Como acabar com o preconceito Yahoo

O preconceito linguístico é, segundo o professor, linguista e filólogo Marcos Bagno, todo juízo de valor negativo às variedades linguísticas de menor prestígio social. Normalmente, esse prejulgamento dirige-se às variantes mais informais e ligadas às classes sociais menos favorecidas, as quais, via de regra, tem menor acesso à educação formal ou têm acesso a um modelo educacional de qualidade deficitária.

Causas do preconceito linguístico

Segundo Bagno, na obra Preconceito Linguístico: o que é, como se faz (1999), o preconceito linguístico deriva da construção de um padrão imposto por uma elite econômica e intelectual que considera como “erro” e, consequentemente, reprovável tudo que se diferencie desse modelo. Além disso, está intimamente ligado a outros preconceitos também muito presentes na sociedade, como:

Preconceito socioeconômico

Entre todas as causas, talvez seja a mais comum e a que traga consequências mais graves. Isso se deve ao fato de membros das classes mais pobres, pelo acesso limitado à educação e cultura, geralmente, dominarem apenas as variedades linguísticas mais informais e de menor prestígio.

Assim, são excluídos principalmente dos melhores postos no mercado profissional, e cria-se a chamada ciclicidade da pobreza: o pai pobre e sem acesso à escola de qualidade dificilmente oferecerá ao filho oportunidades (pela falta de condição), e este, provavelmente, terá o destino daquele.

Preconceito regional

Junto ao socioeconômico, é uma das principais causas do preconceito linguístico. São comuns casos de indivíduos que ocupam as regiões mais ricas do país manifestar algum tipo de aversão ao sotaque ou aos regionalismos típicos de áreas mais pobres.

Preconceito cultural

No Brasil, há uma forte aversão por parte da elite intelectual à cultura de massa e às variedades linguísticas por ela usadas. Isso fica evidente, por exemplo, na música.

Por muito tempo, o sertanejo e o rap foram segregados no cenário cultural por serem oriundos de classes menos favorecidas (muitas vezes, sem acesso à educação formal) e que se utiliza de uma linguagem bastante informal (a fala do “caipira” ou de um membro de uma comunidade em um grande centro, por exemplo).

É muito importante destacar que ambos são estilos musicais extremamente ricos e é parte importantíssima da identidade cultural de milhões de pessoas.

Racismo

Infelizmente, no Brasil, elementos da cultura negra ainda são segregados por uma parcela da população. Isso se reflete na linguagem, por exemplo, no significado de palavras de origem africana, como “macumba”, que, no Brasil, é ligada a satanismo ou feitiçaria, mas, na verdade, é um instrumento de percussão usado em cerimônias religiosas de origem africana.

Homofobia

É comum que gírias ou expressões sejam rotuladas como específicas da comunidade LGBT e, consequentemente, repudiadas por aqueles que possuem aversão a esse grupo social. Basta se lembrar da polêmica em torno de uma questão da prova do Enem de 2018 que versava sobre o pajubá (dialeto criado pela comunidade LGBT).

Consequências do preconceito linguístico

A principal consequência do preconceito linguístico é a acentuação dos demais preconceitos a ele relacionados.

Isso significa que o indivíduo excluído em uma entrevista de emprego, por se utilizar de uma variedade informal da língua, não terá condições financeiras de romper a barreira do analfabetismo e, provavelmente, continuará excluído. O cidadão segregado por apresentar sotaque de uma determinada região continuará sendo visto de forma estereotipada, sendo motivo de riso ou de chacota e assim por diante.

Preconceito linguístico no Brasil

No Brasil, o preconceito linguístico é muito perceptível em dois âmbitos: no regional e no socioeconômico.

No primeiro caso, é comum que os agentes estejam nos grandes centros populacionais, os quais monopolizam cultura, mídia e economia, como Sudeste e Sul. As vítimas, por sua vez, normalmente, estão nas regiões consideradas pelos algozes como mais pobres ou atrasadas culturalmente (como Nordeste, Norte e Centro-Oeste). Rótulos como o de “nordestino analfabeto” ou de “goiano caipira”, infelizmente, ainda estão presentes no pensamento e no discurso de muitos brasileiros.

No segundo caso, o preconceito linguístico dirige-se da elite econômica para as classes mais pobres. Segundo o professor Bagno, muitos usam a língua como ferramenta de dominação, visto que o desconhecimento da norma-padrão, de acordo com essas pessoas, representaria um baixo nível de qualificação profissional. Por essa razão, muitas pessoas permanecem nos subempregos e com péssima remuneração. Resumindo, o preconceito linguístico é um dos pilares de manutenção da divisão de classes no Brasil.

Fim do preconceito linguístico

A participação de escola, família e mídia na propagação do princípio da adequação linguística é fundamental para o fim do preconceito linguístico.

Adequação linguística: princípio segundo o qual não se fala mais em “certo” ou “errado” na avaliação de uma determinada variedade linguística. Fala-se, pois, se a variedade em questão é adequada ou não à situação comunicativa (contexto) em que ela se manifesta.

Isso significa que, em um contexto formal ou solene, seria adequado o uso da linguagem formal (padrão, culta) e inadequado o uso de uma variedade informal (coloquial). Da mesma forma, em situações informais, deve-se usar uma variante informal (coloquial) em detrimento da linguagem formal (padrão, culta).

Exemplo adequado:

“E aí, cara, bão? Anima cine amanhã?” (contexto: um adolescente conversando com um amigo)

“Bom dia, diretor Pedro! Eu gostaria de falar com o senhor sobre algumas questões de interesse da instituição.” (contexto: um estudante universitário dirigindo-se ao diretor de seu curso)

Exemplo inadequado:

“Olá, dileto confrade! Quereria eu convidá-lo para uma atividade casual, como ir ao cinema.”(contexto: um adolescente conversando com um amigo)

“E aí, cara! Bão? Queria trocar uma ideia contigo sobre a facul.” (contexto: um estudante universitário dirigindo-se ao diretor de seu curso)

SAIBA EVITAR O PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Saber como fazemos para evitar o preconceito linguístico é uma necessidade de nossos dias, já que procuramos sempre uma maior inclusão e o fim da discriminação.

Como podemos combater o preconceito linguístico?

  • Oferecer educação para todos, de forma que as pessoas conheçam bem a língua formal, tanto escrita, quanto falada;
  • Aprofundar estudos a respeito da sociologia das populações, para que se compreenda os modos de ser e perceber a linguagem;
  • É importante aprofundar a discussão ética a respeito do preconceito: por que é que alguns tratam pessoas diferentemente, apenas por conta da linguagem?

O racismo, formalmente definido como o feito de discriminação baseado na crença da existência de uma hierarquia entre raças e etnias, é comumente confundido com o colorismo, movimento segundo o qual os possuidores de pele clara seriam os ditos superiores, enquanto os de cor mais escura, independente de sua condição econômica, gênero, entre outras características, estariam sempre em um lugar de inferioridade.

Ambos os fenômenos estão presentes na vida dos brasileiros desde a sua composição enquanto nação, assim como na maioria, senão em todos os países pós escravocratas e que sofreram colonização europeia. Eles se manifestam a contar do nível pessoal, inclusive, quando pretos e pardos não são capazes de reconhecer-se enquanto pessoas negras, passando ao nível interpessoal, na forma de ações de discriminação e preconceito racial, chegando mais gravemente a forma institucional.

Essa última, em específico, se refere a discriminação racial praticada pelo Estado de duas maneiras: 1- A partir do não reconhecimento do racismo como um problema estrutural, presente no dia-a-dia das instituições públicas, e, consequentemente, deixando de adotar atitudes para reverter esse quadro. 2- Ao atuar de forma diferenciada em relação a determinados grupos populacionais por meio de políticas públicas criadas a partir de normas e comportamentos que combinam estereótipos de raça, descrédito ao tema e até mesmo desconhecimento sobre a causa.

Embora muitos tenham tomado como verdadeiro o mito da democracia racial devido a existência de uma miscigenação étnica no Brasil, diferente da clara dicotomia entre brancos e os negros retintos vista em outros países do globo, basta olharmos para as estatísticas que compõem os direitos sociais básicos para percebermos que os desequilíbrios ainda presentes em nosso sistema político e econômico estão baseados na discriminação, ou seja, brancos são tratados de forma privilegiada quando comparados aos negros.

Assim, enquanto integrantes de uma Rede de Líderes que se propõe a transformar o Brasil, temos uma missão muito clara em relação a redução de desigualdades e, nesse sentido, é inócuo falarmos sobre esse tema se não incidirmos sobre o debate racial.

1. Reconhecer que o racismo é um problema estrutural e, diante disso, adotar uma postura institucional antirracista

O primeiro e talvez mais importante passo é reconhecer que o problema existe e precisa ser enfrentado, pois a negação e naturalização do racismo são fatores que contribuem para a sua perpetuação. Dito isso, a luta contra a desigualdade racial não deve ser uma pauta exclusiva de um grupo formado por aqueles diretamente afetados, mas um compromisso de todo e qualquer cidadão. Trazer esse debate para dentro da instituição pública pode ser o pontapé para a implantação de uma cultura antirracista no setor público.

2. Garantir representatividade de raças e etnias nos espaços coletivos de decisão

Representatividade em espaços coletivos de decisão como conselhos e órgãos colegiados implica em deixar que as minorias nesses locais falem por seus próprios interesses, sem a necessidade de porta-vozes. Esse é um fator importante pois se considera que a garantia do espaço de fala virá acompanhado pela manutenção entre a igualdade e a diferença. Em outras palavras, para que todos sejam tratados de forma igualitária é necessário que os diversos grupos existentes – etnicos e raciais ou não – sejam valorizados, afinal, a discriminação é necessariamente motivada pelo pertencimento a esses grupos.

A essência do serviço público está no atendimento de necessidades coletivas, direta ou indiretamente, de maneira igualitária e acessível a todos(as). A qualificação das equipes com foco na redução de preconceitos e estereótipos permite que esse compromisso seja efetivamente cumprido. O mecanismo aqui está em admitir que todos nós temos vieses cognitivos modificáveis e, uma vez que os reconhecemos é possível mitigar os seus efeitos perversos.

Entender os nossos vieses cognitivos, isto é, os nossos padrões comportamentais baseados nas nossas experiências e percepções prévias, nos ajuda a identificar os gatilhos capazes de distorcer o nosso julgamento e, inclusive, originar atividades discriminatórias.

Como exemplo prático da disponibilização de atividades formativas para servidores públicos dentro dessa temática, podemos citar o Programa de Formação por uma Educação Antirracista, lançado pela Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro em abril de 2021 com o objetivo de promover reflexões em torno da questão racial e suas implicações na consolidação do direito à educação.

4. Realizar um diagnóstico interno e, posteriormente, incluir a diversidade de raça como um critério para a ocupação de cargos de liderança

Já parou para pensar onde estão os negros no no serviço público no Brasil? De acordo com um mapeamento realizado pelo República.org, apesar da existência das cotas raciais para concursos públicos da União desde 2014, apenas 35,61% dos ocupantes de cargos federais no Brasil são negros e 23,72% dos servidores estão em carreiras de gestão. A nível municipal, a situação não é diferente. O estudo revela que, em 2020, na Prefeitura de São Paulo, apenas 28,6% dos servidores públicos ativos eram negros. Destes, 48% ocupavam quadros de nível básico.

Para ajudar a reverter esse quadro, especialmente no que diz respeito à ocupação de cargos de livre nomeação, recentemente, processos seletivos sob a ótica da gestão por competências e modernização do setor público têm ganhado destaque com o apoio de organizações do terceiro setor, como é o caso da aliança formada pela Fundação Lemann, Fundação Brava, Instituto Humanize e e República.org, por exemplo.

De toda forma, realizar um diagnóstico dentro das instituições públicas, de maneira a identificar o perfil e as funções exercidas pelos servidores, e estabelecer a diversidade racial como um critério e uma meta a ser atingida, é importante para que se propicie igualdade de oportunidades.

5. Criar programas de qualificação de preenchimento e coleta de dados sobre a população negra

A estratificação de indicadores sociais a partir da categoria de raça/cor é importante porque permite a elaboração de políticas mais assertivas de enfrentamento ao racismo estrutural. Um exemplo é o projeto A Cor da Mobilidade do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, que chamou a atenção para a falta de dados racializados sobre mobilidade urbana. Segundo os autores do projeto, as pesquisas origem-destino, uma das principais ferramentas para entender o sistema de transportes de uma cidade, apesar de serem realizadas no Brasil desde a década de 1960, não coletam dados relacionados à raça no país, o que prejudica a elaboração de políticas voltadas para o combate das desigualdades nesse segmento.

Falar de políticas públicas transversais implica admitir que a realidade social é diversa e complexa. Isto é, ao desenharmos e implementarmos soluções, é pouco efetivo considerarmos números isolados, sem observar os cenários em sua totalidade e possíveis efeitos sinérgicos. Em termos práticos, uma política de redução de disparidades de renda e redução da pobreza, por exemplo, precisa estar associada a ações afirmativas em educação e de ampliação do acesso à saúde para que seja efetiva. Logo, é necessário um olhar cuidadoso por parte dos gestores públicos e a atuação integrada de diferentes setores do Governo.

O racismo é um problema de todos, por isso, combatê-lo deve ser um trabalho constante. As 6 atitudes acima elencadas são apenas algumas alternativas que, a nosso ver, podem ajudar as instituições públicas a sair da zona de conforto. Ainda que em pequenos passos, é preciso colocar o tema em pauta, começar a refletir e criar ações sólidas que poderão transformar a realidade que vivemos hoje a médio e longo prazos. Na Rede MLG, o grupo Negritude Pública discute essa temática todas às terças-feiras, às 20h30. Caso tenha se interessado, junte-se a nós!

Como acabar com o preconceito Yahoo

Bráulio Humberto é mineiro, administrador público, atua como Diretor de Fomento e Organização de Políticas Esportivas na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais, é Master em Liderança e Gestão Pública – turma 7 do CLP e membro da Rede Negritude Pública. Maria Letícia Machado é pernambucana, cientista política, atua como pesquisadora de políticas públicas no Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), é Master em Liderança e Gestão Pública – turma 7 do CLP e membro da Rede Negritude Pública.