A vitoria da cultura popular açoriana em santa catarina piazzza

A vitoria da cultura popular açoriana em santa catarina piazzza
De 22 a 24 de novembro a cidade de Penha no litoral norte catarinense será o palco das manifestações culturais e folclóricas mais representativas da cultura de base Açoriana do nosso Estado. Às 19h30 de sexta-feira (22/11), no Pavilhão montado na Praça de Eventos de Penha (Av. Nereu Ramos – Centro), inicia-se o 26º Açor, a maior Festa da Cultura Açoriana do Brasil. Durante os três dias o evento mostra o que há de mais autêntico na cultura açoriana, envolvendo o folclore, artesanato, gastronomia e religiosidade. A entrada para a festa é franca.

Neste ano mais de 62 apresentações folclóricas constam na programação da festa. O destaque é uma área com 40 Estandes Culturais apresentando o artesanato regional de influência açoriana dos municípios litorâneos, onde artesões vão produzir ao vivo e comercializar suas peças, além de 18 estandes das Escolas do Município de Porto Belo, que apresentarão os temas desenvolvidos durante o ano letivo de 2019.

Acesse a programação completa do evento no link Programação – 26º AÇOR – Festa Da Cultura Açoriana de Santa Catarina.

No sábado, dia 23, às 10h00, os desfiles etnográficos dos grupos folclóricos que participam do 26º AÇOR e das Delegações representantes dos Municípios presentes no evento acontecerão na Avenida Nereu Ramos, passando em frente ao Prédio da Prefeitura de Penha, no centro da cidade de Penha.

No domingo, às 9h30min, na Igreja de São João Batista, no Bairro Armação de Itapocorói, acontece a esperada Missa com o Encontro das Bandeiras e Foliões do Divino Espírito Santo. Estão confirmadas várias cantorias (folias) e várias bandeiras do Divino Espírito Santo de municípios do nosso Litoral Catarinense. As apresentações folclóricas iniciam às 12 horas do sábado e do domingo no pavilhão do evento.

O AÇOR é uma Festa itinerante e já foi realizado nas cidades de Imaruí, Imbituba, Penha, Içara, Porto Belo, Garopaba, São José, Araquari, Tijucas, São Francisco do Sul, Barra Velha, Laguna, Governador Celso Ramos, Itajaí, Palhoça, Sombrio, Florianópolis, Bombinhas, Itajaí, Palhoça, Porto Belo. A sede do evento é escolhida pelo Conselho Deliberativo do Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC, e o próprio NEA é o realizador do evento.

Para o Coordenador do Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC (NEA), Francisco do Vale Pereira, o AÇOR consolida-se como como um importante evento no contexto turístico e cultura do Estado: “Queremos em breve ter no litoral de Santa Catarina um corredor turístico-cultural com várias festas apresentando as nossas raízes e, principalmente, a cultura popular”. Atualmente o NEA atua em 46 municípios do litoral de Santa Catarina, promovendo palestras, cursos, exposições e desenvolvimento de pesquisas que buscam preservar e divulgar a cultura açoriana, e identidades culturais locais.

O 26º AÇOR é uma promoção da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por meio da Secretaria de Cultura e Arte da UFSC (SeCArte) e da Prefeitura Municipal de Penha com o apoio do Governo Regional dos Açores.

Serviço:

O quê: 26º AÇOR –  Festa da Cultura Açoriana de Santa Catarina
Quando: de 22 a 24 de novembro de 2019
Onde: Praça de Eventos de Penha – Avenida Nereu Ramos, s/n – Centro | Penha/SC
Informações: Núcleo de Estudos Açorianos (NEA) |  | (48) 3721-8605

Promoção:
Universidade Federal de Santa Catarina | Secretaria de Cultura e Arte da UFSC – SeCArte
Prefeitura Municipal de Penha

Realização:
Núcleo de Estudos Açorianos da UFSC (NEA) Conselho Deliberativo do NEA

Departamento de Cultura de Penha

Autor:

Sérgio Luiz Ferreira ¹ ²

( Museu Etnográfico Casa dos Açores - Biguaçu)

Durante o período das Grandes Navegações e da ocupação da América, o Sul do Brasil era um território que não se sabia ao certo a quem pertencia, a Portugal ou à Espanha. Tudo porque o famoso Tratado de Tordesilhas, firmado entre Portugal e Espanha em 1494 e que, hoje sabemos, passaria ao Norte pela Ilha de Marajó e ao Sul pela cidade de Laguna, em Santa Catarina, nunca fora estabelecido de fato. Dessa forma, vamos ver espanhóis e, sobretudo, portugueses tentando avançar o quanto pudessem pelo sertão adentro.
 

 
Até meados do século XVII, poucas foram as tentativas de povoamento do Sul do Brasil. No século XVIII, as divergências entre Portugal e Espanha acerca da soberania sobre as terras da América chegaram ao seu auge, culminando no Tratado de Madrid, de 1750, calcado no princípio do “Uti possidetis”, ou seja, a Coroa que ocupa efetivamente a terra, através de seus súditos, tem direito a ela.

(Arquitetura Açoriana presente no Ribeirão da Ilha - Florianópolis)

A ocupação dos paulistas ou vicentistas, como eram chamados, era muita fraca. Algumas centenas de pessoas espalhavam-se pelo litoral catarinense. Em 1739, a Coroa portuguesa criou a Capitania de Santa Catarina, desmembrando-a de São Paulo. Foi seu primeiro governador, o Brigadeiro José da Silva Paes que, de imediato, começou a construir as fortalezas da Ilha de Santa Catarina (Anhatomirim, Ponta Grossa e Ilha de Ratones). Silva Paes trabalhara nos Açores e sabia das dificuldades que aquela população enfrentava para se manter no arquipélago.


 
Entre 1747 e 1753, embarcaram cerca de 6 mil homens, mulheres e crianças no Porto de Angra, na Ilha Terceira com destino a Santa Catarina. Foram 14 viagens, realizadas por 6 navios diferentes. Cerca de 280 pessoas morreram na travessia.

('Prospecto da Fortaleza de S. Cruz da Ilha Anhatomiri que serve de Registo vista de Leste'. Autor: José Custódio de Sá e Faria, 1760)

A viagem pioneira percorreu 8.000 km e durou 12 dias. Doze pessoas morreram na viagem. Chegaram à baía norte da Ilha de Santa Catarina em 6 de janeiro de 1748 (Dia dos Reis Magos). Ficaram em quarentena (46 dias) em dois navios e desembarcaram em 22 de fevereiro de 1748. O primeiro grupo era de 461 açorianos e açorianas, de um total de quase 6 mil, que chegaram a Santa Catarina entre 1748 e 1754.

(Localização e distancia entre o Arquipélago dos Açores e Santa Catarina)


 
O navio que mais transportou pessoas foi o Nossa Senhora da Conceição e Porto Seguro que embarcou 2.054 açorianos em Angra, na Ilha Terceira, nos anos de 1749, 1750, 1752 e 1753. Em 1756, esse navio, campeão de transporte de açorianos, embarcou 520 pessoas na Ilha da Madeira. Infelizmente, ele naufragou no litoral da Bahia, tendo morrido quase todos os embarcados. Os sobreviventes não vieram para Santa Catarina. Em 1749, 59 madeirenses tinham chegado a Santa Catarina no navio Nossa Senhora das Maravilhas, Santo Antônio e Almas.


 
Portanto, entre os cerca de 6 mil portugueses desembarcados em Santa Catarina nesse período, apenas 59 eram provenientes da Ilha da Madeira, menos de um por cento do total. Os açorianos eram a maioria - quase absoluta - provenientes, sobretudo, das ilhas centrais (Terceira, Graciosa, São Jorge, Pico e Faial). Desse total de 6 mil, cerca de 1.500 foram embarcados para o Rio Grande do Sul.

('Vista da Ilha de Santa Catarina' - Autor: Duché de Farney, 1785)


 
Pelo fato de terem sido transportados de uma parte para outra do mesmo Reino, esses açorianos não se sentiam migrantes. Estavam submetidos às mesmas leis, à mesma língua e à mesma religião da terra de origem. Dessa forma, não se criou uma identidade açoriana diferente de uma identidade catarinense ou brasileira como se dará com outras etnias chegadas depois. De modo geral, no início do século XIX, esses descendentes de açorianos ainda sabiam dizer a ilha de origem de seus avós. No final deste mesmo século, já tinham perdido essa memória. Perguntados sobre a origem de seus antepassados costumavam dizer “são daqui, sempre viveram aqui”.

Esta falta de informação de sua origem incomodava a elite catarinense que, em 1948, realizou o Primeiro Congresso de História Catarinense alusivo aos duzentos anos da migração açoriana. Oswaldo Rodrigues Cabral, na ocasião, escreveu que nossos arquivos estavam “semi-virgens” e que era preciso reunir tudo que fosse de origem açoriana. A ascendência açoriana não estava mais na memória, mas estava nos arquivos e lá se foi buscar a “origem açoriana” desta população. Somente através dos arquivos, foi possível dizer àquela gente, que dizia não ter origem, que era descendente dos açorianos, aqui chegados no século XVIII.

(Memorial da Colonização Açoriana, em São José. Autor Plínio Verani, 2000)

No momento do Primeiro Congresso de História Catarinense, a elite estava preocupada com o “perigo alemão”, células nazistas surgidas em colônias de descendentes germânicos e que não tinha se “integrado à pátria brasileira”. Dizia-se que o descendente de açoriano era exemplo de integração e de assimilação do patriotismo brasileiro. Não lograra progresso material como o alemão, mas tinham caráter e virtudes dignas de um brasileiro. Na sequência do Congresso, estabeleceu-se a Subcomissão Catarinense de Folclore que tentou confirmar esta identificação no habitante do litoral catarinense. No entanto, apesar do objetivo declarado de dizer ao homem do litoral que ele era descendente de açoriano, acabou por não ver esse desejo acontecer. Durante décadas, o “açorianismo” ficou restrito à elite intelectual. Será no final da década de 1980 e início da década 1990 que o açorianismo se tornará um movimento de massa. Será, sobretudo, quando este habitante do litoral verá a especulação imobiliária desalojar seus ranchos de pesca, seus pastos e lugares de colocar roça, que ele precisará de identidade.

( Arquitetura Açoriana presente em Santo Antônio de Lisboa - Florianópolis)


 
A polêmica gerada pela chamada “Farra do Boi” também contribuirá muito para que ele busque no passado a justificativa para esta prática cultural. E aí ele passa a se identificar como açoriano e começa e exigir respeito. Ao ser chamada de bárbara, antiecológica e impiedosa com os animais, esta população quis buscar a razão histórica desta prática. Foi neste momento, que o discurso que a elite fazia desde 1948, foi finalmente ouvido pela maioria dos descendentes de açorianos. É comum se ver entre os praticantes da chamada Farra do Boi camiseta com os dizeres: “respeite a cultura açoriana”, “Tradição de 250 anos não pode acabar”. Hoje, está na ponta da língua de qualquer “farrista” que a Farra do Boi descende da “Tourada à Corda” praticada na Ilha Terceira, nos Açores.

Neste período, se firmará uma política de identidade, desenvolvida, sobretudo, pelo Núcleo de Estudos Açorianos da Universidade Federal de Santa Catarina – NEA, criado em 1984. Foi, a partir de sua reestruturação em 1992, que o NEA se tornou um órgão atuante com Conselho Deliberativo, onde têm assento os representantes da maioria das prefeituras municipais do litoral catarinense. O NEA, mais do que um núcleo de estudos universitários, tornou-se um agente de ação cultural que tem como projeto prioritário o mapeamento da cultura de base açoriana do litoral catarinense. O NEA, através de convênios com todas as prefeituras do litoral catarinense, realiza atividades de capacitação de agentes comunitários, professores e alunos das redes municipais. Articulou um “movimento regional açorianista”, através da formação de agentes locais, da produção de material didático sobre os Açores, como vídeos, cursos e oficinas. Em 1999, foi criada a Casa dos Açores de Santa Catarina para congregar os apaixonados pela cultura açoriana.

( Festa do Divino da IDES que acontece desde 1776)

Dessa forma, aqueles que eram chamados de brasileiros, brasileirinhos ou amarelos passaram a se identificar como açorianos e a ter orgulho de sua origem no Arquipélago dos Açores.


 
Segundo a Lei estadual nº 17.463/2018-SC, 2018 é o Ano dos Açores em Santa Catarina, comemorativo dos 270 anos da presença açoriana em Santa Catarina. Florianópolis e mais vinte municípios do litoral catarinense também publicaram leis municipais, declarando 2018, o Ano dos Açores.

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1 Professor Adjunto da UFSC, Doutor em História Cultural e Presidente da Casa dos Açores de SC.

² Artigo elaborado especialmente para a Irmandade do Divino Espírito Santo – IDES.

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