No Brasil, existe uma variedade de culturas, festas e comidas típicas, diferentes etnias e um jeito específico de falar em cada região ou grupo de pessoas, com gírias e sotaques específicos. Apesar da diversidade cultural e linguística estar por toda parte no nosso país, existe um tipo de discriminação social que ridiculariza quem se comunica sem utilizar a norma culta da Língua Portuguesa. É o que chamamos de preconceito linguístico. Show Entender este tema é fundamental se você está se preparando para o Enem e o vestibular, porque aborda questões sociais importantes que podem cair em perguntas ou até mesmo na redação. Neste artigo, vamos explicar o que é o preconceito linguístico e suas características. Quer saber mais sobre o tema? Então, continue a leitura e confira! O que é preconceito linguístico?Entende-se por preconceito linguístico o ato de discriminar um indivíduo pela forma como ele se comunica, sendo que o parâmetro utilizado geralmente é a norma culta. Quanto mais distante dela, mais criticada e ridicularizada é a pessoa. É muito comum ver esse tipo de preconceito aplicado às classes sociais mais baixas, que geralmente são pessoas com menor acesso à educação formal, sendo que algumas delas sequer tiveram a oportunidade de serem alfabetizadas. Isso acontece porque muitas famílias pobres precisam que suas crianças e jovens trabalhem ao invés de ir para a escola para que haja comida em suas casas. Ou então, porque o acesso que recebem à educação e à literatura é deficiente. No livro “Preconceito Linguístico: o que é, como se faz”, o professor, linguista e filólogo Marcos Bagno destaca esse padrão imposto pela elite econômica e intelectual, que classifica como um erro o modo de falar da classe mais pobre que não teve o mesmo acesso à língua culta. A ponta do icebergVocê já deve ter ouvido muitos estudantes falarem como acham difícil aprender as regras da Língua Portuguesa. No entanto, a gramática normativa que aprendemos nas aulas de Português não é a única forma que usamos para nos comunicar. Ela é só a ponta de um grande iceberg, sendo que a maior parte dele, a que fica nas profundezas, engloba toda uma variedade de sotaques, gírias e diferentes tipos de linguagem. Claro que existem momentos em que o uso da norma culta é essencial, como na redação do Enem, mas na maior parte do tempo usamos a linguagem coloquial para nos comunicar. Acontece que cada grupo de pessoas tem um jeito seu de fazer isso. A variedade linguística se espalha por diferentes classes sociais, regiões e culturas. Isso não significa que algum desses grupos fala de maneira errada. Causas do preconceito linguísticoSegundo Bagno, a causa fundamental do preconceito linguístico é a utilização da língua por parte das elites econômicas, políticas e intelectuais como forma de dominação para oprimir a classe mais pobre e manter a segregação social, ou seja, é uma ferramenta de exclusão. Isso significa que quem não domina o uso normativo da língua dificilmente atingirá as melhores vagas no mercado de trabalho ou chegará até essas elites. Por outro lado, aqueles que já nascem dentro deste núcleo terão acesso aos melhores cargos e aos melhores salários. É a manutenção de um status quo. Vendo mais a fundo, tudo isso está relacionado a uma série de outros preconceitos, como o socioeconômico. As pessoas pertencentes às classes mais pobres, que geralmente têm menos acesso à educação e dominam apenas a linguagem mais informal e de menor prestígio, acabam sendo excluídas dos melhores postos no mercado profissional. Cria-se, assim, um ciclo no qual o pai pobre dificilmente dará as condições necessárias para que seu filho tenha oportunidades melhores que as dele. O preconceito regional também tem influência da língua. Engloba a discriminação que ocorre com aquelas pessoas que moram fora das regiões mais desenvolvidas do país. É muito comum vermos a discriminação com nordestinos, por exemplo, que chegam até São Paulo em busca de melhores oportunidades e acabam sendo excluídos por não se encaixarem no que é considerado culto pela elite. Tem ainda o preconceito cultural, que se traduz na aversão da elite à cultura apreciada pela massa, por exemplo, como acontece com gêneros musicais como rap, funk e sertanejo. A diversidade de opções culturais, que deveria ser uma preciosidade do nosso país por ser tão rica, acaba sendo discriminada por aqueles que se consideram mais inteligentes e afortunados. Como combater o preconceito linguísticoO primeiro passo para acabar com o preconceito linguístico é entender que não existe certo ou errado na forma de se comunicar. Não é porque uma pessoa não domina a norma padrão de uma língua que ela é rudimentar, incapaz ou com menos cultura ou conhecimento que outra. Agora você já sabe o que é preconceito linguístico e suas principais características. Para ficar por dentro de outros assuntos sobre Enem e vestibular, acesse o Blog do Hexag Medicina e confira nossos artigos!
Laudicéia Santana de Andrade da Silva Mestranda do Mestrado Profissional em Letras (UERJ/FFP), professora de Língua Portuguesa e Inglesa da rede estadual de ensino IntroduçãoUma análise superficial do termo preconceito linguístico sugere que sua origem pode ter acontecido no uso da própria língua, ou seja, a partir da interação verbal entre um escritor/falante com um leitor/ouvinte. Historicamente, até o período do Iluminismo, o conceito de preconceito não carregava a conotação negativa que sugere nos dias de hoje. Mariani, ao citar Gadamer, declara que “preconceito significa um julgamento que é formulado antes que todos os elementos que determinam uma situação tenham sido examinados” (Mariani, 2008, p. 29). Desse modo, esse conceito não era associado a um falso julgamento, mas sim a um julgamento infundado, ou seja, a um conceito antecipado, sem reflexão prévia. Na perspectiva iluminista, para que um julgamento fosse reconhecido como tal, era necessário “ter havido uma base, uma justificativa metodológica” (Mariani, 2008, p. 29). Os teóricos iluministas classificavam o preconceito em dois tipos: o primeiro referia-se ao equívoco cometido devido à autoridade humana; o segundo relaciona-se ao excesso de pressa. Tal diferenciação sugere as formas como o preconceito pode se originar nos indivíduos. O preconceito gerado devido à autoridade relaciona-se ao fato de o agente ou indivíduo investido de poder impor ao outro suas próprias razões e fundamentos, exercendo, assim, poder simbólico sobre o outro. Já o gerado pelo excesso de pressa é causado pelo uso apenas da própria razão na avaliação/julgamento de algum preceito. Sendo assim, é possível afirmar que o preconceito surge da interação humana. Essa afirmação também é válida para o preconceito linguístico. Na interação, o indivíduo avalia a desempenho do outro de acordo com os critérios estabelecidos pelas diferentes instâncias sociais e relações de poder. Com relação ao preconceito linguístico, há a confluência das duas classificações dos critérios apresentados pelos iluministas: a causada pela autoridade humana e a originada devido ao excesso de pressa. Na verdade, grande parte do preconceito linguístico é motivada pela falta de reflexão. Na próxima seção, apresentaremos a análise de Bagno (2007), que apresenta os principais mitos que fomentam o preconceito linguístico. Todos os mitos relacionam-se entre si e, como já citado, são causados pela falta de conhecimento acerca dos fenômenos da língua em uso que manifestam a multiplicidade e riqueza da língua. Mitos geradores do preconceito linguísticoExistem inúmeros mitos que contribuem para o surgimento do preconceito linguístico. Um dos principais já foi abordado: considerar que a língua equivale exatamente à gramática normativa. Outras crenças subjazem a esse mito. Para apresentá-los, utilizaremos a sequência mitológica proposta por Bagno (2007, p. 13) em seu livro Preconceito linguístico. Segundo ele, “o preconceito linguístico fica bastante claro numa série de afirmações que já fazem parte da imagem (negativa) que o brasileiro tem de si mesmo e da língua falada por aqui”. Tais declarações reforçam o sentimento de estranhamento do indivíduo contra a própria língua e, às vezes, contra si mesmo. O pesquisador enumera oito declarações que já se tornaram lugar-comum quando o assunto é o estudo da língua. O primeiro mito se encontra na declaração “a língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”. O mito da unidade não passa de uma falácia, já que, além das diferenças encontradas nas variantes geográficas, existem também as diferenças ocasionadas pelos diferentes tipos de registros, graus de formalidade e níveis socioeconômicos. Sendo assim, apesar de a língua portuguesa ser falada ao longo do imenso território brasileiro e, por esse motivo, ser considerada um a língua que possui unidade, o idioma, ao mesmo tempo, possui formas diversas. Logo, é possível afirmar que o português possui unidade na diversidade. O segundo preconceito, frequentemente citado pelos defensores da norma tradicional, se apoia na crença de que “o brasileiro não sabe português e que só em Portugal se fala bem o português”. Ainda hoje, passados quase dois séculos da independência, existem alguns indivíduos que persistem em afirmar que a forma correta do português é a usada em Portugal. Com isso, infere-se que os brasileiros devem aprender aquelas normas, a fim de aprender o português. O terceiro mito de Bagno decodifica-se na afirmação “o português é muito difícil”. O alcance desse mito é comprovado, em grande parte, pelos elevados índices de reprovação na disciplina e pelas pesquisas realizadas para aferir o nível de leitura. Para desmistificar essa crença, basta questionar o tipo de português de que se está falando. Sem dúvida alguma, se o português a que se está fazendo referência for o emaranhado de regras previstas pela gramática tradicional, não haveria dificuldade alguma em aceitar tal afirmação. Entretanto, se for o português que usamos como usuários reais e ativos da língua, não há, de maneira alguma, a possibilidade de aceitar a declaração. Se assim for, além de não ser difícil, é rico, dinâmico e diversificado. Tão diversificado que qualquer falante, a despeito da pouca idade ou escolaridade, pode se expressar com eficiência. O quarto mito analisado por Bagno é a crença expressada pela declaração “as pessoas sem instrução falam tudo errado”. O equívoco dessa afirmação encontra-se na falta de informação acerca das diferenças entre as modalidades escrita e fala. Há muito tempo já se sabe que a fala e a escrita possuem características específicas, e, por esse motivo, são distintas entre si. A principal diferença entre ambas as modalidades está no contexto em que elas estão inseridas. Segundo Freitas,
A língua escrita possui um contexto menos imediato, na qual a imagem do escritor é mais preservada, dada a possibilidade da utilização dos recursos da escrita para adequar a linguagem.
Além das diferenças citadas, existe ainda o grau de formalidade, que se personifica pelo registro. Em geral, associa-se a escrita à organização e a elevado grau de formalidade. O sexto mito é de certa forma, desmistificado pelo quarto. Ao afirmar que o certo é falar assim porque se escreve assim, constata-se a já citada e recorrente confusão existente entre a língua escrita e a falada. Essa afirmação veicula a filosofia tradicional de ensino, que procura impor regras sem maiores reflexões. Além dos mitos citados, há ainda o que diz que “é preciso saber gramática para falar e escrever bem”. Na introdução, foi apresentada uma breve reflexão acerca dessa crença equivocada. A gramática, apesar de sistematizar as regras de funcionamento da língua, não é a língua. Há uma grande distância entre a realidade da língua em uso e a teoria gramatical. Perini (1996, p. 13) discorre sobre a forma como os indivíduos desenvolvem a habilidade da fala. Segundo ele, da mesma forma que é possível andar sem conhecer os mecanismos físicos e motores que nos possibilitam fazê-lo, para adquirir a capacidade de falar não é necessário nenhum conhecimento técnico sobre a forma como os sons são produzidos:
Por último, o autor questiona a crença na necessidade do domínio da variedade padrão como instrumento de ascensão social. Sustentar tal tese equivaleria a ratificar a filosofia das elites, que procuram impor uma norma para que seja seguida. A ideologia oculta da norma cultaA existência de uma norma padrão implica, necessariamente, que outras variantes sejam desconsideradas e desprezadas, isto é, excluídas. Tal dinâmica dá origem a dois conceitos distintos: preconceito linguístico e prestígio. Ambos representam a sinalização de um julgamento social e não linguístico acerca da utilização da língua. Desse modo, o prestígio ou os preconceitos sociais são estabelecidos socialmente. De acordo com Bagno (2007), em seu livro Nada na língua é por acaso, quanto mais próxima da norma padrão, mais prestigiada é a variedade. Os traços que sofrem maior carga de discriminação e preconceito, por sua vez, são aqueles que caracterizam a “variedade linguística de falantes com baixo ou nenhum prestígio social; esses traços são rejeitados, repelidos, ridicularizados e evitados a todo o custo pelos cidadãos que se acham (ilusoriamente) portadores da língua ‘certa’” (Bagno, 2007, p. 143). Bagno ainda propõe um importante esclarecimento acerca dos conceitos de norma-padrão e norma culta. Segundo ele, até mesmo em provas de concursos públicos os dois conceitos são utilizados como sinônimos:
A própria terminologia utilizada para classificar a norma culta veicula uma posição ideológica que sugere que tal variedade seria revestida de uma “pretensa” superioridade. Desse modo, além da necessidade de desmistificação da sequência sugerida por Bagno, é urgente também a consciência de que a norma padrão não é falada por nenhum falante, pois ela é ideal, é o uso idealizado, ou, como classifica Bagno (2007), ideologizado. Ao mesmo tempo que é extremamente necessário distinguir a norma culta da norma padrão, já que a primeira é a variedade de apenas um segmento da sociedade, os falantes privilegiados, que não representam a totalidade dos falantes do português do Brasil. Considerações finaisA questão do ensino de língua materna é uma discussão extremamente importante para a educação brasileira. Isso acontece não apenas pelo fato de a língua portuguesa ser um componente curricular, mas, principalmente, por ela ser um instrumento de identificação do indivíduo. É pela linguagem e sua materialização (a língua) que percebemos a identidade de uma pessoa. Infelizmente, muitas práticas escolares têm se caracterizado pela discriminação. A princípio, o papel da escola deveria ser incluir, mas muitas vezes há mais exclusão do que inclusão para dentro dos portões da escola. Sendo assim, nunca é demais afirmar que a escola e o corpo docente devem considerar a realidade do corpo discente e procurar realizar práticas e procedimentos que valorizem as vivências e a realidade dos alunos, a fim de que eles se sintam valorizados, tanto como indivíduos quanto como falantes da língua. ReferênciasBAGNO, Marcos. Preconceito linguístico - o que é, como se faz. 49ª ed. São Paulo: Loyola, 2007. FREITAS, Vera Aparecida de Lucas. A variação estilística na linguagem de alunos da 4ª série em ambiente de contato dialetal. Dissertação (Mestrado em Linguística). Universidade de Brasília. Brasília, 1996. MARIANI, Bethânia. Entre a evidência e o absurdo: sobre o preconceito linguístico. Cadernos de Letras da UFF - dossiê Preconceito linguístico e cânone literário, nº 36, p. 27-44, 1º sem. 2008. PERINI, Mário A. Sofrendo a gramática - Ensaios sobre a linguagem. São Paulo: Ática, 1997. Publicado em 22 de novembro de 2016 |