Cabanagem foi como ficou conhecida a revolta que ocorreu entre 1835-1840 na antiga província do Grão-Pará (não confundir com a Cabanada, que ocorreu em Pernambuco e Alagoas em 1832). Após D. Pedro I abdicar do trono do Brasil, em 07 de abril de 1831, seu filho, Pedro II, sucessor direto, tinha apenas cinco anos e quatro meses de idade, enquanto a Constituição de 1824 determinava que, para assumir o cargo, o imperador precisaria ter pelo menos 21 anos completos. Show Inicia-se, assim, o Período Regencial (1831-1840), marcado por agitações políticas e diversas revoltas motivadas por interesses distintos. A Cabanagem foi uma dessas revoltas regenciais e corresponde a um dos conflitos mais violentos e duradouros do período. A Cabanagem foi uma das maiores revoltas com participação popular da história do Brasil.
O que motivou a Cabanagem?Com o início do Período Regencial, o Brasil encontrava-se em uma situação econômica muito fragilizada e politicamente conturbada. Desde a Revolução Industrial, no século XVIII, os países da Europa passavam por uma série de transformações de ordem política e econômica, e o Brasil, ainda no século XIX, mantinha-se como uma economia extrativista, apesar dos esforços em modernizar o país durante o Império. O Brasil não conseguia manter uma balança econômica favorável, na medida em que importava mais produtos manufaturados do que exportava, aumentando o déficit comercial em suas contas públicas. Elites econômicas locais disputavam entre si um projeto de nação, bem como noções próprias de patriotismo, fazendo com que o grau de descontentamento com o governo central aumentasse cada vez mais. Junto a isso, setores populares (escravos alforriados, indígenas, quilombolas e pobres livres) começam a surgir de forma mais decisiva no cenário político, em reação à situação de miséria em que viviam. A Cabanagem faz parte de uma série de outras revoltas regenciais que, cada qual a seu modo, correspondem a esse turbulento contexto histórico em que o Brasil encontrava-se. Antes mesmo da independência do Brasil, e do Grão-Pará deixar de ser capitania para tornar-se província, em 1821, a administração central, estabelecida no Rio de Janeiro, possuía um certo isolamento de outras regiões, considerando também as dificuldades de comunicação e acesso ao extenso território brasileiro já naquele período. Esse isolamento do Grão-Pará fazia com que, na ocasião, as atenções políticas estivessem mais voltadas para Portugal do que propriamente para o Brasil litorâneo. Nesse contexto, surgem duas forças políticas importantes, pois, a partir de uma delas, emerge-se uma das principais lideranças que deram origem à Cabanagem.
Quando ocorreu, em setembro de 1822, a independência do Brasil, esse embate na província do Grão-Pará entre as forças lusitanas, representando o movimento reacionário, e as forças liberais, cuja maior expressão acabou sendo Batista Campos, estava a todo o vapor. Isso ao ponto de que o reconhecimento oficial da independência na província só se deu em agosto de 1823, após o envio de uma missão militar, chefiada pelo mercenário inglês John Pascoe Grenfell, para debelar os revoltosos e manter o Grão-Pará como parte do então Império do Brasil. A partir de então, instalou-se um Governo Provisório na província do Grão-Pará. Batista Campos — que, após suas pregações e publicações no jornal O Paraense, recebeu o apoio de parte da elite e também de uma grande massa de pessoas pobres que viviam em cabanas à beira dos rios, composta também por indígenas e ex-escravos, os cabanos —, juntamente com as outras lideranças de seu grupo, foi marginalizado da nova administração implantada na província. Essa direção que o Governo Provisório havia tomado provocou uma revolta local com adesão, inclusive, das camadas mais populares, os cabanos, exigindo a participação de suas lideranças. Como forma de conter as agitações, Grenfell, o mesmo mercenário inglês, foi enviado para Belém. Dessa vez, Batista Campos acaba sendo preso, diversos nativos são fuzilados, além de tantos outros prisioneiros torturados. Os cabanos organizam-se e resistem às forças de Grenfell, que deixa o Pará, e também se colocam em oposição às autoridades locais. Batista Campos volta para a capital da província e já se destaca como uma das principais lideranças. O governo central, então, nomeia Machado de Oliveira como presidente da província do Grão-Pará, que passa a ter sua autoridade questionada pelos cabanos. Buscando estabilizar a situação, a Regência Trina Permanente, autoridade central, nomeia um novo governo para substituir Machado de Oliveira, que chega à capital, Belém, em dezembro de 1833, com Bernardo Lobo de Sousa. Inicia-se, assim, uma política repressora contra os agitadores que, ao invés de conter a situação, conseguiu agravá-la. O que se sucede a partir de então é uma série de confrontos, que, no total, teriam deixado mais de 30 mil mortos, além de um agravado quadro de instabilidade política. Batista Campos e outras lideranças também se destacaram, como Clemente Malcher, os Irmãos Vinagre (Francisco Vinagre, Antônio Vinagre e Manoel Vinagre) e Eduardo Angelim. Eduardo Angelim foi uma das lideranças do movimento cabano, além de também ter sido o terceiro e último presidente cabano da província do Grão-Pará.O discurso de transformação institucional (ligado às ideias liberais, à situação de miserabilidade que grande parte das pessoas ali vivia, sobretudo os cabanos, e à crise de credibilidade que o período da Regência sofreu após a abdicação de D. Pedro I) foi o motivo principal para o clima de agitação que marcou uma das revoltas mais violentas e marcantes desse período. Como forma de tentar amenizar as revoltas regenciais, o governo central procurou reformar a Constituição de 1824, de caráter autoritário e centralizado, por meio do Ato Adicional de 1834, prevendo, inclusive, mais autonomia para as províncias. Contudo, durante o período regencial, os conservadores impuseram sua hegemonia, e eram eles que indicavam os presidentes de cada província. Sendo assim, o Ato Adicional não teve forças suficientes para, ao menos, amenizar as sublevações políticas que estavam ocorrendo. Leia também: Cinco curiosidades sobre D. Pedro I Principais líderes da CabanagemUma das figuras centrais responsáveis pelo momento inicial das revoltas na província foi o cônego, jornalista e advogado João Batista Gonçalves Campos, ou apenas Batista Campos, como ficou conhecido. Ele foi o principal mentor intelectual do movimento revoltoso, sobretudo a partir de suas publicações no primeiro periódico da província, O Paraense. Em 1834, Batista Campos faleceu devido a uma infecção provocada, supostamente, por um corte feito enquanto cortava sua própria barba. Outras bibliografias atribuem a sua morte a uma doença contraída enquanto se refugiava, na floresta, da perseguição promovida por Bernardo Lobo de Sousa. Foi presidente da província do Grão-Pará de janeiro a fevereiro de 1835, após um levante, promovido pelos cabanos em Belém, ter dominado toda a cidade e nomeado-o ao cargo. Contudo, após chegar ao poder, Malcher teria traído os cabanos reprimindo o próprio movimento, tramando contra outros líderes e declarando fidelidade ao imperador D. Pedro II, prometendo manter-se no poder até a sua maioridade. Tendo governado poucos dias e sido acusado de traição, foi deposto pelo próprio movimento e executado por uma das lideranças cabanas, Quintiliano Barbosa. Fez parte do primeiro governo cabano como comandante de armas, com o presidente Félix Clemente Malcher. Foi também um dos executores de Bernardo Lobo de Sousa, presidente enviado em 1832 pelo governo central a Belém, com o objetivo de debelar as agitações. Após a deposição de Malcher por ter traído o movimento (inclusive conspirando contra o seu próprio comandante de armas), Francisco Vinagre assume a presidência com o apoio dos revoltosos, tendo permanecido no cargo entre fevereiro e abril de 1835. Contudo, assim como Malcher, Francisco também trai os cabanos colocando-se à disposição da Regência. Temendo os rumos que a revolta poderia tomar no Grão-Pará, o governo central envia Manuel Jorge Rodrigues, que, após conflitos abertos com os cabanos, assume o poder em Belém, colocando fim ao Segundo Governo Cabano, em acordo com o próprio Francisco Vinagre. Natural da província do Ceará, Eduardo Angelim teria chegado no Grão-Pará na década de 1820, e, durante as agitações, lutou ao lado dos Patriotas pela autonomia da província do Grão-Pará ficando ao lado dos cabanos. Foi também o terceiro e último presidente cabano da província do Grão-Pará aos 21 anos de idade, de novembro de 1835 a abril de 1836, após os cabanos retomarem o poder e deporem Manuel Jorge Rodrigues. Uma das poucas lideranças efetivamente cabanas cujo nome ainda sabemos, contudo pouco ainda se sabe sobre a sua vida. Foi ele que executou Félix Clemente Malcher, após este ter perseguido líderes e reprimido o próprio movimento. Saiba mais: Três grandes abolicionistas negros brasileiros Movimento do cabanosOs cabanos, em sua grande maioria, eram formados por indígenas (tapuios, entre outras nações), pobres livres e negros que se revoltavam com a situação de miserabilidade em que viviam somada à crise política que se instalou no Brasil após a abdicação de D. Pedro I. Batista Campos encarnava os ideais liberais no movimento ao prometer o fim da escravidão, maior autonomia da província, a defesa de um regime republicano, entre outras coisas que foram convergindo com as demandas políticas dos cabanos. Enquanto Bernardo Lobo de Sousa assumia a presidência da província em 1833, reprimindo e perseguindo os revoltosos, na capital Belém e nas zonas rurais, os cabanos e lideranças, como Eduardo Angelim, Clemente Malcher, Batista Campos, os irmãos Vinagre, entre outros, preparavam um levante que pudesse depor o governo estabelecido. Do dia 06 para o dia 07 de janeiro de 1835, os cabanos conseguem tomar facilmente a capital e executam Lobo de Sousa juntamente com outras autoridades. A partir de então, formou-se o Primeiro Governo Cabano (1835), com Félix Clemente Malcher como presidente da província e Pedro Vinagre como comandante das armas. Contudo, Malcher passa a ser considerado traidor quando se alinha ao Governo Regencial declarando, inclusive, lealdade ao Império. Francisco Vinagre passava a ganhar a simpatia dos cabanos que se sentiam traídos. Malcher, então, tenta um golpe contra Vinagre, porém malsucedido, sendo deposto e executado. O ex-comandante de armas passa a assumir então o cargo de presidente da província do Grão-Pará, sendo esse o Segundo Governo Cabano (1835). Francisco Vinagre não se mostrou muito diferente de seu antecessor e tentou, inclusive, negociar diretamente com o Governo Regencial, desagradando completamente os cabanos. Mesmo assim, ele se manteve no poder. As elites econômicas da região viam-se cada vez mais preocupadas com a radicalização crescente no movimento. Temendo os caminhos que isso poderia tomar, a Regência envia o marechal Manuel Jorge Rodrigues que, ao chegar em Belém, derrota facilmente as frágeis embarcações utilizadas pelos cabanos, tendo ao seu lado uma esquadra imperial, e torna-se o novo presidente da província em novembro de 1835, negociando a transição com o próprio Francisco Vinagre. As batalhas no interior não cessaram com a chegada do marechal Manuel Jorge Rodrigues, contando com o apoio do comandante naval inglês Taylor. Os cabanos voltaram a organizar-se com o objetivo de retomarem Belém. Tendo como líderes de destaque Antônio Vinagre e Eduardo Angelim, marcharam em direção à capital, conseguiram repelir as forças regenciais ali instaladas, chegaram a proclamar um regime republicano, e Angelim torna-se, então, o presidente do Terceiro Governo Cabano e último, ainda em novembro de 1835. A investida definitiva do Império chegou em Belém em maio de 1836, sob o comando do brigadeiro Francisco José de Sousa Soares de Andréa. Do dia 13 de maio, após enfrentar as resistências que encontrou pelo caminho, ele consegue tomar Belém, e os cabanos, já enfraquecidos, são derrotados e duramente reprimidos. Em agosto do mesmo ano, Eduardo Angelim é preso pelas forças regenciais. Mesmo dispersos e sem muita força, os cabanos continuam lutando até o ano de 1840, quando são eliminados os focos de resistência, colocando fim, assim, ao movimento da Cabanagem. Leia também: Revolta dos Malês: contexto, características, líderes, consequências Consequências e desfecho da CabanagemEstima-se que mais de 30 mil pessoas foram mortas durante os confrontos, o que, na época, representava algo em torno de mais de 30% da população local. Aldeias indígenas inteiras teriam sido dizimadas e desaparecidas. O desfecho do conflito, no ano de 1840, marcava também o fim do período mais crítico de instabilidade do Império, e, com o Golpe da Maioridade, D. Pedro II, aos 14 anos, torna-se o segundo imperador do Brasil. A Cabanagem ainda é um tema pouco trabalhado na história do Brasil, contudo o nível de violência em que a capital da província foi submetida marca fortemente a história e imaginário locais. Curiosidades
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