Como as avaliações externas e internas podem contribuir para aprendizagem?

INTRODUÇÃO

Desde a implantação do Saeb – Sistema de Avaliação da Educação Básica nos anos 90, as avaliações em larga escala tem sido destaque em pesquisas e estudos dos profissionais da educação. Com o surgimento do Ideb em 2007, a qualidade das escolas passou a ser mensurada por indicadores obtidos através dos resultados das avaliações externas no Brasil.

Contudo, o levantamento de informações ocasionado pelas avaliações externas se dá por meios quantitativos e não qualitativos, uma vez que considera a aprendizagem do aluno através da nota obtida no exame. Percebe-se que as políticas públicas estão voltadas para o aluno ideal e não real.

Entende-se que fatores extraescolares, como condição social e a escolaridade dos pais interferem diretamente no rendimento do aluno, em contrapartida, este estudo justifica-se na busca por analisar fatores intraescolares – ações e condições da escola – que impactam nos resultados dos alunos e consequentemente na nota obtida nas avaliações externas. Tem por objetivo geral compreender o efeito-escola no desempenho do aluno e consequentemente no resultado obtido no Ideb, além de listar alguns fatores intraescolares e propor reflexões.

Mediante estes resultados, pensamos nas ações do gestor escolar como mediador entre as informações do Ideb e a transformação necessária na escola, para buscar alcançar a função social e educadora da instituição do ensino e garantindo a qualidade da aprendizagem.

BREVE HISTÓRICO SOBRE AS AVALIAÇÕES EXTERNAS

Discussões sobre avaliação sempre foi um tema relevante para pesquisadores e profissionais da educação. Para Azevedo (2000), referindo-se ao Estado brasileiro, o interesse pela avaliação do setor educacional, já emergia nos anos 30. À partir dos estudos do planejamento educacional desde então, os debates sobre a avaliação externa se intensificaram em meados dos anos 90. Com a implantação do Saeb – Sistema de Avaliação da Educação Básica, a avaliação em larga escala foi se consolidando, apoiada em resultados da aprendizagem por índices quantitativos.

Muitos são os fatores que justificaram a criação de um sistema de avaliação da educação. Para Freitas (2005, p. 07), “(...) essas práticas foram tidas como necessárias porque se prestariam a conferir e verificar resultados frente a objetivos da educação nacional (...)”. Ainda para este autor, o sistema seria responsável por aferir e diagnosticar a realidade, para então propor “indicações e sugestões” para a administração escolar, além de criar uma cultura avaliativa no país.

Em 2005, foi introduzida a ANRESC – Avaliação Nacional do Rendimento Escolar, amplamente divulgada como Prova Brasil, para avaliar o desempenho em Língua Portuguesa e em Matemática das escolas da rede pública. O objetivo de fornecer dados referentes ao sistema educativo para os gestores e profissionais da educação, tal como para toda a comunidade escolar, é tido como principal justificativa nos documentos de criação das avaliações externas (BRASIL, 1994). O monitoramento da qualidade da educação embasado na combinação dos resultados obtidos nos exames Saeb e Prova Brasil levaram a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – Ideb, criado em 2007, permitindo ao governo traçar metas de qualidade para o sistema educativo e rankear as instituições de ensino em uma escala de zero a dez. (INEP, 2015)

Entretanto, os resultados insatisfatórios das avaliações, evidenciam uma ineficácia do sistema avaliativo brasileiro, uma vez que o levantamento se dá por meios quantitativos em testes padronizados que desconsideram a individualidade do processo de ensino e aprendizagem. Segundo Coelho (2008, p. 231) “é necessário considerar criticamente que a educação pode estar sendo transformada em uma possibilidade de consumo individual, variando segundo o mérito e a capacidade dos consumidores, o que pode acabar por lhe negar a condição de direito social”.

OS FATORES INTRAESCOLARES NO DESEMPENHO DO ALUNO

Compreendemos que é necessário refletir sobre os contextos sociais onde a escola está inserida, assim como as demais variáveis do processo educativo, que por sua vez, desencadeiam os resultados da escola, interferindo no seu índice de qualidade no Ideb. Mas o que entende-se por qualidade? Dourado (2007, p. 09) define a qualidade da educação como “um fenômeno complexo, abrangente e que envolve múltiplas dimensões”. Ainda pensando no conceito de qualidade, Soares é mais preciso na definição e diz que

(...) a escola de qualidade é aquela que tem como valor fundamental a garantia dos direitos de aprendizagem de seus alunos, dispõe de infraestrutura necessária, ensina o que é relevante e pertinente através de processos eficazes e utiliza os recursos disponíveis, sem desperdícios. Seus professores e funcionários e os pais dos alunos estão satisfeitos e os alunos mostram, através de formas objetivas que aprenderam o que deles se esperava. (SOARES, 2012, p. 83)

Visto que para Soares, a infraestrutura da escola, as ações pedagógicas e a satisfação da comunidade escolar são fatores determinantes da qualidade na instituição de ensino, faz-se necessária uma análise das dimensões intraescolares da escola, ou seja, os fatores internos que incidem diretamente no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que estes podem alavancar os indicadores de qualidade ou fazerem os mesmos despencarem nas estatísticas.

Os fatores intraescolares tem sido objeto de estudos sobre eficácia escolar. O conceito de efeito-escola é usado para caracterizar o quanto as políticas internas e práticas pedagógicas interferem no aprendizado do aluno (Brooke & Soares, 2008).

Para Soares, Sátyro e Mambrini (2000), uma escola se configura eficaz quando garante a efetiva eficácia do seu ensino, refletindo positivamente no desempenho escolar. Neste mesmo estudo, os autores apontam que em uma escola eficaz os professores são qualificados e consideram que o aprendizado do professor está diretamente ligado ao aprendizado dos alunos.

Contudo, há escolas onde o fracasso escolar é evidenciado a cada divulgação do Ideb. As metas governamentais não são alcançadas e a evasão escolar é grande. Partindo do conceito de efeito-escola, é possível listar em alguns estudos os fatores que impactam nos resultados das avaliações externas. Para Collares (1989) “dentre os fatores intraescolares são salientados o currículo, os programas, o trabalho desenvolvido pelos professores e especialistas, e as avaliações do desempenho dos alunos”.

O currículo não deve limitar-se a uma grade de disciplinas ou apenas um programa de curso. Segundo Barros, Fontenele e Nunes (2012), “o currículo (...) deveria contribuir para que a escola cumpra seu papel de emancipar e munir o indivíduo de subsídios para que o mesmo se torne capaz de refletir acerca de sua realidade, bem como agir sobre ela de forma à modificá-la”. Portanto, o currículo deve cumprir ação libertadora, colaborando para a formação de um cidadão ativo e interativo dentro do seu contexto.

Outro fator intraescolar que corrobora para o baixo desempenho está relacionado a pratica docente, onde discussões mostram que a formação de professores ainda não contempla a realidade das escolas. 

Em relação à formação inicial, os cursos de formação têm demonstrado que, ao desenvolverem um currículo formal com conteúdos e atividades de estágio distanciados da realidade das escolas, pouco tem contribuído para gestar uma nova identidade do profissional docente. No que se refere à formação contínua, a prática mais frequente tem sido a de realizar cursos de suplência e/ou atualização dos conteúdos de ensino. Esses programas têm se mostrado pouco eficientes para alterar a prática docente, e, consequentemente, as situações de fracasso escolar, por não tomarem a prática docente e pedagógica escolar nos seus contextos. (PIMENTA, 1999)

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Portanto, para uma prática pedagógica eficaz, é necessário que ela contemple a realidade do aluno, assim como o contexto social onde ele está inserido. Percebe-se que a formação de professores não acompanha os interesses dos alunos atuais, que de fato, estão à frente do seu tempo, tornando as aulas desinteressantes, abrindo concorrência desleal para situações não acadêmicas, contribuindo para a evasão escolar.

Para além da prática docente, o aluno ainda é submetido às avaliações de desempenho. Romão (2002), afirma que “a avaliação tem sido mais frequentemente usada como instrumento da meritocracia, da discriminação e, no limite, da exclusão”. Assim, assume posição de julgamento sobre o desempenho humano. Neste caso, a avaliação contribui para a estereotipagem, tanto do aluno quanto da instituição. A Prova Brasil, por exemplo, avalia os conhecimentos em português e matemática, não levando em consideração que o conhecimento não se limita a estas disciplinas. Percebe-se que as avaliações externas no Brasil, não contemplam o conhecimento prévio do aluno nem a especificidade do processo de aprendizagem, o que corrobora para resultados insatisfatórios de testes padronizados.

Frente a isso, o gestor escolar, enquanto líder da equipe pedagógica tem papel fundamental neste processo, ao atuar sobre os fatores intraescolares, visando à diminuição do impacto negativo sobre os alunos. Paro (2000), definiu a gestão escolar como “utilização racional dos recursos para a realização de fins”. Nesta perspectiva, o gestor deve utilizar todos os recursos disponíveis para capacitar sua equipe e deve manter claros os objetivos educacionais que se pretende atingir.

Cabe ao gestor, saber utilizar os resultados das avaliações. Para Machado (2012), “Usar os resultados das avaliações é colocar os dados obtidos no alicerce da construção de novas oportunidades de ensinar todos os alunos”. A análise e o estudo dos resultados obtidos pela escola fazem a diferença no papel educador da escola.

Portanto, o gestor nas reuniões pedagógicas deve propiciar o levantamento de questões relacionadas ao desempenho dos alunos mediante as avaliações externas, mas não deve limitar a reflexão apenas na avaliação. Os efeitos-escola devem ser discutidos, trabalhados e repensados em conjunto, tarefa essencial da gestão democrática, entendida como a participação de toda a comunidade escolar nas decisões que permeiam o cotidiano da escola. (PARO, 2008)

Efetivar as funções da gestão escolar, de direção e coordenação, significa evidenciar elementos da realidade escolar e socializá-los com os profissionais da escola para edificar o trabalho coletivo na direção da concretização de uma escola pública democrática que, além de ser para todos, também ensina a todos. Nesse sentido, assertividade e clareza na definição da escola que queremos e no ser humano que vislumbramos formar devem ser a essência da atuação da gestão escolar e o horizonte da sua organização. (MACHADO, 2012, p. 79)

Sobre o trabalho do gestor, entende-se que compreender os resultados das avaliações externas está para além de vê-los como um fim em si mesmos, mas como ponto de partida para a tomada de decisões referente às práticas pedagógicas e a transformação social da escola, cumprindo com seu compromisso educativo e edificante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Avaliar é ato fundamental para o processo de ensino e aprendizagem, mas a avaliação não se limita a conceder notas, deve ser um trabalho contínuo, progressista e circular, onde se entende que o aluno não se desenvolve linearmente, mas constrói suas potencialidades para além do quantitativo.

Visto que o aluno é afetado diretamente pelos efeitos extra e intraescolares, os resultados do Ibed não refletem o que há por trás da nota. Sendo esta análise dos resultados, responsabilidade do gestor e sua equipe, salvaguardando o aluno da estereotipagem e do olhar julgador. É fundamental que o gestor não tenha apenas um olhar macroanalítico dos resultados, mas também olhe para o micro, ou seja, para o que pode ser feito dentro da sala de aula, das paredes da escola.

É de suma importância que o gestor, juntamente com a equipe escolar, garanta no projeto político pedagógico, um currículo que contemple a realidade do aluno, tornando mais significativo o ensino. Deve ser garantida também a participação integral de toda comunidade escolar nas decisões sobre a escola, exercendo o papel democrático da gestão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, J. M. L. O Estado, a política educacional e a regulação do setor educação no Brasil: uma abordagem histórica. In: FERREIRA, N. S. C.; AGUIAR, M. A. S. (Org.). Gestão da educação: impasses, perspectivas e compromissos. São Paulo: Cortez, 2000.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Cria o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica. Portaria n. 1.795, de 27 de dezembro de 1994. Diário Oficial da União, Brasília, 28 dez. 1994. Seção 1, n. 246, p.20.767-20.768.

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. . O que é o Ideb: Ideb. 2015. Disponível em: . Acesso em: 18 nov. 2018.

BROOKE, N.; SOARES, J. F. Pesquisa em eficiência escolar: origem e trajetórias. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.

COELHO, Maria Inês de Matos. Vinte anos de avaliação da educação básica no Brasil: aprendizagens e desafios. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, n. 59, p. 229-258, abr.-jun./2008.

Collares, C. A. (1989). Ajudando a desmistificar o fracasso escolar. Em Toda criança é capaz de aprender? (Série Ideias, Vol. 6, pp. 24-28). São Paulo: FDE.

DOURADO, L.F. Políticas e gestão da educação básica no Brasil: limites e perspectivas. Educação & Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100, 2007.

FREITAS, D. N. T. A avaliação da educação básica no Brasil: dimensão normativa, pedagógica e educativa In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 28., 2005, Caxambu . Anais... Caxambu, MG: ANPED, 2005.

MACHADO, Cristiane. Avaliação Externa e Gestão Escolar: reflexões sobre o uso dos resultados. Revista @mbienteeducação, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 70-82, jan./jun. 2012.

PARO, V. H. Administração escolar: introdução crítica. 9.ed. São Paulo: Cortez, 2000.

PARO, V. H. Gestão democrática da escola pública. 3.ed. São Paulo: Ática, 2008.

PIMENTA, S.G. Formação de professores: saberes da docência e identidade do professor. In: PIMENTA, S.G. (Org). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 1999.

ROMÃO, J.E. Avaliação: exclusão ou inclusão? EccoS Rev.Cient. 2002;1(4):43-59

SOARES, José Francisco. Qualidade da Educação: qualidade de escolas. In: VIANA, Fabiana Silva et al. A Qualidade da Escola Pública no Brasil. Belo Horizonte: Mazza, 2012. P. 75-96

Soares, J. F., Sátyro, N. G. D. & Mambrini, J. (2000). Modelo explicativo do desempenho escolar dos alunos e análise dos fatores do SAEB - 1997. Universidade Federal de Minas Gerais: Instituto de ciências exatas.

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Por Cecília Gonçalves e Willian Pereira
Graduandos em Pedagogia pelo Centro Universitário Una de Bom Despacho - MG 

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Qual a importância das avaliações externas no processo de ensino e de aprendizagem em nosso país?

Além de permitir verificar o cumprimento do direito à aprendizagem, as avaliações externas possibilitam às secretarias e escolas traçar um diagnóstico de suas redes e desenvolver estratégias para o enfrentamento dos problemas que estejam afetando o desempenho dos estudantes.

Em que fatores internos e externos da aprendizagem influenciam a aprendizagem?

Entre eles, destacam-se aspectos ambientais, econômicos, sociais, afetivos, psicológicos, emocionais e familiares. Fatores como condições habitacionais, sanitárias, de higiene e de nutrição também são considerados determinantes para a aprendizagem do aluno na escola e fora dela.

Como utilizar as avaliações externas para melhorar a aprendizagem?

Além de permitir verificar o cumprimento do direito à aprendiza- gem, as avaliações externas possibilitam às secretarias e escolas traçar um diagnóstico de suas redes e desenvolver estratégias para o enfrentamento dos problemas que estejam afetando o desempenho dos estudantes.

Qual é a principal função das avaliações externas?

Elas ajudam os gestores educacionais a identificar os pontos fortes e fracos de diferentes áreas da Educação, permitindo que se veja onde se está e aonde se quer chegar. O que nos leva a um segundo ponto a ser considerado quando falamos sobre as avaliações: o contexto.