Segundo o mapa, o estado que mais recebeu refugiados da venezuela no brasil foi:

Primeiro grupo de venezuelanos chegou em Porto Alegre em setembro de 2018 | Foto: Ricardo Giusti

O Rio Grande do Sul é o terceiro estado do país que mais recebeu venezuelanos desde 2018, quando a estratégia de interiorização do Governo Federal, que leva voluntariamente refugiados e migrantes do estado de Roraima e do Amazona  para outras cidades no país começou a ser implementada.

“São quase 12 mil venezuelanos que chegaram no Estado só pelo programa sem contar os que vem por conta própria” explicou Iurqui Pinheiro da Rocha, coordenador do Escritório da Organização Internacional para as Migrações (OIM) da Organização das Nações Unidas (ONU) no Rio Grande do Sul.

Instalado em março de 2020 no Estado, o escritório não quer apenas oportunizar emprego e renda aos estrangeiros que chegam, mas também integrar os refugiados à sociedade. “Integração econômica através da empregabilidade, empreendedorismo, acesso a informações e direitos e capacitações. Esses são os principais eixos”. O programa de interiorização já chegou em 836 municípios do Brasil. Na frente do Rio Grande do Sul, com 11.343 mil venezuelanos, estão Santa Catarina e Paraná que receberam 13.361 mil e 13.226 mil de refugiados respectivamente. No Estado, Porto Alegre foi o município que mais recebeu migrantes da Venezuela (2444) seguido de Caxias do Sul (1279) e Canoas (1144). A OIM também desenvolve o programa Oportunidades, que oferece o ingresso mercado de trabalho.

“Nós conseguimos empregar uma média de 1300 migrantes no mercado de trabalho, são mais de 400 empresas parceiras”, ressalta Iurqui. Ele destaca também a plataforma online que o refugiado pode acessar para pesquisar vagas no mercado de trabalho “Nós criamos também uma plataforma de empregabilidade: oportunidades connect brasil. Nessa plataforma nós temos mais de 4300 migrantes cadastrados e mais de 450 empresas”.

O Rio Grande do Sul tem cerca de 90 mil imigrantes registrados, conforme levantamento da Polícia Federal. Nos últimos três anos, a maioria dos ingressos tem sido de haitianos (30%), uruguaios (25%) e venezuelanos (19%). Em Porto Alegre, a estimativa é de 30 mil imigrantes de diversas nacionalidades. 

Felipe Uhr

A cada 15 dias, sempre em uma quinta-feira, o venezuelano migrado no país, Abraham Salazar, 26 anos, vai com a esposa Esaú Abraham, de 22, e o filho Sharon, de 3, no mercado em Florianópolis, Capital do Estado catarinense. Eles compram uma farinha especial para cozinharem arepas, tradicional lanche do país de origem da família.

Segundo o mapa, o estado que mais recebeu refugiados da venezuela no brasil foi:
Segundo o mapa, o estado que mais recebeu refugiados da venezuela no brasil foi:
Abraham e família vivem em Florianópolis desde novembro de 2019 – Foto: Arquivo Pessoal/ND

A família faz parte dos 10.540 refugiados venezuelanos que vieram para Santa Catarina, segundo painel do Ministério da Cidadania em parceria com as agências de refugiados e migrantes da ONU.

No total, o Brasil tem mais de 50 mil refugiados reconhecidos que saíram de Roraima e foram para outras regiões do país desde março de 2018, os chamados “interiorizados”.

E Santa Catarina é o segundo Estado com maior número de refugiados venezuelanos no país, atrás apenas do Paraná (11.218). Em terceiro, está o Rio Grande do Sul (9.506), seguido de São Paulo (9.370) e Amazonas (5.280).

Segundo a Coordenadora de Projetos em Santa Catarina da Organização Internacional para as Migrações, Yssyssay Rodrigues, um dos motivos que faz o Estado catarinense receber tantos refugiados é a disponibilidade de emprego.

“Um em cada quatro venezuelanos empregados no país está no Estado catarinense. Para eles se reinserirem economicamente, Santa Catarina mostra que é um dos Estados mais fortuitos, com mais empregos”, explica Yssyssay.

As cidades catarinenses também estão no topo das que mais receberam interiorizados no país.

Com 1.976 refugiados, Chapecó aparece em 6º lugar entre as cidades brasileiras que mais receberam venezuelanos, à frente de capitais como Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Completam a lista Joinville (973), Balneário Camboriú (817) e Florianópolis (777), como as cidades catarinenses preferidas por esses migrantes.

Chegada ao Brasil

Só que antes de ser mais um a chegar em Santa Catarina e criar raízes em Florianópolis, onde residem atualmente, a filha de Abraham passou por caminhos difíceis.

Tanto que a frase mais repetida pelo Abraham durante a conversa foi “Eu chego firme. Sempre arriscar. Quem não arrisca, não ganha”. E o mais importante lembrete: “estou acostumado a tomar decisões brutalmente”.

Era junho de 2018 quando a família decidiu se arriscar e saiu de Caracas, capital da Venezuela, para chegar em Pacaraima, em Roraima. A cidade brasileira é considerada a “porta de entrada” no Brasil, por estar na divisa entre os dois países.

Esaú estava grávida de 25 semanas  quando atravessaram a fronteira. Três dias após chegarem ao país, eles foram direto para Manaus.

“Trinta minutos após chegar em Manaus, o meu filho Sharon nasceu”, disse Esaú com um sorriso no rosto.

O casal sentiu que foi um recomeço dentro do novo começo. “Brincamos que o tempo que estamos aqui no Brasil é a idade dele (Sharon), 3 anos e 8 meses”, lembra Abraham.

Só que o começo destes quatros anos no Brasil, não foram fáceis. Eles vendiam bananas e frutas em uma barraca de rua na capital amazonense. Enquanto os pais trabalhavam, o bebê dormia em uma caixa de bananas com lençóis.

Manaus é a cidade que mais recebeu refugiados venezuelanos no país: 5.223 no total. Com a grande quantidade de migrantes, também há reflexos no dia a dia.

“Você é venezuelano, não vou comprar de você’, um cliente me falou uma vez. Eu comecei a chorar e respondi para ele “eu estou apenas trabalhando, não preciso da pena dos outros”, conta Esaú.

Segundo o mapa, o estado que mais recebeu refugiados da venezuela no brasil foi:
Segundo o mapa, o estado que mais recebeu refugiados da venezuela no brasil foi:
“Sempre arriscar. Quem não arrisca, não ganha”, repete Abraham – Foto: Arquivo Pessoal/ND

Com as dificuldades, tanto financeira quanto social, a situação estava difícil. Até que um dia, Abraham disse enfático para si mesmo ao levantar da cama – “Ya estoy cansado” (já estou cansado).

Naquele dia, novamente no impulso, ele comprou as passagens para Florianópolis e avisou a Esaú que a família tinha apenas mais dois meses em Manaus.

“A primeira coisa que pensei foi em poder ir para praia em Santa Catarina”, relembra Esaú, enquanto faz um afago no cabelo de Abraham.

Com amigos e conhecidos vivendo em Santa Catarina e Paraná, eles estavam convictos que tinham tomado uma boa decisão.

E após 60 dias, eles embarcaram em um novo recomeço a Santa Catarina em busca de estabilidade e trabalho.

Empregos e vagas no Estado

Existem várias modalidades para interiorização dos venezuelanos, segundo o painel do Ministério da Cidadania.

A modalidade na qual Santa Catarina se destaca é “Vaga de Emprego Sinalizada”, segundo o Oficial de Meios de Vida do ACNUR Brasil, Paulo Sérgio Almeida.

Isso ocorre quando pessoas venezuelanas são realocadas a partir de uma oferta de emprego feita por empresas estabelecidas em outras cidades brasileiras.

“Santa Catarina se destaca pela oferta de empregos na área da indústria de processamento de alimentos. É um dos Estados que mais contribuíram para interiorização. Em Santa Catarina, 19% chegaram ao Estado com uma vaga de emprego sinalizada, enquanto a média nacional dessa modalidade é de 9%”, explica Paulo Sérgio.

Apesar dos grandes números, não foi esta situação que Abraham e Esaú encontraram quando chegaram aqui.

Vida de manezinho

Após a família ser “interiorizada”, o casal demorou para conseguir se estabelecer em Florianópolis.

Eles moravam em uma quitinete no Monte Serrat e também vendiam frutas para pagar as contas.

Desde os 15 anos, quando começou a vender café colombiano pelas ruas de Caracas, Abraham tem uma relação próxima com as vendas. Já ela, na contramão do marido, afirma que não é boa com as vendas.

Além das frutas, o casal chegou a vender brigadeiros e até artesanatos em frente ao Mercado Público de Florianópolis entre 2019 e 2020.

Segundo o mapa, o estado que mais recebeu refugiados da venezuela no brasil foi:
Segundo o mapa, o estado que mais recebeu refugiados da venezuela no brasil foi:
Abraham montava uma barraca ao lado do Mercado Público para a venda de produtos artesanais – Foto: Leo Munhoz/ND

Abraham também trabalhou na praia vendendo produtos artesanais, como chapéus de capim dourado.

Dificuldades

Segundo Yssyssay, é comum os venezuelanos irem primeiro para o mercado informal. E quem mais sofre são os jovens de até 24 anos e mulheres. Estes dois grupos representam cerca de 60% do total que estão na informalidade.

“Se a gente está em situação econômica não favorável, isso afeta. E tem o português, que é outra língua”, afirma Yssyssay.

Em abril de 2021, Abraham e Esaú entraram para as aulas na ONG Círculo da Hospitalidade, localizada no Saco dos Limões, onde obtiveram conhecimento sobre finanças, marketing, empreendedorismo e, principalmente, português. Era uma etapa para ingressar no mercado formal.

Após quase um ano de aprendizado, no final de 2021, Abraham, com a alma de comerciante, mais uma vez tomou a decisão. Ele estava convicto em abrir o próprio negócio. Desta vez, segundo ele, com uma “dose de planejamento”: com CNPJ, legalizado e em estabelecimento comercial.

“Foi metade impulso e metade planejado, pensamos em subir mais um degrau e ao mesmo tempo foi na hora, mas foi pensado. Eu disse topo e vamos lá”, relembra o venezuelano.

Há menos de um mês, em janeiro de 2022, o casal abriu um frango assado e churrasco na rua Rio Tavares, em Florianópolis, que funciona aos sábados, onde conseguem ter a própria renda.

“Eu falava você não me conhece, ‘chego’ firme”, relembra Abraham.

O casal usou a criatividade e uniu o jeito do churrasco brasileiro com molhos típicos do país de origem. O que, segundo eles, se dá em uma comida suculenta e espetacular.

E o casal, finalmente, conseguiu o que queria desde o começo após anos no Brasil, com uma vida toda na Venezuela – apenas se sentir em casa.