Assinale a alternativa incorreta sobre o letramento como prática social

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Letramentos Acadêmicos: Leitura e Escrita de Gêneros

Acadêmicos No Primeiro Ano do Curso de Letras *

Camila Maria de Araújo - UPE**

Benedito Gomes Bezerra - UPE***

Introdução

O processo de transição de alunos do Ensino Médio

(EM) para a graduação não é uma coisa simples. Trata-se de

dois ambientes de ensino-aprendizagem, porém com práticas

de letramento diversificadas e com diferentes perspectivas em

relação à linguagem. É comum se ouvir sobre as crises dos



*Este trabalho resultou do projeto de Iniciação Científica da primeira

autora, intitulado “Leitura e produção de gêneros acadêmicos no primeiro

ano do curso de licenciatura em letras” (PFA/UPE), vinculado ao projeto de

pesquisa “Letramentos acadêmicos e gêneros textuais: práticas de leitura e

escrita no ensino superior”, coordenado pelo segundo autor e financiado

pelo CNPq, Processo nº. 471957/2010-0. Em sua primeira versão, foi

apresentado no V ECLAE (UFRN, 2011) e publicado nos anais do evento.

**Graduanda em Letras pela Universidade de Pernambuco.

***Doutor em Linguística. Professor Adjunto da Universidade de

Pernambuco; professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da

Universidade Federal de Pernambuco.

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alunos em relação principalmente aos novos gêneros textuais

exigidos no novo ambiente discursivo. O assunto torna-se

ainda mais complexo por se tratar de novas formas de pensar,

interagir, produzir, com novas estratégias para a construção de

conhecimentos, ou seja, é um processo complexo de

aculturação dos estudantes que exigirá um constante trabalho

de interação entre os professores e eles. Esse processo

requererá dos alunos novas posturas, novos modos de adquirir

e expressar conhecimentos, novas atitudes, novas formas de se

expressar enquadradas nos gêneros discursivos próprios desse

ambiente.

Ao relevar essas questões envolvidas na transição dos

alunos do EM para o ensino superior e também a importância

do ensino dos gêneros textuais acadêmicos como veículos

fundamentais à participação competente dos estudantes na

academia, busca-se neste trabalho investigar as práticas de

leitura e produção de gêneros acadêmicos dos alunos do

primeiro ano do curso de Letras da Universidade de

Pernambuco, Campus Garanhuns. O intuito da análise foi

investigar a percepção dos alunos em relação à preparação que

tiveram durante o EM para uma boa interação com os gêneros

acadêmicos, o modo como os professores contribuem para o

processo de letramento acadêmico deles, as dificuldades que os

estudantes recém-chegados à universidade têm em produzir

gêneros acadêmicos, bem como identificar que mudanças há na

configuração desses gêneros quando eles são exigidos por

professores diferentes e em disciplinas diferentes.

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Para alcançar os objetivos propostos, o artigo está

organizado da seguinte forma. Primeiramente, discutimos a

relação entre escrita, gênero textual e letramento. Em seguida,

explicamos por que é necessário falar de letramentos, no plural,

e não de letramento apenas, uma vez que os letramentos são

sempre múltiplos. Em um terceiro momento, tratamos da

origem do termo letramento e, mais importante, dos modelos

básicos de letramento conforme propostos nos Novos Estudos

do Letramento. Em seguida, enfocamos as abordagens

propostas por Lea e Street (1998) para os letramentos no ensino

superior. No tópico seguinte, tratamos da relação necessária

entre gêneros e letramentos acadêmicos, uma vez que estes são

sempre mediados por textos. Segue-se uma discussão sobre o

desafio que encontram os estudantes quando na universidade se

deparam com a necessidade de ler e escrever em gêneros

acadêmicos. O trabalho se completa com a indicação dos

procedimentos metodológicos e com a análise da percepção

dos alunos sobre suas práticas de leitura e escrita na

universidade, via questionários, além da análise dos textos

produzidos pelos estudantes ao longo do primeiro ano da

graduação.

1. Escrita, gênero e letramento(s)

O termo letramento está relacionado basicamente à

forma como qualquer indivíduo se conduz dentro de uma

sociedade através da escrita, ou seja, refere-se aos “usos

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estratégicos da língua escrita” (BAZERMAN, 2007, p. 46). O

autor afirma que a sociedade “se mantém e evolui através de

práticas de letramento” (2007, p. 14), o que aponta para o fato

de que a escrita está presente na quase totalidade das relações

humanas existentes. Entende-se, dessa forma, que todo

indivíduo que participa de qualquer comunidade letrada possui

algum tipo de conhecimento sobre a escrita que possibilita sua

vivência nesse espaço em que atua. O termo letramento é

complexo e infinito “por indicar a orientação e a constituição

de pessoas marcadas pela história, por aspectos sociais,

políticos, econômicos e culturais” (FISCHER, 2008, p. 178),

abrangendo, por um lado, “analfabetos que conseguem viver

num mundo letrado e tecer todas as relações que esse exige, e

por outro, aqueles que sabem escrever e ler, porém não

conseguem interpretar um texto ou compreender o lido”

(ALVERNAZ, 2007, p. 4). Nesse sentido, a aquisição de

habilidades de uso da escrita irá depender das necessidades e

exigências próprias de cada comunidade discursiva. Isso resulta

de uma relação contínua dos participantes com os gêneros

textuais, pois são eles que veiculam toda comunicação verbal,

mesmo que haja um desconhecimento do vem a ser gênero por

parte dos interlocutores.

Segundo Marcuschi (2002, p. 19) “os gêneros textuais

são fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida

cultural e social” e “contribuem para ordenar e estabilizar as

atividades comunicativas do dia a dia”. Parte-se aqui do

“pressuposto básico de que é impossível se comunicar a não ser

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por algum gênero, assim como é impossível se comunicar

verbalmente a não ser por algum texto” (MARCUSCHI, 2002,

p. 22). Sendo assim, pode-se afirmar que há uma relação mútua

entre gêneros e letramento nas diversas situações de

comunicação, pois os gêneros são as ferramentas que os

indivíduos utilizam em sua circulação em dado espaço de

interação e letramento envolve o conhecimento de como usá-

los de maneira eficiente em tal espaço.

De fato, como sugere o enunciado que compõe o título

desta seção, escrita, gêneros e letramento(s) não se excluem,

pois as relações humanas estabelecidas através da escrita dão-

se através de textos, que por sua vez, sempre estão enquadrados

em gêneros, gêneros tais que transitam em dada comunidade

linguística como subsídios para a participação dos indivíduos

nesta comunidade, o que exige a aquisição de habilidades de

escrita por partes desses indivíduos, isto é, letramento(s), ou a

condição letrada para determinados fins. Em suma, a exclusão

da escrita, gênero ou letramento(s) das práticas sociais de uma

comunidade acabaria por inviabilizar qualquer situação de

comunicação entre os indivíduos, e por consequência,

impossibilitaria a circulação ou manifestação desses indivíduos

no meio em que vivem.

2. Letramento ou letramentos?

De acordo com Lea e Street (1998), percebe-se a

necessidade de pluralizar o termo letramento, adotando-se uma

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noção mais complexa e admitindo-se “múltiplos letramentos, e

não um letramento único e universal” (BEZERRA, 2010, p. 4).

Isso se explica simplesmente por existirem múltiplas situações

(umas até consideravelmente mais complexas do que outras)

que envolvem a escrita, situações essas que exigem diferentes

habilidades, logo, diferentes tipos de letramento.

Na perspectiva dos Novos Estudos de Letramento,

definir e explicar o termo não constitui uma tarefa simples,

pois nesse sentido lhe é atribuído um alto grau de

complexidade por envolver todo o contexto histórico de um

indivíduo, o que inclui aspectos sociais, políticos, econômicos

e culturais (FISCHER, 2008, p. 178). Sendo assim, é seguro

afirmar que é absolutamente impossível existir apenas um

conceito de letramento “adequado a todas as pessoas, em todos

os lugares, em qualquer tempo, em qualquer contexto cultural

ou político” (SOARES, 2004 apud RIBEIRO, 2009, p. 24).

Nesses estudos, o letramento é tido prioritariamente como a

representação de um conjunto de práticas sociais pelas quais

um indivíduo é capaz de absorver e adquirir conhecimentos e

habilidades e manifestar suas ações sobre o contexto em que

está inserido. Considerando-se as tantas implicações

contextuais (sociais, políticas, econômicas, culturais) atreladas

à tentativa de definição do termo letramento, é inevitável

concordar em que “não há limite para o letramento, ele é

infinito” (RIBEIRO, 2009, p. 19).

Levando em consideração essa infinitude do letramento

e consequentemente a infinitude das situações que exigem

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letramentos, fica claro que cada situação é única e cada uma

delas exige diversas formas de habilidades com a escrita,

habilidades essas que podem variar em grau de complexidade.

É seguindo esse raciocínio que se pode falar de graus ou níveis

de letramento. Como afirma Ribeiro (2009, p. 19), “pessoas

que lêem Camões e escrevem teses têm um grau de letramento

diferente das pessoas que escrevem um bilhete por ano e lêem

apenas os rótulos das latas no supermercado”. Ainda segundo a

autora, “todos esses graus são importantes, a diferença é que

graus mais elevados podem ampliar as possibilidades de

atuação das pessoas”. Dessa forma, o que leva uma pessoa a

buscar alcançar níveis mais elevados de letramento são as

necessidades que seu campo de atuação exige.

3. Letramento: origem do termo e modelos básicos

O termo letramento surgiu do vocábulo inglês literacy,

que significa a capacidade de saber ler e escrever. No Brasil,

saber ler e escrever significa ser alfabetizado, conceito que se

distancia consideravelmente da perspectiva atual de letramento.

O conceito de alfabetização aproxima-se do modelo autônomo

de letramento, um dos modelos definidos por Street (1984;

2003), em que ler tem o mesmo significado de decodificação

das palavras e escrever significa a capacidade de codificá-las

dentro de uma forma visual: o texto. Esse modelo é

considerado inadequado, pois se considera que apenas

conhecimentos técnicos sobre a escrita são insuficientes para

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que um indivíduo esteja apto a transitar nas mais variadas

situações comunicativas. Conforme Russell et al. (2009) apud

Bezerra (2010, p. 5), “o modelo autônomo concebe o

letramento como uma habilidade descontextualizada e única,

passível de ser transferida de um contexto para outro sem

grandes dificuldades”.

O outro modelo definido por Street (1984) é o modelo

ideológico de letramento. O letramento, na perspectiva

ideológica, cumpre seu papel nas práticas sociais (FISCHER,

2008), e é “influenciado pelas condições locais no que diz

respeito aos aspectos socioeconômicos, históricos, culturais,

políticos e educacionais, de modo que cada comunidade

apresenta diferentes padrões de letramento, bem como seus

membros”, como afirma Oliveira (2010, p. 2). Na perspectiva

ideológica, portanto, o letramento é tido como prática social,

não se limitando apenas à aquisição da tecnologia da escrita,

mas direcionando o indivíduo para o uso da escrita em

situações do cotidiano como cidadão crítico.

Diante dessas diretrizes, é seguro afirmar que adquirir

a habilidade de ler e escrever não é suficiente para uma atuação

efetiva em práticas sociais e cognitivas, como também não é

essencial em algumas situações. Como explicar que alguém

que não sabe ler nem escrever consegue pegar o ônibus correto

para o destino em que quer chegar? Como explicar que uma

pessoa nessa mesma situação consegue fazer a distinção entre

as funções de um jornal e de uma revista, ou de uma bula de

remédios e de uma receita de bolo? Tal pessoa tem

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conhecimentos suficientes para fazer essas distinções que não

precisam ser necessariamente atreladas à leitura e escrita como

decodificação e codificação. Logo, em situações como essas, a

leitura e a escrita não são essenciais. Também, como explicar

que uma pessoa dotada da habilidade de ler e escrever não

consiga produzir um artigo científico, ou ainda, produzir textos

usando o computador (uma vez que, para tal tarefa, é preciso

que essa pessoa conheça as formas de usar o equipamento)?

Como foi dito acima, as diferentes situações exigem diferentes

habilidades. Em se tratando do contexto acadêmico, foco deste

trabalho, a leitura e a escrita, mas não somente elas, são

essenciais para o domínio das práticas desse meio.

4. Três abordagens sobre a escrita no ensino superior

Conforme Fischer (2008, p. 180), “o letramento

característico do meio acadêmico refere-se à fluência em

formas particulares de pensar, ser, fazer, ler e escrever, muitas

das quais são peculiares a esse contexto social”. Essa

concepção de Fischer sobre letramento acadêmico envolve as

três abordagens referentes à escrita do estudante universitário

identificadas por Lea e Street (1998), que são: o modelo das

habilidades de estudo, da socialização acadêmica e dos

letramentos acadêmicos.

Como afirma Bezerra (2010, p. 6), a primeira

abordagem, o modelo das habilidades de estudo, tem sua

atenção voltada para os aspectos técnicos da produção de

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textos, contando com a ideia de que o conhecimento de

estruturas formais e gramaticais garantirá uma produção

satisfatória dos diferentes gêneros acadêmicos. Nessa

abordagem, o histórico anterior de letramento dos estudantes é

desprezado, sendo atribuída a ele a obrigação de desenvolver

tarefas que exigirão novas competências cognitivas de leitura e

escrita, sem contar que o estudante será o total responsável em

caso de insucesso no uso da escrita. A preocupação com a

formalidade na produção dos textos ocupa todo o espaço, não

dando “nenhum destaque para os aspectos sociais envolvidos

no processo de escrita ou mesmo para as peculiaridades da

escrita em cada campo disciplinar.” (Bezerra, 2010, p. 6).

Segundo Kern (apud RAMIRES, 2008, p. 59), “é preciso ter

cuidado para que a análise de gêneros não se reduza a receitas

formais estáticas, ensinadas à maneira prescritiva,

remanescentes do ensino baseado na abordagem tradicional

com ênfase no produto”, ou seja, é preciso não pressupor que

“o mero ensino da organização global comum a um conjunto

de textos pertencentes a um gênero seja suficiente para que o

aluno chegue a um bom texto” (FISCHER, 2007, p. 445). O

foco no modelo autônomo resulta no apagamento do uso dos

gêneros como formas de ação social.

O segundo modelo, o da socialização acadêmica,

pressupõe que o professor é responsável por inserir os alunos

nas práticas (envolvendo os modos de falar, desenvolver

raciocínio, interpretar e fazer uso das práticas de escrita)

acadêmicas. Um olhar focalizado somente neste modelo não é

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recomendável, pois este parte da ideia de que “os gêneros

discursivos acadêmicos são homogêneos e, sendo assim, uma

vez que o aluno aprende as convenções que regulam esses

gêneros, estará habilitado a se engajar nas práticas letradas que

permeiam essa instância” (OLIVEIRA, 2010, p. 6). Esse

modelo limita os estudantes à reprodução de discursos próprios

da universidade, não dando tanta (ou nenhuma) margem para a

possibilidade de um bom desenvolvimento em situações

externas à academia. Oliveira ainda considera que

no tocante à avaliação da leitura e da escrita

dos alunos, o modelo das habilidades e o

modelo da socialização não privilegiam o

desenvolvimento de estratégias de leitura e

de escrita, mas apenas testam o nível de

compreensão atingido por eles em situações

e contextos isolados (provas, trabalhos...)

perpetuando as lacunas e dificuldades nos

níveis cognitivo e metacognitivo (2010, p.

6).

Por último, o modelo dos letramentos acadêmicos. Esse

modelo não se limita a meras questões técnicas (BEZERRA,

2010) de leitura e produção textual, ou à produção de gêneros

discursivos acadêmicos com fins avaliativos, mas concebe o

letramento como prática social numa relação intrínseca entre

indivíduos, habilidades e realidade (contexto, situações de

comunicação, comunidade discursiva). No modelo dos

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letramentos acadêmicos exclui-se a possibilidade de que um

aluno recém-chegado à universidade seja iletrado, pois se

compreende que o meio acadêmico é mais um ambiente

proporcionador de novos letramentos. Na verdade, o aluno que

acabou de entrar na universidade ainda não está familiarizado

com as práticas do novo ambiente, o que não quer dizer de

maneira alguma que ele possua “grau zero” (RIBEIRO, 2009,

p. 18) de letramento.

Entende-se que no ambiente acadêmico todo o currículo

de letramento dos estudantes deve ser levado em consideração,

bem como há uma necessidade de “concentrar-se nos

significados que os alunos, professores e instituição atribuem à

escrita, partindo de questões epistemológicas que envolvem as

relações de poder estabelecidas entre esses sujeitos, no que diz

respeito ao uso dessa modalidade da língua” (OLIVEIRA,

2010, p. 6).

Conforme Lea e Street (1998), “as três abordagens

mencionadas não são vistas como autoexcludentes”. Na

realidade, as habilidades de estudo e a socialização acadêmica

são pressupostas no modelo dos letramentos acadêmicos. O

diferencial está na atenção que o último modelo presta à

questão da “noção de escrita como prática social complexa”

(BEZERRA, 2010, p. 7).

5. Gêneros e letramentos acadêmicos

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Os gêneros, na ótica de pesquisadores como Carolyn

Miller, são formas de ação social e, como tal, “adquirem

significado da situação e do contexto social em que essa

situação se originou” (MILLER, 2009, p. 41). Os gêneros

ocorrem em todas as situações sociais comunicativas e não

podem ser excluídos delas. Logo, onde houver comunicação

verbal, haverá gêneros. Conforme Bazerman, os “gêneros dão

forma às nossas ações e intenções [...] são formas de vida,

modos de ser [...] são os lugares onde o sentido é construído

[...] moldam os pensamentos que formamos e as comunicações

através das quais interagimos” (2011, p. 10, 23). Dessa forma,

fica claro que os gêneros são intrínsecos às relações de

comunicação humana e é absolutamente impossível excluí-los

delas.

Entre os lugares onde ocorrem essas relações de

comunicação humana, o meio acadêmico é um espaço em que

muitas dessas relações são estabelecidas dentro de padrões

específicos, ou seja, os gêneros da universidade são construtos

mais ou menos padronizados (com aspectos estruturais e

conteúdos específicos) disponíveis ao estudante para uma

participação competente nessa esfera de atuação.

Toda comunidade discursiva utiliza gêneros específicos

que possibilitam a circulação das/entre as pessoas pertencentes

a tal comunidade. Por exemplo, no setor administrativo de uma

empresa, requerimentos e ofícios são exemplos de gêneros

característicos do meio. No ambiente acadêmico, locus de

extração de materiais e dados para esta pesquisa, exemplos de

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gêneros utilizados são resumos, resenhas, fichamentos, projetos

de pesquisa e artigos científicos. Essas “modelagens de

gêneros-alvo, ou centrais” (FIGUEIREDO; BONINI, 2006, p.

427), são os enquadres em que os estudantes irão expor

criticamente seus conhecimentos de modo a participarem do

desenvolvimento das atividades no sistema em que atuam.

Os gêneros possibilitam a organização das atividades e

a interação entre professor e aluno (HOFFNAGEL, 2010, p.

275), são caminhos para a familiarização dos alunos com os

novos conhecimentos a serem adquiridos, bem como facilitam

uma postura coerente diante das situações emergentes no meio

acadêmico. Desse modo, o domínio dos gêneros acadêmicos -

não só em suas propriedades formais e prescritivas, mas no

conhecimento das funções, das relações de poder que envolvem

a produção e publicação, do significado, do contexto que os

envolve - é fundamental para a inserção do estudante nas

práticas típicas do espaço acadêmico, bem como nos modos de

pensar e de agir característicos do ambiente. Nessa perspectiva,

espera-se que a leitura e produção dos gêneros acadêmicos

sejam uma forma de “realizar linguisticamente objetivos

específicos em uma situação sócio-histórico-cultural que

transcenda exigências avaliativo-acadêmicas” (FISCHER,

2007, p. 443).

6. A relação entre os alunos recém-chegados à universidade

e os gêneros acadêmicos

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Embora a leitura e produção de gêneros acadêmicos

sejam de grande importância para o progresso do estudante na

universidade, mais importante do que produzir gêneros é

entender como eles funcionam na língua em uso (FISCHER,

2010). Os gêneros são objetos indispensáveis na formação da

identidade dos alunos, porém o que acontece é que na maioria

das vezes estes não são muito bem informados sobre a questão.

O problema do não conhecimento do conceito geral de gêneros

textuais (veículos de toda comunicação verbal), da forma e

função dos gêneros acadêmicos e do conceito de língua como

atividade social por parte dos alunos está presente, de modo

geral, em todas as fontes consultadas para o desenvolvimento

deste trabalho. Ressalte-se que essas fontes também resultam

de pesquisas destinadas a analisar o processo de letramento dos

alunos da universidade.

Ao chegar à universidade, o aluno se depara com um

novo ambiente de conhecimento que é parte da nova

comunidade discursiva na qual se inseriu, onde trilhará um

novo caminho através da interação (o que pode ocorrer

rapidamente ou não) com as práticas discursivas acadêmicas.

No entanto, a pouca (ou nenhuma) familiarização com os

gêneros acadêmicos - o que é bastante natural - gera

dificuldades no processo de adaptação do estudante às práticas

discursivas da universidade. Isso acontece porque os objetivos

do uso da linguagem na esfera escolar são diferentes dos

objetivos da esfera acadêmica. Na primeira, o uso da

linguagem está voltado principalmente para situações internas

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de sala de aula, isto é, a leitura de textos é direcionada para

conhecimentos estruturais da língua e para fins avaliativos. Na

segunda, a proposta é que a leitura e a produção de gêneros

devem se situar na perspectiva da língua como ação social, pela

qual é através do uso real dos gêneros que se dá a produção de

sentidos, conhecimentos e também a participação competente

dentro da comunidade discursiva por parte do aluno.

7. Procedimentos metodológicos

Conforme indicado anteriormente, este trabalho teve

como foco para o seu desenvolvimento o curso de Licenciatura

em Letras da Universidade de Pernambuco (UPE), Campus

Garanhuns, em que foram selecionadas as turmas do 1º. e 2º.

períodos do ano de 2011 como universo para a coleta de dados.

Foram selecionadas 04 disciplinas (Leitura e Produção de

Textos, Filosofia da Educação, Teoria da Literatura I e

Metodologia Científica), dispostas nos dois períodos, para

dentro dessas disciplinas serem recolhidos os textos a serem

analisados.

Para a aquisição das informações complementares e

necessárias à pesquisa, foi aplicado um questionário composto

por 15 perguntas, o qual, para os fins deste trabalho, foi

respondido por 05 alunos do 1º. e 06 do 2º. período, a fim de

descobrir como eles percebem os dois ambientes (Ensino

Médio e academia), como enxergavam o curso de Letras antes

de entrar na universidade, como percebem, hoje, a didática

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utilizada durante a vivência deles no EM e como se relacionam

com as práticas acadêmicas que envolvem os gêneros

científicos, novidades do contexto em que agora atuam.

Também foram feitas duas breves entrevistas, uma com os

alunos do 1º. e outra com os alunos do 2º. período, também

com o intuito de colher informações úteis ao estudo.

Além das informações obtidas através das respostas dos

alunos ao questionário e à entrevista, dentro da disciplina de

Metodologia Científica, foram recolhidos e analisados seis

Projetos de Pesquisa, seis atividades pedagógicas e duas

provas. Na disciplina de Teoria da Literatura I, foram

recolhidas e analisadas cinco provas.

Além de tomar como base as concepções de gênero de

Miller (2009) e Bazerman (2001 e 2007), este trabalho também

se fundamenta nos postulados dos Novos Estudos de

Letramento, especificamente nas concepções de Mary Lea e

Brian Street sobre ensino superior e letramentos acadêmicos.

Segundo esses autores, “a aprendizagem no ensino superior

implica a adaptação a novas formas de saber: novas maneiras

de compreender, interpretar, e organizar o conhecimento”

(1998, p. 157), o que não acontece instantaneamente. Esse

processo vai além do simples contato dos alunos com o

universo acadêmico, pois, como afirma Bezerra (2010, p. 1),

“essas novas maneiras não estão dadas no aparato cognitivo do

aluno”.

8. O letramento acadêmico dos alunos: análise e discussão

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8.1. A perspectiva dos alunos

Como acontece comumente com aqueles que optam

pelo curso de Letras, a simpatia pela literatura foi o que

motivou o ingresso, no curso, da maioria dos alunos que

responderam ao questionário. Pôde-se constatar isso pela

resposta exata à pergunta “por que você optou pelo curso de

Letras?” em que a maioria optou pela alternativa “porque gosto

muito de literatura”. Isso, é claro, não constitui um problema,

mas provavelmente acontece devido à ênfase nos gêneros

literários durante o Ensino Médio.

Em relação aos gêneros que os alunos produziram no

Ensino Médio, o gênero unânime, nas respostas de todos os

alunos, recaiu sobre o termo “redação”, mas alguns também

mencionaram cartas pessoais, cartas de leitor, contos e

resumos, além de contatos com notícias de jornal e receitas.

Segundo as respostas dos alunos, esses gêneros eram

solicitados para fins avaliativos ou para notas adicionais. A

avaliação principal era mesmo a prova. Houve também alguns

alunos que entenderam que o EM tinha como maior objetivo a

preparação para o vestibular. Com relação às leituras propostas,

também no EM, para a maioria dos alunos, sua finalidade era

essencialmente avaliativa (em geral, pediu-se a leitura de

paradidáticos como base para responder a provas). Apenas uma

aluna diz terem sido oferecidos a ela capítulos de livros de

autores diferentes para formar uma boa base teórica em

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determinado assunto. Nenhum dos alunos respondeu que essas

práticas tiveram o propósito de prepará-los para as diversas

situações de uso da língua.

A análise das respostas relacionadas ao EM não foi feita

separadamente entre os dois períodos fonte da pesquisa.

Todavia, com relação ao meio acadêmico, haverá separação na

análise das respostas, pois se considera que entre o primeiro e o

segundo período deve haver uma mudança na forma de

perceber o que acontece no contexto acadêmico.

Os alunos do 1º. período que responderam ao

questionário afirmaram que as leituras propostas na

universidade são “leituras muito difíceis, pois são textos mais

complexos” que, segundo eles, ainda não estão preparados para

compreender. Uma aluna respondeu que essas leituras “são em

geral, boas, mas encontramos dificuldades, já que não fomos (a

turma) preparados no EM”. No que diz respeito à produção

escrita, eles dizem ter bastante dificuldade devido à

complexidade das atividades, por se tratar de atividades

próprias da academia, com as quais eles ainda não tinham tido

contato. Apenas um aluno afirma que eles são “devidamente

preparados e orientados ao produzir os textos”, resposta que

contradiz a de todos os outros, que dizem que nem sempre são

bem orientados ao produzir os textos. A fala de uma aluna

relata fatos pertinentes sobre as atividades propostas:

Oferecem um grau médio (de dificuldade),

mas não somos bem orientados a fazê-lo. O

professor diz apenas como gostaria de

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receber o trabalho. O conhecimento

adquirido (provavelmente sobre a estrutura

dos trabalhos) geralmente vem de fontes

como: internet, ou colegas que já o fizeram.

Quanto à percepção dos alunos sobre as suas próprias

práticas de leitura e escrita na universidade, eles avaliam que

há dificuldades quando solicitados a ler ou escrever em alguns

gêneros, por isso dizem não serem boas essas práticas.

Somente uma aluna diz que suas práticas de leitura e escrita

são “regulares, pois embora tenha dificuldades em

compreender ou produzir certos textos, a tarefa é facilitada

pelas explicações do professor”. Outra aluna relata que “o

professor diz somente como gostaria de receber o trabalho, mas

não diz a função do gênero”. Nenhum aluno disse não haver

problemas quanto a essas práticas. No que diz respeito à

solicitação dos gêneros formais (resenha, resumo, fichamento,

seminário etc.), as respostas dos alunos variam entre

“insuficiente” e “inadequada” a orientação dos professores em

relação à produção desses gêneros. Somente uma aluna diz ser

“adequada” essa orientação.

Segundo a análise das respostas dos alunos ao

questionário, não há uma boa familiarização entre esses alunos

e os gêneros acadêmicos. Uma aluna diz que, “por estar no

início, ainda temos muito para aperfeiçoar”. Em relação ao

ensino dos gêneros, esses alunos dizem, em unanimidade, que

“a orientação de cada gênero varia de professor para

professor”. Um dos alunos, ao marcar mais de uma opção na

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pergunta sobre a familiarização com os gêneros científicos, diz

que “mesmo com o passar do tempo, ainda não fica claro como

produzir alguns gêneros”.

Nas respostas dos alunos à pergunta “na sua opinião,

qual a importância de se compreender bem os gêneros que

circulam na academia?”, pôde-se perceber um

desconhecimento do papel dos gêneros acadêmicos. Eis

algumas respostas:

Para se dar bem não só durante o curso,

mas também passar de forma clara e

objetiva para aqueles que iremos ensinar.

É importante tanto para o desempenho

acadêmico, quanto para o diálogo e

desenvolvimento dentro da academia.

Para obter uma melhor compreensão e

saber diferenciar o gênero do texto que está

sendo lido.

Em uma breve entrevista coletiva com esses alunos do

1º. período, foi possível colher algumas informações

importantes. Segundo um deles, “foram dadas poucas noções

dos tipos de gêneros” na disciplina de Leitura e Produção de

Textos. Essa resposta indica a superficialidade do

conhecimento que os alunos obtiveram sobre gênero e a pouca

ênfase dada aos gêneros nessa disciplina.

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No entanto, os estudantes disseram ter-lhes sido

solicitados, no período, dentre todas as disciplinas, um conto,

um seminário de produção de textos, uma resenha e um

seminário sobre alguns filósofos com resumo impresso do

conteúdo para cada aluno da turma. Portanto, certa diversidade

de gêneros, mas sem a correspondente orientação quanto a suas

peculiaridades.

Quanto às atividades propostas, as de leitura tiveram

predominância em relação às de escrita. Para cobrar essas

atividades de leitura, foram feitas (a pedido dos professores)

rodas de discussão com leituras corridas dos textos e pausas

para serem tiradas as dúvidas. Algumas atividades escritas

foram pedidas para comprovar o conhecimento do que foi lido,

como por exemplo, “exercícios relacionados aos textos”.

Entre a didática do EM e a universidade, eles percebem

que “a universidade exige mais raciocínio” (fala individual de

um dos alunos com que os outros todos concordaram), o que os

força a “interpretar mais sistematicamente”. Também, disse um

deles, “a universidade desperta mais o senso crítico, outros

caminhos de pesquisa”.

Muitas respostas dos alunos do 2º. período foram

similares às dos alunos do 1º., principalmente no que diz

respeito às dificuldades em relação à estrutura dos gêneros

(produção). Os alunos, em sua maioria, optaram pelas

alternativas que sugerem dificuldades tanto na leitura dos

textos, quanto na produção deles, bem como pelas que sugerem

a ausência dos professores no ensino e orientação para uma boa

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produção e leitura dos gêneros. Uma aluna comentou que

“alguns (textos) são complexos, outros não porque os

professores, ou seja, alguns não orientam a leitura” e, quanto a

escrita/produção, a mesma aluna diz que “elas (atividades de

produção textual) oferecem dificuldade, mas depende do

professor que muitas vezes não deixa claro o que e como

devemos fazer”.

Em relação à avaliação que fizeram de suas práticas de

leitura e escrita na universidade, houve respostas variadas,

apresentando algumas contradições nas opiniões de alguns

alunos. Por exemplo, dois alunos que optaram pela alternativa

que diz que “as leituras são muito difíceis, pois são textos mais

complexos e nem sempre somos bem preparados para fazê-

las”, optaram também, na questão seguinte, pela alternativa

que diz que as atividades “oferecem um grau médio de

dificuldade, uma vez que somos devidamente preparados e

orientados ao produzir os textos”. Isso demonstra certa

confusão por parte dos alunos, o que pode se dever ao fato de

que uns professores orientam bem e outros não.

Em se tratando do ensino dos gêneros acadêmicos no

curso de Letras, a maioria dos alunos optou pelas alternativas

que dizem que “a orientação para cada gênero varia de

professor para professor” e que “mesmo com o passar do

tempo ainda não fica claro como produzir alguns gêneros”.

Uma das alunas afirmou que foram solicitados fichamentos nas

disciplinas de Metodologia Científica e Teoria da Literatura I.

Segundo a mesma aluna, cada um desses dois professores

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apresentou peculiaridades distintas em relação à estrutura desse

gênero, especificamente em relação às normas da ABNT, em

que o professor de Metodologia Científica exigia essas normas

ao pé da letra e a professora de Teoria I, apesar de ser rigorosa

em questões técnicas, não exigia fielmente as normas da ABNT

em suas solicitações.

Quanto à percepção deles sobre a importância de se

compreender bem os gêneros científicos, três desses alunos

argumentaram que uma boa compreensão desses gêneros

“facilita para uma boa formação”. Outras respostas foram:

“expressar melhor as ideias”, “aperfeiçoar melhor as ideias”,

“facilitar a seleção de um assunto”, “obtenção de notas”,

“trazer mais formalidade”, “conhecimento mais vasto” e

“utilizá-los dentro dos contextos sociais que estamos

inseridos”.

Nota-se também, nas respostas dos alunos do 2º.

período a falta de uma compreensão adequada sobre o papel

dos gêneros acadêmicos. Uma notável diferença entre os

alunos dos dois períodos é que os alunos do segundo

produziram alguns dos gêneros formais da academia, tais como

“resumo”, “resenha”, “fichamento” e “projeto de pesquisa”. Os

alunos do primeiro produziram, como já foi dito, apenas uma

“resenha” na disciplina de Prática I, em uma única solicitação.

8.2. Aspectos da análise dos trabalhos dos alunos

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Um dos objetivos deste trabalho foi analisar como os

alunos lidam com os gêneros acadêmicos que lhes são

solicitados, no âmbito do curso de graduação. Isso não foi

possível com a turma do 1º. período, pois não foi solicitada a

produção de gêneros científicos, com exceção da “resenha”

solicitada na disciplina de Prática I. Quanto à atividade que

eles produziram na disciplina de Leitura e Produção de Textos,

que consistiu na distribuição de um parágrafo de uma narração

para que os alunos dessem continuidade ao conto, não se trata

de um gênero científico, mas de uma atividade pedagógica ou

“ferramenta pedagógica” (DIONÍSIO; FISCHER, 2011), que

eles entendem como gênero acadêmico.

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Na disciplina de Metodologia Científica, no 2º. período,

foi pedida uma atividade que consistia na escolha de um texto

(qualquer) para formatá-lo de diversas maneiras e na

construção de gráficos fictícios para que os alunos pudessem

aprender a usar as ferramentas computacionais utilizadas para

essa tarefa. Essa atividade foi proposta pelo professor a partir

da NBR 14724 da ABNT. As figuras a seguir foram retiradas

da atividade de uma das alunas que forneceram o material para

análise.

Essa atividade valeu três pontos para somar com a nota

da avaliação final do bimestre. Com base na ideia de que os

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gêneros acadêmicos, bem como as “ferramentas pedagógicas”,

devem contribuir para o processo de letramento dos alunos da

graduação, o que inclui aquisição de conhecimentos

fundamentais para o âmbito acadêmico e produção de gêneros,

é questionável o fato de essa atividade ter contribuído

significativamente para a formação de sujeitos em processo de

letramento acadêmico, uma vez que se concentrou apenas em

regras de formatação.

Em análise de quatro “projetos de pesquisa”, trabalho

solicitado pelo professor dessa mesma disciplina, pôde-se

perceber alguns aspectos relevantes. Nas correções havia

ênfase nas questões técnicas, como colocar a bibliografia em

ordem alfabética, acertar os espaçamentos de acordo com a

ABNT, usar a fonte Times New Roman, o que não é suficiente

para um bom relacionamento com os gêneros. Em relação aos

alunos, pôde-se notar certo desconhecimento do que vem a ser

pesquisa científica. Isso ficou claro na escolha de alguns temas

para os projetos: “A importância do lúdico no processo de

ensino/aprendizagem”, “A leitura possibilita a transformação

social”, temas largos, onde não houve um foco delimitado,

pouco possibilitando uma devida contribuição para possíveis

leitores. Segundo a fala de algumas alunas, não houve

indicação de leitura para o desenvolvimento da disciplina de

Metodologia Científica, apenas indicações para o tema

específico de cada aluno para o desenvolvimento do projeto de

pesquisa solicitado pelo professor.

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Quanto às provas, tanto as de Metodologia Científica

quanto as de Teoria da Literatura I, apresentaram questões mais

para testar o conhecimento dos alunos, não havendo tanta

ênfase sobre a produção de textos. Os enunciados das questões

da prova foram os seguintes:

1. Classifique as rimas do poema transcrito

quanto a extensão, acentuação e

vocabulário. (2,0)

2. Assinale a alternativa incorreta. (1,0)

3. Assinale a alternativa incorreta. (1,0)

4. Defina: (1,0) a) onomatopéia; b)

aliteração; c) logopéia; d) assonância.

5. Qual a diferença estabelecida por

Aristóteles, em seu texto “Poética”, entre o

poeta e o historiador? (1,0)

6. Faça a escansão (contagem de sílabas

poéticas) do seguinte trecho do poema “A

tempestade” de Gonçalves Dias: (1,0).

A prova de Metodologia Científica continha questões

parecidas quanto à exigência:

Relacione a 2a coluna de acordo com a 1a

coluna.

Preencha as lacunas do texto e marque a

alternativa correta.

Considerações finais

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Considerando que os gêneros acadêmicos são de

fundamental importância para a construção da identidade dos

alunos, para a aquisição e expressão de conhecimentos e ideias

e para uma participação competente dentro e fora dos limites

da esfera acadêmica, esperar-se-ia que os professores

universitários, sem exceção, tivessem essa noção concebida

para obter sucesso na relação ensino-aprendizagem.

Entretanto, com base nas análises feitas ao longo deste

trabalho, pode-se conjecturar que os professores envolvidos nas

disciplinas selecionadas para a realização desta pesquisa não

têm o entendimento correto do valor dos gêneros científicos

nem do que eles podem proporcionar aos alunos. Os poucos

gêneros solicitados aos alunos por esses professores tiveram

fins meramente avaliativos, postura característica da educação

básica. Percebe-se também certa falta de entendimento sobre

o propósito e função dos gêneros por parte dos professores,

uma vez que parecem não estimular os alunos a participar, com

suas produções, de eventos de letramento, em que os gêneros

têm um papel ou uma função dentro da universidade. Em

consequência dessa visão dos professores, os alunos recém-

chegados à universidade não travam contato significativo com

esses gêneros, o que pode acarretar a pouca participação dos

alunos no ambiente em que estão inseridos.

A análise dos questionários mostra que os professores

exigem atividades acadêmicas, mas não dão a orientação

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adequada para que os alunos produzam satisfatoriamente essas

atividades, o que faz os alunos consultarem outras fontes como

internet e outros alunos de períodos mais avançados que já

produziram aquelas atividades.

Também se percebe uma falta dos professores em não

informar os alunos sobre a devida importância da compreensão

dos gêneros acadêmicos, uma vez que um dos alunos disse que

é importante essa compreensão para que haja “mais

formalidade”, ou para “facilitar a seleção de um assunto”. Está

bem claro o equívoco sobre essa questão na cabeça dos alunos.

Uma vez que os alunos são leigos ainda no que diz respeito às

práticas acadêmicas, é de grande importância a orientação do

professor quanto a essas práticas. Não se sabe, porém, o quanto

os alunos se esforçam para que essas práticas sejam adquiridas.

Entre o 1º. e o 2º. períodos, pôde-se constatar que as

dificuldades quanto à produção dos textos continuam na vida

acadêmica dos alunos. Esperava-se que no 2º. período os

alunos já estivessem mais aptos na produção dos seus textos,

entretanto os alunos permaneceram com suas queixas e com a

constante pergunta: “como é que o senhor (professor) quer que

a gente faça (os trabalhos)?”

Com relação às práticas de leitura e escrita na

Universidade, existe ainda a “necessidade de um novo olhar,

por parte dos professores da graduação [...] sobre o processo de

letramentos acadêmicos dos estudantes” (BEZERRA, 2010, p.

17).

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