enfim, “independente de sua qualidade estética, qualquer

imagem pode servir como evidência histórica”

. Por isso, optamos pela opção da memória de

velhos, não apenas por serem eles reconhecidos como os detentores sobre as “Estórias de

antigamente”, mas também por reconhecer neles um descomprometimento com possíveis

poderes sociais, que poderiam interferir sobre seus depoimentos; desta forma, eles deixam

fluir suas memórias durante a entrevista, como uma preciosa fonte. A escolha dos

entrevistados não se deteve na classificação de classes sociais, mas pautou-se na idade e na

relação dos entrevistados com a cidade, no período da década de quarenta. Também não nos

detivemos em formulários ou perguntas prontas, e sim na espontaneidade dos entrevistados.

As fotografias por nós utilizadas como fonte são de espaços urbanos, dotadas de um

sentido representativo, do que queria ser preservado e mantido como o próprio organizador

Craveiro Filho fala no inicio da obra: “O futuro historiador desta grande terra encontrará neste

trabalho todo o material de que irá precisar para a construção do edifício histórico da cidade

de Sobral”

. As palavras do jornalista expressam seu caráter de representação, e, mais que

isso, elas fazem referência ao que o grupo social, ao qual estava ligado, queria preservar,

CALVINO. ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994,p.67.

BURKE. Peter, Testemunha ocular história e imagem. Bauru, SP; EDUSC, 2004.

BPMP Acervo de Obras raras. Craveiro Filho. Álbum do centenário de Sobral. Sobral, S.d, 1941.

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21

incluindo-se neste sentido as fotografias que na obra aparecem fora do texto, ou seja, não m

ligação com o texto escrito. Mas com forte sentido simbólico. Sentido este que iremos

explorar através da análise de imagens como documento/monumento e como objeto de

memória.

Trabalhar com a análise de fotografias não é apenas uma leitura visual do que ela

expressa, mas também uma visão do seu contexto. Kossoy

afirma que para esta análise

devemos realizar a “verificação de todos os detalhes das imagens”, isto é, o seu sentido de

produção, seus receptores e, mais que isso, olhar as imagens apoiados pelas “informações”,

colhidas através do “poder público, de periódicos da época, atas oficiais emanadas do poder

público entre outras fontes”. Enfim, a imagem deve ser dissecada, falar em todos seus

sentidos desde o visível ao imaginado, possibilitando assim sair do espaço retratado e chegar à

cidade ou na sua dimensão plural.

A nossa análise parte de eixos temáticos visuais, ou seja, aspectos urbanos,

onde analisamos imagens fotográficas, na tentativa de identificar padrões de recorrência

temática e formal, estabelecendo subconjuntos, no interior da mostra total, orientados pelos

motivos fotografados e também pela relação entre essas temáticas.

Na segunda parte do trabalho as imagens são utilizadas como objeto de

memória , pois “a fotografia provoca no olhar uma síntese da memória pessoal”

, afinal

quando observamos uma fotografia a memória sobre o objeto representado vem à tona

trazendo junto uma rede de outras memórias a ele associados, dessa forma resignificam o ato

de ver e falar o objeto representado.

No intuito de melhor compreender as imagens como representação não apenas do

que está explicito imageticamente, mas no seu sentido de “invisível” ao olho, as imagens são

KOSSOY. Boris, Fotografia & História. São Paulo; Ática, 1989, p. 85.

KOURY. Mauro G. Pinheiro, Fotografia como objeto de memória: produto técnico e suporte ideológico na

conformação do homem ocidental. In: Domínios da Imagem. Londrina, ano I, n.2, maio de 2008, p.101 106.

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22

analisadas através da historiografia local e do periódico Correio da Semana

, a fim de

garantir uma compreensão mais profícua dos sentidos de representação, que as imagens

trazem em si.

A utilização dos jornais como fonte de pesquisa apresenta-se como possibilidade de

retorno ao passado. Eles proporcionam a sensação de vivenciar o passado, a partir das

representações que foram instituídas nesses espaços, por ideários, partidos políticos ou

instituições a que sua produção estivesse ligada. Nesse sentido, apoiando-nos em Capelato,

quando nos informa que a imprensa escrita deve ser entendida , “não como um nível isolado

da realidade social na qual se insere, mas que ela representa fundamentalmente, um

instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida social ”

.

Essa percepção do jornal será por nós utilizada como fonte para a compreensão das

representações sobre a cidade, nos levando a entender como a cidade era pensada e divulgada

pela igreja, através do jornal Correio da Semana. Da mesma forma é importante considerá-lo

como veículo possível de visibilidade, da participação popular na cidade e nos processos de

transformação e festividades, registrados na cidade. Entretanto, são as fontes orais que

merecem destaque na elaboração de nossa dissertação. Sem menosprezar as demais, é através

das entrevistas realizadas, estimuladas pelas fotografias urbanas relacionadas, pois as fotos

não devem ser utilizadas como um simples adorno de trabalhos históricos, que conseguimos

dar voz a agentes históricos, antes não reconhecidos na história local. O cotidiano por eles

narrado e a espontaneidade de seus testemunhos enriquecem o acervo trabalhado no decorrer

de nossa pesquisa

Órgão dos interesses religiosos da Diocese de Sobral. Fundado por Dom JoTupinambá da Frota em 1917,

sob a direção do Pe. José de Lima Ferreira e redação de Pe. Francisco Leopoldo Fernandes Pinheiro, que mais

tarde foi também diretor. O jornal ainda hoje continua em funcionamento.

CAPELATO, Maria Helena. Populismo na imprensa: UH e NP. IN: Melo, José Marques de (org.) Populismo

e Comunicação. São Paulo: Cortez, 1981. P.118.

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23

A partir dos conceitos de representação e memória social, o conteúdo extraído nas

fontes trabalhadas foi embasado e articulado. O tema é abordado assim na perspectiva da

história cultural, que amplia as possibilidades de escrita e produção da história urbana.

Através dela, além do peso do setor econômico revelados das manifestações culturais, onde

diferentes aspectos das relações sociais se entrecruzam nessa reveladora trilha histórica.As

teorias, a meu ver, nos possibilitam uma melhor definição dos problemas levantados e se

apresentam como referência para encontrar os caminhos que a pesquisa deve seguir. Nessa

trilha, apoiada em um dialogo mantido entre teoria e prática, de pesquisa, no campo da

história cultural, o conteúdo da temática proposta se torna mais transparente no complexo

emaranhado de veredas, que compõem o cenário urbano.

Partindo de Chartier

, o conceito de representação é fundamental para o

desenvolvimento de pesquisas na História Cultural, pois,

As representações do mundo social assim construídas, embora

aspirem a universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são

sempre determinadas pelos interesses de grupos que as forjam. Daí

para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos

com a posição de quem os utiliza.

Ao mesmo tempo, o uso do conceito de representação tornou necessário um diálogo

com o conceito de imaginário, não apenas o por nós adotado

, o qual compreende sua

constituição através de “discursos e imagens”, que ultrapassam a visibilidade e relacionam-se

intimamente com a subjetividade, com a experiência que se constrói entre o olho e a

experiência, um sistema de idéias construído e dotado de “sentido de real”, pelo grupo que o

legitima socialmente.

CHARTIER. Roger, A História Cultural Entre práticas e representações.. Rio de Janeiro. Editora Bertrand

Brasil, 1988.

PESAVENTO, Sandra. Um novo olhar sobre a cidade: a nova história cultural e as representações do urbano.

In: MAUCH, C. ET AL. (orgs). Porto Alegre na virada do século 19, cultura e sociedade. Porto Alegre,

Canoas, São Leopoldo: Editoras da UFRGS, Ulbra e Unisinos, 1994. p.130.

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A noção de representação está ligada à noção do re-apresentar, do re-vitalizar no

presente o que foi produzido e utilizado em forma de discursos ou imagens para representar o

mundo e o homem.

Neste sentido a memória tem a função de trazer à tona as representações, a partir do

conhecimento que retém sobre elas e suas relações com a história, através do conceito de

memória social por nós adotado, o qual aponta que:

o significado social da memória, tal como a sua estrutura interna e o

seu modo de transmissão, é pouco afetado pela sua verdade; o que

interessa é que se acredite, pelo menos até certo ponto pois que

não desprezar os contos populares, que também são comemorações do

passado, embora muitas vezes não sejam nem sequer narrados como

rigorosamente criveis.

Percebemos que a memória está intimamente ligada à história cultural e que sua

utilização, associada aos conceitos de representação e imaginário, possibilita a expressão das

ideias dos consumidores destas representações, possibilitando assim uma reconstituição das

visões sobre a cidade em determinados períodos históricos, através de uma multiplicidade de

formas de pensá-la, considerando seu imaginário como uma preciosa fonte.

Assim, na medida em que a nova História Cultural amplia seu leque de fontes e se

fortalece como uma nova postura epistemológica, quando a questão da memória e do

imaginário se fazem fundantes e, com isso, valorizam as novas formas de produção do

conhecimento, penso ser esta pesquisa uma forma de construir novos olhares sobre a cidade

de Sobral, onde através da memória e das representações seja possível reconstituir uma das

múltiplas faces que a cidade assume frente aos consumidores de seus espaços e das suas

representações sobre ela produzidas. Portanto, por meio do diálogo com as fontes e com as

teorias, procuramos nesta pesquisa traçar possibilidades de pensar, de múltiplas maneiras, a

FENTRESS. OP. Cit, p. 10.

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cidade e quem sabe constituir aqui um roteiro da formação deste imaginário, despertando

outros olhares sobre a cidade, como estímulo a novas possibilidades de pesquisa.

No primeiro capítulo, Múltiplos olhares, diversas memórias e uma cidade:

Sobral”, apresentamos a cidade na cada de quarenta, a partir do periódico Correio da

Semana, órgão ligado à igreja e fundado pelo Bispo Dom José, apropriando-nos das noticias,

a fim de compreender como a cidade era representada e como o Bispo aplicava a civilidade

como forma de controle e transformação da cidade, rumo ao desejo de uma urbanização

social e cultural, vigiada e protegida pela ação da igreja católica. Na compreensão das práticas

de civilidade, fazemos uso de Norbert Elias

, com o conceito de civilidade, para compreender

como o Bispo mantinha o domínio sobre a cidade e sua população, com o emprego de um

processo de controle e transformação social.

Ainda neste capítulo analisamos as notícias sobre a realização do primeiro

centenário da cidade, que deixam perceber os grupos envolvidos na organização e

desenvolvimento das comemorações.

No segundo capítulo, “Legibilidade da cidade na visão da elite: espaço e imagens

na construção de sentidos”, apresentamos a obra “O centenário”, álbum produzido no

centenário da cidade e que figura como obra simbólica da transformação da cidade e

divulgação de ideologias a serem cristalizadas como “mostrada transformação sofrida pela

cidade desde seu surgimento até o ano de 1941, data da comemoração festiva do centenário de

Sobral. A análise do álbum se a partir do seu sentido de representação e da qualidade e

definição dos temas a serem abordados, a fim de compreender como a cidade era pensada e

desejada pelo grupo que estava à frente destas transformações. Para a compreensão do sentido

de representação do álbum, iremos nos apropriar do conceito de Chartier.

Elias. Op. cit. p,67.

26

Em um segundo momento, analisamos as imagens do álbum “o centenário”, optando

por realizar uma análise imagética do sentido representativo da cidade, a fim de compreender

como ela era representada pelo álbum, através da análise de eixos temáticos pautados a partir

de dois grupos de análise: 1 temas fotografados e 2 padrões temáticos visuais. Este

segundo capitulo é consagrado às práticas e sentidos de representação, associando as imagens

ao periódico Correio da Semana e à historiografia local. Para isso, iremos fazer uso de

Kossoy, como suporte teórico e metodológico para o trabalho com a análise das imagens.

No terceiro capitulo, Olhar, lembrar e contar: imagens como objeto de

memória, desvelamos um mundo de histórias, a partir da utilização das imagens do álbum

“O centenário”, como objeto desencadeador de memórias. As imagens como memória foram

escolhidas pela maior relação de afetividade, apresentada pelos depoentes com as mesmas.

Portanto, não faremos uso de todas as imagens no desenrolar do terceiro capítulo.

Com a utilização das imagens como objetos de memória, pretendemos compreender

a cidade a partir da memória dos velhos, a fim de entender como a cidade representada através

do álbun surge em meio às memórias dos seus consumidores, constituindo um imaginário

sobre a cidade e suas transformações na década de quarenta. A discussão em torno da relação

fotografia como objeto de memória foi realizada a partir de Koury e Kossoy, relacionando as

memórias como parte constituinte do imaginário. As memórias, assim como imagens, irão

possibilitar compreender a cidade sobre uma nova ótica, livre de entraves burocráticos e

deveres de “sobralidade”. Afinal, a imagem desencadeia uma rede de sensibilidades que

transportam seu espectador a outro tempo, um tempo que passou, mas que continua latente

nas memórias coletadas, em suas experiências.

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27

1. Múltiplos olhares, diversas memórias e uma cidade: Sobral

Estudar a cidade é percorrer suas ruas, sua arquitetura, seu coração que esao lado

dos seus primórdios, está em contato com suas origens, seu centro fundador, de onde emana

sua história. O centro, segundo Pesavento,

representa o núcleo de origem, portador do seu

traçado original onde estão instituídos seus prédios mais antigos que servem como referencial

para o passado e para a instituição de espaços de política, religiosidade, espaço de

“sociabilidades e de sensibilidades”.

Pensar a centralidade urbana é pensar a cidade como dimensões estruturais e

simbólicas, que vão se constituindo através de seus espaços físicos, de suas experiências,

PESAVENTO, Sandra Jatahy . História, memória e centralidades urbana. Nuevo Mundo Mundos

Nuevos, Debates, 200, Puesto en línea el 05 jan 2007. Disponível em:

http://nuevomundo.revues.org/index3212.html. Consultado el 13 abril 2008.

28

instituindo idéias que se materializam, que ganham espaço no concreto e tornam-se

monumentos da relação homem/cidade. Ao longo das transformações por que passa a cidade,

residem escolhas políticas sobre o que transformar, o que destruir, o que manter. Surgem

questões: qual a cidade desejada? Quem desejava esta cidade? Como ela era transformada a

partir destes desejos? Como estes desejos são representados por seus habitantes? Como estes

desejos ganham o caráter de verdade na construção de seus espaços? E são estes espaços que

reforçam a nossa convicção de que cabe a nós, historiadores, esmiuçar e significar através do

olhar sobre as possibilidades que a história cultural nos oferece, a fim de percorrer esses

novos caminhos historiográficos que dialogam com outras áreas de conhecimento, dentre

essas as fotografias e a memória, cuja diversidade de informações traz um objetivo comum, o

interesse pela produção de sentidos, deixando aflorar por meio de seus indícios, fontes, uma

diversificada gama de espaços a serem explorados.

Desse modo, entre memórias e imagens, encontramos o aval de pertencimento à

História Cultural e a opção de inserção nos seus campos de atuação, talvez não apenas pela

busca de uma corrente historiográfica, mas por uma afinidade de construção de objetos e de

formas de trabalhá-lo através de representações, que é o ponto de inserção nesta nova

perspectiva teórico metodológica.

Engajando-nos nessa perspectiva pensamos sobre nossa área de estudo, história

urbana, e seu encaixe nas práticas cotidianas e nos questionamos em que afinal afloram as

representações, como são produzidas e como são interpretadas nos espaços em que circulam e

foram construídas. Com isso nos preocupamos ao recortar temporal e espacialmente, como

plano de estudo de nossa pesquisa, a cidade de Sobral na década 1940, por ser esse um

momento de epifania na cidade, a organização das festividades do primeiro centenário da

cidade, período profícuo a produção de representações e de memórias a serem instituídas

como tradição, as quais ganharam destaque com a produção de um álbum, em que estariam

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representadas as ideologias e as imagens sobre a cidade, fruto da ideologia de seus

organizadores. Eram as memórias que queriam e deveriam ser lembradas e celebradas

naquele momento.

1.1 A cidade e o Jornal Correio da Semana: Desejos da cidade

ideal

As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que as suas

regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam uma

outra coisa”

. As transformações, a busca pelo progresso e a ampliação da zona urbana

apresentam diversas razões por parte de quem interfere nos espaços urbanos. Interferir na

cidade e no seu desenvolvimento significa também construir em torno de si uma idéia de

continuidade e de registro pessoal na história. Todas as cidades instituíram seus heróis, seus

percussores rumo ao desenvolvimento e à civilização.

A cidade é construída a partir dos desejos do homem, que vão em meio as práticas

cotidianas dando forma, estabelecendo normas, construindo representações e instituindo

cidades que ultrapassam os espaços do concreto e penetram nas cadeias do imaginário.

Olhar a cidade através de suas representações, do seu imaginário, é mergulhar num

mundo a ser interpretado, é conhecer a história que ainda não foi escrita, é perceber a

existência de várias cidades em uma só. É assumir o Khan que existe em nós e olhar a

cidade através das descrições que dela nos fazem os seus observadores; assim será “possível

percorrê-las com o pensamento” e descobrir seus desejos e pesadelos escondidos.

Calvino. Op. cit, p. 44.

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30

Sobral é uma cidade peculiar no Estado do Ceará, distante da capital, Fortaleza, 230

km. No início chamara-se Caiçara; logo depois a fazenda tornou-se cidade e já neste

momento apresentava uma pequena estrutura urbana; 14 ruas; 14 becos; seis travessas e

algumas praças, que logo seriam dotadas de iluminação e também passariam pelo

planejamento urbano, dando sinais do desejo de progresso, como bem observou Antônio

Bezerra:

A edificação é compactada no centro, com alguns intervalos na rua

dos arredores. As ruas em geral são estreitas e tortuosas, mas entre

elas algumas largas e alinhadas. A maior parte das casas e

sobrados são vistosos e elegantes, sendo sua construção

admiravelmente sólida.

Antônio Bezerra, ainda no século XIX, impressionou-se com a estrutura urbana que

a pequena cidade apresentava. No seu registro fica subtendida a surpresa com as

construções e sua ostensividade e sua descrição mostra o desejo de desenvolvimento da

cidade através do ecletismo de suas ruas, a peculiaridade de suas casas e seu

desenvolvimento.

O olhar do outro apresenta a cidade como surpresa. Inserida no sertão, Sobral

despontava rumo a uma urbanização, mesmo que precária e mal aplicada, pensava na

reordenação de seus espaços, suas construções eram “sólidas”e simbolizavam o desejo de

permanência de seu traçado urbano e preservação de sua arquitetura. Percebe-se na afirmação

do autor o desejo de fixação de urbanização e fixação no espaço.

Sobral construiu desde seu surgimento uma representação sobre si, representação

esta que por ser construída por seus habitantes não é falsa. São construções imaginárias,

fundamentadas por traços, hábitos, experiências individuais e coletiva, que delineiam a

transformação de seus espaços e dão continuidade as tradições e fortalecendo o sentimento de

BEZERRA, Antonio. Notas de Viagem. Fortaleza, Imprensa Universitária, 1965. p. 306.

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pertencimento àquele espaço, apesar de não ser essa a cidade encontrada nos jornais, nos

quais eram veiculadas lado a lado notas de reclamação e de louvor às obras que estavam

sendo realizadas neste momento.

Motivados pelas possibilidades que a imprensa nos oferece de compreender “a vida

cotidiana nela registrada em seus múltiplos aspectos”

em que surgem tanto os sujeitos

„ilustres‟ quanto os „anônimos‟ fomos levados a pensar sobre a representação da cidade no

jornal Correio da Semana, afinal, sendo órgão ligado a Igreja era manipulador “de interesses e

intervenção social”, nesse sentido construtor de representações sobre a cidade pretendida

pelos poderes ligado a Igreja e ao sentido progressista que essa pretendia dar a Sobral.

As notícias que eram publicadas pelo jornal nos mostram um conflito da cidade que

era progressista e da cidade que ainda sofria com problemas estruturais, apesar de ser

constante notícias sobre as obras que se realizavam na cidade em prol das melhorias do

espaço urbano, também era lugar comum notas sobre a falta de cuidados com a cidade e

manutenção de seus espaços da mesma forma que eram comum chamadas sobre o controle do

comportamento da população.

Conta-nos que em breves dias vai ser demolido o velho mercado que tanta afeia a

praça em que se acha localizado. Consta-nos ainda que o referido lugar vai ser

transformado por iniciativa do senhor Prefeito Municipal, em um dos mais belos

jardins da Princesa do Norte e substituído aquele calçamento por outro, à altura do

progresso de nossa querida urb.

A ideia de progresso era sentida em todas as notícias publicadas no jornal, mesmo

quando estas soavam como críticas ao poder público ou mesmo a população, na nota acima

percebemos a preocupação com o embelezamento dos espaços públicos de Sobral, o qual

condiz com a tão desejada modernidade que a cidade apregoava. A comum existência de

elogios e de reclames quanto à cidade, convivia lado a lado no jornal. Eram notas, pequenas,

Capelato, Op. cit, p. 21

BPMP, Correio da Semana, 18 de mar 1941. p. 3.

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32

na maior parte das vezes, que denunciavam que acidade moderna que se apregoava era

também, uma cidade de „mau hábitos‟ e de problemas de estrutura urbana. Como a

apresentada sobre o título de “Um alvitre”

em que surge uma crítica ao descaso do poder

público quanto a manutenção dos monumentos da praça, Parece-nos que era tempo de

substituir a água da conhecida lagoa, à Praça Barão de Sobral, por outra mais limpa e mais

nova; ahi fica um alvitre.

O desejo de modernidade era grande, mas convivia com as dificuldades de uma

cidade, que ainda tinha muito a crescer, havia problemas de toda ordem, desde crescimento

desordenada à falta de serviços básicos, como água, luz e sistema de transportes e estradas,

essa cidade que negava a imagem modernista apregoada pelos seus „lideres‟, também ganhava

espaço nas páginas do Correio da Semana, onde, algumas vezes, era divulgada a imagem que

seus habitantes dela construíam.

De retorno do Rio ou de Fortaleza, tem-se, ao penetrar em Sobral, um impressão

simplesmente desconcertante. A princesa parece exilada no sertão. Com isto vai

perdendo toda a graça e elegância. Seu desasseio é flagrante; entulho por toda parte.

Construções obstruindo ruas, tropas de muares sonolentos á sombra das árvores , no

coração da cidade. Falta-nos o telefone, não temos linhas de ônibus nem de bondes.

Nem sonhamos com serviço de esgoto e abastecimento de água, não temos luz

durante o dia. Nada temos que nos assemelhe aos grandes centros, por ora, mas tarde

teremos tudo isso.

A carta publicada no jornal, mostra a comparação realizada por um habitante que, ao

visitar a Capital do Ceará e mesmo a Capital do Brasil, depara-se com um progresso e

modernização bem à frente do que encontra na sua cidade natal, a qual tem pretensões de

cidade moderna, que auto denomina-se Princesa do Norte, e no entanto, apresenta problemas

básicos para a construção de uma urbanização modesta, porém após o desabafo da decepção,

o autor preenche seus instintos de sobralense e finaliza com a esperança de que esses

problemas serão facilmente „conquistados‟ pela Princesa do Norte.

BMMP: Correio da Semana, 28 jun. 1940. p.1.

33

Enfim, o jornal Correio da Semana, apesar de ser o maior divulgador das ideias de

modernidade almejadas pela cidade, também apresentava-se como porta voz das omissões

dos seus habitantes e do poder público, quanto a caminhada rumo ao progresso e a

modernização. No entanto o jornal também funcionava como meio divulgador das ideologias

da Igreja e dos grupos políticos a que estava ligada.

Enfim percebemos que mesmo por meio da imprensa ideológica, como era o jornal

Correio da Semana, também torna-se possível perceber os anseios da população anônima, a

qual tinha espaço reduzido no jornal, no entanto, sempre havia espaço nas sessões

“reclamações” ou “denúncias”, a qual possibilitou a visão de uma cidade díspar quanto as

representações que constrói e divulga sobre si, da cidade moderna, que contrasta com a que

sutilmente vai se inscrevendo por meio de suas páginas.

1.2 Dom José: controle e civilidade em Sobral

Sobral viu e sentiu o esplendor do poder e da autonomia econômica ainda no século

XVIII, com a criação do gado, a exportação da carne seca e a plantação de algodão; sonhou

com a permanência dessa autonomia, esvaída morosamente com a construção da estrada que a

ligava a capital, desejada por todos como símbolo do progresso tão almejado por seus

habitantes e reivindicada pelo próprio Bispo:

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34

De Excia REVMA. Sr. Dom José Tupinambá da Frota ouvi a

affirmativa de que já teve ocasião de pedir, pessoalmente, quando na

capital da República às altas autoridades, a construção desta estrada,

que Sr. Excia Revma. considera de muita importância para nós.

A notícia tende a mostrar Dom José como interventor sobre os assuntos da cidade,

usando de sua influência como bispo para intervir junto às autoridades. Podemos

compreender essa intervenção com duplo sentido; por um lado, a veiculação dessa notícia

fortalecia a imagem do mesmo como incentivador das transformações na cidade, por outro, a

estrada traria ao bispo louros oriundos da sua intervenção junto as altas autoridades da

República”. Em ambas as formas a cidade desenvolvia-se e a ideologia de progresso e

urbanização crescia, de certa forma associada à imagem do bispo.

Desde sua elevação à condição de cidade, no ano de 1842, até a década de 1940,

Sobral sonhou com o progresso e com o reconhecimento da sua soberania no Ceará, sonho

alimentado pela ação do Bispo Dom José Tupinambá da Frota, que nos anos de 1918 a 1959

empreendeu um verdadeiro trabalho em prol da transformação da vida econômica, social e

cultural da cidade, levantando a bandeira da “Defesa da moral e dos bons costumes

”.

Com suas ações, Dom José estabelecia uma linha tênue entre a cidade e o prelado,

não se sabendo até hoje o que foi obra do bispo e o que foi obra do poder público.

Interferência esta que se fez sentir não apenas no esforço pela construção da estrada de ferro

Sobral - Fortaleza, mas na “ordenação” da cidade de uma forma geral:

Sobral, que sentes de perto os benefícios da religião, que te deu quanto de mais

precioso tens mostra o teu reconhecimento. A Santa Casa, sob cujo teto vem se

abrigar a dor, a desventura do pobre. Os dois colégios, oficinas em que se cinzela a

mocidade estudiosa que quer ser grande para engrandecer o Brasil. O seminário,

vergel em que se formam os formadores de homens. (...) Creações todas que

representam uma soma incalculável de sacrifícios de um sacerdote, teu filho (...)

BPMP: Correio da Semana. 26 abr. 1940. p. 2

Lema utilizado pelo Jornal Correio da Semana, desde seu surgimento no ano de 1918 até a década de 1960.

BMMP: Correio da Semana. 26 abr. 1940.p.1.

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35

É possível perceber a exaltação do trabalho do bispo através dos “benefícios da

religião” e de sua associação com o desenvolvimento da cidade e com a diminuição dos

problemas sociais. Enfim, a Igreja, personificada no Bispo Dom José, interfere e transforma a

cidade, ultrapassando suas funções de pregar a palavra de Deus aos fiéis, e vai além, modifica

seus espaços e seu comportamento, através do controle e da intervenção que pratica.

Na década de quarenta, Sobral continuou o processo de transformação urbana com a

inauguração do novo mercado pelo então prefeito Cel. Antenor Ferreira Gomes,

que

mantinha relações amigáveis com o bispo Dom José. Este deu continuidade a sua política de

intervenção na administração e progresso da cidade. O seu poder não era unanimidade:

entretanto, alguns falavam de suas pretensões políticas e outros ainda o acusavam de

manipular o prefeito. Estas pessoas eram vivamente refutadas pelo semanário Correio da

Semana, do qual o bispo havia sido o criador e mantenedor:

Outro boato espalhou que Dom José seria o prefeito de Sobral ou pelo menos

indicaria o nome de um homem que realizasse no governo do município as suas

instruções e diretrizes.(...)Nada disso o Sr. Bispo de Sobral, profundo conhecedor

dos homens e das coisas da terra, não tem por certo a ambição irrisória e

injustificada, de prestigio passageiro e somente oficial.

A intervenção do Bispo na cidade o era bem aceita por todos, como seu próprio

periódico sugere ao publicar nota em resposta às acusações feitas a Dom José. A relação que o

religioso mantinha com o poder público era entendida por alguns, como controle ideológico e

pretensões políticas.

A notícia sugere que o Bispo Dom José era isento de ambições políticas, mas essa

isenção seria assim tão real? Por que razões o bispo recusava convites que lhe trariam maior

prestígio junto à igreja, porém longe de Sobral? Um homem seria assim tão abnegado de

orgulhos? Ainda na década de quarenta do século XX, os conflitos existentes entre o Bispo e

Prefeito da cidade do ano de 1935 a 1941.

BPMP: Correio da Semana, 10 maio. 1940.

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36

o Juiz José de Sabóia ganhavam destaque nas páginas do jornal, com o sugestivo título de “O

anti clericalismo do Dr. José de Sabóia ao lado dos inimigos da igreja”

. A notícia apontava

as discussões ocorridas entre o Bispo e o Juíz, em que o assunto reinante eram as disputas

eleitorais do ano de quarenta e cinco, na cidade. Em reação as discussões entre ambos, o

jornal irá veicular na mesma edição, apenas em outra página, um apelo ao povo católico:

No próximo domingo, cinco corrente, pelas 17 h, o povo de Sobral, por iniciativa da

ação católica diocesana, Associações Pias, operariado e família católica, promoverá

uma grande concentração de solidariedade e apreço ao Exmo. e Revmo. Sr. Bispo

diocesano, tão injustamente atingido em catilinárias políticos por causa de sua

atitude desassombradas ao lado do Exmo. Sr. Arcebispo de Fortaleza que na circular

de numero 64, traçou as diretrizes católica, para o pleito de dezenove deste mês.

Mais uma vez as ações políticas do Bispo são levadas a público pelas páginas do

jornal, novamente Dom José utiliza-se do jornal para defender-se e pedir apoio do público,

fato importante de ser destacado, é que o conflito se deu por oposições políticas, chegando o

Bispo a associar José de Sabóia aos comunistas, o que deixa claro as posições políticas

tomadas pela Igreja, da mesma forma que através do apelo popular move uma situação

patidária, que irá beneficiar os filiados á União Democrática Nacional (UDN).

O Bispo Dom José utilizava-se do jornal Correio da Semana como escudo para

defender-se dos ataques que sofria de alguns insatisfeitos com suas ações e também como

espaço de defesa de seus interesses. O jornal fazia às vezes de defensor do povo e da cidade,

usando suas páginas como instruções a ser seguida e obedecida por todos os cidadãos de bem.

Era através delas que proferia críticas à cidade e ao comportamento daqueles que ousavam

destoar da moral católica e da ordem, sendo um dos meios de fortalecer o processo

civilizador

, iniciado na cidade desde o século XX.

BPMP: Correio da Semana, 04 de jan. de 1947, p.1

BPMP: Correio da Semana, 04 jan. 1947. p. 2

Pensamos este processo civilizador, como Norbert Elias, um processo em que estamos envolvidos e que atesta

a existência particular de relações humanas, de uma estrutura social e de formas de comportamento semelhante,

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37

É importante situar que essa atitude do Bispo estava relacionada com o processo de

romanização que a Igreja desenvolvia durante a formação dos padres. Tal processo teve

início ainda no século XIX, quando a Igreja na tentativa de moralizar as suas ações, além de

iniciar um movimento de romanização, que simbolizava um maior controle da Igreja Católica

Romana sobre o clero brasileiro que facilitaria no processo de transição ao catolicismo

colonial ao catolicismo universalista.

Pensando sobre a Educação religiosa do Bispo, Dom José, ter ocorrido em Roma e

sua chegada a Sobral, em meados do século XX, conclui-se que a política por ele assumida,

na cidade, é a política de romanização, cuja meta era trabalhar em favor do fortalecimento da

cristã em Sobral e combater as ideologias e religiões, opositoras ao catolicismo. Segundo

Soares

, o Bispo era “Forte representante do ultramontanismo na região” o qual movido pelas

determinações do Papa Benedito XV, tem uma ação direcionada à implantação de políticas

sociais marcadas por um clima de cristandade profundamente acentuado.

É notável o número de artigos publicados no jornal Correio da Semana contra as

religiões protestantes, nas primeiras décadas do século XX, assim como ao comunismo que é

apontado como a „ameaça vermelha‟, o qual leva a sociedade a degradação e ao atraso.

Além dessas atitudes protecionistas e divulgadoras do credo romano, o Bispo

também assume papel intervencionista nas questões sociais da cidade, como citamos

anteriormente frente às obras de apoio popular que o mesmo desenvolve na cidade. Quanto à

moralização política da igreja, ponto importante no postulado da romanização, o Bispo

intervinha diretamente nas situações políticas e institucionais de Sobral, chegando em alguns

ou seja, o processo civilizador é a reordenação do comportamento do homem inserido na sociedade que busca o

progresso e a modernização de suas estruturas.

DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro. Tradução Maria Yedda Linhares. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1985.

SILVA JÚNIOR, Op. Cit. p.37.

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38

momentos, seus „inimigos‟ o acusarem de ter interesses de ingressar na vida política da

cidade. Segundo Santos

, havia no inicio do século XX uma preocupação da Igreja em

envolver-se nos planos de urbanização das cidades, a qual é percebida através da relação

cidade e modernidade onde “uma disputa política entre clero e democratas”que é

permeada por discursos “modernistas” para desenvolver a cidade.

A civilidade é perseguida pela cidade, inclusive pelo Bispo Dom José, como forma

de superação e expansão. Neste sentido, a Igreja vai ser um dos principais ordenadores deste

processo, aliada ao poder público. Segundo Elias,

a “civilização” conserva sempre um eco

da cristandade latina e das Cruzadas de cavaleiros e „senhores feudais‟, afinal, ela é a espinha

dorsal da sociedade moderna, que busca através desta civilização dos costumes e

comportamentos o progresso da cidade.

A década de quarenta foi marcada principalmente pelo centenário da cidade e pelo I

Congresso Eucarístico, em que o Bispo comemorou seus vinte e cinco anos de bispado e

recebeu o título de Conde Romano. As festas de comemoração foram intensamente

divulgadas e incentivadas através das páginas do seu periódico Correio da Semana, que mais

uma vez mostrou a sua força de persuasão e de seu papel ordenador dos costumes na cidade.

Nossa cidade receberá milhares de pessoas que virão assistir as festas religiosas do

congresso bem assim as festas centenárias. Faz-se mister que nossa terra se

apresente à altura dos nossos ilustres convidados. A sua roupagem antiga vai ser

substituída por veste de gala.

A civilidade que o Bispo Dom José pretende empregar na cidade ocorre através de

sua intervenção com a veiculação de normas de comportamento e convencimento da

necessidade da participação popular no processo de ordenação dos espaços urbanos. As notas

no jornal solicitando a limpeza e reforma de casas e calçadas e a utilização das melhores

SANTOS, Op. Cit. p.46.

ELIAS, Op. cit, p.67.

BPMP - Correio da Semana, 18 abr 1941. p, 2.

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39

roupas geram nos habitantes a sensação de participantes na construção da cidade desejada.

Isso nos remete à formação dos saberes que criam ideologias sobre as cidades, segundo

Brescianni

“constructos intelectuais,” que nos dão possibilidades de entender esta cidade

através das representações que sobre elas são produzidas.

Entre a ordenação e transformação da cidade, emergem também nas folhas do

semanário a insatisfação dos habitantes com os problemas urbanos, que atrasam a marcha

rumo ao progresso e merecem destaque e indignação de toda a população. Dentre as

reclamações principais encontra-se a estrutura das ruas e qualidade da luz elétrica,

problema que persistiu até a década de sessenta e garantiu varias notícias no jornal, a

exemplo de “Sobral e suas possibilidades”:

Precisamos de água encanada, luz melhor e mais prolongada, pavimentação

moderna nas ruas e praças, de meios de locomoção através da cidade, que pelas

suas dimensões e intenso movimento já poderia ter alguns ônibus, subsidiados pela

Prefeitura Municipal, para melhor servir a população etc.etc.Tivéssemos logo isso,

e o aspecto da cidade seria outro. Esperemos

.

Os problemas que atrasavam a chegada do progresso eram questões existentes em

toda cidade que cresce sem planejar seu desenvolvimento: a falta de água, eletricidade,

transporte e comunicações. O surgimento de ruas, casas e bairros sem planejamento e sem a

mínima estrutura necessária para a higiene são problemas logo apontados pela população e

cobrados à prefeitura, que aparentemente estava mais preocupada com a urbanização e

embelezamento do centro da cidade do que com o crescimento desordenado da cidade e as

condições de vida das classes menos abastadas, como nos revela a nota:

Consta-nos que, nestes poucos dias, terá início a pavimentação e o ajardinamento

da velha Praça Barão do Rio Branco. Dispondo de parcos recursos econômicos é

bem provável que o senhor prefeito municipal se veja na contingência de paralisar

BRESCIANNI, Maria Stella M. História e Historiografia das cidades, um percurso. In: FREITAS. Marcos

Cesar de (org.) Historiografia Brasileira em Perspectiva. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1998. p. 242.

BPMP Correio da Semana, 6 ago 1943. p. 2.

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a construção da escola de artes e ofícios para a realização deste novo e custoso

empreendimento.

Em meio aos problemas estruturais, advindos do progresso, a cidade não parava de

crescer e de remodelar-se. Durante toda aquela década, ao contrário dos administradores

públicos, o Bispo Dom José continuava intervindo na cidade, através da reforma das

principais igrejas, da construção do Patronato Maria Imaculada, que cuidava e educava as

mocinhas pobres, do Abrigo Coração de Jesus para os velhos abandonados e talvez da sua

maior construção: a organização do acervo do Museu Dom José.

Percebemos que as intervenções realizadas pelo Bispo Dom José tinham além do

progresso, o direcionamento para o setor social, a busca pelo atendimento das necessidades

dos menos afortunados, percebendo-se a influência da romanização sobre o Bispo e suas

formas de „intervir‟ na cidade.

No entanto, é importante ressaltar que todas estas obras eram realizadas pelo Bispo

com o apoio financeiro de seus fiéis, que tinham seus nomes publicados no jornal com a

quantia com a qual contribuíam. Quando estes incentivos não aconteciam a gosto do Bispo o

mesmo vinha ao jornal lembrar a todos da importância da “doação” de fundos, como a

solicitada para a construção do patronato:

Ainda o recebemos dos poderes públicos o auxílio necessário que

esperamos em breve conseguir, e nesse ínterim não podemos

prescindir do concurso das pessoas de boa vontade, para quem

apelamos no sentido de ajudarem o patronato com os donativos, de

qualquer natureza que estiverem ao seu alcance.

O comportamento socialmente aceitável pela Igreja era o da colaboração de todos

com a ajuda aos mais necessitados. Novamente Elias

torna-se essencial para compreender a

cidade de Sobral e seu comportamento, afinal, não devemos condenar ou punir os não

BPMP Correio da Semana, 27 ago1943. p.3.

BPMP - Correio da Semana, 14 abr 1944. p.1.

ELIAS. Op. Cit, p.76.

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41

civilizados, mas proporcionar-lhes a consciência da diferenciação entre as classes.

Diferenciação esta que a cidade, apesar de não declarar, representava através de suas ações e

das impressões que causava ao levar a público notas como a intitulada “Cemitério dos

Pobres”:

Acha-se em lastimável estado de conservação o cemitério dos pobres.

Não queremos de forma alguma censurar os fiscais da prefeitura, mas

tão somente lembrar-lhes a necessidade de fazer-se o desmatamento

do Campo Santo porque a decência e a piedade cristã o exigem.

As obras realizadas por Dom José em grande parte eram voltadas para o atendimento

da população carente. Essas obras sempre contavam com o apoio das pessoas mais abastadas,

que se orgulhavam de ver seus nomes registrados no jornal com a quantia que contribuíam.

Tais obras sociais discretamente sugeriam a existência na cidade de pessoas com baixo poder

aquisitivo, pois é possível notar que mesmo com um certo “silêncio” em relação a estes, o

poder público, assim como a Igreja, não deixava de delimitar seus espaços, como frisa na nota

ao ressaltar cemitério dos pobres”, sugerindo que existia um outro cemitério onde os

“pobres” não podiam ser sepultados. Novamente o prefeito é chamado à atenção em relação

as suas atribuições no que se refere ao planejamento e manutenção da cidade.

O progresso e a modernização não estavam em todos os espaços da cidade, havia

lugares onde ainda prevalecia o desordenamento urbano, calçadas em péssimas condições ou

inexistentes. O centro da cidade, com “os caixões de lixo que estão por ai (...) forçando-nos a

andar com o lenço no nariz

”, ou mesmo com o crescimento do subúrbio da cidade,

denominado “Outro lado da cidade”

. O jornal Correio da Semana, constantemente

apresentava pequenos fragmentos que denunciavam, os más usos do espaço urbano, que iam

contra a ideia de civilidade e progresso que Sobral queria representar. Percebemos que a

BPMP: Correio da Semana, 28 maio 1946. p.1

BPMP: Correio da Semana, 28 maio 1946. p.3.

BPMP: Correio da Semana, 17 abr. 1949. p.1.

42

prefeitura sempre era chamada pelos jornais a tomar medidas que solucionassem estes

problemas. Além dos males sociais seu crescimento desordenado e sem planejamento era

denunciado.

Enfim Sobral alcançou na década de quarenta seu esplendor, apesar de seus tão

alardeados problemas que impediam sua chegada definitiva ao progresso, como a má

qualidade do fornecimento de energia elétrica e a tão desejada estrada de ferro que a ligaria a

Fortaleza. Ambos os desejos foram alcançados dentro daquele período, no entanto, não

trouxeram os louros da modernidade e do progresso tão perseguidos por Sobral e por seus

habitantes. A cidade viu aos poucos esvair-se seu controle econômico, o progresso chegou

junto com os problemas estruturais de toda cidade, que cresce sem uma economia equilibrada

e sem planejamento. O centro urbano desenvolveu-se e embelezou-se, mas junto com ele

cresceu também o número de bairros periféricos que ampliaram os problemas de

abastecimento da água e saneamento básico.

O desejo de civilização, de modernização era mesmo intrínseco a sua população,

tanto é que a cidade e qualquer transformação que nela houvesse ou até mesmo um visitante

merecia destaque nos jornais locais. Era comum serem publicadas, no jornal Correio da

Semana, as notas produzidas por jornais de outras cidades e até de outras regiões que falavam

sobre Sobral. A cidade era um produto a ser consumido e vendido para seus habitantes e para

o mundo.

Religião e progresso o palavras muito semelhantes quando falamos de Sobral,

cidade que se originou a partir da construção da Capela de Nossa Senhora da Conceição, em

1726, de costas para seu habitante mais ilustre e mais fecundo no que se refere às riquezas que

trouxe para Sobral, o Rio Acaraú. A igreja, para quem chega à cidade, é símbolo do poder da

religião e do seu desejo de transformação e soberania.

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43

1.3 O centenário de Sobral: organização e construção de um

passado glorioso

As comemorações podem ser entendidas como espaço produtor de memórias, ou

melhor de construção de memórias, em que se destacam a importância das celebrações

comemorativas, as quais fornecem os materiais a serem transformados em identidade, levando

a refletir sobre o que é instituído como fatos a serem lembrados e comemorados, nesse

sentido pensamos como Connerton

, segundo o qual “a hierarquia de poder” condiciona as

memórias da sociedade.

Refletindo sobre o poder que as memórias instituídas, a partir das comemorações,

tem de influenciar na constituição da ordem social do presente somos levados a pensar sobre o

poder que as “imagens” construídas durante essas festividades assumem ao construírem nelas

um caráter de tradição cultural, que se instituem a partir da memória social

, ou seja, são

instituídas a partir de um coletivo que partilha „imagens‟ do passado a partir da comunicação,

as quais ao levar em consideração as memórias pessoais sofrem interferências das

„recordações‟ sociais, estabelecidas desde a absorção de um passado em comum, o qual é

partilhado através de momentos como as comemorações.

Entendo as comemorações como “acção de falar ou escrever sobre recordações bem

como a reencenação; recordar/comemorar enquanto tipo de comportamento”

, ora sendo os

preparativos das comemorações momento de escolhas e de permanência de sentidos que se

querem relembrados também é o momento da instituição de desejos a serem divulgadas e de

„verdades‟ a serem assimiladas pelo grupo que destas participam.

CONNERTON. Paul. Cerimônias Comemorativas. In: Como as sociedades recordam.Oleiras: Celta,

1993.p.15.

FENTRESS. Op. cit, p.26

FENTRESS. Op. cit, p.8

A baixar cd de santa missao populares de sobral

44

Nesse sentido as comemorações do primeiro centenário de Sobral revestem-se do

passado glorioso para construir representações que instituem tradições e espaços de memória,

ressaltando que esta memória extrapola o espaço local e aflui para outros espaços, como é

possível identificar nos patrocinadores do evento e homenageados durante as festividades.

Analisando os propósitos das solenidades comemorações de Sobral, percebemos que

ultrapassam o sentido das festas, feiras, exposições, inaugurações dentre outras manifestações

e tende mesmo a ser momento de pensar sobre que representações este evento quer fundar na

história dessa cidade, afinal segundo Velloso

:

Ao trazer à tona as mais distintas percepções do passado, tais festas revelam os

conflitos da própria sociedade que comemora. O fato reforça a idéia de que o

passado não está lá, mas aqui, adquirindo sentido quando pensado nessa

articulação dinâmica como o presente.

No caso de Sobral, as festividades da comemoração deixaram como marco principal

a produção do Álbum do Centenário da mesma forma que a memória sobre a realização do

primeiro Congresso Eucarístico, o qual acaba por se confundir com as festividades do

centenário, afinal ambas acontecem no mesmo ano e no mesmo período, aparentemente

somos levados a pensar que as celebrações do centenário ecoaram como abertura do

congresso o qual se iniciou um dia após a festa de aniversário de Sobral, estendendo-se por

uma semana, e deixando grande recordação na população.

A organização do evento foi realizada por um grupo de intelectuais, assim intitulado

pelo jornalista Craveiro Filho, composto por: Dom José Tupinambá, Prof. Luís Phellipe,

Jornalista Afonso L. de Carvalho, Dr. Euzébio de Souza, Cel. Antonio Pereira de Menezes, F.

Potyguara Frota, Drs. José de Sabóya, Paulo Sanford e Luiz Vieira, Monsenhor Linhares,

Durante as festividades, o Interventor Federal compareceu a sessão cívica ocorrida na paço municipal, assim

como no álbum encontramos como patrocinador a loja „Esplanada‟, estabelecimento comercial situado na cidade

do Rio de Janeiro.

VELLOSO. Mônica Pimenta. Come, mora? descobrimento, comemoração e nacionalidades nas revistas

Humorísticas Ilustradas. In: Sentidos da comemoração. São Paulo: Projeto História/PUC-SP, 2000. p.129.

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45

Luiz Diogo Fonteles, Wilsom Vieira, Luiz Patriolino, senhorinhas Izaly Lins, Ondina Pontes e

pessoas da família Domingos de Lira e outros.

E uma equipe técnica e financeira,

denominada pelo organizador como „Cyrineus‟, a qual além do próprio jornalista ainda tinha

como membros: Linérica Craveiro, Manoel Dário Senhorinha, Wilson Craveiro, François

Coelho Sampaio, Francisco Carvalho, Fernando, Onofre Maria da Asumpção e Maria Adília

Alves.

Além da comissão organizadora, as festividades do aniversário da cidade ainda

contaram com a ajuda de particulares, no que concerne a patrocínios, para a produção dos

eventos, e participação popular na organização de atividades a serem encenadas para

homenagear a cidade, dentre essas contribuições destacamos o patrocínio dos comerciantes

locais e da Prefeitura, que através das reformas que realizou na cidade ainda mobilizou um

cenário de atividades para comemorar o centenário.

A comissão organizadora apoiada tanto pela Igreja como pelo poder público instituiu

uma verdadeira campanha de mobilização para a organização das festividades, tal campanha

mobilizou diversas classes sociais nessa empreitada que constantemente era informada através

do jornal sobre a necessidade do apoio popular, como chama atenção Andrade Lima Filho em

carta publicada no Correio da Semana

:

...Sobral tem origem pernambucana. Constitui desse modo, a antiga comuna

poderoso traço de união entre as duas províncias que sempre viveram unidas em

função da grandeza nacional. Mas não estou aqui para escrever a crônica desta

centenária cidade. Eu quero apenas frisar a oportunidade magnífica que esse

centenário, este ano celebrado, oferece aos sobralenses de boa vontade. E os há,

aqui, da melhor estirpe pelo nascimento ou pela integração em sua vida social.

Apelando para o sentido de identidade e pertencimento da população à cidade, as

campanhas em prol de apoio as festividades permearam grande parte das notas publicadas no

A comissão organizadora foi aqui citada da mesma forma como é apresentada pelo Jornalista Craveiro Filho,

IN: CRAVEIRO FILHO. Antonino. O centenário:Álbum Histórico Comemorativo do centenário da cidade

de Sobral. Sobral, S/E, 1941.

BPMP, Correio da Semana, 24 jan. 1941. p.1.

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46

jornal, às vezes apelando de forma sugestiva como na nota acima outras vezes sendo mais

diretas quanto aqueles de quem queriam obter apoio para as festividades, como na nota

veiculada pelo jornal, com o seguinte titulo “Apenas dois meses e dias”

:

Nossa cidade receberá milhares de pessoas que virão assistir as festas religiosas do

congresso bem assim as festas centenárias. Faz-se mister que nossa terra se

apresente a altura dos nossos ilustres convidados.(...) Estamos informados que o

senhor chefe da comuna, Cel. Vicente Antenor Ferreira Gomes, vai em breves dias,

mandar concertar os trechos deteriorados das ruas. É de se esperar também que os

senhores proprietários iniciem de já a pintura externa dos prédios, bem assim

mandarão concertar as calçadas que se acharem estragadas.

Impressiona não apenas a organização das festividades, mas também a amplitude que

essa data toma na construção da história e da memória sobre a cidade, pois a comemoração

constituía-se como momento da construção de símbolos para a história da cidade, o qual

buscava a sacralização de um passado sobre Sobral. Segundo Ortiz

, as comemorações

funcionam como forma de “utilidade social da história” que são recursos visuais e

ritualistas que evocam o passado com um objetivo único “criar representações simbólicas”

que ampliam seu poder de fixação de tradições a através de “lições vivas de memorização”.

Sabemos que a ideia da cidade como moderna era o grande almejo da sua população

e no papel de aniversariante, esse era o momento ideal para a produção e divulgação das

representações que pretendiam ultrapassar as fronteiras locais e colocar a cidade no rol das

cidades modernas e desenvolvidas da nação.

Neste sentido se organizou uma programação para sacralizar o passado glorioso, a

partir do cenário progressista que a cidade naquele momento apresentava, para isso elabora-se

uma programação de atividades cívicas, com inaugurações, sessões públicas, exposições,

atividades religiosas e manifestações populares.

BPMP, Correio da Semana, 18 abr. 1941, p.2.

ORTIZ. Renato. A Moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1988. p.36.

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47

Cabe aqui lembrar que o lugar social dessa comemoração está diretamente ligado a

determinado setor da população, o qual um dos próprios organizadores denomina de

„intelectuais‟, além de ressaltar que mesmo nas manifestações populares incluídas na

programação, essas são representadas pela classe operária, que devemos lembrar, estava

organizada em sindicatos.

Percebemos que um controle das comemorações pela „elite intelectual‟ da cidade,

a qual pode ser pensada como estratégia de dominação da memória da grande população, pois

segundo Lofego

: “Nos rituais comemorativos, é possível o “reviver” do passado que foi

escolhido pelos guardiões da memória. O simbolismo de passado cria uma identidade para o

presente”.

Observamos que a organização dos eventos partiu de um grupo, que teve poder de

escolha do que destacar e do que silenciar durante as comemorações, neste sentido pensamos

que as transformações urbanas ocorridas naquele tempo, tais como as reformas e construções

na cidade tinham o intuito de associar a imagem da cidade ao progresso, esquecendo o

passado de decadência, relacionado à crise das oficinas e da produção algodoeira.

Novamente a memória surge como elemento principal no estudo sobre a

comemoração, pois percebemos que a comissão organizadora institui um controle sobre o que

deve ser lembrado durante o centenário da cidade, e o que deve ser silenciado, pois como nos

diz Fentress

, o significado da memória social, tal como “seu modo de transmissão”, não é

modificado pela sua verdade, pois muitas vezes ela é afetada pela seletividade e distorção

mas, se as pessoas “sempre acharem socialmente relevante recordar e narrar um

acontecimento da maneira como originalmente foi sentida”, ela não será afetada em sua

essência. O controle sobre as comemorações centralizou-se sobre festividades e produção de

LOFEGO. Silvio Luiz. IV Centenário da cidade de São Paulo: uma cidade entre o passado e o futuro. São

Paulo: Annablume, 2004. p.26

FRENTESS. Op. cit, p. 10

A baixar cd de santa missao populares de sobral

48

representações, construindo uma memória que deixa pequenas brechas para a memória agir

livremente sem as influências dos símbolos produzidos durante as festividades.

Ainda sobre a organização da festa apontamos que a imprensa teve papel

fundamental, pois além de serem rotineiros os informes ou solicitações sobre os preparativos

da festa, também teve amplo envolvimento de jornalistas na programação do evento e na

produção de representações sobre a cidade, como, O centenário: Álbum Histórico

Comemorativo do centenário da cidade de Sobral, obra na qual sacralizava o passado

glorioso e o presente modernista que „a cidade‟ almejava divulgar com seu aniversário.

1.4 A produção da comemoração

Nos jornais da época, principalmente no Correio da Semana, encontramos diversas

notas que se referem direta, e às vezes indiretamente, aos preparativos para a festa. As

informações contidas nele são ponto importante para a compreensão da construção da

memória social sobre as comemorações pois como Capelato

afirma que os “jornais

procuram atrair público”, conquistar adeptos a suas ideologias, seja ela “empresarial ou

política”, e para isso utilizam-se de múltiplos artifícios, para atrair o apoio da população,

como nos fala a pequena nota emitida por Paulo Sanford

no Semanário Correio da Semana:

CAPELATO. Maria Helena Rolim. A imprensa na história do Brasil. 2 ed. São Paulo:

Contexto/EDUSP:1994. p. 15.

Paulo de Almeida Sanford, era engenheiro agrônomo, nascido em Sobral. Participou ativamente da vida

política da cidade, exercendo o cargo de Prefeito no ano de 1938, e de Deputado Classista, cargo que pediu

exoneração. Colaborou com os periódicos: “Correio da Semana” e “A Ordem”, em Sobral; em Fortaleza escrevia

para “O Estado”.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

49

Deixamos aqui um apelo a cada filho de Sobral no sentido de que cada um apresente

um número a figurar no longo programa de festas com que em janeiro de 1941,

comemoramos o centenário da cidade.

Observando os jornais da época percebemos no entanto que grande parte dos

constructos da organização da festa estavam ligados a realização do primeiro congresso

eucarístico

, o qual aconteceria logo após as comemorações do centenário, levando a

refletirmos sobre os interesses que moviam essas comemorações. Neste sentido apontamos

artigo veiculado no jornal Correio da Semana, sob o titulo „Sobral movimenta-se‟, destacando

os diversos esforços dos envolvidos não apenas nas comemorações como também na

modernização da cidade:

Quem percorre as ruas desta cidade percebe, desde logo, a vibração intensa da alma

sobralense, que se prepara alacremente para as festas centenárias e, principalmente,

para o futuro congresso eucarístico de Sobral. (...) Novas praças se ajardinam quer

sob a iniciativa particular quer sob a administração imediata do senhor prefeito

municipal, que muito se empenha por dotar a nossa urbs de um novo logradouro

público, que tomará o nome segundo ouvimos de „Praça das Crianças‟, e onde

provavelmente serão celebradas as sessões públicas da grandiosa solenidade do

Congresso Eucarístico.

Detendo-se no artigo, somos levados a refletir acerca das linhas imperceptíveis que

ligavam os dois eventos, centenário da cidade e o primeiro congresso eucarístico. Ambos são

apresentados como continuidade de um único evento, da mesma forma que leva a percepção

de que são organizados pelo mesmo grupo. Outro ponto importante de destaque são as

reformas pelas quais passa a cidade, assim como demonstra que estas não são atos apenas do

poder público mas também de particulares. Ainda nesse artigo existe um apelo dirigido à

prefeitura, para ampliação das reformas, como destacamos a seguir:

BPMP: Correio da Semana 14 jun.1940. p.2.

Analisando as notas publicadas pelo jornal Correio da Semana, observamos um ponto que chamou atenção, à

relação existente entre as festividades do aniversário e a realização do primeiro congresso eucarístico de Sobral.

Percebemos que em determinados momentos este recebeu maior destaque que às celebrações do centenário.

Percebemos, em alguns momentos, que as festividades se confundem, pois as noticias veiculadas sempre

associam os dois eventos, da mesma forma que deixam subentendido que a comissão organizadora do

aniversário também estava ligada ao congresso, pensamos que estas relações fornecem amplas discussões. No

entanto, destacamos que nosso maior intuito é compreender como se organizaram as festas do centenário e como

ganharam espaço na sociedade.

BPMP: Correio da Semana, 20 set. 1940. p. 1.

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50

È pena que muitas ruas ainda não tenham o meio fio das calçadas, nem estejam

aplanadas. A nosso modo de ver, é este o ponto de partida para o melhoramento do

aspecto urbano e confiamos que esta necessidade não escapará à observação da

prefeitura. Enquanto isso as obras da Cathedral se aviam celeremente, dando a

certeza de que a festividade da Imaculada da Conceição será neste ano no seu

vestuto templo sagrado.

O jornal, que representava „a voz de Dom José‟, faz menção às obras que ainda,

necessitavam serem realizadas pela prefeitura. Novamente podemos perceber as intervenções

sugeridas pelo Bispo no poder público, que faz questão de mostrar a seus leitores o

desenvolvimento das obras realizadas pela Igreja, através da reforma que realiza na catedral,

sugerindo que o poder público deveria apressar as reformas e deter mais atenção nas obras

para as festividades que se aproximavam.

O aniversário de Sobral , hoje, pode ser pensado apenas como um feriado da cidade,

antecedido por um grande show com artistas de renome nacional, no entanto no ano de 1941,

quando se comemorou o primeiro centenário da cidade, o acontecimento fora revestido de um

processo elaborado por uma comissão formada para a realização da festa e mais que isso do

apoio e incentivo da igreja, naquele mesmo ano iria realizar o primeiro Congresso

Eucarístico

da cidade, o qual estava então sobre os cuidados organizacionais da Igreja,

principalmente do Bispo Dom José. A programação foi divulgada pelo jornal Correio da

Semana, com o título de “festejos do centenário”

:

Dia 25:

Missa Campal às 6 h na Praça da Cathedral.

9h abertura da exposição regional agro pecuário comemorativa do centenário.

13 h Sessão vica no Paço Municipal. O jornalista Craveiro Filho entregará ao

Exmo Sr, interventor federal, um exemplar do Álbum do Centenário.

19 h Inauguração da Avenida Getúlio Vargas.

20 h Festejos populares no recinto da exposição.

BPMP: Correio da Semana, 20 set. 1940. p. 1.

Realizado no ano de 1941, por ocasião do jubileu de 25 anos da fundação da Diocese. A cerimônia foi

presidida pelo Exmo. e Revmo. Sr. D. Bento Aloísio Masela, Núncio Apostólico no Brasil. Contou com a

presença dos Bispos do Crato e limoeiro do Norte, e do interventor federal no Ceará, Dr. Francisco Menezes

Pimentel.

BPMP Correio da Semana, 13 jun. 1941. p. 1.

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51

Dia 26:

18 h Inauguração da Av. Menezes Pimentel

Dia 27:

17 h desfile das Escolas, manifestações da classe operária e conservadora da

cidade.

Embora os ideais de realização do primeiro centenário não tenham atingido todos os

anseios de seus organizadores, eles conseguiram mobilizar participantes de todos os setores

da sociedade. O calendário da programação leva a refletir sobre a participação popular nas

comemorações, pois os jornais silenciaram após as comemorações, nem fizeram referências à

forma de distribuição do álbum produzido na ocasião. No entanto pelo caráter do lançamento

desse álbum, segundo a programação, fomos induzidos a pensar que o mesmo teve

distribuição restrita.

1.5. Craveiro Filho e o Álbum do Centenário

Antonino Craveiro Filho era natural de Sobral. No entanto, estudou e iniciou seus

trabalhos na imprensa na cidade de Belém, voltando para sua cidade natal em 1910, onde

fundou o Jornal “O Tupã” e mais tarde, em 1916, “A Ordem”. Antonino Craveiro filho teve

uma vida ligada às letras, além de jornalista era poeta e membro da Academia Sobralense de

Letras, sendo um de seus fundadores.

A vida do jornalista envolveu-se com as letras e a arte, tanto em Belém como em

Sobral. Atuou também como suplente de juiz de direito em Sobral durante o Governo do Dr.

Moreira da Rocha, chegando a ser suplente de juiz de direito nomeado pelo Dr. Menezes

Pimentel, interventor Federal. Antonino Craveiro Filho era um dos idealizadores da cidade,

membro da elite local e amigo do Bispo Dom José, sendo por essas razões um dos

construtores da ideia de Sobralidade

, ou seja, um dos produtores de representações da

Sentimento que segundo Nilson Almino “inspira uma organização discursiva sobre a cidade que fala de

eventos fundadores baseados em histórias de heróis, experiências e lugares, construindo uma aura de importância

que tende a criar uma imagem de Sobral como pólo difusor de padrões comportamentais, econômicos, políticos e

intelectuais, em âmbito regional, estadual e, em alguns momentos, até nacional. Estas lembranças fundadoras são

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52

cidade. Durante as comemorações do centenário esteve à frente da comissão de organização e

na sua gráfica produziu o álbum sobre o centenário, que ganhou destaque durante as

comemorações ao ser realizado ato cívico para lançamento, o qual contou com a presença do

interventor federal.

O “Álbum Histórico Comemorativo ao primeiro centenário da cidade de Sobral”

contou com o apoio da Prefeitura, da Igreja e de patrocinadores particulares vinculados à

cidade, em especial, ao comércio, o que mostra a união de diversos setores culturais e

institucionais em torno das comemorações do centenário da cidade. É importante salientar que

entre os patrocinadores ganhara destaque algumas manifestações de „orgulho‟ propagandas

dos patrocinadores, as quais aparecem dispostas no verso das páginas que veiculam as

representações da história que se pretendeu homenagear.

Analisando as propagandas dos patrocinadores do evento é notável a presença

maciça de firmas de outras regiões, ganhando destaque as empresas de Fortaleza e de outras

capitais. É interessante perceber que do total de cento e sete anúncios, apenas trinta e três (33)

são de empresários sobralenses, sendo sessenta e cinco (65) destes oriundos de patrocínios de

empresas de Fortaleza, três (3) do Rio de Janeiro, um (1) de são Paulo sendo o restante de

regiões próximas de Sobral.

Dentre essas propagandas destacamos que algumas que se utilizam de seu espaço de

divulgação para homenagear a cidade aniversariante, uma em especial nos chamou a atenção

a da loja de modas „A Esplanada‟ que se situando no Rio de Janeiro não hesita em participar e

congratular a cidade natal de seus donos, com homenagem destacada ao centenário como

podemos perceber no anúncio vinculado no próprio álbum.

definidas em um discurso elaborado pela “autoridade” da elite, influenciadora de significados que devem ser

respeitados e reproduzidos por todos os habitantes de Sobral e de outras cidades. Ver: FREITAS. OP. Cit.

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53

Fonte: O centenário:Álbum Histórico Comemorativo do 1º centenário da cidade de Sobral.

A propaganda externa, além da homenagem a referida aniversariante, exalta seus

desejos de modernização e sucesso da cidade natal, ao destacar em seu texto a importância de

lembrar de “tudo o que se tem feito, e o que se pretende fazer em Sobral”, fortalecendo a

manutenção de uma memória sobre a cidade, como moderna.

Pensando as propagandas como forma de chamar atenção para a divulgação de

produtos ou idéias, vemos que „A esplanada‟ assume uma ordenação das mensagens que quer

fixar no público. Ao associar a divulgação de seus produtos à data celebrada, o centenário,

apresenta um texto em que brinca com associações e imagens, que logo despertam o interesse

dos leitores. Pensando que os vestígios também informam sobre determinadas histórias,

“presentes em textos sem o valor de documento oficial, dispersos sob a forma de sinais

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54

variados”

, concluímos que as propagandas presentes no álbum fortaleciam as representações

que se fundaram durante as solenidades do centenário.

A maior representação que se produziu naquele período fora o “Álbum do

Centenário”

, que através das suas duzentas páginas apresentou Sobral a partir de algumas

fotografias da cidade, ou melhor, de seus principais espaços, assim como “contousua

história a partir de seus cidadãos ilustres e de seus grandes momentos de desenvolvimento.

É interessante salientar que existe na história „contada‟ no álbum uma disparidade

entre texto e imagens, o que nos leva a refletir sobre as intenções de seu organizador. Teria

sido algo ocasional ou proposital? Percebemos que o mesmo encontra-se com uma

diagramação falha, fato que o próprio organizador justifica utilizando-se de uma nota final

intitulada “Em tempo”

, a qual faz uso de um provérbio popular para justificar as fragilidades

da publicação:

Pedimos desculpas pela heterogeneidade da ortografia, verificada nas páginas do

presente volume. À pressa, dizem, é inimiga da perfeição. Eis o que ella produziu

não falando das deficiências de revisão, que não são poucas.

A advertência de Craveiro Filho está bem mais direcionada a ortografia e visualidade

do álbum do que as descontinuidades existentes entre conteúdo e imagens, levando-nos a

acreditar que este ponto não foi observado como problema, ou fonte de grandes preocupações

pelo autor, desta forma pensamos que ele organizou o passado a partir do sentido que

pretendia dar a ele, como representação da cidade.

Entendendo essa descontinuidade do texto em relação às imagens, a partir da ideia de

que existe “um descompasso entre a experiência vivida como tal e o relato possível que sobre

BARBOSA, Marialva. História Cultural da Imprensa: Brasil, 1900-2000. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.

p.14.

O título do álbum, por si , explica a razão de sua produção, que está inserida no contexto da centralização

administrativa do Estado Novo e no processo de reformas e construções urbanísticas na cidade, as quais eram

incentivadas como forma de modernização e desenvolvimento das cidades, é importante lembrar que nesse

momento diversas capitais do país, passavam por reformas urbanas, e embelezamento das vias públicas.

Craveiro Filho. Op. cit, p. 200.

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55

ela se constrói”

, concluímos que existe uma tensão entre a história vivida e a narrada,

relação esta que se torna pensável como necessária a construção das representações que se

querem compartilhar com outro.

Entretanto, pensando a construção destas representações inserida no processo da

operação historiográfica

, somos levados a inferir que a narrativa poderia ter sido construída

afim de propiciar ao leitor a capacidade de realizar movimentos de fora para dentro da

narrativa, afinal a questão da relação entre tempo passado e vivido pode ser perpassada por

escolhas, o que aliás foi o grande propulsor na escolha dos signos que ganhariam destaque no

álbum.

Enfim, Craveiro Filho foi o organizador do que podemos classificar como o maior

símbolo das festas do primeiro centenário da cidade de Sobral, o Álbum do Centenário.

Analisando o sentido que as comemorações tomam, de instituidoras de símbolos e memórias,

concluímos que as festividades do aniversário de Sobral atenderam desejos de uma parte, em

especial da população, os „intelectuais‟, os quais estando ligados tanto ao poder público como

ao poder religioso, fortaleceram representações sobre a cidade, em que a idéia de

modernidade e transformação foram os grandes símbolos defendidos e até mesmo

„comprovados‟.

Por outro lado percebemos o silenciamento, quem sabe ausência, dos habitantes

comuns, os quais tiveram pouca representatividade durante as festividades, se considerarmos

a presença das escolas e das agremiações dos trabalhadores nos desfiles blicos. O que nos

leva a pensar que as comemorações do aniversário de Sobral foram construídas „por e para‟ a

satisfação de um grupo específico de habitantes da cidade, cujos ideais e memórias foram

GUIMARÃES. Manoel Luiz Salgado. Escrever a história, domesticar o passado. IN: PESAVENTO. Sandra

Jathay. (org.). História e Linguagens: texto, imagem, oralidade e representações. Rio de Janeiro: 7letras, 2006,

p.46.

CERTEAU, Michel. A operação historiográfica. IN: CERTEAU, Michel. A escrita da história. 2ed.Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 2002, p.65-121.

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56

instaurados como tradição, os espaços selecionados e fixados foram ganhando eco, tanto

localmente como fora de suas fronteiras territoriais, afinal as antigas ligações com a Europa,

antes alardeadas, hoje foram substituídas pela relação „íntima‟ que a cidade mantém com o

Império Capitalista dos Estados Unidos, chegando mesmo a ser denominada popularmente de

“The United States of Sobral”.

Essas ideologias adotadas pela cidade na ultima década do século XX foram alvo da

crítica corrosiva realizada pela Revista Veja

, ao analisar Sobral como uma cidade que na

primeira metade do culo XX, tinha por influência do Bispo idéias europeizantes e que em

fins do século xx, por ideologias de seu então prefeito hoje governador, Cid Gomes, adota o

estilo do „american way of life‟ , passando a adotar costumes e até mesmo tradições dos

Estados Unidos da América. Enfim, Sobral e suas múltiplas representações.

2 Legibilidade da cidade na visão da elite: espaço e imagens na

construção de sentidos.

Todas as cidades constituem-se em meio à funcionalidade e aos usos que dela

são feitos. Pensar em espaço urbano é pensar sobre a ação do homem, afinal o homem é que

constrói o espaço, dotando-o de sentidos. Apesar do uso que os espaços tendem a incentivar

no imaginário local, reconhecemos que parte da população não tem acesso aos espaços

público. Existe um controle sobre os usos desses espaços, o qual pode ocorrer sobre variadas

formas, sejam elas sobre controle moral e ideológico, seja por meio do controle dos espaços e

de seus transeuntes. Pensar a cidade como objeto, leva a uma viagem em meio a sua

„escritura‟, em que iremos perceber as marcas e identidades daqueles que a representaram, às

vezes enxergando suas ações em espaços nem sempre visíveis.

Veja,São Paulo, v. 42, n.2132. “The United States Of Sobral”,30 set.2009. p.144 146.

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57

Analisar a cidade de Sobral, a partir das imagens que dela são produzidas, é

pensá-la como um texto a ser lido e interpretado. Nos fala Certeau, que a cidade constitui

uma “ordem espacial”

, onde os consumidores do espaço atualizam e reutilizam os sentidos

que ela busca constituir, a partir dos produtores desse espaço, são responsáveis pelo

fortalecimento da memória sobre a cidade, a partir dos signos e imagens que sobre ela foram

construídos.

A produção do álbum comemorativo do centenário da cidade de Sobral busca

construir espaços de memória e de tradição no imaginário popular, ao veicular imagens da

transformação ocorrida na cidade. O álbum é dotado de imagens que mostram o

desenvolvimento alcançado por Sobral, na tentativa de instituir tais espaços, como lugares de

memória e de identidade social.

Pensar sobre a representação que os espaços assumem para Sobral é também

pensar sobre a apropriação que sofrem, por parte de seus frequentadores, afinal o espaço é

constituído a partir das práticas que sobre ele são realizadas, por aqueles que deles se

apropriam e nele interagem.

Segundo Certau, o lugar é uma forma de ordenação que os objetos tomam nas

relações coexistentes, sinalizando uma configuração instantânea de posições”

. Os espaços

são relacionados aos movimentos que se desdobram a partir da configuração dada, produzidos

como efeito das operações que os orientam, para ele “o espaço estaria para o lugar como a

palavra quando falada”. Neste sentido, o que define os espaços são as ações dos homens sobre

o mesmo. Portanto, são as interferências do homem que conferem ao lugar a denominação de

lugar como espaço praticado.

CERTAU, Michel. A Invenção do Cotidiano : A arte de fazer. Petrópolis: Vozes, 2002,v.1, p.177.

CERTAU. Op. Cit. p. 201.

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58

A cidade de Sobral constituiu uma identidade sobre os espaços que deram a ela o

sentido de tradição

, tradição essa que é assimilada pela população através da veiculação de

imagens e ideologias. Os espaços cristalizados em imagens geraram na população uma

memória social sobre eles. Essa memória foi construída pelo simples movimentar-se da

população em meio a esses espaços e a instituição dos espaços mesmos. Assim, a memória da

cidade, pode ser pensada como uma “imposição” pelos ordenadores da cidade, afinal os

mesmos encontravam-se no fluxo do cotidiano de todos os habitantes e visitantes que

chegavam a cidade.

Através da análise do jornal Correio da Semana, percebemos a coexistência de

uma outra cidade, a cidade do povo‟, onde a urbanização e o embelezamento espacial ainda

não haviam chegado, ou não queriam chegar lá. Era a cidade que precisava ser controlada,

apagada.

Em pequena nota, publicada sobre o título de “falta de educação”

, em que são

renegadas as formas populares de crendice, “macumba, feitiçaria e curandeirismo” através da

cobrança da ação policial, para controlar os vícios que “invadem os bairros pobres de Sobral”.

Percebemos que além da rejeição das liberdades de culto, também existia uma associação

dessas práticas com as populações humildes e „pobres‟, como o próprio jornal subtende.

A percepção dessa outra cidade, onde não havia controle religioso, nem ação

populacional era também a cidade que aparecia sobre o título de “Nos bairros e subúrbios”

:

A parte da cidade localizada na margem esquerda do rio Acaraú está se

desenvolvendo de uma maneira verdadeiramente assombrosa (...) Para facilitar e

incrementar o desenvolvimento da outra parte da cidade, proporcionando-lhes os

meios necessários. Compete as nossas autoridades municipais esta tarefa de magna

importância, quer instalando escolas, quer melhorando as condições do meio e

Sobre tradição entendemos o que Hobsbaw chama de tradição inventada. HOBSBAW, Eric. A invenção das

Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 9.

BPMP: Correio da Semana, 14 jan. 1953, p.3.

BPMP: Correio da Semana, 17 abr. 1949, p.1.

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59

finalmente auxiliando no que ela mais precisa no seu patriótico trabalho de construir

ali uma outra civilização.

O fragmento acima, deixa clara a preocupação que havia, por parte do jornal, em

deixar „dito‟ que os problemas urbanos e sociais estavam localizados nos „bairros e subúrbios‟

da cidade, apontando que lá haveria a construção de uma „outra civilização‟. As partes

destacadas fazem referência à preocupação de que a cidade perdesse seus „status‟ de moderna

e desenvolvida. Destacando sempre que essas denúncias que apareciam eram localizadas fora

do centro urbano, nas periferias, onde ainda o havia uma civilização. Porém é importante

destacar o apelo que é feito ao poder público de interferir no desenvolvimento desses espaços,

favorecendo assim ao desenvolvimento da „moderna Sobral‟.

A memória dos espaços constitui-se então a partir da relação que os habitantes

desenvolvem com eles, pois compreendemos que os contatos cotidianos com espaços

sugerem aos habitantes distinções e relações sentimentais com a cidade; o que nos leva a

pensar que cada espaço da cidade apresenta-se de forma única para cada um de seus

observadores. Segundo Lynch: “O meio ambiente sugere distinções e relações, e o

observador - com grande adaptação à luz dos seus objetivos próprios - seleciona, organiza e

dota de sentido aquilo que vê.”

Assim, as imagens da cidade “escolhidas” pelos ordenadores do espaço urbano,

em Sobral, foram sendo tecidas no imaginário dos habitantes, não apenas pelo sentido de

monumento que a elas foi dado pelo poder público da cidade, mas também por meio das

relações que os habitantes desenvolviam com esses espaços, instituindo sentidos pessoais a

eles de pertencimento ou de rejeição.

Cada habitante, a partir das relações que mantinha com a cidade e com os

espaços, ia tecendo suas próprias opiniões sobre esses. No entanto isso não interferia na

construção desses espaços como monumentos da cidade.

LYNCH, Kevin. A Imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1960, p. 16.

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60

O passado construído pelo grupo organizador das comemorações do primeiro

centenário deu continuidade à idéia difundida no início do século XX pelo Bispo Dom José, a

da modernidade em Sobral

. Essa continuidade transformou as festas do centenário,

principalmente o „álbum do centenário‟, em monumento à medida que sua produção estava

direcionada a um determinado grupo, „intelectuais‟, que se utilizaram dessa função para

“impor ao futuro,voluntária ou involuntariamente, determinada imagem de si próprias”.

Deu

início a invenção do passado, um passado hierarquizado, organizado em lugares próprios para

as imagens que queriam instituir como marcos da história da cidade e símbolo de seu

progresso.

O documento construído para a instituição da memória que queria se fixar, leva-

nos a entender a ausência de grande parcela da cidade, no álbum tanto nos eventos como

mesmo inseridos nos espaços enquadrados. Nesse sentido a análise dos espaços

monumentalizados no álbum, permite-nos perceber que eles são “uma roupagem, uma

aparência enganadora, uma montagem”

, no entanto nosso objetivo é compreender como

esses espaços tornaram-se monumento no imaginário da cidade, ou seja, quais estratégias

foram utilizadas pela elite para a instituição dessa memória sobre a cidade.

Nessa pesquisa entendemos a modernidade em Sobral como desejo de transformação dos meios físicos e

materiais, porém havia ambigüidades na forma como era projetada e colocada em prática na cidade, que, a

mesma estava restrita ao comportamento dos cidadãos, que deveriam manter-se sobre as orientações da igreja,

que assumia o papel de ordenadora da „moral e dos bons costumes‟ da população. Sobre modernidade ver:

BERMAN, Marshal. Tudo que é sólido desmancha no ar: as aventuras da modernidade. São Paulo:

Companhia das Letras, 1992.;REZENDE, Antônio Paulo. (Des)Encantos modernos: história da cidade do

Recife na década de vinte. Recife: FUNDARPE, 1997.; LEFEBVRE, Henri. A vida cotidiana no mundo

moderno. São Paulo: Ática, 1991.

LE GOFF, op. cit. p. 548.

Idem, ibidem.

61

2.1 Álbum do Centenário: Sobral monumentalizada

As cidades brasileiras, no final do século XIX e início do século XX, tentam

adequar-se aos princípios de modernização e progresso, incorporados pelo regime

republicano. Nesse sentido, inicia-se a produção de álbuns de vistas que almejam representar

a modernização que as cidades brasileiras alcançam, esses álbuns, além de divulgarem a

modernização das cidades, também têm a função didática de educar a população a partir do

olhar.

Os álbuns assumiam a função de objeto propagandístico que difundiam as

melhorias e benfeitorias urbanas, além de construírem um sentido de identidade e

pertencimento na população, que não estava envolvida diretamente nas transformações

modernas, mas que assimilam a memória social e oficial da cidade.

A produção do álbum do centenário, além das comemorações do aniversário de

Sobral, também trazia intrínseco o sentido de propagar e difundir na sociedade a ideia de

progresso e transformação que a cidade havia alcançado. As imagens veiculadas no álbum

foram escolhidas de forma a da identidade e visibilidade a determinados espaços de Sobral,

espaços em que os “ordenadores” da cidade pretendiam difundir como símbolos de tradição,

espaços a serem monumentalizados como memória da cidade e de seus habitantes.

As fotografias existentes no álbum “O centenário” representam as

transformações de Sobral e ajudam a compreender que imagens foram “escolhidas” para a

construção do imaginário social constituído sobre Sobral. Entendendo que a partir destes

resíduos imagéticos é possível perceber que imagens foram utilizadas e qual a importância

delas para a instituição da modernidade em Sobral, estaremos adentrando as ideias que

nortearam a construção do imaginário da cidade como a “Princesa do Norte”.

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62

A análise do álbum levantou algumas inquietações no sentido de entender qual o

papel das imagens na escrita da cidade e como elas aparecem dispostas no álbum e na relação

com os textos que nele estão inseridos, pois entendemos que as imagens trazem possibilidades

de compreender a história. No entanto, sozinhas elas não podem reconstituí-lo, afinal à

medida que folheamos as páginas do álbum, temos o imaginário aguçado pelas múltiplas

visões que as imagens nos mostram e nos levam a intuir, pois, como testemunhos visuais elas

nos dão múltiplas possibilidades de interpretação.

Analisando o álbum e suas imagens, fomos levados a pensar sobre as múltiplas

possibilidades de representar a cidade e de pensar a constituição do imaginário social local, a

partir da “cristalização” de seus espaços e, mais que isso, entender qual a cidade desejada por

seus produtores.

A fotografia assume na sociedade moderna papel imprescindível à formação de

opinião e de conhecimento, mas não foi sempre assim. algumas décadas, as fotografias

eram de difícil produção e de difícil acesso, pois dependiam de equipamentos e materiais

caros. No entanto, hoje assumem papel comum na sociedade moderna, todos têm suas

próprias câmeras e produzem suas próprias fotos, as quais podem ser modificadas, ampliadas

e enquadradas da forma que melhor convir aos desejos do fotógrafo e do fotografado.

Parafraseando Susan Sontag

“Hoje tudo existe para terminar numa foto”, o que as torna

possíveis de produzir história.

O trabalho com as fotografias nos deixou ciente de que as mesmas são como

textos a serem lidos por seus receptores. Portanto, deve-se levar em consideração as

competências dos receptores, para entender os significados que elas lhes transmitem.

As competências surgem a partir da experiência dos receptores e dos produtores

dessas imagens, que devem ser de sentido coletivo para aqueles que as observam, que elas

SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.35.

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63

têm dois níveis de compreensão segundo Mauad

, o “nível interno”, simbolizado pela

estrutura visível da fotografia, a qual possibilita uma leitura do texto que ela representa; e um

“nível externo”, que está diretamente ligado às informações de outros textos da época, ou até

mesmo da possibilidade de trabalho com a experiência de outrens sobre o texto imagético.

Destacamos que a leitura de textos visuais é parte de uma educação do olhar que

está diretamente ligada à forma como o receptor das imagens as compreende. Ligada a esta

compreensão, a leitura também deve estar relacionada com as representações que o texto

fotográfico traz, as quais podem ter múltiplas funcionalidades e usos, funcionalidades que

vão desde o veículo que as comporta, como também pelo controle dos diversos grupos sociais

que estão envolvidos, direta ou indiretamente, durante a produção.

Neste sentido, as fotografias como representação são articuladas pela forma

como privilegiam os espaços fixados, onde o monumento tende não apenas a falar

esteticamente, mas falam interiormente. Ele desperta sensações nos observadores, formando o

que Elias

institui de imagens do real, pois as imagens dos objetos não se formam pelo

objeto em si, mas pela afetividade que elas despertam no grupo social e no observador.

As imagens são por nós compreendidas como memória social, pois esta só toma

tal sentido quando transmitida e articulada. Portanto, age de forma “a suprimir o que não é

significativo ou intuitivamente satisfatório nas memórias coletivas do passado e interpolar ou

introduzir o que parece mais apropriado”

. E são essas as formas que as imagens

selecionadas no álbum tomam, ao revelarem o sentido de mapas da memória, os quais

facilitam a evocação sobre Sobral e seu „progresso‟.

MAUAD, Ana Maria. Fotografia e História-possibilidade de analise. IN: CIAVATTA, Maria &ALVES,

Nilda. A Leitura de imagens na pesquisa social: história, comunicação e educação. 2, Ed São Paulo: Cortez,

2008, p.24.

ELIAS, Norbert. A sociedade de Corte. Lisboa: Stampa. 1987, p. 217.

FRENTESS. Op. cit.p. 78.

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64

Segundo Mauad

, “deve-se compreender a fotografia como uma escolha

efetuada em um conjunto de escolhas então possíveis”, ou seja, as fotografias são formas de

“escrita” do fotógrafo, que as inscreve de modo a expressar as suas ideologias e transmitir a

mensagem valorizando o objeto representado e de instituir um sentido coletivo social para o

grupo que as consome.

Pensando Sobral como espaço social, ela se aqui tomada como cenário

múltiplo que toma para si a construção do cotidiano, pois pensamos as cidades que buscam o

progresso não apenas como espaço torturante de reprodução dos costumes, mas como espaço

da criação de novos desejos, constituição de histórias e de cidades que assumem a

multiplicidade de seus habitantes e de suas experiências. Isso justifica o fato de buscarmos

não a verdade absoluta sobre a constituição do imaginário de Sobral, mas apontar algumas das

formas de pensar e desejar essa cidade que foram inscritas a partir da produção do álbum do

centenário e das imagens que constituíam Sobral durante as comemorações do seu centenário.

Lembramos que não iremos tomar partido de grupos sociais ou de ideologias

sobre a cidade, mas sim analisar as representações que foram construídas em Sobral através

dos jornais e do álbum o centenário. Pensar sobre a Sobral concreta e a cidade dos desejos,

uma cidade que entre as divergências ideológicas e sociais ia constituindo-se no imaginário

social como a “Princesa do Norte”.

2.2 Sobral retratada: a cidade em imagens instituindo a memória.

- As margens da memória, uma vez fixadas com

palavras, cancelam-se disse Pólo. Pode ser que eu tenha medo de

repentinamente perder Veneza, se falar a respeito dela. Ou pode ser

que, falando de outras cidades, já as tenha perdido pouco a pouco.

MAUAD. Op. cit. p.28.

CALVINO. Op. cit, p. 82.

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65

A cidade apresenta-se geograficamente uma. No entanto, ela é repleta de

histórias e de imagens que são “valiosas” a seus observadores. Seus espaços detêm

sentimentos, que são rememorados por aqueles que a (re)significaram. Através destes

sentimentos que pouco a pouco vão tomando parte da cidade para aqueles que dela guardam

lembranças e desejos, memórias se constroem a fim de evitar que o tempo os leve para longe.

Esse receio de esquecer, misturado ao desejo de congelar o tempo, despertam no homem

espaços e sensações que o fazem entender a fotografia como representação do “real”. Uma

cópia de apropriação do passado compreendida “Como passado em revelação para o olhar que

observa, a fotografia parece realizar sua utopia de produtora da memória.”

·.

Esta revelação do passado é entendida como possibilidade de suporte à memória,

a qual à medida que é estimulada vai (re)vivendo o passado a partir dos sentidos que por ela

são construídos, sentidos estes que se ampliam com o desenvolvimento do ato de lembrar.

Os festejos do centenário de Sobral foram amplamente divulgados na cidade e

coincidiram com a realização do seu primeiro congresso Eucarístico Diocesano. Isso fez com

que as festas fossem ampliadas, recebendo a cidade milhares de pessoas pelo período de duas

semanas. As solenidades tiveram início no dia 25 de junho de 1941, com a realização de

Missa Campal na Catedral, seguida de abertura da exposição agropecuária, atos cívicos na

Câmara Municipal com a presença do Interventor Federal e lançamento do Álbum do

centenário, entre outras atividades.

Pensando das comemorações como celebrações ricas em sentidos, para a

sociedade que as realiza, entendemos que o centenário de Sobral apropria-se desse momento

para instituir “lugares de memória”, ou seja, divulgar as construções da cidade e sua

evolução, estas ações tem o sentido de perpetuar no imaginário local um passado de glórias,

um presente progressista e um futuro atrelado a idéia de desenvolvimento.

KOURY. Op.cit, p. 98.

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66

A memória que se pretendeu perpetuar foi instaurada no imaginário local de

forma voluntária ou involuntária. Certo é que os espaços, fixados pelas lentes das câmeras e

divulgados no álbum comemorativo do centenário, enraizaram-se na memória local de forma

a tornarem-se monumentos de tradição e de memória dos habitantes e da cidade.

A produção de álbuns fotográficos remonta à segunda metade do século XIX.

Através deles, as cidades apresentavam o que acreditavam ser relevante para caracterizá-las

como cidades modernas; enaltecer sua história e fortalecer seus mitos. Tradição em voga até a

primeira metade do século XX. Na sua maior parte, os álbuns, além de fotografias, traziam

textos que acompanhavam as imagens. Dubois analisa a fotografia apresentando sua natureza

fundamentalmente pragmática e cita os álbuns como veículos que trabalham com esta

dimensão:

Com toda certeza, o que confere valor a esses álbuns não são nem seus conteúdos

representados neles próprios, nem as qualidades plásticas ou estéticas da

composição, nem o grau de semelhança ou de realismo das chapas, mas sua

dimensão pragmática, seu estatuto de índice, seu peso irredutível de referência, o

fato de se tratar de verdadeiros traços físicos de pessoas singulares que estiveram ali

e que tem relações particulares com aqueles que olham as fotos.

Neste sentido a foto em si não fala, não explica, não interpreta, por mais próxima

que esteja do objeto representado. Ainda assim não é o objeto preciso de suportes de

referências para emanar todo o seu conteúdo intrínseco.

No Álbum, as fotografias estão ao lado de textos, construindo um discurso

imagético que visava comprovar, representar o papel preponderante da Igreja e da

administração pública no processo de modernização da cidade. As primeiras cinco páginas do

álbum prestam homenagem aos homens ilustres da cidade.

Surge na primeira página a foto do presidente da República, Getúlio Vargas,

acompanhada de sua biografia. Na segunda página surgem as fotografias do Dr. Arnaud

DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. 7. Ed. Campinas, (SP): Papirus, 2003, p. 80

67

Ferreira Baltar, juiz de direito, a seu lado a fotografia do Dr. Francisco Menezes Pimentel,

interventor federal, e na ponta esquerda a foto do Cel. Alcebíades Dracon Barreto, presidente

do departamento administrativo do Estado. Na terceira gina, destaca-se centralizada a

fotografia do Bispo Dom José Tupinambá da Frota. Na quarta página surge o prefeito da

cidade, Cel. Antenor Ferreira Gomes e finalmente, na quinta página, o organizador do Álbum,

Craveiro Filho.

As cinco primeiras páginas apresentam a ordem de importância dos personagens

representados, tanto na seqüência em que aparecem no álbum como o destaque que é dado a

fotografia. Percebe-se que três deles aparecem juntos em uma página apenas, enquanto os

outros quatro ganham uma página completa. Considerando a sequência em que surgem no

álbum, a compreendemos como simbologia da sua importância na cidade. Com o Bispo Dom

José surge à frente do prefeito, entendemos ser ele mais importante do que essa autoridade

municipal.

Quanto às imagens que representam espaços, elas estão distribuídas dentro do

texto e inseridas nos dois tópicos centrais, “O passado” e “O presente”, porém não existe um

diálogo entre textos e imagens fotográficas, estando as imagens assumindo apenas um caráter

de representação desses espaços, cristalizando símbolos “escolhidos” pelo grupo social

dominante da cidade.

O livro tem o formato de 37x27 cm, capa dura e titulo em bronze, possui um

total de 200 páginas, apresentando várias ilustrações em fotografias mono colorizadas. A

capa tem um design de representação, pois traz várias fotografias da cidade colocadas lado a

lado sob um fundo avermelhado. As fotografias da capa são colocadas como símbolo do

processo de transformação da cidade. No lado direito do álbum, na horizontal, surgem os

tópicos da primeira parte, livro “O antigo”; do lado direito do livro na horizontal surgem os

tópicos da segunda parte do livro, “O presente”.

68

Sob o título surgem algumas das imagens que estão no interior do livro. As

fotografias que aparecem na capa são as que remetem à modernização e ao progresso que a

cidade alcançou. São os espaços de orgulho, deixando fora da capa as que remetem à

existência de problemas de planejamento, como as que mostram a cidade alagada pelas

enchentes.

O livro encontra-se dividido em duas partes, sendo cada parte dividida em

subtópicos. A primeira parte “Sobral O passado” traz como subtópicos: I A posse da terra,

II - A povoação da Caiçara, III - Vila real de Sobral, IV A cidade e V Edificadores de

Antanho. Nesta primeira parte do livro, seu organizador, Antonino Craveiro Filho, conta a

história da cidade desde sua doação como sesmaria até sua elevação à cidade, realizando uma

biografia daqueles que caracterizou como seus edificadores.

A segunda parte, intitulada “O presente”, tem como subtópicos: I - A cidade de

hoje; II 100 anos de história; III Conquistas econômicas; IV Os homens do primeiro

século e V possibilidades futuras. Realiza um apanhado cronológico e biográfico da cidade

e de seus habitantes mais ilustres, que aparecem no álbum dividido nas seguintes categorias:

Comerciantes, Ordem Médica, Intelectuais, Sobralenses notáveis, Justiça de Sobral, Cultores

da Economia, Pioneiros do Comércio e Sentinelas da Pátria. Dentro destas biografias percebe-

se que nem todos são representados com suas fotos. A obra privilegia quantitativamente o

presente e enaltece as origens históricas da cidade e de seus idealizadores.

Diante da impossibilidade de analisar todas as imagens da obra, iremos nos

concentrar na área específica sobre os espaços urbanos, que surgem nos textos que narram a

história do desenvolvimento e surgimento da cidade, ou seja, na primeira parte do livro, “O

Antigo”.

Esta série de fotografias está atrelada à origem e ao desenvolvimento da cidade.

Apesar de serem espaços alheios ao texto, subtende-se a intenção de seu organizador de

69

mostrar a cidade e a transformação que ocorreu desde sua origem, gerando no observador a

ideia de separação entre o escrito e o imagético, sugerindo uma valorização do presente.

A série é composta por vinte e sete fotografias, que aparecem centralizadas na

página, diferindo em poucos centímetros os tamanhos das imagens, o que não chega a

provocar um efeito de assimetria, em virtude da centralização das imagens na página. um

predomínio de imagens horizontais (24 fotos), o que produz um sentido de estabilidade e

representação da cidade, efeito não apenas de documentação do passado, mas também de

valoração dos espaços, construindo a ideia de monumento dos espaços representados, de

forma geral de exaltação da cidade.

Os recortes temporais propostos pelas imagens referem-se às reformas ocorridas

em fins da década de trinta e início da cada de quarenta, ressaltando os espaços urbanos, o

crescimento do perímetro ocupado e a modernização da área central da cidade. Da mesma

forma que os textos desta série, apesar de serem relativos ao surgimento da cidade, exaltam

seus administradores relacionando-os com o presente.

Os espaços representados pelas fotografias o todos relacionados ao ambiente

urbano, com exceção de duas, uma que representa o vaqueiro como trabalhador “típico do

nordeste” e outra que representa a Orquestra Alcântara, como “tradição artística e honrosa da

terra”.

nas fotografias um claro privilégio dos espaços urbanos o que caracteriza

uma negação do espaço rural, que representava a maior parte da cidade no período.

Observamos o predomínio da representação de prédios públicos e do centro da cidade, o que

nos levou a dividir as fotografias em séries a serem analisadas por temáticas e conteúdos:

escolas (um), casas residenciais (4), prédios públicos (4), espaços de lazer (5), ruas (6),

fábrica (um), pessoas (2), igreja (um), estrada de ferro (um), ponte (um). O conjunto apresenta

uma visão turística, moderna e higienista da cidade e da sociedade local.

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70

As fotografias têm um nítido sentido de divulgar a cidade, os espaços fixados

são o centro da fotografia. A análise da série aponta para o predomínio de conteúdos

temáticos relativos à urbanização da cidade, apontando para a representação do espaço urbano

por meio da arquitetura e do sentido de sociabilidade, ligados a estes espaços: Pallace Club,

praças, radiadora e parque da Independência. Os temas representados articulam-se com os

principais grupos sociais da época para construir a imagem da cidade que era por eles

desejada.

Podemos perceber, pela descrição superficial feita das imagens, que seis das

fotografias são do século XIX e início do século XX. Acreditamos que seja o seu sentido no

álbum o de mostrar a evolução de Sobral, como uma forma de realçar a superação das

dificuldades e o progresso alcançado. Afinal, as vinte fotos seguintes representam a cidade em

pleno desenvolvimento urbano. Neste sentido, aquelas fotos são utilizadas como forma de

representação da evolução da cidade. O álbum privilegia a representação das elites, da sua

centralidade e da sua predominância sobre as transformações que a cidade sofria.

Dessa forma é que nos parece estratégico problematizar a cidade e a constituição

das suas representações, a partir das fotografias utilizadas no álbum, com o intuito de

compreender a construção de um padrão de visualidade que destacava certos sujeitos, lugares,

tempos, acontecimentos e significados da experiência social urbana, respondendo à demanda

da memória da sociedade sobralense frente às reformas da cidade e á constituição de

representações sobre estas transformações.

Devido ao caráter representativo das imagens, optamos por fazer uso delas que

representam Sobral. Afinal, segundo Chartier,

as representações construídas sobre “o

mundo social” não são objetivas e sim “historicamente produzidas” pelos grupos sociais, que

interferem no ordenamento e transformação da vida social da cidade.

CHARTIER. Op. Cit, p.17.

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71

A fotografia é um suporte para se conhecer o passado, porém, ela não pode

reconstituí-lo. À medida que olhamos, observamos as imagens, vamos entrando em contato

com momentos que foram registrados no plano do imaginário, da experiência e do desejo de

congelamento de espaços e sentimentos a que estão ligados. A fotografia por si gera

diversas interpretações sobre o passado. No entanto, iremos (re) atualizar esse passado

através do seu cruzamento com a historiografia produzida sobre a cidade.

Boris Kossoy afirma que toda fotografia é portadora de múltiplas experiências, é

evidência histórica. Sendo assim, apresenta-se como uma importante fonte aberta a diversas

significações. Ele situa a fotografia em três estágios que marcam sua trajetória: o sentido de

sua produção, o registro que cristaliza e existência à imagem e aos usos que se faz ou

fizeram dessa imagem, destacando que “nesse caso seu conteúdo se manteve, nele o tempo

parou. As expressões ainda são as mesmas. Apenas o artefato, no seu todo, envelheceu”.

As

fotografias são produzidas e não sabemos os caminhos que irão percorrer, podem ser

esquecidas ou tornar-se valiosas como fontes e objetos de pesquisa.

Parafraseando Jacques Le Goff, consideramos a “imagem /documento” e a

“Imagem/monumento”. Na primeira categoria tomamos as fotografias como guias para a

compreensão da construção de representações sobre a cidade, e na segunda como

possibilidade de monumento a ser analisado e interpretado, símbolo produzido pela sociedade

ou grupo a fim de eternizar o momento retratado.

Neste sentido, tomando as imagens do “Álbum Histórico Comemorativo ao

primeiro centenário da cidade de Sobral” como representações de símbolos a serem

divulgados como sinais de progresso e prosperidade da cidade, as imagens funcionam como

guias para a compreensão da representação que determinado grupo social quis perpetuar.

Afinal, segundo Kossoy:

KOSSOY. Op. Cit, p.45.

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72

Toda fotografia representa em seu conteúdo uma interrupção do tempo e, portanto

de vida. O fragmento selecionado do real, a partir dos instantes em que foi

registrado, permanecerá para sempre interrompido e isolado na sua bidimensão da

superfície visível.

Observamos que refletir sobre “o tempo que passou, mas que continua imóvel

na fotografia, é reatualizar as lembranças. É reviver o passado, não de uma forma absoluta,

mas referindo os espaços e momentos que foram significantes para o seus produtores. O ato

de fotografar simboliza o congelamento de espaços e situações significativas para seu

produtor e para o grupo ou ideologia a que está vinculado.

A produção da escrita sobre Sobral, a partir das fotografias, apresenta uma

eficácia quanto ao tempo. Afinal, através da análise e do cruzamento de informações sobre

estas representações é possível obter conhecimentos sobre um passado visto de fora, ou seja,

fora do espaço temporal de produção o que em si facilita a apreensão do passado estudado.

Mesmo com o distanciamento gerado pelo olhar atual, estas produções guardam marcas, o

que possibilita não somente um conhecimento possível dos desejos representados, mas

fundamentalmente um conhecimento sobre como a cidade era pensada e vivenciada pelos

seus produtores e habitantes.

Naturalmente, a forma da cidade, suas ruas, as transformações que nela

ocorrem contam uma história que continua viva na memória de seus habitantes e nas

representações que foram produzidas sobre ela. Elas mostram-se como mananciais para a

compreensão de como estas representações são interpretadas pelos seus observadores e

possíveis de uso para a compreensão de como a cidade era idealizada por seus produtores.

KOSSOY. Op. Cit, p. 44.

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73

A possibilidade de desvelar e de reinterpretar o passado é o que fascina no uso

das fotografias, que não está apenas nos espaços representados, mas inserida nos desejos de

transformação por elas expressos. A utilização das fotografias ocorre pelo fato de serem

significativas para a cidade e seus habitantes. Neste sentido, Fentress afirma:

As imagens podem ser socialmente transmitidas se forem convencionalizadas,

porque a imagem tem que ser significativa para todo o grupo; simplificadas, porque,

para ser significativa em geral e capaz de transmissão, a complexidade da imagem

tem que ser tanto quanto possível reduzida.

A cidade de Sobral, no ano do centenário, encontrava-se em pleno processo de

transformação e de busca pelo progresso, transformação que era movida pela classe

dominante no setor político, econômico e religioso da cidade, mas que era entendida pelo

povo como essencial não para o embelezamento da cidade, mas também para aqueles que

se encontravam excluídos dessas transformações, afinal o orgulho de viver em uma cidade

moderna persistia.

No entanto, pensar Sobral, a partir daqueles que “produziam” a cidade, é ter

acesso a uma cidade desejada, talvez individualmente em cada fotografia produzida, porém

única para cada um dos que a sonharam e a “construíram” . Enfim, Sobral assume para cada

um que se envolveu na sua transformação e no seu cotidiano um significado que pode ser

revisto pela ação do tempo ou pode ser reelaborado a partir da análise destas representações.

Neste sentido, a análise das imagens do álbum como sentido representativo de

seu produtor será realizada em dois níveis; por temas fotografados e por padrões temáticos

visuais, na busca de compreender qual a cidade que seu produtor e o grupo a que pertenciam

queriam perpetuar, afinal o próprio Craveiro Filho afirma na abertura da obra:

Venho (...) depositar no sacrário simbólico onde guardas a pureza de tuas filhas, o

heroísmo de teus soldados, o civismo de teus poetas, a justiça de teus magistrados e

o heróico sacrifício de teus sacerdotes trazer-te para associar-me, as comemorações

FENTRESS. Op. Cit, p. 66.

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deste excepcional acontecimento, a migalha desta minha oferenda representada neste

humilde fruto intelectual “O Centenário”.

O sentido representativo do poder e do desenvolvimento da cidade, presente na

obra “O centenário”, aparece-nos como a cidade desejada; um monumento a ser perpetuado,

memória de homens ilustres e poderosos que “sozinhos” construíram a cidade, que foi

eternizada através das imagens e dos textos do jornalista Antonino Craveiro Filho e que agora

tomamos como documento possibilitador de entender a cidade e suas sociabilidades na década

de quarenta.

2.3 - A cidade nos seus primórdios: Imagens do passado como exaltação do

presente.

Durante o período Pombalino, século XVII, é instituída a criação de novas vilas

reais da colônia. É em meio a essas criações que Sobral surge. Por ocasião da sua elevação a

condição de vila apresentava uma precária estrutura urbana, conseqüência da expansão das

terras de criação do gado.

A povoação da Ribeira do Acaraú inicia-se com a doação de Sesmarias. Parte

das terras foram doadas por intermédio do Capitão Mor de Pernambuco, e foi a partir delas

que a Fazenda Caiçara surgiu em 1728. Por ser uma região onde predominava a pecuária e o

comércio do Charque, que eram negociados com outras províncias, a fazenda logo evoluiu

para a “Povoação da Caiçara”

. O comércio do gado entre o Ceará e a capitania de

Pernambuco trouxe a criação da “”Estrada Nova das Boiadas”, que através de Quixeramobim

CRAVEIRO FILHO.Op. cit, p.200.

Sobre a doação das Sesmarias e Fazenda Caiçara VER: FROTA. Dom José Tupinambá da. História de

Sobral.

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75

integrava os Vales do Acaraú e Jaguaribe com as Capitanias do Rio Grande do Norte, Paraíba

e Pernambuco.

A povoação da ribeira do Acaraú era composta por gente muito simples, sem

sobrenomes nem brasões, vinham pra estas bandas mais em busca do sustento do que de

aventuras. As casas eram simples, como observamos por esta representada na fotografia

abaixo. Podemos perceber que as cumeeiras são baixas, identificamos a existência de uma

porta de entrada, rodeada de várias janelas que vazam a casa. Acreditamos que a existência

das duas pequenas janelas laterais fossem para ventilar o interior da casa.

Era hábito que as antigas casas de fazenda tivessem alpendres rodeando-a, na

imagem o alpendre vaza à frente da casa, os alpendres representam a hospitalidade dos donos

da casa e também espaço de diálogos com os viajantes, passantes e empregados.

Podemos notar que o alpendre ainda era rústico, pois com a fachada reta,

acompanhando a cumeeira, fato que se altera em fins do século XIX, quando tem início o uso

de arcos na fachadas dos alpendres.

Habitação dos primeiros colonizadores da Ribeira do Acaraú.

Outro fator significativo na estrutura da casa é a presença do elemento

decorativo na parte frontal do telhado, como símbolo do progresso financeiro dos fazendeiros,

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76

da época. Sobre o espaço ao redor da casa, percebe-se a existência de uma vegetação rala. O

objetivo do fotógrafo era o de representar as construções e formas de habitação, pois a

imagem da casa encontra-se como centro da fotografia, o que denota o sentido de

representação, ou seja, construção de um monumento a ser fixado da memória dos receptores

da imagem.

Ainda sobre a representação da casa, podemos notar através de um olhar

minucioso a existência de algumas pessoas nas janelas da frente e nas laterais. A casa da

fazenda também representava o poder de seu dono, que tinha sua importância associada ao

número de pessoas que tinha sob seu comando ou proteção, já que a riqueza do fazendeiro era

formada principalmente pelo gado e a vida cotidiana na fazenda era adaptada às adversidades

do meio.

Capistrano de Abreu

, ao descrever as casas das fazendas, as caracteriza como

um espécime arquitetural peculiar ao meio físico, constituído com os materiais, as

conveniências e as possibilidades do meio físico, refletindo a maneira imperativa da

ambientação antropogeográfica do homem do nordeste.”

A vida nas fazendas de criação de gado era uma vida dura, adaptada a

adversidade do meio dos primeiros habitantes que iam pouco a pouco construindo suas redes

de sociabilidades, redes que estavam “cerradas” nas fazendas e na lida diária dos afazeres da

casa e do gado. Existiam na região diversas fazendas que mantinham contatos comerciais

entre si, pois organizavam comitivas para realizar o transporte do gado para outras regiões.

Devemos perceber a partir da legenda, que essa habitação não era comum „a

todos os habitantes‟ da Ribeira do Acaraú e sim, apenas aos Criadores de gado. Nesse

sentido, os trabalhadores braçais das fazendas „são esquecidos‟ como construtores da Sobral

moderna. Acreditamos ser essa uma das formas utilizadas por Craveiro Filho, para falar do

ABREU, J. C. de. Capítulos da História Colonial do Ceará (1500-1800). 4 ed., Rio de Janeiro: Livraria

Broguiet, 1954, p.347.

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77

passado glorioso de Sobral, onde não existiam as casas dos moradores, casas que eram

produzidas de pau - a - pique, mais uma vez só há espaço para o que se deve lembrar.

A vida social dessas fazendas era interna, apenas quando os padres visitadores

vinham para a região é que o povo todo se reunia para a missa e recebimento dos sacramentos

cristãos. Somente mais tarde é que seria instituída a criação do Curato do Acaraú

, que daria

origem à Diocese de Sobral.

A vida interna na fazenda era monótona, tendo como principais trabalhadores os

vaqueiros, que cuidavam do gado. Os vaqueiros eram homens pobres e livres, existência de

escravos era pouca, devido à necessidade de grandes espaços e de liberdade para o boi pastar.

Os escravos eram utilizados mais na agricultura de subsistência e na realização das tarefas

domésticas. Em inventários

de alguns personagens da região, é possível notar que os

escravos se resumiam como bem valioso, no entanto “desnecessário” para as adversidades do

clima, sendo dessa forma restrito o número de escravos nas fazendas de criação e havendo a

predominância de vaqueiros na região.

A Criação de gado exigia que os animais fossem criados soltos no campo, livres

para pastar, tendo a figura do vaqueiro como responsáveis pelo cuidado com o boi durante a

criação e o tempo de engorda. Quando o boi estava pronto o vaqueiro levava as boiadas para

outras regiões, onde seriam negociadas, não havendo negociações as boiadas apenas

mudavam de lugar devido às alterações climáticas. Na condução das boiadas o vaqueiro era

responsável pela abertura de caminhos,sendo sua função cuidar e proteger o boi.

O Curato do Acaraú foi criado em 1722, com Sede inicial na Capela da Fazenda São José (atual distrito de

Patriarca, Município de Sobral), transferindo-se depois para o Arraial da Caiçara, centro da Ribeira do Acaraú,

hoje cidade de Sobral. O curato tinha um território que ia da Ibiapaba até o rio Mundaú e abarcava as ribeiras do

Coreaú, Acaraú, Arataiaçu e parte do Mundaú.

O inventário de Bernarda Cavalcante Albuquerque de 16/06/1777, noticia a existência de seis escravos

divididos entre as quatro fazendas da mesma, sendo que dois desses escravos dois apresentavam doenças, no

entanto todos tinham a idade aproximada, entre 20 e 25 anos, ou seja, eram jovens. VER: ROCHA, Herbert. O

lado esquerdo do Rio. São Paulo: Hucitec: Secretaria de Desenvolvimento e do Turismo, Sobral: Escola de

formação da em Saúde da família Visconde de Sabogosa, 2003, p.33-36.

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78

A relação entre o vaqueiro e a criação de gado foi tão intensa que para Gustavo

Barroso

, „a toada plangente do aboiar, dizem os vaqueiros, tem a propriedade de humanizar

o gado, tornando-o triste e cismarento. Compreendemos que este triste e cismarento não são

adjetivos do boi, mas dos vaqueiros, que em suas solitárias lidas com o boi, “via” no boi a

presentificação de seus sentimentos.

Tipico habitante do Vale do Acaraú

A presença do vaqueiro no álbum, assim como do cavalo, tem um sentido de

exposição dos principais tipos de trabalhadores da região. Observando a imagem representada

pelo álbum, podemos perceber a existência do sentido de representação. Por estar

centralizado na foto, compreendemos que a foto foi planejada pelo fotógrafo: o vaqueiro

representado olha fixamente para a câmera. No entanto, se nos determos na posição corporal

do mesmo, iremos notar que ele não se sente à vontade como “modelo fotográfico”, pois

apresenta uma rigidez na postura, da mesma forma que uma expressão facial tensa. Sobre o

BARROSO. Gustavo. Terra do Sol. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1962.

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plano de fundo da imagem o mesmo não era objetivo de interesse do fotógrafo, pois funciona

apenas como moldura sem deixar claro em qual ambiente o vaqueiro foi retratado.

Ao nos determos na legenda da imagem, compreendemos que o sentido da

inserção da imagem no álbum do centenário tem a função de mostrar ao público receptor do

álbum a transformação que a cidade alcançou em cem anos, deixando implícito que o

progresso chegou à cidade de forma intensa.

A legenda, implicitamente, passa a ideia que Sobral é um espaço urbanizado e

moderno, que superou a fase agrícola, e se destaca em meio a “Ribeira do Acaraú”. Esta ideia

está inserida na afirmação da legenda de que “ainda hoje existem famosos exemplares na

Ribeira do Acaraú”. Se pensarmos que a legenda omite o nome de Sobral, é possível

compreender que os idealizadores da cidade, não reconheciam mais a cidade como um espaço

“rural”.

Aplicando a discussão de Certau sobre espaço como prática de seus produtores,

entendemos a idealização de Sobral como espaço progressista que superou as bases da sua

constituição e inseriu-se no progresso urbanista em voga no Brasil, desde fins do século XIX;

sendo necessário destacar as origens da constituição da cidade, para assim instituir a idéia de

tradição na população.

É importante salientar que a economia de Sobral sofria diversas transformações,

devido à constante ocorrência de secas, algumas delas trazendo calamidades irreversíveis para

os fazendeiros e à população de forma geral. A partir da criação do gado, iniciou-se a

realização de um precário comércio, praticado especialmente pelos vaqueiros que, em meio a

suas andanças com o gado, traziam mercadorias de outras regiões a serem negociadas na

ainda vila

, o que gerou o cerne do desenvolvimento comercial em Sobral, que nas décadas

A antiga fazenda de Caiçara, no ano de 1773, recebe o titulo de Vila Distinta e Real de Sobral, sendo no ano

de 1841, elevada a categoria de cidade, recebendo primeiro o nome de “Fidelíssima Cidade do Acaraú”, sendo

mudado para Sobral no ano de 1842 a pedido do povo de Sobral. VER: ARAÚJO,F. Sadoc de. Raízes

portuguesas do vale do Acaraú. Sobral: Gráfica Editorial Cearense Ltda., 1ª Ed., 1991, v.2,p. 30

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80

seguintes ampliou-se incentivados especialmente pela plantação e exportação de algodão para

o exterior.

Com o intuito de incutir a ideia de superação tanto das adversidades climáticas

como econômicas, o álbum traz como primeira parte “O Antigo”, que apresenta imagens que

remontam as bases da transformação da cidade, ou seja, a pecuária representada pela casa da

fazenda e do vaqueiro, complementadas com outras duas imagens que apresentam a cidade

inundada pelas chuvas, nas fotos do ano de 1924.

Na segunda década do século XX, a cidade apresenta uma estrutura urbana

definida, com a existência de prédios e sobrados, ruas largas e espaçosas, denotando a

existência de uma ordenação, ainda que precária, que as ruas eram tomadas pelas águas do

Rio Acaraú, quando o período das chuvas era intenso.

Se nos detivermos na análise minuciosa dos prédios representados nas duas

fotografias, iremos perceber que os mesmos apresentam um estilo que segundo Liberal de

Castro

, ao discutir a influência da missão francesa oficial no Brasil, propõe uma

reformulação da arquitetura inspirando as construções no estilo Greco-romano. Segundo o

autor, essa inspiração em Sobral se deu como uma “aparência hibrída”, justificada e aceita por

se levar em conta o clima, sendo devido a este as construções adaptadas de forma a melhor

aproveitarem a ventilação, ao mesmo tempo em que deveriam preparar-se para o período

invernoso. Além destes fatores, as modificações feitas no modelo Greco- romano são

justificadas por ser Sobral uma “área isolada” .

CASTRO, Liberal de. Pequena informação relativa à arquitetura antiga no Cea. 2. ed. Fortaleza:

Imprensa Universitária da UFC, 1977, p.62.

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1924 O Acaraú domina a cidade. Um trecho da rua Senador Paula.

A primeira imagem revela um sentido de registro do evento, a enchente, pois não

tem um foco definido, pois os prédios são pano de fundo e as pessoas não são fixadas de

modo a destacá-las. A legenda da fotografia revela que o espaço representado é o antigo

mercado municipal, que ficava no centro da cidade. No entanto, se nos determos na

informação da legenda, poderemos notar que o mercado, no ano de 1941, já não se encontrava

mais localizado na Rua Senador Paula. Analisando as justificativas para a transferência do

mercado podemos perceber que o intuito era “produzir” espaços de embelezamento no centro

da cidade.

É sabido que o mercado representa uma parte importante da constituição da

cidade. No entanto também sabemos que, no século XX, passa-se a viver sobre o discurso

urbanista da higienização e embelezamento da cidade, segundo registros de Dom José:

O prefeito Municipal, Vicente Antenor Ferreira Gomes , querendo embelezar a

atual praça Barão do rio Branco, resolveu demolir o antigo mercado Público, e

construir outro no subúrbio do Junco, encontrando por parte de quase todos os

negociantes, que tinham seus estabelecimentos em redor do velho prédio, a maior

oposição.

FROTA, Op. Cit. p. 458.

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1924- Novos flagrantes da inundação do Acaraú. Um trecho da rua Deocleciano.

A construção do novo mercado, mesmo sob reações de comerciantes ali

estabelecidos, tinha um interesse maior para o prefeito, que pretendia realizar melhoramentos

na cidade, afim de que essas reformas“ e outros melhoramentos fossem observados por

ocasião da passagem do 1º centenário da cidade.”

O desejo dos governantes de “reorganizarem” a cidade para que ela fosse notada

em suas transformações e desenvolvimento urbano e cuidados com a saúde e higiene, traz

inconsciente a construção de uma representação sobre a cidade, representação que deveria ser

assimilada pelos habitantes da Sobral e apareceria durante as comemorações como símbolo da

modernidade e progresso material da população.

Esse desejo de mostrar nas festas do centenário de Sobral uma cidade repleta

de melhoramentos urbanísticos é colocado em prática com o álbum do centenário, em que

encontramos o conjunto de fotografias acima.

O significativo nome da primeira parte do álbum “O Antigo” revela o sentido do

seu produtor de realizar uma analogia entre o passado da cidade e seu presente, constituindo

uma representação da cidade como símbolo de desenvolvimento e transformação; não apenas

Frota, Op. Cit. p. 459.

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83

econômica como pretende mostrar com a presença das duas fotos iniciais, a casa da fazenda e

o vaqueiro, mas também com as legendas que acompanham as fotos e referem-se a elas como

símbolos do passado de Sobral. Assim como as fotos que apresentam as ruas da cidade

alagadas pela chuva, mas que trazem visível o desenvolvimento arquitetônico da cidade,

simbolizando problemas urbanos do passado, que o autor simbolicamente inclui nas

legendas as datas das enchentes, e estrategicamente na parte intitulada “O antigo”,

representando problemas superados que seriam “constatados” pelos receptores do álbum

nas partes seguintes, quando Sobral passava a ser mostrada com suas transformações que em

nada assemelham-se com as da primeira parte.

2.4 A cidade “Revelada”: espaços públicos e poder público no centenário.

O importante não é a casa onde moramos.

Mas onde, em nós, a casa mora.”

“”””

As cidades fascinam, sobretudo quando no século XX, passam a significar “o

moderno”, “o novo” e instituem-se como o espaço do urbano aflorando na sociedade o desejo

de ser citadino, desejo que vem presentificar-se através da construção de representações sobre

a cidade que era consumida, praticada, vivenciada e até silenciada. Certo é que a cidade é

espaço concreto da realização dos desejos do homem, onde ele vai moldando-a e

transformando-a conforme suas aspirações.

A cidade, então, mostra-se para o homem como espaço concreto de seus anseios,

cada um, imaginária ou concretamente, vai representando-a a partir de seus usos. Assim,

cotidianamente vão surgindo novas cidades e outras tantas vão desaparecendo, mas muitas

delas nunca saem do imaginário de seus idealizadores, outras ganham forma e sentido ao

tornarem-se “reveladas” pelas letras, imagens, melodias, “Estórias” e até mesmo pela

COUTO, Mia. Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra. São Paulo: Companhia das letras, 2003.

p.54.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

84

transformação urbanística que sofrem. A única coisa que não se altera nesse processo de

representação é o sentido da cidade, espaço de práticas e ações do homem.

Em fins da década de trinta do século passado, Sobral começa a ser pensada por

seus “ordenadores” como espaço de reformas estruturais a serem divulgadas nas festas de

comemoração de seu primeiro centenário. As reformas propostas pelo prefeito da cidade, Cel.

Vicente Antenor Ferreira Gomes, iniciaram-se com a inauguração do novo mercado. Como

vimos anteriormente, nessa ocasião foram divulgadas as obras e reformas que deveriam ser

realizadas em Sobral e que constaram na ata da sessão de inauguração do Novo Mercado

Público:

Disse por fim, o orador oficial, que o atual prefeito pretende construir para aparecer

como melhoramento de sua gestão, no corrente ano, a Avenida dr. Getúlio Vargas, á

Praça da Independência; reconstruir a Praça Senador Figueira; construir uma outra

Praça embelezando e arborizando a frente da Santa Casa de Misericórdia- calçar a

Praça Barão de Sobral e outros melhoramentos para serem observados por ocasião

da passagem do 1º centenário da cidade. Disse ainda das probabilidades bastante

diminutas com que conta o Prefeito para fazer vultosos benefícios, que somente uma

administração profícua, criteriosa e, sobretudo honesta, poderia levar a efeito (...)

Pelo discurso acima fica claro o sentido das reformas que a gestão pública

pretendia realizar na cidade, ou seja, construir uma cidade “ideal” que estivesse em acordo

com as modificações urbanas e arquitetônicas, que eram divulgadas como ideais de progresso

e transformação urbana. Para atingir seus objetivos os administradores da cidade realizavam

ampla campanha de modernização da cidade, através da construção de representações sobre

os espaços transformados ou “melhorados”.

Se nos detivermos nas propostas realizadas pelo Prefeito, iremos logo perceber

como essas reformas pretendiam trazer para Sobral uma representação de importância e

destaque entre as cidades cearenses. O sentido desta construção de representações e

significados aparece nas sugestivas denominações que propõe para as obras, Av. Getúlio

FROTA. Op. Cit, p. 459.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

85

Vargas e Praça da Independência, ambas as nomenclaturas sugerem a pretensão de uma

inserção da cidade nos acontecimentos e destaques da vida nacional.

A associação de nomenclatura de pessoas ilustres aos monumentos da cidade era

uma constante na cidade. Exemplo dessas ações é a Praça Senador Figueira, a qual estava

incluída dentre os itens a serem “melhorados” pelo Prefeito. A construção da Praça ocorreu

ainda no ano de 1869, com o nome de Praça da Fortaleza, nome que foi substituído em 1869,

a partir de doação feita pelo Senador com fins, segundo o próprio de “Desejando concorrer

quanto couber em minhas forças para o progresso dessa cidade, onde tive a felicidade de

nascer, e onde conto grande parte de meos parentes e amigos (...)”

.

A câmara para justificar a mudança do nome da Praça responderia ao Senador e

aos habitantes da cidade com ofício, em que justifica o uso da quantia doada pelo Senador e a

homenagem que pretende fazer ao mesmo, dando o seu nome à praça. A homenagem foi

justificada pelo fato de ter sido o benemérito “um dos sobralenses mais distintos e que mais

honraram a terra natal.”

O desejo de ser reconhecida por sua modernidade e desenvolvimento, levava

Sobral a ser alvo de constantes reformas e modificações no espaço público. Essas estratégias

conseguiam alcançar os anseios de seus produtores, afinal a cidade era alvo constante de notas

em jornais da Capital ou mesmo citada por visitantes que levavam a representação que os

administradores públicos queriam propagar. Segundo descrição de Antonio Bezerra, ainda em

1884, quando visita à cidade, descreve a impressão que levou:

A Praça Figueira de Melo, circundada de magníficos prédios, por três faces (...)

Não tem rival na cidade de Fortaleza ... é notável o asseio das ruas e praças, de onde

Transcrição da carta enviada ao Presidente e aos vereadores da Câmara municipal de Sobral pelo Senador

Figueira de Melo, em maio de 1863. Ver: FROTA, Op. Cit. p, 453.

Ibid. Idem, p, 453.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

86

se conclui que a Câmara Municipal cuida seriamente do bem estar da

localidade(...)

A propagação do imaginário de Sobral, como espaço moderno e adaptado às

ideias de urbanização, tonara-se comum ainda no século XIX, tendo continuidade no século

XX. Acreditamos que essa preocupação com a construção de cidade ideal tenha eco a partir

da rivalidade que a cidade mantinha com a Capital. Por outro lado, olhando as áreas da cidade

afastadas do centro, encontramos no jornal Correio da Semana denúncias de desalinhamento

urbano, escassez de serviços básicos de higiene e de fornecimento de transporte e eletricidade.

Como aparece em nota intitulada de “Importante Missiva”, em que o autor que assina como

“Um leitor”, realiza uma crítica ao preço da carne comparando-o com o valor da carne em

Fortaleza.

(...) nada mais razoável que ordenar o nosso operoso prefeito o tabelamento dos

gêneros alimentícios, começando pela carne verde.

Em Sobral se está comendo muito mais caro do que em Fortaleza. É irrefutável esta

verdade

.

Percebemos a existência de uma concorrência entre Sobral e a Capital, disputa

alimentada pelos produtores do espaço e pela população que absorve a ideologia de cidade

progressista e desenvolvida. Essa ideologia enraizou-se principalmente através do poder que a

construção de representações sobre a cidade exercia sobre os consumidores da cidade, seja

através dos discursos do jornal, do sermão ou mesmo da construção de espaços de tradição.

A prática de nomear os monumentos da cidade com referências a

acontecimentos da vida nacional ou pessoas ilustres era/é fato corriqueiro na cidade que

tanto ruas como monumentos constantemente tinham suas denominações alteradas. Pensamos

ser esta troca constante de nomenclatura, uma forma de “re”construir espaços da cidade

BEZERRA, Op. cit, p.225.

BPMP Correio da Semana, 26 abr. 1940, p.1.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

87

dando-lhes novos sentidos de representação, que seriam absorvidos pela população de forma

própria a cada setor da população.

A ideia de “melhorar” a cidade para as comemorações do primeiro centenário

foram amplamente utilizadas pelo jornalista Craveiro Filho, que fazendo uso dos espaços

transformados irá usá-los como referência da cidade na organização do álbum do centenário.

Analisando o discurso do então Prefeito Cel. Antenor Ferreira Gomes,

percebemos que as obras, por ele construídas e “melhoradas”, são as mesmas que aparecem

fixadas em fotografias no álbum organizado pelo jornalista, na parte intitulada de “O

Presente”.

Essa parte do álbum tem um claro sentido de representação e divulgação do

progresso da cidade, tanto é que as fotografias nele presentes trazem como objeto central

monumentos urbanos que dividimos em categorias a serem pensadas em conjunto e

isoladamente, afinal segundo Kossoy, “As fotografias, como todos os documentos,

monumentos e objetos produzidos pelo homem, têm atrás de si uma história”

.

A primeira categoria que iremos analisar é a de prédios públicos, na qual

aparecem a Santa Casa de Sobral e o Pallace Club, onde funcionava o Grêmio Recreativo de

Sobral.

É conhecido o gosto do povo sobralense pelo embelezamento e exaltação da

cidade, que normalmente se realizava pela construção de obras de grande porte, tentando ao

máximo destacar-se não apenas no Estado, como também no país. Neste sentido a construção

do prédio do Pallace Club surge como influência da Capital Fortaleza, que no início da década

de XX, passa a adotar a “art déco” que irá formar na capital um conjunto arquitetônico

homogêneo e harmonioso.

KOSSOY, Op. Cit, p, 74.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

88

Sobral, tentando se adaptar as transformações arquitetônicas, reelaboraria o

código de posturas da cidade, adotando parte significativa da legislação urbanística de

Fortaleza e construindo prédios que seguiam a linha arquitetônica em voga na Capital. Nesse

sentido surgia a construção do Pallace Club assim como de alguns outros prédios instalados

nas imediações do Clube.

Pallace Club

Analisando a fotografia, podemos perceber o destaque que é dado à arquitetura

do Prédio, infere-se que a foto não foi realizada como uma casualidade e sim como produto de

uma representação a ser feita sobre o espaço. O prédio situa-se na parte central da cidade,

próximo ao mercado e com casas comerciais ativas nas imediações, o que nos leva a saber que

o fluxo de pedestres em pontos comerciais era intenso. No entanto, na caracterização da

imagem não se percebe a existência de transeuntes, portanto, a fotografia partiu do interesse

particular de mostrar o prédio como sinônimo de modernização do estilo arquitetônico local.

O prédio funcionava como a sede do Grêmio Recreativo Sobralense, espaço de

danças e apresentações musicais dos menbros do Partido Liberal. O mesmo funcionara em

locais diferentes, quando em 1926 foi contruída a nova sede, em estilo “neoclássico”. A

imagem visibilidade às fachadas do prédio, assim como o Pallace Club. Muitos outros

A baixar cd de santa missao populares de sobral

89

prédios tanto residenciais como comerciais foram adotando este estilo arquitetônico e de

forma geral contruindo o imaginário de Sobral como espaço modernizado e em ativa

consonância com as transformações da capital e Europeias.

Se nos detivermos na legenda que o álbum traz logo abaixo da fotografia, iremos

perceber o destaque que é dado ao prédio: “Palacete majestoso, próprio, construído para o

Grêmio Recreativo Sobralense, a maior organização recreativa do Norte do Ceará.”

A legenda sugere o valor que é dado a ele pelo povo sobralense, denota também

a sua importância para a cidade e para a região, pois é classificado como o maior da região

norte. No entanto, o que não explicita em informações é que freqüentavam, apenas, os

membros do Partido Liberal e alguns poucos participantes da elite local, sendo este espaço,

proibido para aqueles que não estavam associados à classe alta da população, “Os

Brancos”

. Essa era a caracterização dada a essa elite pela população trabalhadora, segundo

depoimento do senhor Antônio Torres.

Tinha aqui os lugar que a gente pudia ir e os que não pudia ir,as vez a gente ia e

ficava do lado de fora, oiando, cunversano, vendo as música mas sempre tinha os

guarda que ficava nus oiando pra mode a gente num chegar perto, eu num gostava

de ir não...

A fala de senhor Antônio Torres deixa perceptível o uso dos espaços em Sobral.

Um uso que era feito pela população excluída, que não podia freqüentar alguns espaços e

devido a isso chegava a intitular estes espaços de o” lugar dos Brancos”. No entanto, se o

podiam usá-los como os brancos faziam, os pobres praticavam a forma de uso como podiam

sobre aquele espaço, ou seja, mesmo que não pudessem estar inseridos naquele ambiente, se

Denominação dada pelo Senhor Antonio Torres, ao referir-se aos espaços onde os trabalhadores das classes

baixas não podiam adentrar. Segundo o mesmo, brancos não era referência de cor e sim uma denominação

criadas pelos trabalhadores para os membros da elite local. Entrevista realizada no dia 06 de outubro de 2009.

Antonio Torres, carpinteiro, 96 anos. Entrevista realizada em outubro de 2009, Sobral.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

90

apropriavam dos arredores onde ficavam a divertir-se, fosse conversando ou apenas

observando os freqüentadores.

Era comum nos jornais algumas notas que reprimiam a diversão popular, pois

normalmente era associada a desregramento e falta de ordem pública, como na matéria

intitulada “Uma afronta a sociedade”, em que há uma crítica à instalação de um baile

dançante nos subúrbios de Sobral, para isso chega a questionar a modernidade da cidade,

alegando ser um ataque aos costumes citadinos. A nota apresenta a reprovação das formas de

lazer, adotadas pela população, que estava “proibida” de participar dos bailes dançantes no

Pallace Club.

Ficamos estupefatos ao passar a praça Barão do Rio Branco, ouvimos um reclamo e

um convite para a festa de inauguração de um salão dançante na zona do meretrício.

É estranhável que numa cidade que tem foros de civilizada, se ouça um tal reclame

que constitui um insulto à moral e afronta a sociedade. O que dirão nossos visitantes

que tal fato observarem? (...) apelamos também para as autoridades no sentido de

coibir tamanha liberdade com ofensa aos costumes e à moral.

A cidade cobrava foros de moral e respeito aos costumes, no entanto não

permitia, ou melhor, reprimia as formas de diversão popular. A utilização dos espaços de

lazer da cidade eram restritos aos “chics”

da sociedade, não tendo o povo acesso a eles.

Não havia proibições oficializadas, embora através dos gestos e até mesmo da tradição de que

se revestiam esses espaços, a maior parte do povo, trabalhadores, procurava outras formas de

diversão, como nos apresenta a fala de Antonio Torres:

Você quer mesmo saber o que eu fazia pra se divertir? Posso falar? A gente ia pros

cabaré! (risos). Mais olha, eu num sabia dançar não, ia mesmo pra beber e ficar

papeando ouvindo as musicas que si tocava lá! Depois, um amigo meu me ensinou

como era que se dançava, ai eu aprendi e ia também pra dançar, mas era isso que

tinha mesmo pra si fazer!

BPMP: Correio da Semana, 28 set. 1946, p.2.

Nome dado a população que freqüentava a Praça Barão de Sobral, por João da Rua, em artigo publicado no

jornal Correio da Semana, 24 jan. 1945, p.1.

Antonio Torres, carpinteiro, 96 anos. Entrevista realizada em outubro de 2009, Sobral.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

91

Não apenas o Pallace, mas grande parte dos espaços da cidade eram espaços de

uso da elite da cidade, sendo a vida social realizada de forma diversa pelas classes sociais da

cidade. Cada uma praticava a cidade de forma particular, reunido em seus grupos. A

existência dessas práticas sociais era noticiada também pelos jornais, como em uma coluna

chamada “Sobral e suas possibilidades”, que descreve a vida social na cidade:

A vida social se manifesta elegante e primorosa, quando das suas festas realizadas

nos artísticos salões do Pallace Club, onde se ostentam luxuosos trajes e se estreitam

os vínculos da solidariedade que contra distingue os sobralenses, por isso chamados

de bairristas(...)

A vida social defendida pelo jornal estava diretamente ligada a uma determinada

classe e excluía a maior parte da sociedade, ou seja, a classe que não freqüentava os

“artísticos salões” sobralenses e que não tinha como ostentar “luxuosos trajes”. Não cabia à

cidade ou aos jornais preocupar-se organizar as formas de lazer dessa parcela da sociedade, e

também ela não fazia parte da “cidade” a ser divulgada pelos ordenadores da cidade, a não ser

quando eles quebravam as regras da “moral e dos bons costumes”.

O desejo de reconhecimento de Sobral, como cidade moderna e destaque no

Estado, fez com que o Bispo Dom José, apoiado pelo poder público e mais ainda pela ajuda

dos fiéis da igreja, desse a Sobral um ar renovado não apenas no que concerne aos

embelezamentos realizados na cidade, durante o período em que esteve à frente da Diocese,

mas também em serviços voltados para a área social, como foi o caso da construção da Santa

Casa de Misericórdia de Sobral, do Abrigo Coração de Jesus, do Seminário São José, dentre

tantas outras obras que realizou durante sua permanência como Bispo em Sobral.

Devido a suas ações, que muitos chamam de empreendedorismo e até

comparam sua personalidade com a dos coronéis da época, Dom José perpetuou seu nome

BPMP- Correio da Semana, 06 agos. 1943, p.1.

92

como grande transformador de Sobral, chegando por isso em diversas vezes a ter maior

destaque que os próprios administradores públicos.

Uma de suas grandes obras foi a construção da Santa Casa de Misericórdia de

Sobral, inaugurada em 1925, que iria atender aos doentes e necessitados da região. A foto

aparece no álbum em posição de destaque, centralizada no meio da gina, o enquadramento

da fotografia ressalta o tamanho do prédio e apresenta o espaço a sua frente, já que o

enquadramento não compreende o prédio inteiro.

O fotógrafo priorizou a valorização das dimensões da obra, não dando grande

destaque à sua arquitetura, imersa por entre as árvores, que compunham o espaço ao redor do

prédio. O fato de não receber grande destaque pelo fotógrafo é por nós compreendido como

forma de associar a importância da Santa Casa para a cidade com sua dimensão física. A foto

difere das outras existentes no álbum, que privilegiavam os detalhes das construções,

ressaltando arquitetura e estilo, enquanto essa é a única que se mostra afastada do objeto a ser

fixado, colocando em segundo plano a arquitetura.

O sentido de representação da imagem é explícito na legenda que acompanha a

própria no álbum, “Obra ciclópica, de grande vulto material e de imensas finalidades

caritativas, construída pela vontade invencível de seu fundador: Dom José Tupinambá da

Frota”. A imagem é caracterizada pelo produtor do álbum como ciclópica, apresentando bem

o sentido que o enquadramento sobre o prédio retratado, além do que a presença dessa

imagem no álbum faz referência ao seu idealizador e fundador, Dom José, tendo, pois, esta

imagem um duplo sentido: o de representar os espaços da cidade e de exaltar seu benfeitor.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

93

Santa Casa de Misericórdia de Sobral

Dentre os grandes destaques dados pelo álbum, em sua segunda parte, aparece

também a Fábrica de Tecidos Sobral, pertencente à firma Ernesto Saboya e Cia, indicando a

existência de um setor industrial, na cidade.

A industrialização no Brasil é incentivada a partir do início do século XX,

quando em São Paulo instala-se a montadora de automóveis Ford, logo depois se instala a

General Motors. No Ceará também se inicia a atividade industrial tendo destaque a partir da

instalação de indústrias têxteis, além destas também serão instaladas as indústrias de óleos,

medicamentos, eletricidade, dentre outras.

A produção de algodão no Ceará incentiva a instalação de fábricas têxteis. Nesse

sentido Sobral realiza a exportação de algodão. Devido ao excedente da produção, surgem as

primeiras fábricas, tendo destaque a Fábrica de Tecidos “Sobral”, a qual é acompanhada da

instalação de outras fábricas, como a Companhia Industrial de Algodão e Óleos S/A

(CIDAO), e a Companhia de Luz e Força de Sobral.

A partir da instalação das primeiras indústrias, houve um grande investimento

por parte dos proprietários destas indústrias no desenvolvimento urbano da cidade. Esse

investimento pode ser por nós compreendido como desejo de uma elite destacar-se na cidade.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

94

A instalação da fábrica de tecidos ocorre ainda em 1925. No entanto é no século

XX que foi construída a primeira vila operária de Sobral, com características da arquitetura do

passado: casas repartidas e com canalização de água, diferentemente da estrutura

arquitetônica da Fábrica de Tecidos Sobral, que construiu sua expansão em estilo art noveau,

como era moda na Capital e em algumas partes da cidade de Sobral.

A fotografia da Fábrica de tecidos é compreendida no álbum como símbolo da

modernização e desenvolvimento industrial. A fábrica, além de grandes instalações, também

apresentava a vila industrial. A fotografia presente no álbum enquadra a fábrica ao longe. No

entanto, por ser o espaço ao redor composto apenas da vegetação local, compreendemos que

o sentido era representar a fábrica no seu todo, em estrutura e dimensão espacial.

Fábrica de tecidos “Sobral”

A legenda que acompanha a fotografia no álbum apresenta a fábrica como o

orgulho da indústria sobralense. Esse orgulho ocorre por ter sido ela responsável pela

expansão da cidade, já iniciada por Dom José que construiu a Santa Casa nas extremidades da

cidade, próximo aos trilhos do trem.

Com a construção da vila operária, pela fábrica que foi ampliada até à Praça da

Santa Casa, tornando o espaço próximo do trilho habitado e com possibilidades de

desenvolvimento urbano, que nos conjuntos habitacionais viviam famílias que faziam usos

A baixar cd de santa missao populares de sobral

95

do espaço e favoreciam seu desenvolvimento, pois a existência da vila carecia também de um

maior cuidado por parte do poder público, comprometido a dotá-lo de condições higiênicas e

urbanas.

2.5 Lugares de passagem e do “desejado” progresso.

Porque é vasta e empolgante a contribuição de Sobral, sob todos os aspectos, ao

conjunto das conquistas e das vitórias do povo alencarino. Essa constatação avulta

de importância para mim, pelo interesse histórico que encerra. Pelo que ouvi desse

velho e bondoso sábio que é o nosso Monsenhor Linhares, Sobral tem uma origem

pernambucana. Constitui desse modo, a antiga comuna poderoso traço de união

entre as duas províncias que sempre viveram unidas em função da grandeza

nacional.

A estruturação do espaço urbano constituí-se, desde a época medieval, de forma

a facilitar o uso pela população. Portanto, as ruas da cidade foram desenvolvidas para facilitar

a circulação da população e o desenvolvimento econômico. Segundo Mumford; “a rua larga

ou avenida larga era estimada como símbolo de progresso”

, a ampliação dos espaços de

passagem eram símbolo das transformações econômicas, compreendidas como tráfego livre,

comércio e valorização espacial.

Barros, por sua vez, compreende as transformações urbanísticas, como

conseqüência da “delimitação entre espaço público e espaço privado”

. Essa delimitação das

relações público/privado, teria atribuído novos sentidos ao espaço público, gerando as

transformações das ruas e avenidas que iam “gradualmente se redefinindo como vias de

passagem de pedestres e veículos”, e que atendiam as necessidades impostas pela

modernização e transformação.

BPMP Correio da Semana, 24 jan. 1941, p.1.

MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas.3 ed. São Paulo:

Martins Fontes, 1991, p.77.

BARROS, José D‟Assunção. Cidade e história. Petrópolis, RJ: vozes, 2007, p.77.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

96

Em Sobral, a modernização das avenidas e das ruas do Centro da cidade,

assumem as características explicitadas por Mumford, ruas largas, calçadas e com a

construção de meio fio, ressaltando que as vias que assumiam estas transformações estavam

situadas no centro da cidade, espaço das transações econômicas e sociais.

O sentido da importância de Sobral encontra-se enraizado na população mesmo

naquela que não usufrui de todo seu progresso e desenvolvimento. A cidade é exaltada pelos

jornais e por seus ordenadores. Em Sobral, nota-se desde seus primórdios uma preocupação

com o embelezamento da cidade. No álbum o centenário é nítida uma preocupação com

fotografias das ruas e principais praças da cidade, demonstrando a preocupação com a

modernização dos espaços urbanos.

Trecho da Rua Senador Paula.

Entre as imagens do álbum aparecem três fotografias de ruas e praças. As fotografias

das ruas da cidade aparecem como representação da estrutura urbana calçada e de acordo

com o código de posturas vigente na época, ou seja, ruas arborizadas, pavimentação regular

de passeios, utilização de ladrilhos no calçamento das ruas, além de regras de construção das

A baixar cd de santa missao populares de sobral

97

casas. Dentre essas regras, no centro da cidade, deveriam ser respeitados a altura mínima das

soleiras, altura e largura mínima das portas e janelas, assim como a elevação da soleira entre a

calçada e o passeio.

Trecho da Rua Senador Paula Em Reforma, 1932

As duas fotografias que representam a rua Senador Paula mostram ângulos

diferentes. No entanto, representam as adaptações das mesmas às regras do código de postura

e à adaptação das transformações sugeridas pelas casas.

Segundo Rocha, o código de postura da década de 30 de Sobral apresentava

uma preocupação com a paisagem urbana, tentando aplicar uma conformidade no conjunto

das construções e reformas a serem realizadas.

As duas fotografias representam o mesmo espaço, no entanto, a primeira

apresenta a rua antes da reforma realizada pelo prefeito Tenente Floriano, no ano de 1932;

a segunda apresenta-se com as modificações realizadas. Observando ambas, podemos notar

A baixar cd de santa missao populares de sobral

98

que a primeira apresenta um enquadramento geral da rua, destacando a largura da avenida e a

arborização através de passeios.

Na segunda, o fotógrafo centraliza a imagem da rua como ponto a ser visto e

exalta a existência de árvores e da construção do passeio seguindo as regras de

dimensionamento estabelecidas pelo código de trinta.

A representação dos dois ângulos da rua não apresenta problemas estruturais

como sujeira, lamaçal ou mesmo lixo. A ideia que se constrói a partir da observação das

imagens é de ruas limpas e arborizadas, assim como de construções planejadas. No entanto,

observando as notícias veiculadas no jornal Correio da Semana, percebemos a existência

constante de denúncias de problemas estruturais nas ruas de Sobral.

Quem passar pela antiga rua dos cocos, hoje, cel. Diogo Gomes, verá o amontoado

de lixo ali existente. Fica precisamente nos fundos da Igreja São Francisco. Da

galinha podre a toda sorte de imundice ali se encontra (...) Estamos malhando em

ferro frio, mas estamos cumprindo nosso dever.

A notícia, acima veiculada na coluna “Queixas do povo”, denuncia a

discordância que existe entre as representações feitas sobre a cidade e sobre a realidade

existente nas ruas que se encontram afastadas do centro da cidade, ou seja, Sobral era uma

cidade que se fazia percebida pelos seus cidadãos como um acontecimento único. No entanto,

o povo trabalhava para manter a aura de orgulho que a cidade construía em cima de uma

imagem a ser fixada no imaginário.

A existência de uma estrutura arquitetônica desenvolvida era consonante com a

aura de progresso e do passado de tradição que a cidade queria instituir, através da veiculação

de fotografias em que se destacavam os casarões, associados ao nome de seus proprietários,

compreendemos que esta era também uma forma de chamar a atenção para a importância de

seus habitantes e do destaque que estes obtinham na sociedade.

BPMP Correio da Semana, 19 set. 1944, p.2.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

99

Lembremos que a casa, no século XX, representava poder tanto econômico

quanto social, e que o destaque que esses casarões tinham na cidade era também símbolo do

desenvolvimento social e econômico da cidade. O álbum traz representadas duas imagens de

residências da primeira metade do século XX, em uma das fotografias aparece uma vista aérea

do casario que na legenda é chamado de palacete, logo concluímos o sentido que a legenda

atribui a seu proprietário. Ainda sobre a imagem que prioriza a visualização do ângulo aéreo

do casario, acreditamos ser esta uma estratégia de mostrar a sua extensão e a opulência dessas

residências.

Ainda sobre esta imagem queremos destacar seu enquadramento, apesar de

mostrar as dimensões físicas da residência, também destaca seu entorno onde podemos ver a

existência de rua ampla e calçada, apesar de a sua direita não haver construção. Percebemos a

existência de uma incipiente arborização na rua, enquanto ao meio dos casarões percebemos a

existência de um jardim, detalhes proclamados a partir da tendência arquitetônica em voga,

art noveau’, que incentivava a existência de jardins e arborização das ruas.A imagem não

apresenta a existência de casas de estrutura mais simples, nas proximidades.

Vista aérea dos Palacetes Residenciais

Ao contrário da segunda residência apresentada pelo álbum, em que a imagem

tem como foco central a residência, ela tem em destaque, na legenda, o nome do seu

proprietário, o organizador do álbum do centenário, e por conseqüência o instituidor destas

A baixar cd de santa missao populares de sobral

100

representações como memória. Isso nos leva a entender que a escolha da sua residência como

espaço a constar no álbum é instituir-se como parte do passado da cidade, afinal “o elegante

casario, os teatros dentre outras obras, são indicativos do nível cultural da classe

dominante”

.

A inserção da sua residência entre o casario do álbum assume o sentido de

convenção da memória, isto é, ao tornar sua residência destaque, também está inserindo seu

nome na memória da cidade. Afinal, para tornar um acontecimento memória social é

necessário que seja “simplificada, porque para ser significativa em geral, e capaz de

transmissão, a complexidade da imagem tem que ser tanto quanto possível reduzida”

,

portanto a escolha de sua residência simboliza a inscrição do seu nome na história da cidade,

da mesma forma que destaca seu lugar na sociedade.

A observação da fotografia nos leva a ideia de que o fotógrafo tentou captá-la

como um momento ocasional, com pessoas a frente da casa, nas janelas afim de destacá-la

como espaço residencial e descontraído. Na imagem é perceptível o estilo arquitetônico que

assume, „art decó’, o qual era uma influência da capital Fortaleza, além do que a existência do

meio fio mostra que a urbanização estava ocorrendo na cidade, fazendo coro ao que orientava

o código de posturas de trinta, que além do meio fio também incentivava o cultivo de árvores,

afim de embelezar as avenidas e ruas.

COSTA. Op. cit. p.84

FRENTESS. Op. cit. p.66.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

101

Residência do Jornalista Craveiro Filho

Em matéria do jornal Correio da Semana, por diversas vezes encontram-se notas

que destacam a urbanização e pavimentação das ruas, as quais elevam a cidade ao posto por

ela cobiçado. Em artigo intitulado “Pela conservação dos edifícios antigos de Sobral”,

discute-se as transformações e alterações que tem ocorrido nos prédios afim de

acompanharem as modernizações da nova arquitetura e as propostas pelo código de trinta:

Quando o ano passado, passou por aqui o Sr. Chabloz, pintor e artista suíço, admirou

as linhas arquitetônicas de vários sobrados da cidade, que classifica de muito belas,

apesar de sua simplicidade encantadora. Entre nós surgiu a mania de platibandas ou

para peitos nos velhos prédios e solares de estilo colonial, que em toda parte se

conservem rigorosamente, sob pretexto de se evitarem goteiras, como se não

houvesse outro meio para isso.

A arquitetura colonial dos sobrados e casarões eram signos da influência

européia na cidade, motivo de orgulho e de desenvolvimento da cidade. A transformação da

arquitetura sofria por diversas vezes acusações da população que entendia estas

BPMP: Correio da Semana, 12 maio 1945, p. 2.

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102

transformações como descaracterização de sua tradição, mesmo quando estas acompanhavam

as mudanças propostas pela urbanização e modernização. O conjunto arquitetônico da cidade

destacava-se aos olhos dos visitantes, isso aumentava a preocupação com a permanência do

estilo, objeto de orgulho dos sobralenses. Nesse sentido compreende-se a exaltação destes

espaços pelos jornais, mesmo quando estes não os pertenciam.

Ainda inserido no patrimônio arquitetônico da cidade, surge a catedral, mbolo

maior da religiosidade e do desenvolvimento de Sobral, afinal foi em suas imediações que se

iniciou a construção das primeiras casas e também do primeiro núcleo urbano da cidade.

A igreja assumia ainda um caráter lúdico para a cidade, ao reunir a população

para as novenas e festas religiosas. Segundo Costa

: “As procissões que antecediam à

semana Santa e ao Corpus Christi eram especialmente elaboradas e tinham uma ligação

indissolúvel com a cidade”, o que nos leva a pensar que igreja e cidade eram espaços

interdependentes, já que não havia limites definidos para suas intervenções na cidade.

Catedral de Sobral

COSTA. Op. cit. p.94.

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103

Observando o ângulo escolhido para fixar a igreja, percebemos o destaque

dado a extensão do edifício, da mesma forma que salienta a rua, a qual além de ampla, está

calçada e apresenta o meio fio. O frontispício tem influências do Barroco, ainda devemos

destacar as torres, ressaltando que o fotógrafo não se preocupou com elas, pois uma das torres

aparece superficialmente encoberta pelas árvores.

A antiga Igreja de Nossa Senhora da Conceição assistiu a transformação e o

crescimento de Sobral. Símbolo maior da religiosidade dos sobralenses, essa Igreja passou por

diversas reformas, a última realizada por Dom José, em ocasião das festas do primeiro

Congresso Eucarístico. A importância da catedral para os sobralenses ultrapassa seu espaço

físico e permeia o sensível, pois sendo o Bispo Dom José considerado como o grande

modernizador da cidade, a igreja assumia a função de controle da vida da cidade e de seus

habitantes.

Normalmente através do Correio da Semana,a igreja intervinha nos costumes e

comportamento da população. Era comum a publicação de notas falando sobre incidentes ou

mesmo comportamentos considerados inadequados no interior da igreja. Em uma destas se

criticava as mulheres pelos trajes que freqüentavam a igreja : Dizem as melindrosas de saias

curtas e braços nus, quando se lhes adverte da obrigação de usarem vestes decentes na igreja-

isso é em Sobral!

, enquanto em uma outra a crítica se dirigia aos homens, que eram

acusados de modernos, e concluem fazendo um comentário sobre as “saudades dos tempos

em que a igreja tinha trajes adequados para os freqüentadores”, até mesmo sugere a existência

de vigilância policial para controle do modo de vestir:

Antigamente não se via entre nós uma senhora tomar uma bebidazinha nos bares

nem nos clubes dançantes, andar sem meias por toda parte (...) não se via um

homem fazer visitas, ir a igreja e até tomar os sacramentos com qualquer traje, ou

de qualquer maneira. Hoje se muito isso e muito mais do que isso, até aqui

BPMP: Correio da Semana, 21 abr. 1945, p.2

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104

mesmo em Sobral. (...) Antigamente já se foram os tempos em que a policia

mandava que os camponeses se compusesse antes entrar na cidade.

A existência de um controle da Igreja sobre o social instituiu-se a partir da

chegada de Dom José e das influências de sua educação romanizada. É contraditório pensar

que o maior incentivador da modernização urbana também fosse o maior repressor sobre os

comportamentos modernos. Na nota acima, essa repressão surge através de palavras como

„antigamente‟ que se contrapõe a „hoje‟, numa exaltação a modernização através da fé, e

manutenção dos antigos costumes. Segundo Santos

: “Na escrita da cidade, a igreja é

mostrada com orgulho por estar ligada a questões sociais, buscando seu controle nos ritos de

batizados, casamentos, de tratamento de doenças. Pela reza e pela nos poderes de Deus.”

Porém pensar sobre esse controle, é pensar em algo que foi construído através da instituição

de uma igreja atuante nos meios sociais e grande responsável pela modernização e

desenvolvimento de Sobral.

Enfim a igreja se instituiu como espaço de controle da cidade, não apenas

religioso e social, mas também político, com a crescente representatividade do Bispo Dom

José em assuntos de todas as ordens, todos justificados em favor da modernização de Sobral.

2.6 - Praça: usos e abusos do lazer

Sobral é uma cidade que sempre se orgulhou do desenvolvimento arquitetônico

e do aspecto moderno que a cidade passava a seus observadores. Praças emergem durante a

constituição das cidades no início, eram os espaços que ficava a frente das igrejas, locais de

sociabilidades de onde irradiavam práticas sociais e culturais.

BPMP: Correio da Semana, 10 fev. 1945, p. 2.

VER: SANTOS. Op. cit, p.52.

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105

Em Sobral não havia de ser diferente, as praças simbolizavam o espaço do

lazer e da diversão da sociedade sobralense, a preocupação quanto a manutenção destes

espaços era uma constante na cidade.

Mumford, sobre o sentido de uso das praças, afirma que; “as praças atendiam a

uma nova necessidade da classe superior, ou melhor, a toda uma série de necessidades.”

Como espaço de sociabilidades, a praça assumia o sentido de espaço do silenciamento das

tensões políticas, religiosas e sociais. Mas com o advento das transformações urbanas, elas

ganharam novos significados, construídos pelos costumes modernos que instituíam-se no

cotidiano da população e faziam com que as diferenças sociais fossem invisíveis.

A Praça Barão de Sobral

está situada no coração da cidade de Sobral,

localizada a frente do Teatro São João

. A praça fora construída em dois momentos, sendo a

primeira ala construída do lado da Igreja do Menino Deus, porém como havia intenso

movimento devido ao teatro, o poder público construiu uma outra ala que, “a elite elegeu-a

como privativa, ficando a ala antiga destinada às classes menos favorecidas da sociedade

”.

Essa divisão, apesar de não ter sido oficializada através de documentos escritos, instituiu-se

na memória da cidade e também na história.

MUMFORD, Op. cit, p.429.

A Praça Barão de Sobral atualmente chama-se Praça São João, mantendo sua estrutura original desde sua

criação.

O Teatro São João foi construído no século XIX, por iniciativa da Sociedade Cultural União sobralense, com

o intuito de trazer benefícios culturais a cidade. O teatro tem inspiração italiana e estilo neoclássico, fazendo

parte da tríade Teatro Monumento juntamente com o teatro José de Alencar, em Fortaleza, e o Teatro da Ribeira

dos Icós, em Icó. Sua inauguração foi em setembro de 1860.

GIRÃO. Op. cit. p. 81.

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106

Praça barão de Sobral

Pensando sobre o enquadramento que a imagem oferece da Praça, podemos

perceber que o Teatro São João não aparece na imagem. Isso talvez seja ocasional porque em

fins da década de trinta e início da década de quarenta o Teatro estivesse passando por uma

crise de público e financeira

. Outro ponto importante de perceber também é que a câmera

centralizou o lado direito da Praça, ou seja, o lado que era frequentado „por direito pela elite‟,

o lado esquerdo aparece ao fundo, no entanto se olharmos minuciosamente iremos perceber

que ele se encontra esvaziado de pessoas.

Pensando sobre a imagem que o fotógrafo quis destacar a partir da praça,

podemos entendê-la como forma de fixar a diversão das classes sociais de Sobral. A foto, ao

contrário da maioria veiculada no álbum, apresenta o espaço em plena movimentação, com

pessoas a circular, dando o sentido de uso dos espaços urbanos.

Na década de vinte do século XX, o Teatro entra em crises desencadeadas pela falta de público, isso leva a

sua utilização como cinema, durante parte da década de trinta. Nos anos quarenta passa por uma nova crise

financeira, sendo suas atividades quase totalmente paralisadas, até a década de setenta, quando é recuperado para

as festas do bicentenário de Sobral.

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107

Praça da Independência

Além da Praça Barão de Sobral, o álbum destaca também a Praça da

Independência, localizada no centro da cidade onde ocorreram as festas do jubileu sacerdotal

de Dom José. A denominação de” Independência” foi uma homenagem a festa realizada para

a comemoração do centenário de independência do Brasil. Segundo Zuleica:

A praça era linda, tinha várias árvores e as boas famílias sempre iam para conversar

enquanto as moças passeavam, eu ia muito com minhas amigas. Hoje é a Praça da

Igreja São Francisco, mais mudou bastante! (...) ela foi construída pela sociedade

sobralense(...) iniciativa particular sabe eles queriam desenvolver a vida social e

cultural de Sobral(...)

As lembranças de Dona Zuleica remetem aos momentos do lazer, quando ia à

Praça com as amigas. Ela fala que o espaço foi construído por uma sociedade particular que,

na sua fala, remete ao interesse de desenvolver a vida sócio-cultural dos sobralenses, com

ações ligadas a construção de espaços de lazer. É interessante perceber que o lugar da

narradora na cidade é o lugar daqueles que iam ao Pallace, que freqüentavam o lado direito da

Praça São João.

O traçado urbano, apresentado no álbum, definia espaços de incluídos e

excluídos socialmente. O que para nós não invalida seu uso na pesquisa, afinal pensando que

ZuleicaViana, secretaria. Entrevista realizada em setembro de 2008, Sobral.

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108

a memória social se constitui como forma de conhecimento, que, de “modo inconsciente, um

grupo habita o seu meio” fornecendo meios de compreensão para o outro, portanto isso nos

leva a pensar sobre a importância de “situar os grupos em relação ás suas tradições”, e refletir

sobre como eles transformam essas experiências em conhecimento.

A importância social da Praça da Independência para uma determinada classe

era expressa diversas vezes nas páginas do jornal Correio da Semana, fossem elas de elogio

pela manutenção ou na maioria das vezes de reclamação ao poder público.

O Exmo. Sr. PrefeitoMunicipal Sr. Antonio Frota Cavalcante atendendo aos justos

reclamos do povo, tomou uma medida justa e oportuna qual de mandar repor as

lâmpadas elétricas da São João que agora está bem iluminada.

O sentido da palavra „atendendo‟ deixa claro que a iniciativa veio a partir de

reclamações realizadas as más condições de iluminação que a cidade dispunha, já que a

questão da eletricidade era um problema que atrasava o progresso de Sobral.

Da mesma

maneira, o uso do termo „reclamos do povo‟, passa a idéia que toda a população reclamava

sobre da precária iluminação da praça, quando sabemos que a mesma era de uso de uns

„poucos‟ populares que freqüentavam.

Essa compreensão se a partir da divisão da praça, o que a nosso ver

restringia o uso da desse lugar a uma parcela da população e mesmo não tendo nenhuma

norma de utilização instituída estes „sabiam‟ os espaços que podiam freqüentar.

Na Praça Barão de Sobral, além da presença do Teatro São João havia também

uma radiadora, que passava músicas da Rádio Imperator

. Sua presença na naquele lugar

FRENTESS. Op. cit. p. 42.

BPMP: Correio da Semana, 30 out. 1951, p.1.

Eram constante, no jornal Correio da Semana,, matérias reclamando sobre problemas de eletricidade, alguns

reclamavam sobre a constante falta de energia, outros reclamavam da dificuldade do crescimento da cidade

relacionando esses com a falta de um serviço de fornecimento de eletricidade constante.

Falb Rangel, sobralense de destaque nas atividades artísticas e culturais de Sobral, construiu na Praça Barão

de Sobral, em sociedade com Francisco Heméterio Soares, uma coluna de alvenaria e cimento que servia de

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109

além de promover diversão para ambas às „partes‟ da praça também era motivo de orgulho,

pois além de músicas também fornecia notícias e mensagens. A rádio funcionava diariamente

das 18 às 21 hs, e sempre encerrava seu funcionamento com a música The Stars and stripes

forever’, simbologia da cultura americana invadindo Sobral.

Collumna Irradiadora Imperator

A fotografia da radiadora simboliza a modernização da cidade, que a primeira

emissora de rádio, foi instalada em Sobral em 1952, por José Maria Soares. Nesse sentido,

a importância da coluna Imperator ultrapassava o sentido diversional e se inseria como

hábitos modernos de ouvir as notícias e propagandas, tanto da cidade como notícias do

mundo.

No entanto essa modernização atrapalhava o sossego e silêncio da cidade que se

queria moderna, mas gostava das vantagens das cidades pacatas, „o silêncio‟; que por

diversas vezes era motivo de notas no jornal, ou até mesmo artigos.

suporte as três amplificadoras que transmitiam música, noticias e mensagens, sua inauguração foi em maio de

1938, e recebeu o nome de „Coluna Rádio Imperator‟.

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110

“Ultimamente estiveram nesta redação várias pessoas, residentes à Praça Barão de

Sobral que nos vieram pedir o obséquio de reclamar a Empresa Falb Rangel o

barulho ensudercedor de seus alto falantes ...”

Sobre o sugestivo título de O bem não faz barulho‟, a nota faz menção a

ausência da ordem que se iniciou com a instalação da “Irradiadora”, a qual por ser símbolo da

modernização, ou seja, do „bem‟, não simboliza a quebra da ordem que a cidade almejava.

Novamente podemos perceber o conflito entre modernização e moral, a qual representado

pela igreja que defendia o progresso sob a manutenção da „moral e dos bons costumes‟.

As representações construídas por Craveiro Filho, no álbum do centenário,

fizeram eco sobre os desejos de cidade, de parte da sociedade sobralense, na primeira década

do século XX. A construção dessas representações incentivaram a instituição de „uma

memória social‟ sobre Sobral e uma tradição de progresso e desenvolvimento.

Essas imagens destacadas no álbum foram instituídas como memória, a partir

de dois fundamentos sicos da operação historiográfica, ou seja, o de „escolha‟ e o de

„representação‟; ora a escolha, realizada pelo fotógrafo privilegiava ângulos, detalhes,

enquadramento de imagens, os quais constituíram as representações que se queriam

cristalizar no imaginário dos observadores, representações que são fortalecedoras da memória

que se instituiu sobre Sobral e sobre os espaços que foram fixados como tradição na cidade.

Nesse sentido as representações adotaram o sentido de fortalecimento intuição de um

imaginário sobre os espaços „escolhidos‟ como representantes do centenário de Sobral.

As representações que foram instituídas nesse período foram escolhas de uma

classe social, que auto denominou-se de “intelectuais”. No entanto essas escolhas permitiram

a compreensão de que cidade era desejada por parte dos sobralenses e que cidade se tentou

instituir na memória social da população sobre Sobral.

BPMP: Correio da Semana, 8 set. 1945, p.1.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

111

Apesar da tensão que se constitui sobre a construção das representações a

partir das escolhas dos seus produtores e consumidores oficiais, devemos pensar que os

indivíduos apresentam criatividade que se contrapõe às imposições que sofrem, considerando

seus os lugares sociais e as relações de dominação. No entanto, mesmo levando em conta

essas dominações podemos entender o que pensavam, diziam e faziam os sobralenses na

primeira metade do século passado.

3 Olhar, Lembrar e contar: imagens como objeto de memória

Ah! Se exigirem documentos aí do Outro Lado,

Extintas as outras memórias,

Só poderei mostrar-lhes as folhas soltas de um álbum

De imagens

As imagens foram desde a sua invenção compreendidas como „reais‟. No entanto, os

historiadores preferem compreendê-las como representações a medida que a entendem como

fragmento do real, escolha de um momento a ser fixado e congelado, elas se constituem

como escolhas do fotógrafo ou do fotografado.

VER: Discursos eruditos e práticas populares. IN: CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo.

Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009, p.45 52.

. QUINTANA, Mário. Quintana de bolso. Porto Alegre: L&PMPocket, 2009. p.107.

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112

As fotografias são utilizadas como forma de veiculação de ideologias a serem

absorvidas e consumidas como „testemunho do real‟. A força da imagem vem da sua fixação

na memória, a qual constrói elos, entre imagem e memória, a ponto de tecerem teias de

relação entre fatos, acontecimentos, sentimentos.

A imagem seduz pelas possibilidades que apresenta a seus receptores e observadores.

São entendidas como “representação visual do real”, desperta a imaginação, atua como objeto

desencadeador da memória, amplia o alcance de compreensão. Pois apresentam uma

linguagem universal, um mundo de símbolos que é compreendido em circunstâncias diversas,

em culturas diferentes, sem a necessidade de se compreender outras línguas, outros símbolos

culturais.

Reconhecer as imagens como possibilidade de memória é pensar sobre a relação que

se mantêm entre historiadores e imagens, uma relação que difere dos antigos donos das

fotografias. No entanto estão permeadas pela temporalidade, passado e presente, o que lhe dá

múltiplos sentidos de interpretação, nos problemas propostos a elas, quando considerados

como objeto de pesquisas e estudos.

A ideia de eternização dos momentos, através da fotografia, desperta nos

observadores, a subjetividade dos sentimentos passados, que o ativados a partir do ato de

„ver‟. “A fotografia provoca uma síntese na memória individual”, ocasiona a ativação de teias

mnemônicas, em que as imagens assumem o sentido de revelação, portanto a utilização de

imagens como lembrança, provoca no observador o desencadear de lembranças, gestos,

palavras e ações, a ilusão da manutenção de um passado cristalizado pelas lentes dos

fotógrafos, eterniza momentos e sentidos em imagens.

Sobre o trabalho com imagens VER: MAUAD, Ana Maria. Fotografia e História possibilidades de análise.

IN: A leitura de Imagens na pesquisa social: história, comunicação e educação. São Paulo: Cortez, 2008.;

KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: O efêmero e o perpétuo. Cotia, SP: Ateliê editorial, 2007.

KOURY. Mauro Guilherme Pinheiro. Fotografia como objeto de memória: produto técnico e suporte

ideológico na conformação do homem ocidental. IN: Domínios da imagem, londrina, ano I, n.2, p.101-106,

maio de 2008. P.102.

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113

A utilização das imagens como objeto desencadeador de memórias desvela sentidos

que a leitura imagética não possibilita, que ela parte da análise da “primeira realidade”, o

momento em que a lente da câmera fixa „a escolha‟ do fotógrafo, a fotografia adquire um

outro sentido, o sentido do assunto representado, o qual está contido no enquadramento da

imagem.

A memória desencadeada pelas imagens proporciona a leitura dos significados que

não estão presentes na fotografia, mas que se encontram vivos na memória de seus

observadores. As imagens fotográficas, por suas amplas possibilidades de visualização e

entendimento, permitem leituras diferentes dependendo de seus observadores, da realidade em

que vivem, das experiências que adquiriram, dos saberes de que são imbuídos. Devido a isso

destaca-se a amplitude que adquirem como objetos desencadeadores de memória. Esta

diversidade de formas de leituras da imagem pelos observadores ocorre através dos filtros,

que são representativos das ideologias, cultura, concepção de ética e moral. Os filtros existem

em todas as pessoas em alguns em maior e outros em menor escala, dependem diretamente

das ligações que cada um apresenta com relação aos „objetos representados‟ na fotografia.

Relacionando o uso de imagens com a memória, podemos pensar sobre os objetos

biográficos, os quais por apresentarem ligações com seus „donos‟ adquirem sentido de

rememoração, de lembrança, fazem fluir a existência e as relações mantidas com esses

objetos, de forma a transmitir a ideia de continuidade a sua vida e suas experiências.

As fotografias adquirem o sentido de objetos biográficos, se pensadas como objetos

de valor para aqueles que as guardam ou que com elas apresentam ligações de ordem afetiva

ou mesmo de silenciamento, afinal quando a velhice chega, restam poucas coisas que a

Sobre a primeira realidade e a segunda realidade VER: Kossoy, 2007. P. 36-37.

BOSI, Ecléa. A substância social da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo: Ateliê Editorial,

2003. p. 26

A baixar cd de santa missao populares de sobral

114

tornam significativa, são as relações que se construíram com a cidade e seus espaços, com

suas casas e seus eventos, suas memórias e seus sentimentos em relação ao passado.

Além dos objetos biográficos também podemos compreender o estímulo da memória

através dos “mapas” , que funcionam como desencadeadores de memórias. Na medida em que

são compreendidos como “representações”, construídas individualmente ou coletivamente,

capazes de fazer emergir informações ligadas a essas representações e aos sentidos que elas

despertam no narrador.

Os “mapas” são representações imaginárias ou reais, construídas afim de facilitar o

desencadeamento da memória, assumindo um conceito de “memória de coisa”. À medida

que refletimos que, em sociedades ou grupos ágrafos, a ausência da escrita não

impossibilitava a continuidade das tradições, ritos e costumes, podemos entender que se

organizavam através de “mapas mnemônicos”, os quais, aqui, são compreendidos como

extensão da memória.

A utilização de imagens como desencadeadoras da memória proporciona a

compreensão ou até mesmo uma forma de perceber os silêncios e os sentimentos ocasionados

em determinados momentos, fato que talvez fosse ignorado se fizéssemos o uso das narrativas

sem a utilização destes “objetos de memória”, pois poderiam passar despercebidos durante as

narrativas, momentos de tensão, ou mesmo situações consideradas desimportantes para os

narradores.

Pensar a cidade de Sobral a partir da memória dos velhos nos possibilitou o

desencadeamento de sentidos e sentimentos talvez silenciados pela modernização do tempo e

dos espaços. No entanto os encontramos vívidos nas lembranças de seus habitantes, que

FRENTESS. Op. cit. p.31.

FRENTESS, Op. cit. p. 32.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

115

alimentam as memórias como forma de continuidade da vida, ou mesmo de reviver “o seu

tempo”:

Hoje, num tem muito sentido viver, tudo mudou, a velhice num me deixa viver,

pra sair de casa tenho que pagar carro de aluguel, mias fias tem di ir comigo, dizem

que do muito trabalho, então case nunca saio de casa. O dinheiro quem vão buscar

são elas, passo o dia aqui nessa rede, tenho medo de sair, mias pernas tão fraca (...)

Gosto quando vem gente aqui, a gente conversa e o tempo passa. Agora em

setembro as mulher da igreja vieram me buscar pra ir nas novena, fui tudim. E até

ganhei um presente, uma sandália, a senhora quer ver? (...) mia mulher morreu faz

sete anu, num podia morar e mias fias foram mi buscar pra mode eu morar com

elas, eu queria ter ido com minha mulher, a vida si acabou, vivo rezando pedindo a

deus pra mode mi levar logo(...) sinto falta de tudo, da mia casa, Du trabalho, dos

amigo, di ir nu samba, da minha casinha(...) Ele começa a chorar

A narrativa aponta a saudade dos tempos em que estava inserido na cidade e na vida

cotidiana, momentos que hoje são possíveis, apenas através das lembranças, já que a doença e

a velhice o colocaram fora do mundo moderno, é notável o poder que lembrar traz ele a vida

novamente, pensar sobre o passado o leva a reviver o trabalho, a diversão, os sentidos que

movimentam seus sentimentos e seus dias, essa ideia é informada por ele quando fala sobre

como se sente bem quando as pessoas vão conversar com ele, ou mesmo quando ao falar

sobre o quanto o convite que recebeu para ir as novenas, o deixou feliz por se sentir parte do

bairro, querido por receber uma convite dirigido a ele próprio. O que torna significativo essas

pequenas ações pro narrador, é o fato de receber atenção e de perceber a importância que ele

tem, mesmo com as dificuldades da vida cotidiana, impostas pelo tempo.

A saudade da casa leva a reflexão de que mesmo estando cuidado por sua família,

sente falta de seus objetos, de seu espaço, construído e elaborado através de suas experiências.

Neste espaço estão guardadas suas lembranças, e sua vida que se mostra na forma de

organização dos espaços, na importância que têm os objetos, os quais carregam em si

fragmentos de uma vida construída com trabalho e com experiências. A importância da casa,

a falta que sente dela, leva a um sentimento de vazio que ele preenche com lembranças e com

Entrevista realizada com Antonio Torres, 96 anos, carpinteiro Setembro de 2009, Sobral.

116

algumas falas soltas sobre sua casa. A casa na sua descrição aparece como o lugar ideal onde

estão guardadas suas melhores histórias o lugar pra onde sonha voltar:

Ela é bem pequena, tem um portão de madeira que fui eu mesmo que fiz, nunca quis

saber de estudo não, eu sempre trabalhei, desde menino, então eu fiz de tudo nessa

vida, e minha casa fui nós que construímo, eu e minha mulher. Sabe tudo é muito

simples, o chão era de tijolo, depois nós botamo o cimento, tem toda a minha

vida, coisa boa coisa ruim, tudo fui eu que fiz, muito trabalho e dificudade(...)

minhas fia quer que eu venda pra mode ficar com dinheiro, mais num vendo não,

queria puder morar lá, minhas fias me tratam bem, mais você sabe nada melhor do

que nosso canto é que todas minhas coisas, esse povo di hoje é diferente da

gente quer saber de coisa nova, pois eu num deixo minha casa não, ela é minha é

lá que é meu lugar. Eu penso que qualquer dia desses eu vou mi borá pra lá(...)

A casa é o território de excelência das lembranças do narrador, ela assume pra ele o

sentido de continuidade da vida, apesar da velhice e da doença, é lá que estão as suas

experiências e seus sentimentos. O desejo das filhas para que ele venda a casa, faz remeter-se

a modernidade. “O povo de hoje” significa, para ele, o tempo das mudanças, em que as

pessoas não valorizam as conquistas do passado, que devem ser substituídas por coisas novas

ou mesmo por dinheiro guardado.

São perceptíveis nas narrativas dos velhos, utilizadas nessa pesquisa, a referência a

um tempo que transformou-se, mas que pra eles está vivo nos objetos e espaços com os quais

construíram sensibilidades. Sejam eles, objetos, espaços que representam as dificuldades e as

conquistas que tiveram na vida, seja mesmo uma praça ou um prédio que foi destruído ou

reformado, fato é que os „mapas de memória‟ são subjetivados nas lembranças desses

narradores como espaços onde mantêm vivas suas experiências e suas identidades, o que torna

possível a compreensão da utilização de imagens como objetos desencadeadores de memória.

Olha minha filha, eu não tenho muito pra falar não! Nasci no bairro da estação, na

rua que hoje chama de tamarino, passei a vida toda (...) em casa era onze filho,

meu pai era pobre trabalhava como pedreiro, e nós ia com ele. Estudo era coisa de

gente rico, pobre aprendia mesmo assinar o nome e as letras, e não era em escola

não, era na casa da professora eu num lembro o nome dela, uma senhora gorda e

baxinha(...) Fiquei trabalhando com meu pai até 64, nós trabalhava tudo junto, não

dava mais pra viver assim, ai resolvi que ia embora, fui pra Santarém, era muito

bom pra fazer a vida, você precisava ver, tem de tudo lá, comecei a trabalhar

vendendo mercadoria e ganhei muito dinheiro, fiz minha vida(...) nunca deixei de

andar aqui, toda vez que podia vinha passear, só que naquele tempo era muito ruim a

A baixar cd de santa missao populares de sobral

117

cidade minha filha, num tinha trabalho pra gente, hoje em dia é muito diferente do

meu tempo(...)

As dificuldades o tratadas como experiências de transformação, rememoradas

como sentidos de transformação do passado e vida, então a partir desses „mapas de memória‟

é que se sentem ainda inseridos na movimentação e transformação da cidade. A utilização de

comparações entre o passado e o presente significa as experiências que permitem apontar as

relações que construíram com a cidade, e que forneceram a eles o direito de se inserir

espacialmente na cidade e nas relações que com ela mantinham.

Ao apontar as razões que o levaram a sair da cidade, na tentativa de uma vida mais

próspera, Paulo aponta para uma realidade que era de muitos, ou seja, uma cidade que crescia

mas que não era de todos. A modernização e o progresso, apontados pelos jornais e pelas

representações construídas no período do centenário, não correspondem em muitos casos ao

cotidiano de alguns habitantes, talvez pertencessem apenas aos discursos daqueles que

planejavam e desejavam a cidade no período.

Pensar a cidade, através da memória de velhos, desencadeada a partir das fotografias

do álbum do centenário, é possibilitar um outro olhar sobre a cidade, um olhar que muitas

vezes entra em choque com os discursos proferidos pelos idealizadores da cidade, com as

memórias de seus habitantes, ou mesmo com a diferenciação dos lugares de onde falam esses

habitantes.

O lugar social dos habitantes da cidade expressam as experiências que

desenvolveram com a cidade, apontando uma outra versão da história da cidade que talvez

não seja representada pela historiografia local, ou mesmo apontando transformações sociais

que não eram perceptíveis nos discursos dos „produtores‟ da cidade.

Ave Maria eu nem sei porque não conheço mais Sobral, tão diferente. Sobral

era Sobral no meu tempo que tinha as pessoas amigas, tinha famílias, tinha jovens,

Narrativa de Paulo José Souza,76 anos, comerciante. Entrevista realizada em Setembro de 2009, Sobral .

A baixar cd de santa missao populares de sobral

118

crianças, todo mundo conhecia todo mundo, eu trabalhei no Banco durante vinte

anos e conhecia todo mundo de Sobral. Vopodia andar no meio da rua uma hora

da manhã que você não encontrava nenhum mal fasejo, não tinha ladrão, tudo gente

boa. Tinha também gente ruim mas não era como hoje (...)Era muito diferente de

hoje...hoje até sentar na calçada... hoje eu não me sento na calçada, passa gente

embriagado, dizendo piada, eu fico trancada dentro de casa, é todo mundo você pode

passar aqui a noite tem muita daqui até no final do Centec é gente que bota a

cadeira na calçada para vender bebida, vender comida, esse tipo de coisa, mesmo

que não seja um bar, tem gente que faz em casa e vende na calçada. Não é mais

Sobral não. Inclusive Sobral não e mais do sobralense né, se você for hoje a

qualquer repartição pública você não acha mais na chefia um Sobralense, não acha.

De onde você é? Sou de Viçosa. De onde você é? Sou de Sobral mas minha família

é de Groairas (...) Não tem mais Sobralense aqui. No Banco o Gerente não é daqui, o

Sub-Gerente não é daqui... porque o mundo se desenvolveu (...) eu sou saudosista,

tenho muita saudade de Sobral do meu tempo, onde tinha teatro, as tertúlias, ia um

grupo de moças para tertúlia e quando dava 10 horas da noite cada uma ia pra sua

casa não tinha medo de nada. Um lugar muito gostoso da gente dançar (...)

Na narrativa de Dona Zuleica, é perceptível o encantamento que a cidade e seu

cotidiano causaram nela, um espaço onde havia trabalho e diversão, onde não havia perigos

em sair de casa ou de ficar com os amigos na calçada. A cidade que Dona Zuleica apresenta

não corresponde a cidade apontada por seu Paulo, o qual teve que ir embora procurar

melhores condições de vida, nem a de seu Antonio Torres que trabalhava desde menino.

Os conflitos gerados pelo ato de pensar a partir das memórias, um mesmo espaço e

uma mesma temporalidade são atos pensados a partir das memórias de habitantes da cidade,

que trazem em suas trajetórias de vida formas diferenciadas de viver na mesma cidade as

mesmas experiências, levam a uma reflexão sobre a diversidade de sentidos que são

empregados pelos habitantes da cidade no cotidiano em que estão inseridos. O fato de Dona

Zuleica pertencer a uma família de poder aquisitivo superior, a cidade lhe proporciona

usufruir de „privilégios‟ diferenciados de outros habitantes, que com menos condições

financeiras, desenvolveram relações sociais com a cidade, no entanto apesar de experiências

diferenciadas, são unos em apresentar „aquele tempo‟ com saudosismo ou mesmo como o

tempo ideal.

Narrativa de Zuleica Viana, secretária. Entrevista realizada fevereiro de 2010, Sobral.

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119

A construção do tempo como regulador social, na concepção do homem, assume

aspectos individuais desde a sua infância, e vai se consolidando como parte da sua

consciência pessoal. Essa compreensão do tempo, faz com que esses homens, apreendam

todas as transformações e acontecimentos ao seu redor, a partir dos reguladores temporais que

instituíram como símbolo.

Esses reguladores temporais, aparecem presentes nas narrativas dos entrevistados, a

partir das referências que fazem sobre a passagem do tempo: „no meu tempo‟, „o tempo de

hoje é diferente do meu tempo‟, „naquele tempo‟, dentre outras. Esses reguladores temporais

representam uma sintetização da noção de tempo, afinal relaciona posições que se situam,

associadas a acontecimentos físicos, modificações sociais e até mesmo acontecimentos de

cunho individual.

A razão das diferentes narrativas da cidade aponta para as relações que os narradores

construíram com a cidade, para a significância de rememorar as suas experiências e mesmo de

relacionar “o seu tempo” com “o tempo de hoje”, em que fica nítida a importância dos

espaços da cidade no ato de lembrar.

Nesse sentido acreditamos na importância das imagens fotográficas como

desencadeadores de imagens, fragmentos possíveis de representar aspectos da cidade e que

associados as narrativas orais de pessoas idosas e que vivenciaram a cidade na década de

quarenta do século passado, legitimam um saber histórico sobre a cidade. Afinal é através das

imagens que determinadas experiências coletivas ou pessoais, que não são possíveis de serem

percebidas em outras fontes, trazem à tona informações inéditas sobre a cidade.

Enfim, as imagens como memória são responsáveis pela indicação de “momentos

insubstituíveis que constrõem uma vida para si e para os outros. Como uma ausência

ELIAS, Norbet. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. p.22.

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120

permanentemente prisioneira de um presente que aconteceu”

é a possibilidade de

revisitar lugares e sensibilidades de um tempo passado que ficou guardado em fotografias.

Mesmo as experiências não estando registradas na fotografia, estão fixadas nas memórias de

seus portadores tornando-se representações “não são atributos das coisas (das imagens), mas

do discurso dos homens a seu respeito ou por seu intermédio”.

Enfim, buscar informações a

partir das imagens nos permite entender o contexto em que foram produzidas, o panorama da

cidade e do seu cotidiano, é perceber as tensões que se formam em torno dos habitantes e de

suas experiências.

Assim as falas proferidas pelos contemporâneos das imagens, através das lembranças

por elas desencadeadas, informam-nos as razões de sua produção, os sentidos que carregavam

e os desejos que moviam os „ordenadores da cidade‟ ao promoverem a divulgação de

representações da cidade que conflitam ao realizarmos um cruzamento de lugares sociais, dos

narradores, e dos veículos de divulgação dos discursos, fotografias do álbum do centenário,

revelando uma cidade que apresentava apesar da sua aura de modernidade e progresso um

crescente número de problemas sociais e de discursos que diferiam entre si.

3.1 Imagens como memória da cidade: narrativas da cidade

A utilização da história oral nas pesquisas nos possibilita a compreensão das

experiências de homens e mulheres, que usualmente não ganham espaço na escrita oficial da

história da cidade, a não ser através de pesquisas realizadas em universidades, nas trilhas da

KOURY, Op. cit, p.104

MENEZES, Ulpiano T. A fotografia como documento Robert Capa e o miliciano abatido na Espanha:

sugestões para um estudo histórico. Revista Tempo, Rio de Janeiro. Universidade Federal Fluminense,

n.14,p.131-151,jan.-jun. 2003. p. 131-151.

121

nova história cultural, onde prevalece uma valorização de experiências das pessoas comuns.

Dessa maneira são recuperadas as experiências vividas e a subjetividade de grupos reprimidos

e até mesmo sem registros oficiais, de suas práticas e experiências. Essas mudanças são fruto

das transformações historiográficas ocorridas na década de sessenta do século passado, na

Europa, e que aqui chegaram anos depois.

A utilização de entrevistas orais possibilita a percepção de versões diferenciadas

acerca de uma determinada prática social ou mesmo de acontecimentos, o que significa não

uma exaltação de personagens, mas sim de uma construção histórica pautada em múltiplas

possibilidades de perceber um mesmo evento histórico”, revelando a partir da variedade de

experiências, fornecidas pelas fontes, problematizações diversas, construídas a partir das

leituras que as narrativas nos permitem.

Acreditando que o historiador está imerso no tempo presente e que suas escolhas de

pesquisa fazem parte das simpatias que despertam pelos campos da história, pensamos que a

temporalidade projetada pelas narrativas envolve o passado e o presente, não sendo a

distância temporal algo imprescindível na pesquisa, pois ela não iproteger o historiador de

suas inclinações ou mesmo de suas simpatias. Dessa forma, entendemos como vantagem a

relação entre envolvimento temático e proximidade temporal, pois assim podemos superar a

descontinuidade que existe entre o universo do historiador e dos personagens sobre quem

escreve.

A utilização das imagens como fonte desencadeadora das memórias foi por nós

captada a partir da seleção de algumas imagens do álbum, em que privilegiamos as imagens

sobre os espaços de lazer e de passagem dos habitantes da cidade. A escolha de apenas

algumas das imagens sobre a cidade, nos permitiu acesso a fragmentos das experiências dos

habitantes da cidade, sobre os espaços que foram representados pela ocasião do centenário.

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122

Nesse sentido buscamos compreender como dentro das narrativas sobre a trajetória

de suas vidas esses espaços, fixados pelas lentes dos fotógrafos, são referenciados nas

narrativas de nossos depoentes, ressaltando que os mesmos não fazem parte de uma classe

única, mas sim lugares distintos dentro da sociedade do período. Assim, pensamos ser

possível captar a memória social desses narradores, a partir das experiências e das vivências

que mantiveram com esses espaços, gerando uma fusão das narrativas de pessoas de lugares

sociais distintos, sobre os espaços e mais que como um processo é pensá-la não como um

repositório de fatos ou semelhanças, mas sim como uma linguagem, uma memória social que

“torna-se concreta apenas quando mentalizada ou verbalizada pelas pessoas”

. Pensando a

partir de Portelli, compreendemos que cada individuo constrói suas memórias a partir das suas

experiências, e ao serem verbalizadas elas vão sendo organizadas e ganhando sentidos ao

serem relacionadas com a memória de outros grupos ou mesmo com a memória oficial, o que

permite estabelecer relações entre a memória social e a memória coletiva.

Reconhecendo que a memória é fruto das experiências vivenciadas por seus

narradores, pensamos ser ela um espelho do indivíduo ou do grupo em que este está inserido,

sendo dessa forma construída a partir de seus valores. Desse modo justificamos a presença de

indivíduos de classes diferentes nessa pesquisa, forma de captar a cidade de Sobral, na década

de quarenta do século passado, a partir do entrecruzamento de visões de seus habitantes.

Afinal o intuito do historiador é desconstruir as narrativas da memória oficial, é

desconfiar das representações e dos discursos por elas proferidos, “é buscar revelar, mesmo

que á custa de algum mal estar, as redes de poder, as relações de imposição, os processos de

PORTELLI, A. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na História Oral. Projeto

História: Ética e História oral, 15. P.13-33, 1997. p.16.

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123

ocultamento”

, para dessa forma lançar novas discussões sobre os processos de construção

das memória oficiais da cidade.

A ativação da memória é um olhar sobre o passado de uma outra forma, é trazer para

o presente as experiências vividas, é produzir um discurso, nesse sentido nos colocamos como

psicanalistas

de nossos depoentes, reativando emoções e intimidades das experiências

coletivas dos narradores, assim a memória modifica os objetos, as investigações, as

abordagens e, também a escrita da história”

O trabalho com as narrativas nos fez perceber momentos de tensão entre fragmentos

e totalidades das experiências dos depoentes. Os mesmos revelavam em alguns momentos a

existência de minúsculas vivências em alguns espaços, mas que ganhavam extensão espacial,

ao serem reativadas pelo ato de lembrar, como se reunissem fragmentos na constituição de

suas percepções sobre seu cotidiano relacionando-as com as experiências da coletividade na

cidade.

Olha, eu nasci em quarenta e oito, minha mãe teve dessesete filhos, mas eu me

criei, ela era professora, daquelas que ensinava em casa. Era uma das melhores, a

gente morava ali, num casarão onde hoje é a praça da Meruoca. A sociedade era boa,

as festas no Pallace eram um luxo só! Lembro que as mulheres mandavam vir as

roupas e as jóias lá do Rio de Janeiro, usavam perfume francês, tinha até um

jornalista, não lembro o nome dele, mas ele dizia que ia pra festas no pallace pra

sentir o perfume das mulheres. entrava a sociedade, o resto do povo não podia

entrar, mesmo se tivesse dinheiro, ai ficavam tudo no sereno, olhando as pessoas

chegar, vendo as roupas, os carros (...) os pobres não entravam mesmo, tinha o clube

deles, O clube dos Vinte, eu ia pros dois, mais eles ficavam me olhando, não

gostavam também que a gente fosse pra lá, mais eu não me importava eu ia mesmo!

Eu gostava era de me divertir, então eu ia mesmo, mesmo que eles não gostassem,

nem que as pessoas da sociedade também não gostasse(...)

ARAUJO; FERNANDES. Maria Paula &Tania Maria. O diálogo da História Oral com a historiografia

contemporânea. IN:VISCARDI, Claúdia M. R. História oral: teoria, educação e sociedade. Juiz de Fora: Ed.

UFJF, 2006, p.29.

Sobre psicanalistas e a produção historiográfica ver: SANTOS. Nádia Maria Weber, Histórias de vidas

ausentes: a tênue fronteira entre a saúde e a doença mental. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo,

2005.

D‟ALÉSSIO, Márcia Mansor. Intervenções da memória na historiografia: Identidades, subjetividades,

fragmentos, poderes.IN: Proj. História, São Paulo, (17), nov. 1998, p. 275.

Narrativa de Raimundo Xerez, 62 anos, comerciante. Entrevista realizada em janeiro de 2010, Sobral.

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124

Um ponto perceptível na narrativa de Xerez é o fato de quebrar as regras impostas

silenciosamente pela sociedade. A existência de espaços distintos para públicos específicos,

fazia com que nele, membro do grupo denominado de „os brancos‟, despertasse o desejo de

ruptura das regras, era preciso vivenciar as diversas experiências que a cidade lhe oferecia,

mesmo não sendo bem aceito no “Clube dos Vinte”, por ser „branco‟, era que ele quebrava

as regras, mesmo não sendo aceito.

A ação do narrador de quebrar as regras estabelecidas pela cidade, revela a festas dos

“brancos”, ele como branco podia circular em ambos os espaços, mesmo não sendo bem

aceito. As percepções que o mesmo relata apontam para um distanciamento do que as

imposições da época pregavam para alguém que fazia parte dos “brancos”, ou seja o mesmo

aceitava os costumes, no entanto acreditava que a diversão estava fora dos espaços a ele

reservado.

O clube dos vinte era assim, um clube num era tão bonito como o Pallace, mas tinha

banda de musica, as mulheres iam todas bem arrumadas e bem perfumadas, ficavam

lá dançando. Tinha aqueles que não entravam ficavam na porta só olhando, mas não

entravam porque não queriam! Os comerciante iam pra lá, os que não pudia entrar

no Pallace! Então todo mundo era bem arrumado também e divertido, eu sempre

gostava de ir pra lá! No Pallace eu ia quando tinha aquelas operas, ou os cantores

importantes, mais eu sempre ficava olhando o povo entrar, gostava de ver era todos

tão bem arrumados (...) Quando queria me divertir de verdade eu ia pros cabarés, era

que se encontrava o povo de verdade, sabe aqueles que gostavam de brincar

mesmo, ia todo mundo, os brancos e os pobres(...) Mas também tinha os melhor,

aqueles que ia quem tinha dinheiro pra gastar com as mulheres, mas ai a

sociedade não dizia nada, porque todo mundo ia, mas ninguém falava(...)

O narrador, em questão, fazia parte do grupo privilegiado da cidade, dispunha de

boas condições econômicas, viveu a vida toda em Sobral. Percebe-se, através de sua narrativa,

seu gosto pela diversão e pouco respeito às distinções sociais impostas pela classe,

freqüentava a cidade em busca de experiências e de aventuras. Através de seu depoimento

podemos depreender a cristalização de sensibilidades na forma como entendia a cidade, ou

Narrativa de Raimundo Xerez, 62 anos, comerciante. Entrevista realizada em janeiro de 2010, Sobral.

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125

seja, conhecia as imposições sociais mas não se prendia a elas. Dessa forma, foi testemunha

ocular de muitas transformações pelas quais a cidade passou, mas também personagem de

experiências múltiplas, que circulava por todos os espaços da cidade. Sua experiência pode

ser pensada como a de um observador dos costumes da cidade, que por vivenciá-los sem

preconceitos ou julgamentos prévios, conta a sua vida cotidiana na cidade sem julgamentos ou

defesas de discursos oficiais.

Pensar sobre a trajetória de Xerez na cidade, é pensar na percepção do narrador sobre

a heterogeneidade da cidade e de seus discursos, é compreender a formação de uma memória

sobre a cidade, onde são respeitados os diversos discursos produzidos sobre ela, e ao mesmo

tempo, referenciar a importância da sua experiência como narrador, ou seja, a atualização das

memórias faz com que o mesmo aponte para as pluralidades das formas de vivenciar Sobral.

Importa aqui destacar que o espaço responsável por essas lembranças, por trazer-lhe,

a mente e aos sentidos, visão e suas emoções, por essa revelação de sensibilidades

relacionadas há aproximadamente cinco décadas, é constituído como uma representação, obra

da escolha de um grupo, uma fotografia do álbum do centenário. São as imagens que nas

últimas décadas vem ganhando espaço no estudos históricos, afinal as imagens, oferecem ao

historiador e a seus observadores “aspectos da visualidade de uma cidade em muito da sua

pulsação em uma determinada época histórica”

apontam seus costumes, seus hábitos, suas

gentes e suas sociabilidades, apontam aos desejos vinculados como representações de seus

anseios de transformação.

As imagens como objeto de representação despertam percepções adormecidas pelo

tempo, reativam experiências e sentidos adormecidos pelo cotidiano, atualizam experiências,

pois “o fato narrado torna ser vivenciado, reinterpretado”

, portanto reconstruído, nesse

CABRAL FILHO, Severino. Da fotografia e da lembrança de velhos: a cidade revelada. In: SAECULUM-

Revista de História (18); João Pessoa, jan/jun.2008, p.47-54, p. 48.

ARAÙJO, Op. cit, p.25.

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126

sentido passa a ser entendido como contemporâneo da narração e não apenas do

acontecimento. Concluímos assim que o desencadeamento das memórias a partir das imagens,

ocasiona uma rearticulação das experiências, que são resignificadas pela temporalidade, e pela

a relação que os narradores desenvolveram ao reativar essas memórias.

Pallace Club

A imagem como objeto de memória traz a tona experiências e espaços que não estão

nela representados, reativa a memória para os costumes de Sobral, na década de 1940, época

em que os espaços de sociabilidade eram divididos por leis nunca instauradas, mais conhecida

por todos os habitantes da cidade. Essa capacidade da imagem de revelar o não representado

na imagem é a riqueza oferecida pelo cruzamento entre imagem e memória.

A relação, entre as imagens e memória, nos conduz a saberes sobre a cidade, não

revelados na memória oficial da história. Assim como Xerez apresenta a cidade e seus clubes

a partir das relações que construiu com eles, Zuleica Viana nos apresenta suas narrativas sobre

o mesmo espaço, no entanto apontando para outras curiosidades, ou seja, a importância desses

espaços, para seu lugar social.

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127

Zuleica Viana

nasceu em Sobral, pertencente a „elite de Sobral‟, como a mesma

afirma, passou a infância em meio as convenções sociais que a cidade lhe permitia.

Participava da vida social e cultural da cidade ativamente, fez teatro, freqüentou os cinemas e

as praças mais em voga no período, além de freqüentar as festas no Pallace Club. Como

funcionária da prefeitura e depois concursada do Banco Comercial, considerava-se

privilegiada, pois tivera acesso a uma boa educação e a melhores condições de trabalho, em

uma cidade onde a pobreza não foi excluída pelo decantado progresso.

Suas narrativas sobre a cidade apontam para o saudosismo de uma “idade de ouro”

por que a cidade passou, em suas narrativas parece reviver aqueles momentos de glória que

costuma narrar, deixando nítido em suas falas a diferenciação dos espaços e das classes que os

ocupavam.

No meu tempo, as festas no Pallace era um acontecimento, havia uma entrada assim,

com umas cordas por onde as pessoas entravam, vinham todas de vestidos lindos,

com luva e perfume francês. O povo se vestia muito bem, tudo era importado, tinha

dinheiro e mandava vir de fora! As festas no Pallace eram pra quem era sócio,

mesmo que tivesse dinheiro, não entrava!

Para a narradora, a cidade era o espaço da riqueza e da diversão, o povo aparece

como espectador das ações dos “brancos”, o requinte e o luxo são as marcas que mais ficaram

em sua memória. Das lembranças dos bailes que frequentava, ainda é capaz de sentir o cheiro

do perfume francês que as mulheres usavam, gostava de vislumbrar a vida na cidade, como

enfatiza em suas narrativas. É capaz de lembrar situações que talvez passasem despercebidas

por outrem, mas para ela que estavam imersas do sentido de orgulho e de sobralidade, ainda

são fragmentos nítidos na memória, que marca o real sentido, das relações de poder mantidas

naquele espaço.

Narrativa de Zuleica Viana, secretária. Entrevista realizada em fevereiro de 2010, sobral.

Narrativa de Zuleica Viana, secretária. Entrevista realizada em fevereiro de 2010, Sobral.

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128

Uma vez uma moça negra mesmo, o pai dela tendo dinheiro, ela era doida pra ir pras

festas lá, mais não podia podia quem era sócio, ela decidiu que ia, se arrumou

toda, com jóias e vestido, botou perfume francês e entrou! Quando ela tava no

meio do salão vieram os segurança e levaram ela pra fora! O clube dos pobres, era o

clube dos vinte, depois passou a ser o clube dos artistas, ia o povo que não podia

freqüentar as Festas no Pallace.(...) Do lado de fora ficava muita gente, eles ficavam

no sereno, era assim que era chamado quem não entrava na festa, ficavam vendo a

gente entrar, todos muito bem vestidos (...) Naquele tempo não vendiam bebida do

lado de fora não, depois foi que apareceu as bancas de café! Ficava muita gente

fora, ouvindo as músicas e olhando a gente entrar (...) depois o Pallace fechou e as

festas passaram a ser no Derby e na AABB, nas festa do carnaval, tinha o baile

tradicional, nesse dia todos iam de mascara e fantasia, ai as mulheres de vida fácil

que moravam ali na beira do rio, se vestiam todas e entravam escondidas, ninguém

as reconhecia (...) Sobral era uma sociedade muito granfina, muito fechada, era por

isso que Fortaleza tinha tanta raiva da gente...

A referência a temporalidade, feita pela narradora, leva-nos a refletir sobre a

atualização da memória realizada por ela. Atualmente a cidade para ela não apresenta mais o

esplendor e a glória que tinha durante a sua juventude, “eu não reconheço mais Sobral”, com

essa fala a autora inicia uma narrativa sobre as atuais realidades da cidade, onde não mas

existem os grupos e espaços fechados, mas sim uma rede de relações que ultrapassam as

convenções sociais e promovem uma interação entre as diversas classes sociais.

Eu não conheço mais Sobral, antigamente o carnaval aqui era uma beleza, sabe a

Nice, ela era linda! Ela e o marido dela saiam fantasiados no bloco dos sujos, era

uma lindeza só, todo mundo brincando, se divertindo. Os pais nem se preocupavam

porque era tudo gente boa, que saia pra brincadeiras! Esse ano fui olhar ali da

calçada o bloco dos sujos, mais que coisa horrível, hoje tudo misturado, não

mais diferença, ninguém sabe o que é brincar! As mulheres vestida de homem e os

homens vestido de mulher, é uma bagunça só! Nem se compara com

antigamente(...)

Foi a visualização da imagem acima reproduzida que manifestou na narradora essa

evocação do passado e a construção dessa relação passado/presente. Ela reativa seus sentidos

e evoca emocionalmente uma cidade que era desejada por seu lugar social, uma cidade que

Narrativa de Zuleica Viana, secretária. Entrevista realizada em fevereiro de 2010, Sobral.

Cabe ressaltar que hoje a cidade é compreendida como uma cidade universitária, devido a isso tem uma

população heterogênea, de pessoas oriundas das regiões vizinhas e mesmo devido à Empresa Grendene, que

contribuiu para a migração de rio grandenses para a cidade.

Narrativa de Zuleica Viana, secretária. Entrevista realizada em fevereiro de 2010, Sobral.

129

buscava o progresso e a modernização, que por seus costumes „elitizados‟ atraía a raiva da

capital, que achava a cidade um espaço fechado.

Pensar as lembranças da narradora requer a nós observarmos como esta reproduz os

ideais de uma cidade moderna e civilizada, onde devemos considerar que para ela naquele

tempo não havia os „mal fasejo‟ nem mesmo havia a quebra da ordem estabelecida pelo poder

público. Talvez ela idealizasse a cidade, pois era lugar comum nos jornais locais, colunas e às

vezes notas denunciando abusos por parte da população menos favorecida, com o barulho de

suas rodas de samba, ou mesmo com seus costumes destoante da cidade moderna que se

instituía discursivamente.

Deparar-se hoje com a coletividade, com o uso aberto dos espaços sociais, com a

livre circulação pelas ruas da cidade, gera na depoente a sensação de está fora de seu espaço

social, a mesma coloca essa situação como conseqüência da presença de forasteiros na cidade.

Pensar sobre o passado leva a depoente a caracterizar o crescimento da cidade como

amortecimento do sentimento de sobralidade, chegando ela a conclusão que os forasteiros

invadem não apenas os espaços sociais mas até mesmo os espaços antes reservados aos

sobralenses naturais, ou seja os altos cargos de trabalho. Naquela época, as funções

privilegiadas eram exclusivas de membros das melhores famílias locais. Para a narradora a

modernidade apresenta-se como algo bom, porém ela ressalta a importância maior da

manutenção da tradição e dos costumes. certo, o modernismo é uma beleza, ninguém

pode fugir, ave Maria graças a Deus que as coisas estão se modernizando e é muito bom, mas

se tratando de um prédio histórico eu acho que devia ser conservado”.

Ao falar sobre a manutenção da tradição, a narradora destaca a importância da

preservação dos casarões antigos, dos prédios e mesmo de alguns costumes sociais, que para

ela hoje estão sendo demolidas pela modernidade. Ao falar sobre as residências antigas que

foram destruídas, como a do Craveiro Filho, a narradora aponta para a falta de senso dos

130

herdeiros que segundo ela, “destruíram o casarão e fizeram aquele prédio, onde funciona o

Yazigy, hoje! Era uma casa linda, uma das mais bonitas da cidade!”.

A revitalização das memórias traz, a partir da utilização dos objetos como as

fotografias, sentimentos e emoções que não estão representados no enquadramento feito pelo

fotografo, mas que se encontram submersos nas memórias daqueles a quem estas imagens

estão ligados, nesse sentido, compreendemos a variedade de informações que nos são

oferecidas, pelo trabalho que explora as imagens na reconstituição de saberes históricos.

As lembranças trazidas a tona por Dona Zuleica foram desencadeadas pelo contato

com as imagens do álbum do centenário, seus olhos brilhavam, ao ver ali, fragmentos

fixados de suas experiências pela cidade, sobre cada espaço representado. Havia histórias ou

curiosidades a serem relembradas, contadas e (re)avivadas tanto pelas emoções ativadas,

como pelo encantamento e saudosismo desencadeado por esse contato com parte de sua

trajetória na cidade de Sobral.

Enlaçado em meio a estas reflexões, fomos percorrendo a cidade e seus espaços mais

significativos para os entrevistados, que seja por recordações próprias ou por aquelas que lhes

embalaram a infância, em forma de narrativas sobre a cidade. Narrativas que eram contadas

por suas mães ou avós e que levavam a imaginação a voar solta por entre ruas e praças da

cidade, que entrava nos casarões sem pedir licença e flutuava por entre seus quartos e salas,

ativando a imaginação e fazendo sonhar com as festas que não podiam freqüentar ou mesmo

em quebrar as regras locais, que permitiriam andar livremente por entre as praças e ruas da

cidade, sem preocupar-se com as convenções ou com as normas não estabelecidas, porém

conhecidas por todos, como um pacto silencioso, quando não se usam palavras ou leis, apenas

sentidos sociais.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

131

Praça São João

Paulo José Souza nasceu em Sobral no ano de 1930, na rua da Estação. Como ele

nos conta, sua mãe era dona de casa e seu pai era pedreiro. Era o sexto filho de onze, no meio

dos quais havia apenas três mulheres. Não teve grandes avanços na escola. Afinal, tinha que

trabalhar para ajudar em casa, ou seja, “os filhos home logo que iam ficando durinho ia

aprender o oficio com o pai, a gente tinha que ajudar pra mode botar comida na mesa”,

ficando a escola para depois, quando as coisas ficassem melhores. O pai ensinou a profissão a

todos os filhos, e trabalhavam muito e pesado para poderem sobreviver em meio as agruras de

uma família grande e carente de bens.

Devido a isso Paulo

cresceu com uma idéia, “eu num queria ter uma vida tão dura

quanto a do meu pai! Então quando fiquei rapazinho, pros ano de cinqüenta comecei a

procurar outros trabalho”, iria arranjar uma outra profissão e ter uma vida menos difícil, isso

levou Paulo para Santarém, onde encontrou a oportunidade que a cidade não lhe oferecia,

partiu de Sobral no ano de sessenta e quatro, periodicamente vinha visitar a cidade, os amigos

e a família. O norte não lhe deu a prosperidade que buscava, mas mesmo assim lá casou e teve

um único filho, viveu com uma idéia fixa na cabeça “quando tiver velho e me aposentar, volto

Narrativa de Paulo José Souza,76 anos, comerciante. Entrevista realizada em Setembro de 2009, Sobral .

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132

pra minha cidade”, e assim fez mais ou menos catorze anos voltou para a cidade, sem

mulher e sem o filho que não quiseram acompanhá-lo.

Olha, a gente era menino e brincava na rua mesmo, jogava bola, soltava pião!

Quando a gente ficou rapazinho íamos passear pela cidade. Víamos a corrida de

cavalo (...) O teatro são João funcionava como cinema, e a gente as veze ia pra lá!

era o lugar das famílias, dos brancos e dos pobres! A gente pagava e ficava na

geral! Os brancos sentavam na frente ou nas casinhas, depois as pessoas iam passear

na praça, eu não gostava de ficar lá, porque a gente ficava do outro lado! Depois o

falb botou uma radiadora, e as vezes eu ficava pra ouvir musica!(...) não eu num

lembro de nenhuma musica não, mais lembro que eles butavam mensagem e fazia

reclame também(...)

A praça São João pode ser entendida como o espaço que mostrava os enfrentamentos

das forças sociais. Então devido a esses confrontos silenciosos de forças, nos remetemos a

Foucault

“As forças que se encontram em jogo na história não obedecem nem a uma

destinação, nem a uma mecânica, mas ao acaso da luta”. Era o espaço onde as forças eram

mediadas por ambos os lados. Talvez por isso as lembranças sobre esse espaço sejam mais

fortes e significativas para os depoentes, que apontam em suas narrativas a separação entre as

classes sociais, da mesma forma que abordam as diferenças entre o vestir, e os lugares

reservados a cada um deles.

Ao falar sobre a geral, o lugar destinado aos pobres no teatro, mais tarde no cinema,

seu Paulo aponta para as especificidades de ser jovem em Sobral, sobre o peso que o trabalho

impunha a um jovem que além de passar por dificuldades financeiras, ainda acabava sendo

observador das diferenças sociais que tanto o incomodavam, talvez por isso não gostasse de

freqüentar a Praça.

As narrativas de Paulo nos levam a refletir sobre como se desenvolviam as relações

sociais nesse período, pois o cinema era freqüentado pela elite e pelo povo, com suas

diferenciações e regras de conduta. No entanto, observamos o lado emocional desses

Narrativa de Paulo José Souza,76 anos, comerciante. Entrevista realizada em Setembro de 2009, Sobral .

FOUCAULT, Michel. A microfisica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p.28.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

133

narradores que preferiam aceitar aquelas diferenças como naturais, do que reagir a elas.

Talvez, por isso todos eles, façam coro ao falar que naquela época não havia marginal.

A ausência da violência é outro ponto que permeia as narrativas dos depoentes.

Embalados por suas lembranças, eles não conseguem refletir sobre a existência de malfeitores

na sociedade, construindo um ideal de tempos de ouro, apesar das dificuldades que alguns

enfrentavam.

Ao observar a fotografia da praça São João, seu Paulo

logo questionou a ausência

do Teatro: “por que o teatro não aqui?”, Era o seu ponto de referência, tanto emocional

como narrativo. No espaço cristalizado pela câmera, passam todos pelo Teatro, sendo a praça

apenas um objeto complementar. É curioso perceber como analisa a imagem, procurando

vestígios de suas experiências na mesma, fala detalhadamente sobre os bancos, sobre a

radiadora, mais especialmente sobre os filmes que assistia no teatro.

Eu adorava cinema, assisti os filme do “buc Jones”, “últimos dias de Pompéia”,

ah tinha também os seriados que passavam lá! Todo dia tinha cinema, mais eu ia

às vezes (...) depois abriram um cinema novo, o cine Alvorada, ali bem pertinho da

Igreja do Rosário você sabe onde é? (...) Pois é, então todo o povo branco passou pra

lá, os filme passava primeiro e depois vinha pro são João (...) O povo todo ia pra

assistir lá, mas depois vinha passear aqui na Praça (...) Aqui oh, desse lado que

eles ficavam (...)

As memórias de Paulo refletem seus sentimentos quanto ao espaço, um espaço que

ganha materialidade em suas narrativas ao procurar na imagem, os vestígios de sua vida ali

passados. Lembra detalhadamente os bancos, a posição deles, fala sobre a radiadora e até

sobre os filmes que assistia, aponta para a imagem como se estivesse ali, naquele exato

momento, vivenciando o tempo em que frequentava o cine e sonhava em prosperar na vida.

Por uns instantes parece deslocar-se temporalmente.

Narrativa de Paulo José Souza,76 anos, comerciante. Entrevista realizada em Setembro de 2009, Sobral .

Narrativa de Paulo José Souza,76 anos, comerciante. Entrevista realizada em Setembro de 2009, Sobral .

A baixar cd de santa missao populares de sobral

134

A chegada do Cine Teatro Rangel, uma instituição moderna e com os últimos

lançamentos do cinema, fez com que o cine Teatro São João perdesse parte de seu público,

pois aqueles que detinham melhores condições financeiras foram assistir aos filmes no novo

cinema. A presença desse novo cine modificou a atividade cultural do Teatro, pois os

lançamentos eram exibidos primeiro no Alvorada e depois no São João, onde havia alguns

cortes realizados nas fitas, deixando o seu público em desvantagem.

No entanto, é importante verificar que mesmo com a mudança espacial do “ponto de

encontro das famílias sobralenses”, a praça continuou sendo o espaço comum de

sociabilidades, como nos referencia seu Paulo em sua narrativa que se coaduna com as

afirmações de Dona Zuleica

.

O espaço noturno era no teatro São João, nessa avenida ai em frente. Agente ia para

o cinema, ou mesmo no São João que era cine teatro e quando saia ficava andando

pela avenida, namorando passeando. Era uma beleza, ficava assim de gente . Depois

mesmo quando o cinema ai ficou ruim e inauguraram o cine Teatro Rangel, e vinha

passear ai. Tinham muitos bancos era aprazível, muito gosto, agente sentava nos

bancos e ficava conversando. Era uma beleza. Não vínhamos todas as noites não

porque a gente estudava a noite, e quem não estudava não podia sair toda noite né,

ficava a noite em casa, quem tinha piano ficava tocando piano, ficava em casa lendo,

a maioria das casas tinha roda de calçada, as rodas de calçada era muito boas, ave

Maria.

A importância de não sair todos os dias de casa justificava-se não apenas pelas

obrigações como o estudo, mas também como necessidade de preservar a imagem da mulher

honesta e dócil, que era pregada pela ordem da “Moral e dos Bons Costumes” da cidade.

Enquanto algumas moças ficavam em casa, tocando piano ou mesmo nas rodas de calçada,

algumas não freqüentavam esses espaços de lazer, devido as questões sociais de trabalho ou

mesmo de falta de dinheiro.

O lazer era algo admitido aos finais de semana, quando do trabalho descansavam e

aproveitavam para gastar as parcas economias nas diversões oferecidas pela cidade. As rodas

Narrativa de Zuleica Viana, secretaria. Entrevista realizada em fevereiro de 2010, Sobral.

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135

de calçada eram costume nas ruas de Sobral, onde durante as noites reuniam-se as famílias.

Enquanto os adultos trocavam informações sobre o dia-a-dia e a cidade, as crianças

brincavam livremente pelas ruas. Segundo Antonio Torres

:

No meu tempo todo mundo ficava na calçada, as vezes vinha os amigos de outras

ruas para conversar, e a gente corria solto pelas ruas, era muito bom! Num tinha

violença, então num tinha preocupação de brincar na rua. Hoje em dia você ver

gente na calçada nus bairro e é cedo! No Centro quase num tem mais nem casa,

os prédio (...) Tudo é perigoso hoje, num se confia em ninguém! Também Sobral

cresceu demais, eu nunca acreditei que fosse ficar assim tão grande(...)

As relações construídas com a cidade e com os vizinhos eram símbolo de

tranquilidade e segurança que rodeavam os espaços de Sobral. Enquanto os carros aparecem

como raros e ocasionais, contrastando com as idéias de progresso almejadas pelos

ordenadores da cidade, que buscavam a modernização e as transformações dos costumes de

Sobral.

Nesse período, década de quarenta, emergiam na cidade as várias transformações e

reformas das ruas, principalmente, as ruas do Centro da cidade. As reformas transformavam a

cidade provinciana, numa cidade moderna, com o alargamento das ruas e arborização, além

das modificações realizadas nas praças e espaços sociais, como no caso do Mercado, e da

construção da Praça Coluna da Hora.

A narrativa de João Torres fala sobre as transformações que a cidade sofreu. A

modernidade, tão almejada pelos ordenadores da cidade chegava, mas assustava aqueles que

nunca imaginaram o impacto da transformação. A modernidade talvez não fosse pensada por

todos na cidade, principalmente por homens e mulheres como Antonio Torres, Paulo e Ana

Ferreira. Pessoas simples que viam a cidade como espaço de regras e conflitos pessoais, que

buscavam uma vida mais amena, ou seja, em que não sofressem tantas privações materiais,

ocasionadas pelas poucas oportunidades.

Entrevista realizada com Antonio Torres, 96 anos, carpinteiro Setembro de 2009, Sobral.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

136

Ana Ferreira

, costureira de oitenta e seis anos, nasceu em Tianguá, casara-se aos

dezesseis anos e veio morar em Sobral com o marido. Enquanto o marido trabalhava com

agricultura e outros trabalhos que aparecessem ela costurava pra ajudar nas despesas

domésticas. Apesar de não ter tido filhos, com exceção de uma criança com problemas

mentais que criou, levava uma vida regrada, repleta de dores ocasionadas por perdas, além de

doenças na família. Enquanto era jovem nunca pôde conhecer a cidade como espaço de lazer,

devido a filha pequena e as dificuldades de locomoção, pois a mesma morava do outro lado

do Rio, um bairro que crescia desordenadamente, assim como crescem as ervas. Segundo ela:

Oia, eu nunca fui de sair de casa não! Aqui nunca fui a praça, nunca fui a festa,

nunca fui nada! ia mesmo pra missa, pois missa é obrigação, desde piquena meu

pai dizia tem de ir a missa! Então eu ia muito pra igreja. Aqui, saia mesmo pra

isso, a menina era doente, num podia viver por ai, o marido trabalhava demais, e

num dava pra nada pois tinha muito dispesa com ela, e comigo que depois adoeci,

nunca mais fiquei boa na vida. Minha vida aqui é de infelicidade, meu marido

morreu, eu era nova, tinha quarenta e seis, quarenta e cinco ano, essa menina doente

até hoje! saia mesmo pra trabalho, pra doutor e pra missa(...)As pessoas parece

tinha medo dela, ela é muito nervosa, fica conversando e as vezes grita e sai por

ai andando na rua. Hoje a gente vive aqui nu abrigo, graça a deus nós mora

aqui,porque eu num agüentava mais sofrer tanto na casa sozinha com ela. Num

tenho vontade de sair daqui não, tenho é medo porque vive dizendo que vai fechar e

ai pra onde eu vou?

A narração de dona Ana fala de um sentimento de ausência da cidade, ausência

sentida pelas experiências não vivenciadas na cidade, devido as supresas nem agradáveis da

vida. Seu único contato com a cidade parece reverenciar apenas a igreja, espaço que apreende

como obrigação e não de lazer. Ao ser questionada sobre a praça São João, ou mesmo sobre o

Pallace Club, afirmou:

num existia praça não minha fia, aqui num tinha nada não, tinha mesmo era

sofrimento, sempre quis voltar pra perto da minha família, mais o homem num

queria, dizia que as coisa is melhorar, e só piorava!(...) Esse de palacio ai eu num sei

si existia não, nunca vi dizer dele não(...)

Narrativa de Ana Ferreira, 86 anos, costureira. Entrevista realizada em outubro de 2009, Sobral.

Narrativa de Ana Ferreira, 86 anos, costureira. Entrevista realizada em outubro de 2009, sobral.

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137

O que interessa da narrativa de dona Ana é a tensão entre a ausência de

conhecimento sobre a cidade, apesar de estar inserida morar nela. O que poderia ocasionar

esse silenciamento, ou melhor, esquecimento sobre as transformações que a cidade sofria?

Pois mesmo não tendo um cotidiano de freqüentar os espaços sociais da cidade a mesma vivia

em um bairro movimentado pela vizinhança, com a qual mantinha contatos diários e sabia

noticias sobre o que acontecia em Sobral.

Pensando esse silenciamento da memória de Dona Ana podemos nos remeter a

Ricoeur

, com a discussão sobre “esquecimento e memória”, aqui entendido pelo viés, em

que o narrador inconscientemente prefere esquecer os momentos difíceis da sua trajetória a

reativá-los, através das lembranças atualizadas ao momento presente. No caso de Dona Ana,

a sua vida sofrida e cheia de abnegações faz com que a mesma prefira não falar sobre suas

experiências em Sobral, que a mesma não vivenciava momentos de lazer, ou, como

podemos entender não percebia que estes existissem em seu cotidiano devido as atribulações

da falta de dinheiro e saúde.

A esse propósito, Todorov afirma que "A memória não se opõe absolutamente ao

esquecimento.

Ou seja que ambos interligam-se construindo uma narrativa para presente, a

partir da coletividade. Como podemos perceber durante os capítulos anteriores „a cidade

constrói representações sobre si partindo de uma classe social em particular, a elite, e sobre a

cidade moderna e ausente de problemas sociais, fato que nos leva a pensar sobre os

sentimentos de não pertencimento de Dona Ana a esse espaço social, o qual é representado

pra ela como um espaço de perdas, a perda do marido, e de dificuldades, tanto financeiras

quanto de saúde. Esses fatos podem interferir na suas memórias sobre a cidade, fazendo com

RICCEUR, Paul. A memória, a história e o esquecimento. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2007.

TODOROV, Tzevtan. Os abusos da memória. P.16

138

que não fale sobre elas para não (re)ativar os sentimentos sobre o passado, que ela talvez

prefira esquecer.

Enfim, o grande desafio da utilização das imagens como desencadeadoras da

memória vem a ser transmitir os sentimentos inenarráveis, despertados pelo contato dos

narradores com esses fragmentos do passado, as imagens, afinal, esses contatos propiciam o

desvelamento de sentidos e possibilidades de perceber a cidade a partir da visão de seus

consumidores, independente de que classe social estejam ligados.

3.2. Memórias do centenário: silêncios e fragmentos

As comemorações do centenário de Sobral já foram discutidas nos capítulos

anteriores, em que as fontes pesquisadas, jornais e álbum do centenário nos deixaram cientes

sobre estas, como parte da idealização de uma grupo de intelectuais de Sobral, não deixando

claro a participação da população em geral, a não ser pelos anúncios da festa, assim como

pelas solicitações realizadas pelo Bispo à população sobre como deviam se preparar para as

festividades.

Percebendo a ausência do povo nas notas das festas de comemoração, utilizamos-nos

das memórias dos velhos a identificar como as comemorações das festas do centenário

ficaram marcadas nas memórias dos nossos depoentes.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

139

Durante as visitas e conversas com os narradores, tentamos deixá-los a vontade

quanto suas narrativas, e mesmo com relação ao contato com as imagens, não sentimos tanta

necessidade de intervir nos primeiros momentos, ou seja em relação as memórias

desencadeadas pelas fotografias, pois falavam livremente sobre os espaços, relatando

curiosidades, algumas histórias „pitorescas‟ sobre a cidade e alguns personagens, isso fez com

que os encontros fossem prazerosos para ambos, narradores e entrevistadora.

Apesar dessa receptividade pela pesquisa fomos aos poucos percebendo que o álbum

era objeto desconhecido para a grande maioria, apenas dois recordavam a sua existência. Isso

nos levou a intervir nas narrativas para inferir sobre suas memórias das festas do centenário de

Sobral, e qual o foi a surpresa ao percebermos que não são nítidas as memórias sobre as

festas de comemoração do centenário, em meio a isso surgem questões tais como a confusão

de lembranças entre a festa do centenário e a festa do Núncio apostólico do Bispo Dom

José

, que ocorreu juntamente com as comemorações do centenário da cidade.

Pensando estas imbricações das memórias em relação as festas, recorremos a

Fentress, para entender essa problemática a qual nos leva a percepção de que “na memória,

há sempre uma tendência para a simplificação e esquematização”

, ou seja devido as

festividades terem ocorrido em continuidade, houve na memória uma simplificação das

memórias, que as comemorações ficaram restritas a apenas uma parte da sociedade,

enquanto o encontro dos bispos, ampliou-se o apenas para a população da cidade, mas

também para as cidades vizinhas.

Do aniversário da cidade eu num lembro de nada não, mais a mamãe contava, que

em quarenta teve uma festa muito grande, a festa do Bispo, foi bem ali, na praça São

Francisco(...) não naquele tempo o nome não era esse ai não! Era a praça

avenidinha, construída pelas pessoas da sociedade que moravam ao redor, depois da

festa do Bispo foi que fizeram a construção dessa igreja, a do São Francisco, antes

era uma capelazinha(...) Sim pois é, a mamãe contava que a festa foi linda, que

Narrativa de Raimundo Xerez, 62 anos, comerciante. Entrevista realizada em janeiro de 2010, Sobral.

FENTRESS, Op. cit. p, 48.

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140

tinha muita gente, veio gente de todo canto, que a praça estava cheia, todo mundo

bem alinhado, porque todo mundo veio alinhado! (...) sim, participava todo mundo,

tinha umas cadeiras pras pessoas mais importantes e o resto do povo assistia em pé!

Foi uma festona mesmo, é só você ir lá na Praça que naquela coluna que tem bem no

meio, tem as informações bem direitinho(...) do aniversário de cem anos eu num

lembro de nada não!

O narrador ainda era uma criança no período em que ocorreram ambas as

festividades, porém sua mãe falava sobre as festas ocorridas por ocasião do “núncio

apostólico”, o que na sua memória ficou como uma grande festa, que ela gostava de contar

para seu filho, Xerez, o qual possui uma pós-memória, oriunda das histórias que a sua e

contava sobre a cidade.

A pós-memória pode ser compreendida como a memória dos pais que passa para os

filhos, ou seja “a memória da geração seguinte àquela que sofreu ou protagonizou os

acontecimentos”

, dessa maneira, as memórias de seu Xerez foram transmitidas por sua

mãe, sendo portanto mediadas a partir das experiências de outros, que viveram essas

experiências, e as transmitiram.

A utilização da pós-memória do narrador justifica-se pelo fato de que, mesmo não

tendo vivido experiências narrada, ele as adquiriu. Sua mãe lhe narrou as histórias da cidade,

quando ele era criança, o que despertou nele uma curiosidade sobre as histórias de Sobral, e

até mesmo um orgulho de pertencer a ela. A percepção desse interesse de Xerez sobre a

cidade nos veio a partir da necessidade que, durante as entrevistas, o mesmo tinha de buscar

fotografias antigas, tanto de sua família como de alguns espaços, as quais, acreditamos,

surgiam como testemunhas de suas narrativas.

A fala do personagem nos mostra que as memórias sobre as comemorações do

centenário da cidade ficaram imersas em relação a festa do núncio apostólico. Não existem

fatos na fala do entrevistado que falem sobre nenhum dos eventos comemorativos sobre o

Narrativa de Raimundo Xerez, 62 anos, comerciante. Entrevista realizada em janeiro de 2010, Sobral.

SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva.São Paulo: Companhia das letras;

Belo Horizonte: UFMG, 2007. P.91.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

141

aniversário de Sobral. Ao ser questionado sobre o álbum do centenário”, Xerez

nos fala

que nunca soube da sua existência, e nem lembra de ter ouvido sua mãe falar sobre a

existência do mesmo.

Mamãe contava muitas histórias, ela gostava de contar, porque era professora, era

uma das melhores professoras. Naquele tempo ela ensinava em casa, depois é que as

crianças iam pra escola mesmo. E como professora ela gostava de contar as coisas

da cidade, mais não lembro dela falar nada sobre esse álbum não!

Ele recorre a experiência da mãe como professora, o que nos parece uma forma de dá

autoridade às experiências da sua e, a ausência de narrativas sobre as festas do centenário

ou mesmo sobre o álbum, leva-nos a acreditar que sua importância na cidade foi restrita, ou

talvez tenha ficado „esquecida‟ frente a amplitude que as comemorações do núncio tomaram

na cidade.

Ainda sobre as memórias das comemorações do centenário, Dona Zuleica Viana nos

sinaliza com fragmentos de suas lembranças, no entanto há momentos em que se torna

perceptível a confusão que sua memória faz em relação ao período.

Eu sei que foi uma festa muita bonita, mais não me lembro muito não, eu era menina

tinha uns dez anos! Ouvi falar do álbum mais não vi esse álbum não(...) Quem fez o

álbum foi o Craveiro Filho que era jornalista(...) mais grande mesmo foi a festa de

Encontro dos Bispos, uma festa grande.(...) O prefeito, era o Antenor Ferreira

Gomes, ele era muito bom, foi prefeito em Toda a Ditadura Vargas e fez muita coisa

aqui! Lá na Praça Deputado Francisco Monte, antes era São Francisco, mais antes

era Praça da Independência, Foi que foi feita as festas da visita do ncio, uma

festa muito grande (...)

A fala da narradora apresenta fragmentos de todo o período que corresponde à época

do centenário de Sobral. De forma geral ela fala sobre o poder político, sobre as

comemorações e de suas extensões, no entanto são vazios de informações concretas sobre da

festa, isso é algo corriqueiro quando trabalhamos com a memória, afinal a memória é uma

extensão do corpo humano e como é normal, algumas informações vão sendo diluídas com o

Narrativa de Raimundo Xerez, 62 anos, comerciante. Entrevista realizada em janeiro de 2010, Sobral.

Narrativa de Raimundo Xerez, 62 anos, comerciante. Entrevista realizada em janeiro de 2010, Sobral.

Narrativa de Zuleica Viana, secretaria. Entrevista realizada com em fevereiro de 2010, Sobral.

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142

passar do tempo, e nos levando a refletir sobre a memória fragmentária, ou mesmo acerca de

resquícios de memória.

A narrativa da depoente pode ser entendida como percepção construída a a partir de

saberes pré-estabelecidos do período ou mesmo como esquecimento, afinal esquecer não é

mesmo diferente de não perceber. Contudo, os resquícios de memórias apresentadas nos

apresenta são importantes, pois ajudam a construir perspectivas de entendimento sobre os

fatos narrados, perspectivas que vão além do real, pois distorções ou generalizações sempre

são apresentadas na recomposição do passado narrado. Nesse sentido Fentress afirma que “a

nossa memória exprime a ligação do nosso espírito ao nosso corpo e do nosso corpo com o

mundo social e natural que nos rodeia. No entanto essa continuidade é também fonte de

esquecimento normal”.

Tal como cotidianamente esquecemos coisas importantes, ou não tão significativas, o

processo de (re)memoração, está sujeito ao esquecimento; afinal não somos capazes de captar

e lembrar todos os acontecimentos importantes de nossas vidas, com a riqueza de detalhes

neles contidos. Isso decorre do fato de nossa memória está intimamente relacionada com as

experiências e com os contatos sócios culturais que mantemos com o “evento” a ser lembrado

ou esquecido.

O senhor Paulo, ao falar sobre o período das comemorações, diz não se lembrar de

nenhum dos acontecimentos , nem do centenário, nem da festa do Núncio, chegando mesmo a

afirmar que não foram da sua época.

Eu não lembro da festa, nem da visita desses bispos, acho que nessa época eu era

muito pequeno(...) A gente trabalhava tudo com meu pai, e trabalhamos na

construção da igreja São Francisco, foi muito tempo lá, antes era uma capela

pequenininha, lembro que na época meu irmão sofreu um acidente, lá! A gente fazia

a construção com umas tabua, e amarrava pela cintura, era muito cansativo, porque

ficava segurando a massa até ficar dura, e um dia ele caiu de cima! Foi horrível

teve que dexar de trabalhar(...) nesse tempo chegou um casal de pintor, pra pintar o

FENTRESS. Op. Cit. p.57.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

143

teto da igreja, foi um comentário só, porque a pintora usava caça comprida e mulher

naquele tempo se vestia feito mulher de saia e vistido(...)

A narrativa de seu Paulo mostra uma ausência de memórias sobre as comemorações

da cidade na decada de 1940. Ele chega a falar que era muito criança e não se lembra desse

período das festas. No entanto, a reforma da igreja, por ele narrada com detalhes, aconteceu

logo em seguida às festas. O que ocorre é que o mesmo não reteve nem mesmo lembranças

fragmentares da festa do centenário, nem mesmo da presença do núncio na cidade, o que nos

leva a conclusão de que as comemorações das festas do centenário foram restritas a elite, ou

seja, foram comemorações produzidas por e para uma classe específica, um grupo

privilegiado que fazia parte das comemorações. Ainda nessa perspectiva, deparamo-nos com

a narrativa de seu Antonio Torres, o qual apresenta o mesmo silenciamento sobre esse

período:

Trabalhava com tudo que desse certo, nesse tempo, era tudo difícil e quando tinha

muié e menino pra criar, então eu trabalhei em serraria, na serraria do seu Didi, fui lá

que aprendi o ofiço de carpinteiro, quando sai di fui trabalhar pro Dom José(...)

era um homem muito bom até me deu um emprego no abrigo, trabalhei e ele

disse que si mode eu quisesse podia ficar de vigia, mais ganhava pouco como

vigia, e voltei a trabalhar noutra serraria(...) O Dom José eu conheci, mais num mi

alembro dessa festa não! Hoje em dia é que os prefeito faz festa de aniversário da

cidade, mais anti num tinha não(...)A festa do Dom Jo foi uma festança só, a

cidade todinha foi, Eli tinha a mania de pedir ajuda pros branco pra mode fazer as

coisa que Eli queria na cidade, e nessa festa todos o branco deram dinheiro(....)

Tinha muita gente a cidade tava cheia, só pra essa festa(...)

A presença do Bispo na vida de seu Antonio Torres representa a possibilidade de

trabalhar e viver próximo de uma pessoa que, segundo ele, era um homem bom, que pedia

contribuições aos brancos para a realização das obras que realizava na cidade. Segundo o

depoente não havia festas durante o aniversário da cidade, somente nos dias atuais é que

existem comemorações. Essa afirmação nos leva a refletir sobre as possibilidades levantadas,

a partir das narrativas anteriores, ou seja, as comemorações do aniversário da cidade eram

Narrativa de Paulo José Souza,76 anos, comerciante. Entrevista realizada em Setembro de 2009, Sobral.

Entrevista realizada com Antonio Torres, 96 anos, carpinteiro Setembro de 2009, Sobral.

144

solenidades realizadas para um grupo específico, talvez o grupo responsável por manter e

construir a tradição sobre a cidade.

Esse grupo que desejava uma cidade moderna e, para tanto construiu representações

que divulgavam suas transformações, com o intuito de que essas ganhassem eco pelos jornais

da capital e do país. A tradição divulgada pretendia estabelecer como patrimônio da cidade

um imaginário de progresso e modernização.

O caráter dado a esta comemoração, em especial a do primeiro centenário de Sobral,

foi moldado para ecoar em outras cidades, quiçá no mundo. Afinal, a elite local orgulhava-se

dos seus contatos diretos com a Europa e o sul do país. Entretanto, a memória social pouco

guardou do grande feito pois em diferentes espaços da cidade, não mais se lembram ou não

ouviram falar de tão significativa comemoração.

Compreender as memórias, a partir das imagens reproduzidas no álbum do

centenário, fez-nos refletir sobre a construção narrativa diferenciada que se faz das

experiências com o social. Por isso, devemos levar em consideração a generalização que os

narradores fazem a partir de saberes pré-estabelecidos. Entretanto, é imprescindível a

fragmentação dessa memória, ocasionada pelo esquecimento ou mesmo pela volatilidade dos

contatos com esses acontecimentos, sem olvidar dos diferentes espaços, da multiplicidade dos

diferentes espaços, locais que compõem a paisagem urbana.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

145

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Talvez seja estranho alguém dedicar tanta atenção a um álbum de comemoração de

uma cidade, mais ainda quando esta cidade está a completar seus 237 anos de existência

.

No entanto, para o historiador não é. Sabemos que o historiador tem como uma de suas

escolhas, na profissão, construir temas a serem desvelados, retomados e repensados, a partir

do momento atual, incentivado pelas inquietações do cotidiano, do seu tempo presente.

Pesavento ressalta que o historiador, além do interesse pelo tema pesquisado, deve ter sempre

questões a propor, idéias a construir e, mais que isso, uma diversidade de fontes a serem

exploradas. Quando nos deparamos com o álbum do centenário, fomos tomados por um

momento de encanto, seguido de inquietações.

Persuadida por estas inquietações, envolvi-me na busca de rastros e vestígios das

comemorações do primeiro centenário da cidade. Os jornais apresentavam pequenas notas,

notícias esparsas e alguns vestígios das comemorações e da participação popular. Os órgãos

públicos não detinham mais o arquivo documental sobre o período, o qual seria capaz de nos

proporcionar detalhes ou informações sobre os grupos envolvidos ou sobre os acordos

estabelecidos, entre poder público e iniciativa privada, para a realização das festividades.

Esses descontínuos de fontes e informações, ao invés de nos levarem a um esquecimento da

O primeiro centenário da cidade de Sobral, quando a antiga vila foi elevada a categoria de Cidade, 1841.

Após essa comemoração, o aniversário da cidade passou a ser comemorado na data de elevação da Fazenda

Caiçara a Vila, ou seja no ano de 1773. Data que até hoje é utilizada para as comemorações.

146

temática proposta, nos estimulavam mais e mais a continuar a desvelar esse evento e, mais

que isso, perceber como ele havia ficado marcado no imaginário da cidade.

Partindo desses desafios iniciais e da curiosidade, às vezes „inoportuna‟, da

profissão de historiador, fomos sendo levados e incitados ao trabalho com as imagens, as

quais nos eram próximas, e que agora tornavam-se ainda mais instigantes. Afinal,

inquietava-nos como, na década de quarenta do século passado, as pessoas percebiam a cidade

que se instituía entre os poderes públicos e os ideais ultramontanos da igreja católica. A

compreensão da fixação dessas imagens, que destacavam espaços, e representavam espaços

idealizados, nos motivou a explorar as manifestações de sensibilidades diversificadas, no

complexo xadrez do panorama urbano.

No início do século XX, a produção dos álbuns de vista estava em voga no país, que

além do caráter de representação, estavam, também, acompanhados do sentido de divulgação

das transformações e do progresso, atribuído à cidade. Nesse sentido, imaginamos como

Sobral constituía-se nas representações socialmente produzidas, pela memória de seus

habitantes e na produção da sua historiografia, da mesma maneira como pensamos que

orgulho não sentiam os sobralenses, imbuídos do decantado sentimento de “sobralidade”, ao

se depararem com um álbum de vistas da cidade. Talvez o orgulho e o sentido de

pertencimento foram elevados ao máximo, como expressão das sensibilidades.

Analisar Sobral na década de quarenta, do século passado, tornou-se possível a partir

do trabalho com as imagens reproduzidas no álbum do primeiro centenário, articuladas com

as memórias dos velhos, desencadeadas a partir das fotografias que, aliadas ao jornal Correio

da Semana, que tornaram possível compreender a cidade e os desejos dos ordenadores do

espaço urbano, da mesma forma que perceber como as representações produzidas sobre

Sobral, ficaram marcadas na memória de seus habitantes.

A baixar cd de santa missao populares de sobral

147

As fotografias foram analisadas ao mesmo tem como ativadoras de emoções e, às

vezes, de silenciamento por parte dos depoentes. No entanto, o sentido era de construção e

destruição de espaços e experiências vivenciados. A observação de como a memória social

reconstituía dois espaços e expressava seus sentimentos, contribuiu para a compreensão de

como a cidade era pensada e produzida por grupos isolados e como essas produções eram

absorvidas e experimentadas pela população.

As imagens e a memória, entendidas como fonte nessa pesquisa, foram “adquirindo,

um peso e uma diversidade que levam a identificação do próprio mundo exterior”

, ou seja,

foram elas os guias que nos ajudaram a entender como a cidade era vivenciada pela população

que não estava inserida no meio de seus ordenadores, entendendo dessa maneira como os

espaços representados no álbum eram por eles praticados e pensados.

Assim, o universo dessas representações sofria apropriações e utilizações diversas,

para aqueles que mesmo não sendo instigados a „desejar a cidade‟, construíam suas próprias

histórias e representações sobre a cidade. A interpretação dessas memórias, e às vezes, do

silêncio dos depoentes, nos fizeram revelar a existência de múltiplas cidades, em uma única, o

que não seria perceptível através, apenas dos documentos escritos.

Os trabalhos da memória são (re)elaborações sobre o passado, onde no momento da

evocação são construídos a partir das experiências dos depoentes e dos sentidos por eles

adquiridos com o tempo presente.

O trabalho com o Jornal Correio da Semana nos levou a compreensão de que as

festas de comemoração do Centenário foram organizadas e pensadas, a partir dos desejos de

GUIMARÃES, Cesar. Imagens da memória (entre o legível e o visível), Belo Horizonte:Editora da UFMG,

1997, p.11.

. AMADO, Janaina; Marieta de Moraes (orgs.). Usos e Abusos da história oral. ed.Rio de Janeiro: FGV,

2006.

148

transformação da cidade de um grupo particular, ligado ao poder público e à Igreja católica,

ficando o povo restrito a uma representação mínima, coordenada pela associação dos

trabalhadores do comércio.

A cidade era ordenada e transformada urbanisticamente pela Igreja, fruto das idéias

ultramontanas defendidas e colocadas em prática pelo Bispo Dom José, que contava com o

apoio do poder público. Ressaltamos que a modernidade e o progresso almejado pela igreja

restringiam-se apenas ao ordenamento do espaço urbano, pois o comportamento social era

rigidamente controlado pela igreja, tanto através das colunas do jornal como do discurso

religioso.

As imagens, que compõem o álbum do centenário, nos levaram a compreender que

eram produzidas como representação do progresso e da modernidade da cidade, revelando

espaços que, ao serem fixados e escolhidos pelo organizador do álbum, tinham o intuito de

socializar espaços de tradição na cidade. Sentimento que estava expresso, silenciosamente,

nas ginas do álbum, da mesma forma que o organizador deixa expresso nas palavras finais

do álbum: “que sejam parte importante para os historiadores do futuro”.

Essa mensagem nos leva a perceber o sentido subtendido da sua organização, ou seja,

construir espaços de tradição e história, que viviam a constituir no imaginário da população a

idéia de tradição e memória na cidade. A instituição de espaços de referência contribuíam

para o fortalecimento da idéia de pertencimento ao sentimento de sobralidade,uma estratégia

de controle dos sentimentos e preservação das tradições idealizadas.

Ao utilizarmos as imagens como objetos de memória, fomos aos poucos percebendo

que a população da cidade não guarda sentidos de afetividade com as comemorações do

primeiro centenário, sendo os espaços, pelo álbum fixados, revitalizados através das ligações

afetivas construídas com esses espaços, a partir das experiências vivenciadas pelos depoentes

149

com esses espaços. No entanto, percebemos a existência de outras possibilidades de pensar a

cidade e os espaços que foram representados no imaginário local.

A compreensão de Sobral e da instituição de seu imaginário, acerca da cidade e de

suas tradições, não são perceptíveis apenas com o estudo de um evento, em especial o

centenário, mas possibilitaram perceber que existem várias formas de pensar a cidade. Formas

estas que às vezes não estão impressas em documentos ou jornais, mas que encontram-se

presentes na memória daqueles que são parte constituinte desses espaços.

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