Quando surgiu o Serviço Social no Brasil em que contexto político?

[…] a dinâmica da história não é uma força externa misteriosa qualquer e sim uma intervenção de uma multiplicidade de seres humanos no processo histórico real, na linha da ‘manutenção e/ou mudança’ (MÈSZÁROS).

A política social é tema central na formação profissional do assistente social e constitui o lócus de sua intervenção. Este artigo tem como objetivo uma aproximação com a construção histórica da relação entre o Serviço Social e a política social no Brasil, através de uma revisão de literatura1, o que possibilitou o resgate dos elementos centrais de mútua influência construída no cotidiano profissional. Esse movimento se apresenta de forma pendular com momentos de identificação, afastamento e até mesmo negação, sem, no entanto, jamais deixar de existir materialmente.

A pesquisa documental que sustentou este estudo buscou artigos que tratavam dos fundamentos da política social, sob a ótica de autores assistentes sociais, em 115 edições da Revista Serviço Social e Sociedade, desde o volume 1 até os publicados em maio de 2014. Além disso, como fonte, foram pesquisadas as bibliografias sobre os fundamentos da política social de todos os cursos de mestrado e doutorado e, desse estudo, resultou a definição de categorias analíticas. O presente artigo trata de um recorte dessa pesquisa, que é a intersecção entre os fundamentos e caminhos históricos do Serviço Social e da política social, para assim contribuir no debate sobre a formação profissional.

No Brasil, o documento que contém a “proposta de diretrizes gerais para o curso Serviço Social”, datado de 1996 e ainda em vigor, traz a relação entre o Serviço Social, a questão social e seu enfrentamento como fundamento básico da existência da profissão. Reconhece, ainda, que os pressupostos norteadores da formação profissional do assistente social não podem prescindir das dimensões históricas, estruturais e conjunturais, como está exposto no importante documento que balizou a formação profissional na década de 1990:

O processo de trabalho do Serviço Social é determinado pelas configurações estruturais e conjunturais da questão social e pelas formas históricas de seu enfrentamento, permeadas pela ação dos trabalhadores, do capital e do Estado, através das políticas sociais (ABESS, 1996, p. 60).

Segundo Jane Prates (2016), “o reconhecimento das expressões da questão social como objeto e matéria-prima da profissão foi um avanço, na medida em que dialoga com os antigos posicionamentos sobre o objeto do Serviço Social” (PRATES, 2016, p.2). Sem abandonar esse importante avanço conceitual e teórico, vale aprofundar a materialização desse campo de atuação trazendo à cena a política social como campo preponderante da ação profissional.

Frente a isso, entendemos que o processo de trabalho do assistente social se materializa no enfrentamento das expressões da questão social, por meio da política social e que, ao longo da história da profissão, o Serviço Social efetivou, em seu cotidiano profissional, diferentes políticas sociais e acumulou conhecimentos empíricos que, à luz das fundamentações teóricas, possibilitaram a construção de um arcabouço teórico-metodológico para a atuação do assistente social nas políticas sociais. Essa análise se fundamenta na trajetória histórica e estruturante que, ao longo dos anos, foi acumulando mudanças e permitindo compreender que, no constructo da formatação sócio-histórica tanto da profissão como das políticas sociais, se faz necessário considerar as determinações econômicas, sociais e políticas e a correlação de forças próprias desse modo de produção.

Partimos da premissa de que a intrínseca relação entre a profissão e a política social é um importante condicionante2 para a análise do desenvolvimento do Serviço Social, pois nessa chave há a necessidade de considerar como essenciais, dentre os conteúdos que fundamentam a profissão, também aqueles referentes às políticas sociais e seu desenvolvimento cotidiano. Essa relação entre política social e Serviço Social passa a ser analisada e estudada com mais afinco pelos pesquisadores da área a partir do final da década de 1970 (MIOTO; NOGUEIRA, 2013).

O despertar da profissão para a importância da política social se estabeleceu em um processo identificado com o Movimento de Reconceituação. Com esse movimento desencadeado na década de 1960, nos países da América Latina, o Serviço Social passou a questionar seus referenciais teóricos e sua forma de intervir. As contribuições do Movimento de Reconceituação para a profissão são inúmeras e ofereceram as bases para a construção do Projeto Ético-Político, hoje hegemônico na categoria.

Nesse processo, podemos destacar que contribuíram para o amadurecimento da compreensão do Serviço Social sobre a política social a criação dos cursos de pós-graduação stricto sensu em Serviço Social, favorecendo o aprofundamento das análises sobre a profissão, seus referenciais teóricos e seus campos de atuação. Embora cada Programa de Mestrado tenha, à época, assumido uma linha prioritária, torna-se clara a importância da referência necessária à política social. A PUC-SP – primeira escola a implementar, no país, o curso de mestrado, no início dos anos 1970 e, posteriormente, o de doutorado (1981) – já apresentava, em suas discussões, a preocupação com os fundamentos da profissão e com a política social, como refere a professora do programa na época, Suzana Rocha Medeiros: “a característica da pós-graduação de São Paulo é essa preocupação com o impacto das políticas sociais na vida da população” (MEDEIROS; FALCÃO, 1984, p. 156).

Dessa forma, os pesquisadores tratam com rigor teórico a temática da política social, com alto grau de prevalência, e vinculam o tema com a realidade cotidiana da profissão. Esse amadurecimento da compreensão da política social pelo Serviço Social está expresso na publicação da Revista Serviço Social e Sociedade, a partir de 1979, pela Editora Cortez. Já em seu primeiro número, a revista traz como tema central a política social e, desde então, oportuniza a publicação de artigos que fazem referência a temas candentes para a profissão.

Muitos são os caminhos possíveis para apreender a relação entre política social e Serviço Social. Neste artigo, destacamos o início da proposição sistemática da política social no Brasil, com maior incidência na esfera pública e estatal, o que ocorre a partir de 1930 e se coaduna com o surgimento do Serviço Social enquanto profissão, para, então, verificarmos como hoje se efetiva a interface entre Serviço Social e política social. O período privilegiado como ponto de partida de nossas considerações não ocorre ao acaso, mas sim por entendermos que, no início da profissão, se explicitam e se concretizam elementos que ainda se fazem presentes no agir profissional e nos permitem compreender melhor a relação entre a política social e a profissão hoje.

O conteúdo aqui exposto tem ancoragem na compreensão de que uma profissão se modifica a partir de diferentes elementos: (i) as mudanças no seu arcabouço teórico e metodológico que se aporta nas diferentes linhas interpretativas do campo da ciência3; (ii) as alterações no contexto econômico, político e social da realidade onde a profissão está inserida4; e (iii) os diferentes públicos que se circunscrevem no cotidiano da profissão, o que inclui os sujeitos destinatários das políticas sociais e os próprios assistentes sociais5.

Desse modo, estabelecer nexos entre as diferentes exigências de competência profissional do assistente social, considerando também as mudanças no âmbito das políticas sociais, demarcadas a cada período histórico, passa a constituir fonte imprescindível de análise, pois as mudanças na profissão e em seu principal lócus de intervenção acontecem de forma plasmada e dialética.

Uma aproximação à intrínseca relação entre o serviço social e a política social no Brasil: uma rápida retomada da história

Conforme Netto (1992), o processo de profissionalização do Serviço Social ocorre na entrada do século XX, com a consolidação do capitalismo monopolista, quando o Estado, capturado pela burguesia, se vê obrigado a lançar mão de estratégias no sentido de enfrentar a questão social e controlar as tensões. Para tanto, passa a implementar políticas sociais. Esse processo está intimamente ligado ao fato de, no capitalismo monopolista, o Estado exercer múltiplas funções, intervindo tanto nas esferas social e política, como na econômica e, por isso, sua base de legitimação tem que ir além das classes dominantes, ou seja,

[…] para exercer no plano estrito do jogo econômico o papel de ‘comitê executivo’ da burguesia monopolista, ele [o Estado] deve legitimar-se politicamente incorporando outros protagonistas sociopolíticos. O alargamento da sua base de sustentação e legitimação sociopolítica, mediante a generalização e a institucionalização de direitos e garantias cívicas e sociais, permite-lhe organizar um consenso que assegura o seu desempenho (NETTO, 1992, p. 230).

Nesse jogo, as políticas sociais são elementos-chave, uma vez que atuam na preservação e no controle da classe dominada, assim como garantem a legitimação do Estado e do próprio processo de acumulação capitalista, no entanto, incidem também na institucionalização de direitos, na implementação da proteção social e na organização e mobilização da classe dominada. Portanto, a intervenção estatal, por meio das políticas sociais, só se torna necessária na perspectiva do capital, conforme Iamamoto e Carvalho (2005), quando os dominados, frente à sua condição de trabalho e vida precária, passam a se organizar e exigir seu reconhecimento enquanto classe, pautando no cenário social e político a questão social.

Logo, podemos apontar que o processo de profissionalização do Serviço Social ocorre numa esfera contraditória, cuja correlação de forças se estabelece tanto na direção da manutenção das condições necessárias à acumulação capitalista, na qual a pobreza e suas consequências sobre a capacidade de produção e reprodução das classes dominadas são entraves potenciais à acumulação capitalista, como na bandeira de luta da classe trabalhadora. Ao mesmo tempo, o sistema de proteção social brasileiro tem sua marca na subordinação das instituições políticas e econômicas, com desenvolvimento conservador e alocado perifericamente nas respostas às lutas sociais, o que foi possível dado o modo repressivo que o estado brasileiro sempre adotou diante das lutas e reivindicações dos movimentos sociais organizados. Dessa forma, o Serviço Social terá como alvo de sua intervenção profissional as consequências da relação capital e trabalho, consubstanciadas nas expressões materiais de vida das classes dominadas.

Na intervenção profissional do assistente social, a perspectiva da manutenção das condições de vida capitalista não se faz ausente, nem mesmo na contemporaneidade. No entanto, também é fato que muitos profissionais se colocaram em movimento e conseguiram incluir diferentes referenciais e discussões na profissão, pautando para a prática profissional cotidiana a possibilidade de diferentes caminhos. Esse processo só pôde se efetivar no processo de construção real da intervenção profissional, pois há a presença insuprível da contradição, ou seja, pelo mesmo “procedimento” que viabiliza a reprodução da acumulação também é possível viabilizar ao trabalhador condições materiais de vida necessárias à busca por condições de vida sem dominação, como afirma Yazbek (2009a):

Assim podemos afirmar que o Serviço Social participa tanto do processo de reprodução dos interesses de preservação do capital, quanto das respostas às necessidades de sobrevivência dos que vivem do trabalho. Não se trata de uma dicotomia, mas do fato de que ele não pode eliminar essa polarização de seu trabalho, uma vez que as classes sociais e seus interesses só existem em relação (YAZBEK, 2009a, p. 128).

É a partir desse contexto que, segundo Netto (2008), precisamos situar e compreender a formação e a intervenção do assistente social na contemporaneidade, considerando que as mudanças nas profissões derivam tanto das transformações societárias, com seus rebatimentos na divisão sociotécnica do trabalho, como dos complexos teórico, prático e político constitutivos de cada profissão. De acordo com o autor, esses complexos contêm diversidades políticas e teóricas, uma vez que as profissões não se constituem em blocos homogêneos, mas por tensões, contradições e confrontos internos.

Ao considerar especificamente a relação entre política social e Serviço Social no Brasil, é necessário resgatar que a condição de colônia, economicamente dependente e politicamente submissa, marca a história do país, uma vez que, mesmo com a proclamação da independência, permanecem as características de atraso que também fundamentaram a grande desigualdade econômica que até hoje persiste no país. Em vez de república, passamos da colônia à monarquia; fomos o país que tardiamente terminou com a escravidão, enquanto se consolidava o domínio do latifúndio no campo. Um pacto de elite que perpetuou os laços com a metrópole colonial, prolongou a escravidão e perpetuou a concentração da propriedade rural (SADER, 2010a).

Destacamos que as políticas sociais operam um sistema de proteção social. No Brasil, tal sistema surgiu e se desenvolveu circunscrito ao mundo do trabalho formal. Desse modo, o campo da seguridade não contributiva, que deveria se destinar aos cidadãos fora do mercado formal e em maior condição de pobreza, fica à mercê da benevolência da sociedade e da igreja católica, o que contribuiu para a efetivação de práticas discriminatórias, preconceituosas e repressivas aos que vivem em condição de pobreza.

Submersos numa ordem social que os desqualifica, marcados por clichês: “inadaptados”, “marginais”, “problematizados”, “portadores de altos riscos e vulnerabilidades”, os pobres representam a herança histórica da estruturação econômica, política e social da sociedade brasileira. Fazem parte dessa história a tradição oligárquica e autoritária de uma sociedade de extremas desigualdades e assimetrias, caracterizada por sempre insuficientes recursos e serviços voltados para atender às necessidades dos segmentos das classes subalternas (YAZBEK, 2010, p. 153-154).

A ação social da Igreja Católica junto às classes dominadas significava a possibilidade de conhecimento e controle daquelas classes, o que se tornou valioso para o Estado, ou seja, a ampliação da intervenção das ações caritativas e a forma de realizá-las. Esse caminho passou a ser de interesse do Estado capitalista brasileiro que, na década de 1930, sob o comando de Getúlio Vargas, começa a constituir um Estado nacional e passa a intervir nas expressões da questão social em um misto de protecionismo, paternalismo e autoritarismo. Mesmo com essas características, é inegável o patamar que os direitos sociais e as políticas sociais alcançaram no governo de Vargas.

O fundamental foi a criação de um Estado nacional, sucedendo a um que era um consórcio das elites econômicas e políticas regionais. Essa foi a maior ruptura progressista, até aqui, da história brasileira. O Brasil começou a ter um Estado em que passaram a se reconhecer proporções crescentes de brasileiros, mediante políticas sociais, reconhecimento da sindicalização dos trabalhadores, um projeto nacional e um discurso popular, o desenvolvimento econômico como norte fundamental do país. Iniciava-se o período mais prolongado e mais profundo de expansão da economia e de extensão dos direitos sociais que o país conheceu (SADER, 2010b).

Nesse contexto de avanços da conquista de direitos sociais, temos que considerar a relevância do movimento dos trabalhadores que, conforme Iamamoto e Carvalho (2005), frente à exploração desmedida que lhes era imposta, se organizaram e passaram a lutar por condições de vida. Esses autores apontaram como esta luta ganhou a repulsa da sociedade burguesa, que se sentiu ameaçada em seus valores econômicos e morais, e buscou, na legislação, controlar a mobilização dos trabalhadores. De fato, ocorreu que, pela primeira vez no Brasil, a questão social ganhou visibilidade e se tornou alvo da intervenção do Estado, através das políticas sociais.

Saes (2001) traz mais um elemento importante a ser considerado quando pensamos no início da implementação de políticas sociais no país. Para o autor, elas são resultantes da falta de apoio das classes dominantes ao governo de Getúlio Vargas. Sem o apoio das classes dominantes rurais e com a oscilação do apoio da burguesia industrial, o governo precisou se ancorar nas classes dominadas. Assim, a política de Vargas se caracterizou, segundo Saes (2001), pelo atendimento a algumas demandas da classe dominada e pelo enfraquecimento da organização dos trabalhadores.

Os dois aspectos básicos dessa política foram, de um lado, o atendimento de aspirações difusas das classes trabalhadoras, como a criação de uma legislação fabril e o reconhecimento de direitos sociais a uma parte dos trabalhadores urbanos; de outro lado, a frustração do processo de conquista, por parte dos trabalhadores urbanos, de independência organizativa […] (SAES, 2001, p. 398).

É nesse contexto de implementação de políticas sociais – enquanto resposta à organização da classe dominada, por necessidade de manutenção do poder do Estado e para a manutenção da acumulação capitalista, cuja característica principal era a proteção ao mundo do trabalho – que o Serviço Social vai se estruturar como profissão, no Brasil, a serviço dos interesses do capital, mediante as ações do Estado e fundamentado na doutrina social da Igreja Católica. Para Yazbek, “Os referenciais orientadores do pensamento e da ação emergente do serviço social brasileiro têm sua fonte na Doutrina Social da Igreja, no ideário franco-belga de ação social e no pensamento de São Tomás de Aquino (séc. XII) o tomismo e o neotomismo […]” (YAZBEK, 2009a, p. 131).

Conjugando a doutrina social da Igreja Católica e os interesses do Estado, os assistentes sociais intervinham junto à classe dominada de forma a buscar a coesão social, “acreditando” na possibilidade e na necessidade de harmonia entre as classes, conforme as proposições de parcela da Igreja Católica, a qual “[…] não se identificava nem com o comunismo nem com o liberalismo, mas também não punha em questão o modo de produção capitalista, propondo-se à humanização através da colaboração entre as classes em conflito” (SPOSATI; RAICHELIS, 1983, p. 5).

Conforme Iamamoto e Carvalho (2005, p. 216), “se dedicavam ao Serviço Social mulheres de famílias abastadas, reunidas a partir de seu relacionamento e militância no meio católico”. Dessa forma, temos como presença marcante na profissão os pressupostos da doutrina social da Igreja Católica. Para Netto (1992), essa relação com a Igreja não pode ser negada, pois o início de um ofício requer que seus agentes procurem uma fundamentação e, no caso do Serviço Social, a fundamentação veio da doutrina social da Igreja Católica e se manteve presente por muito tempo na profissão. Essa relação de continuidade, porém, não é suficiente para explicar a profissionalização do Serviço Social, é preciso ter atenção para a relação de ruptura. Ao falar sobre a ruptura, Netto (1992) aponta:

Substancialmente, a ruptura se revela no fato de, pouco a pouco, os agentes começarem a desempenhar papéis executivos em projetos de intervenção cuja funcionalidade real e efetiva está posta por uma lógica e uma estratégia objetivas que independem de sua intencionalidade (NETTO, 1992, p. 68).

Mesmo que, de fato, a formatação do Serviço Social quando da sua profissionalização seja sustentada nos ideários da doutrina social da Igreja Católica, é indispensável ter claro que o Serviço Social tem sua instalação como profissão e seu desenvolvimento marcados pela ordem monopólica e pelo momento em que a questão social erige na cena econômica e política. Netto (1992) afirma:

[…] a profissionalização do serviço social não se relaciona decisivamente à evolução da ajuda à racionalização da filantropia nem à organização da caridade”; vincula-se à dinâmica da ordem monopólica.(Onde as primeiras aspas se fecham? No interior delas, é melhor usar aspas simples) (NETTO, 1992, p. 70).

As políticas sociais se constituem em espaço para a consolidação da profissão e o assistente social se insere no mercado de trabalho, enquanto trabalhador assalariado, com a função de executar políticas sociais voltadas ao atendimento das expressões da questão social, majoritariamente propostas pelo Estado. O assistente social aparecerá como uma categoria de assalariados – quadros médios cuja principal instância mandatária será, direta ou indiretamente, o Estado (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 309). Segundo Yazbek (2009a), com a ampliação dos programas e instituições estatais, principalmente a partir da década de 1940, a intervenção profissional terá maior alcance. Para a autora,

a profissão amplia sua área de ação, alarga as bases sociais de seu processo de formação, assume um lugar na execução das políticas sociais emanadas do Estado e, a partir desse momento, tem seu desenvolvimento relacionado à complexidade dos aparelhos estatais na operacionalização das Políticas Sociais (YAZBEK, 2009a, p. 132).

Portanto, após a implantação do Serviço Social na década de 1930, ocorre uma expansão no mercado de trabalho a partir de 1945, quando as instituições estatais passam a contratar um maior número de profissionais. Visando responder ao aumento das expressões da questão social, o Serviço Social constitui-se “numa das engrenagens de execução das políticas sociais do Estado e corporações empresariais” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 310).

Diante disso, a exclusividade do referencial conservador católico, que permeou o início da profissão, começa a ser “tecnificado ao entrar em contato com o serviço social norte-americano e suas propostas de trabalho permeadas pelo caráter conservador da teoria social positivista” (YAZBEK, 2009b, p. 146). Nesse processo, a profissão reitera seu posicionamento conservador e, dentro das instituições privadas e estatais, implementa políticas sociais de forma a ajustar o indivíduo às necessidades do trabalho e da vida na cidade. Esse posicionamento e

o caráter necessário e “racionalizador,” das práticas subsidiárias desenvolvidas pelo Serviço Social deriva, em parte substantiva, do conteúdo de classe – dos interesses das classes dominantes embutidos nas políticas sociais do Estado – que preside e determina a ação das instituições assistenciais (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 312-313).

O Serviço Social segue, assim, como uma profissão necessária ao sistema capitalista, pois, no cotidiano profissional, não só distribui racionalmente os benefícios materiais, burocratiza, estabelece e implementa critérios rígidos para o atendimento às necessidades da população, como também tem no horizonte de sua ação motivar os indivíduos e impedir a acomodação. Por assim ser, vincula o acesso aos benefícios materiais às exigências de participação em cursos profissionalizantes e atividades educativas, entre outras. “E às doses homeopáticas de auxílios materiais se acrescenta um volume desproporcional de controle e inculcação ideológica” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005, p. 319).

Na década de 1950, as grandes indústrias passam a contratar assistentes sociais, continuando a ampliação dos postos de trabalho para esse profissional. A política desenvolvimentista implementada pelo governo de Juscelino Kubitschek, embora mantenha aspectos do populismo de Vargas, busca superar a posição de subdesenvolvimento do país, focando no desenvolvimento econômico; considerava que a pobreza e os demais problemas sociais seriam superados pelo desenvolvimento econômico. O Serviço Social, conforme Iamamoto e Carvalho (2005), só irá se envolver com as políticas desenvolvimentistas no fim da década de 1950, sendo que a modalidade profissional na qual foram mais fecundas essas proposições foi o Desenvolvimento de Comunidade.

Até meados da década de 1960, o Serviço Social esteve, de forma geral, harmonicamente vinculado à manutenção do sistema capitalista, tendo suas ações voltadas à reprodução da força de trabalho e à contenção das tensões sociais. O primeiro questionamento referente a esse posicionamento surge na década de 1960, quando a profissão de assistente social, no Brasil e na América Latina, inicia um debate teórico, técnico e político sobre o Serviço Social tradicional. Esse momento de renovação profissional foi um movimento não homogêneo e em conformidade com a realidade de cada país da América Latina. De acordo com Netto (2008), o campo de formação acadêmica do Serviço Social constitui o espaço no qual foi gestada a “intenção de ruptura” expressa no Movimento de Reconceituação, em meados da década de 1960. Dessa forma, configura-se no Serviço Social uma perspectiva crítica, um posicionamento político em favor da classe dominada, uma maior preocupação com o rigor teórico e diferentes posturas profissionais. Nas palavras de Faleiros (1987, p. 50), “[…] a ruptura com o serviço social tradicional se inscreve na dinâmica de rompimento das amarras imperialistas, de luta pela libertação nacional e de transformações da estrutura capitalista excludente, concentradora e exploradora”.

Especificamente no Brasil, com o governo João Goulart (de 1961 ao início de 1964), houve um período em que o governo se colocou como comprometido com os interesses da classe trabalhadora e, entre outras ações, colocou em movimento propostas de reformas de base e propiciou um clima social e político de inspiração crítica. Nesse contexto, parcelas profissionais do Serviço Social iniciaram uma interlocução com o marxismo, o que vai configurar, para a profissão, a apropriação de outra matriz teórica com proposições diversas da perspectiva conservadora que, com exclusividade, tinha norteado a atividade profissional até então: a teoria social de Marx (YAZBEK, 2009b). É certo pontuar que essa apropriação ocorreu por diferentes caminhos, mas, certamente, foi decisiva para a construção da postura crítica no Serviço Social.

Inicia-se um processo de revisão crítica da formação e do trabalho do assistente social, pautado na crítica ao conservadorismo da profissão e na luta pela democracia. É importante pontuar que, nesse período, toda a América Latina sofreu golpes militares e o povo passou a viver sob ditaduras, tendo as liberdades políticas e sociais tolhidas. Esse processo de coerção violenta, impresso pela ditadura, deixou marcas nas sociedades latino-americanas e também, é claro, no Serviço Social. A ditadura impôs ao Movimento de Reconceituação limites à construção efetiva de um processo crítico, o que levou o “[…] movimento em seus primeiros momentos (em tempos de ditadura militar e de impossibilidade de contestação política) a priorizar um projeto tecnocrático/modernizador, do qual Araxá e Teresópolis são as melhores expressões” (YAZBEK, 2009b, p. 148).

No que se refere aos encontros de Araxá (1967) e Teresópolis (1971), o editorial da RevistaServiçoSocialeSociedade, n. 12, de 1983, aponta que foram uma tentativa de se manter na profissão a influência hegemônica do grupo da ação social. É importante destacar que, nesse mesmo editorial, é apontada a fragilização da ação social, o que ocorre, possivelmente, “quando nos anos 70 cria-se grande número de escolas de Serviço Social, multiplicam-se as políticas sociais e seus programas absorvem novos contingentes profissionais” (SPOSATI; RAICHELIS, 1983, p. 7).

Podemos perceber a importância da política social na consolidação do Serviço Social como profissão, não só enquanto espaço de inserção profissional no mercado de trabalho, mas como espaço catalisador de experiências e exigências que contribuíram para diminuir a prevalência da influência da Igreja Católica no Serviço Social, e também para a apropriação de novos referenciais teóricos e posturas profissionais.

Em meio à ditadura, as políticas sociais se efetivam de forma fragmentada e com caráter controlador, regidas por “princípios simples e coerentes com o padrão excludente e conservador de desenvolvimento econômico” (VIANNA, 1990, p. 8). Dessa forma, nesse período, a política social assumiu novos contornos, característicos de um sistema econômico e político autoritário e excludente, ou seja,

[…] no pós-64, ao longo do período de autoritarismo, [é] que se consolida o arcabouço político-institucional das políticas sociais brasileiras. Suas características podem ser expressas nos seguintes princípios: 1. extrema centralização política e financeira no nível federal das ações sociais do governo; 2. fragmentação institucional; 3. exclusão da participação social e política da população nos processos decisórios; 4. autofinanciamento do investimento social; e 5. privatização (SOARES, 2001, p. 209).

O Serviço Social demorou a se posicionar abertamente contrário a esse modelo de política social, embora a profissão tenha conseguido demarcar o Movimento de Reconceituação. Enquanto movimento também de resistência e defesa da democracia, conforme Netto (2009), a oposição ao governo militar não foi a tônica da profissão, embora houvesse minorias de estudantes, profissionais e professores que resistiram e lutaram contra os terrores da ditadura, e que foram igualmente perseguidos e reprimidos. Grande contingente de profissionais apoiava o golpe e as ações derivadas dele, assumindo cargos de confiança no governo. “É fato que o grosso da categoria profissional atravessou aqueles anos sem tugir nem mugir” (NETTO, 2009, p. 664).

Para Netto (2009), além da repressão exercida pelo Estado autoritário, os agentes mais críticos sofriam com a aparente situação de inatingível prevalência das posições conservadoras que eram blindadas pela imensa maioria de assistentes sociais que não se posicionava e que nada fazia (os “inacionários”).

Assim, em oposição às ações em defesa da democracia, dos interesses da classe trabalhadora e da incorporação do referencial marxista na profissão, encontrava-se o Serviço Social tradicional que, nos anos seguintes, perdeu a prevalência nos espaços de formação, mas, certamente, não deixou de existir e, de tempos em tempos, tenta imprimir a necessidade de uma prática profissional empirista e burocratizada, parametrizada em

Uma ética liberal-burguesa e sua teleologia consiste na correção – numa ótica claramente funcionalista – de resultantes psicossociais considerados negativos ou indesejáveis, sobre o substrato de uma concepção (aberta ou velada) idealista e/ou mecanicista da dinâmica social, sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida como um dado factual ineliminável (NETTO, 1981, p. 60).

Nesse embate entre assistentes sociais críticos (vinculados à vertente intenção de ruptura) e tradicionais, diante da repressão da ditadura militar, o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais torna-se um marco em favor da democracia. Realizado em 1979, representou não só um posicionamento claro da profissão em favor da democracia, como significou o rompimento com o Serviço Social tradicional, o que contribui decisivamente para a consolidação da profissão nas décadas subsequentes.

Como já observamos, durante a ditadura militar ampliou-se a precária condição de vida de grandes parcelas da população, houve o predomínio de restrições à liberdade civil e política e os movimentos sociais foram coibidos, restando-lhes o espaço da clandestinidade.

Mesmo nesse contexto, a resistência não deixou de existir e, após 20 anos, a transição para a democracia é iniciada. A derrubada da ditadura não se deu pela revolução, mas pelo desgaste político do governo militar, propiciado também pela força dos movimentos sociais, armados ou não. As diferentes forças e instituições acordaram a transição, e a pressão das forças democráticas foi decisiva para a direção desse pacto.

O esgotamento da ditadura militar começou a ser percebido no final da década de 1970, momento em que as condições de vida da população se tornam mais precárias, e se torna pública a insatisfação popular em relação a essas condições. Houve, então, o ressurgimento dos movimentos sociais de reivindicação. Entre esses movimentos, podemos citar o movimento popular por saúde e o movimento contra a carestia, em 1982, que conseguiram grande adesão da população.

A fragilidade das políticas sociais na esfera pública e governamental e a constante busca do Serviço Social para encontrar caminhos críticos e explicativos que influenciassem seu fazer profissional marcaram as décadas de 70 e 80, assim como uma ação política de lutas e resistências pela garantia da restauração dos direitos políticos e ampliação dos direitos sociais.

Além disso, hegemonicamente, o Serviço Social se posicionou como coletivo político em relação às entregas das políticas sociais, segundo Prates (2016):

Constituímos coletivamente uma profissão que reconhece a luta de classes e o seu antagonismo histórico, que, no modo de produção capitalista, apresenta a contradição entre o avanço do crescimento da riqueza socialmente produzida e, como contraponto, a ampliação progressiva de desigualdades, ou o que Marx (1989) chamou de Lei Geral de acumulação capitalista. Conformamos uma categoria profissional que se posiciona coletivamente no sentido de estimular o fortalecimento da classe trabalhadora, em especial dos mais subjugados, discriminados, vulnerabilizados pela desigualdade, pela discriminação de raça, de gênero, de etnia, e direciona sua práxis, ou sua prática, com clareza de direção social, orientada pela perspectiva de novas formas de sociabilidade, onde seja possível a efetiva superação dessas desigualdades (PRATES, 2016, p.3).

Maturidade teórica e compromissos com os avanços democráticos e dos direitos sociais

Na década de 1980, o Serviço Social inicia a construção de sua maturidade teórica e política. Para Netto (1996), “A década de oitenta consolidou, no plano ideopolítico, a ruptura com o histórico conservadorismo do Serviço Social” (NETTO, 1996, p. 111). Yazbek (2009b) afirma que é com Iamamoto (sobretudo com a publicação do livro RelaçõessociaiseserviçosocialnoBrasil), no início da década de 1980, que o Serviço Social inicia sua efetiva interlocução com a teoria social de Marx. É certo que o conservadorismo não deixou de existir; no entanto a profissão passou a conviver com o pluralismo, com as diferenças teóricas e políticas.

Numa palavra, democratizou-se a relação no interior da Categoria e legitimou-se o direito à diferença ideopolítica. Nunca será exagerada a significação dessa conquista, num corpo profissional em que o doutrinarismo católico inseriu, originalmente, uma refinada e duradoura intolerância (NETTO, 1996, p. 111).

O Serviço Social adentra o período de redemocratização do país se fazendo presente na busca por direitos sociais. A profissão participa efetivamente em diferentes processos, como na conquista de avanços pontuados na Constituição de 1988, na construção da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), entre outros: “É nesse contexto histórico, pós-constituição de 1988, em que os profissionais de serviço social iniciam o processo de ultrapassagem da condição de executores de políticas sociais, para assumir posições de planejamento e gestão dessas políticas” (YAZBEK, 2009b, p. 153).

Esse foi, sem dúvida, um momento de grandes avanços para a profissão, que percebeu que seus pressupostos convergiam para as proposições dos direitos pautados pela nova Constituição e que as habilidades profissionais credenciavam os assistentes sociais a participar da proposição e gestão das Políticas Sociais. O novo ordenamento constitucional orientava para o alargamento dos direitos e do sistema protetivo, trazendo como diretrizes a universalização de acesso, a descentralização e a participação social, o que passa a coadunar-se com o Projeto Ético-Político do Serviço Social, sobretudo o Código de Ética e a Lei de Regulamentação da Profissão editados em 1993. Destaca-se que o Código aponta para a defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores, da democratização das políticas sociais.

É interessante observar que no momento em que se buscava salientar o caráter contraditório das políticas sociais públicas e do Serviço Social – no sentido de atender a demandas tanto do capital como do trabalho, ainda que não homogeneamente, expressando a condensação de forças contidas nas relações sociais -, o código repõe uma visão dualista das relações econômicas e de poder e o compromisso político com a classe trabalhadora como única alternativa para uma categoria profissional heterogênea, social e politicamente (IAMAMOTO, 2009, p. 101).

Ao mesmo tempo, a nova regulamentação profissional reconhecia a necessidade de os assistentes sociais ampliarem seu espectro de intervenção reconhecendo um novo lugar na gestão das políticas sociais. Quanto a isso se, por um lado, uma parcela da categoria conseguiu ampliar seus espaços e passou a atuar na construção e gestão das Políticas Sociais, por outro, ainda é possível identificar, nas práticas cotidianas dos assistentes sociais, traços de práticas realizadas em períodos anteriores, como a prática do favor, da benevolência e da coerção. Podemos observar, como pontuam Mioto e Nogueira (2013), que persiste

[…] uma assimetria entre a prática do assistente social, continuando o fazer de épocas anteriores, em contraste com os valores atualizados, como a igualdade na fruição dos direitos, a participação democrática e a proteção universal, sob a égide do Estado em algumas políticas sociais (MIOTO; NOGUEIRA, 2013, p. 64).

Por conseguinte, durante a década de 1980, o Serviço Social busca consolidar suas habilidades e competências no sentido de responder às novas exigências das Políticas Sociais, principalmente daquelas que compõem a Seguridade Social e as demandas que se colocam à profissão. A relevância histórica desse período de transição democrática consiste na expressão de diferentes interesses e direitos sociais, através da consolidação de identidade coletiva. Em especial, podemos dizer que há maiores avanços nas ponderações e propostas de intervenção entre os profissionais que se identificam com a vertente intenção de ruptura (NETTO, 2008).

[…] ou seja: a renovação crítico-analítica, viabilizada pelo desenvolvimento teórico da perspectiva da intenção de ruptura, propicia novos aportes no nível prático-operativo da profissão – donde, por exemplo, a circunscrição de formas alternativas de intervenção, no bojo das políticas sociais, junto a movimentos sociais e o reequacionamento do desempenho profissional no marco da assistência pública (NETTO, 2008, p. 303).

Em decorrência desse processo, autores como Netto (1996) e Iamamoto (2008) apontam que a maturidade profissional alcançada pelo Serviço Social na década de 1990 se expressa, também, através de um Projeto Ético-Político hegemônico na profissão, que tem como valor central a liberdade, não a liberdade no sentido burguês, mas a liberdade enquanto democracia e a defesa intransigente dos direitos sociais. Esse projeto é fruto das lutas pela democracia e contra o conservadorismo profissional, lutas iniciadas pela categoria na década de 1960.

No entanto, na passagem dos anos 1980 para os 1990, a partir da incidência dos ajustes neoliberais no país, todas as dimensões da vida em sociedade são alteradas. As expressões da questão social assumem novos contornos, principalmente pelas mudanças no mundo do trabalho, focadas em máxima vantagem para o capital e mínima para o trabalhador, as desigualdades econômicas e sociais aumentam e ocorre a erosão do sistema público de proteção social (YAZBEK, 2009b). Esse contexto coloca, segundo a autora, “novas questões ao serviço social, quer do ponto de vista de sua intervenção, quer do ponto de vista da construção de seu corpo de conhecimento” (YAZBEK, 2009b, p. 154).

Desde então, o reordenamento da profissão e de sua formação na perspectiva da classe trabalhadora sofre impactos dos ajustes liberalizantes, não só pela precarização das relações de trabalho do profissional, mas também pelo impacto sobre as políticas sociais que, ao priorizarem a direção da descentralização, privatização e focalização, reduzem o alcance dessas políticas na satisfação das necessidades da população e limitam a possibilidade de ação do profissional.

Conforme refere Soares (2001), os ajustes estruturais são realizados por meio de políticas liberalizantes e se refletem em toda a sociedade.

Essas reformas estruturais de cunho neoliberal – centradas na desregulamentação dos mercados, na abertura comercial e financeira, na privatização do setor público e na redução do Estado – assumiram (sobretudo a partir de 1985) uma convergência forçada nas medidas recomendadas pelo Banco Mundial, que foram ganhando força de doutrina constituída sendo aceita por praticamente todos os países (SOARES, 2001, p. 19).

Assim, frente aos ajustes liberalizantes, temos a minimização das ações do Estado, o sucateamento dos serviços públicos, a “liquidação dos direitos sociais”, o desenvolvimento de políticas sociais focalizadas e a flexibilização das relações de trabalho. Nesse contexto, torna-se imperativo reconhecer o movimento contraditório das políticas sociais brasileiras, ao mesmo tempo em que, no campo normativo representaram ampliação de direitos, no cotidiano do capitalismo “financeirizado” passam por importantes ajustes que ameaçam a seguridade social e retoma práticas repressivas e filantrópicas no enfrentamento da questão social.

Torna-se imperativo e complexo implementar um projeto profissional como o do Serviço Social que, em sua dimensão política, se posiciona a favor da equidade e da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso a bens e a serviços relativos a políticas e programas sociais. É também nesse tempo que os assistentes sociais articulam os direitos sociais com os quais trabalhavam em seu cotidiano com movimentos mais amplos e visam a novos marcos civilizatórios.

Considerações finais

Como vimos, o cotidiano da formação e a intervenção do assistente social no Brasil são decisivamente marcados pelos caminhos da política social engendrada pelo Estado capitalista brasileiro. Na contemporaneidade, a profissão vivencia uma significativa ampliação quantitativa de seu espaço no mercado de trabalho. No entanto, depara-se, hoje, com inúmeros desafios que, certamente, exigem pensar a necessidade de afirmação de seus referenciais críticos, no sentido de permitir a instrumentalização e qualificação profissional na efetivação do Projeto Ético-Político da profissão, sem deixar de pautar as demandas do mercado de trabalho, pois, como enuncia Vasconcelos (2002), na contemporaneidade, os assistentes sociais estão frente ao desafio de atender as demandas imediatas da população sem perder de vista que, embora essas demandas sejam reais e precisem ser atendidas, somente sua satisfação não resolve questões de origem estrutural.

Podemos inferir que, mesmo em tempo de neoliberalismo, não se trata de negar a efetivação da política social no cotidiano profissional, mas de pautar a exigência e se apropriar dela, de seus determinantes e, ao entender seus limites e possibilidades, elaborar a crítica. Assim, acima de tudo, encontrar possibilidades de ação na direção do reconhecimento dos direitos e da democratização do acesso enquanto atuação comprometida com a direção do Projeto Ético-Político do Serviço Social.

Impõe-se também, a partir de múltiplos espaços e estratégias políticas, a ação coletiva contra o rebaixamento intelectual e a desqualificação do trabalho profissional, a denúncia da violação de direitos dos próprios assistentes sociais como trabalhadores no exercício de sua cidadania laboral, a resistência ao produtivismo institucional, a luta pela melhoria das condições de trabalho e o fortalecimento do compromisso do Serviço Social por uma sociedade emancipada (RAICHELIS, 2013, p. 632).

Entendemos que é exatamente o entrelaçado permanente com a política social que possibilita ao Serviço Social construir diferentes formas de intervenção, uma vez que as políticas sociais são formas necessárias à manutenção do modo de acumulação capitalista e, por assim ser, trazem em si as diferenças de classes e a possibilidade de mudança. Ao participar desse processo, a profissão se faz partícipe do movimento das classes sociais antagônicas na sociedade, movimento que pode alterar a maneira como a intervenção estatal se realiza e, também, a direção da intervenção profissional, como afirma José Paulo Netto (1992):

Nas mediações que o Estado se vê compelido, pela ação de classes e frações de classes, a introduzir no trato sistemático das refrações da “questão social”, o Serviço Social pode desincumbir-se das suas tarefas contemplando diferencialmente os vários protagonistas sócio-históricos em presença. A opção por um tratamento privilegiado de qualquer um deles, porém, não é função de uma escolha pessoal dos profissionais – ainda que a suponha, é variável da ponderação social e da força polarizada dos protagonistas (NETTO,1992, p. 76).

A intervenção material do profissional tem limites na sociedade capitalista. Seu avançar na direção da classe dominada também depende da correlação de forças presente na sociedade que, no momento atual, se coloca contrária à construção de uma política social amplamente universal, capaz de efetivar mudanças no padrão de desigualdade social existente e persistente no país, como bem coloca Yazbek (2009c):

Encontramo-nos no olho do furacão… E, embora saibamos, como foi dito ao longo destas reflexões, que escapa às políticas sociais reverter níveis tão elevados de desigualdade como os encontrados no Brasil, não podemos duvidar das virtudes possíveis dessas políticas, nem nas (das) possibilidades do trabalho profissional do assistente social, pois podem ser a possibilidade de construção de direitos e iniciativas de “contradesmanche” de uma ordem injusta e desigual. Romper com essa herança e instaurar esse debate na sociedade brasileira é parte de nosso projeto. É este o nosso sonho (YAZBEK, 2009c, p. 126).

Entendemos que a realização desse “projeto”, desse “sonho” passa necessariamente pela reprodução que a profissão realiza do movimento da política social na sociedade brasileira, sendo, portanto, um desafio para a profissão trabalhar materialmente com a política social na construção de estratégias de resistência, na perspectiva apontada pelo Projeto Ético-Político hoje hegemônico na profissão.

Quando surge o Serviço Social no Brasil e em que contexto político?

Resumo. O Serviço Social surge no Brasil na década de 30, estreitamente ligada a Igreja Católica. O país passava por uma fase turbulenta, onde a burguesia não estava dando conta das diversas manifestações da classe trabalhadora, que reivindicava por melhores condições de trabalho e justiça social.

Como surgiu a política de assistência social no Brasil?

A Assistência Social no Brasil tem sua origem histórica baseada na caridade, filantropia e na solidariedade religiosa. Até a década de 40, essa corrente perdurou. Em 1947 foi criada a Legião Brasileira de Assistência - FLBA com o objetivo de atender as famílias dos pracinhas combatentes da 2ª Guerra Mundial.

Qual o contexto de surgimento do Serviço Social?

O Serviço Social surge como uma resposta dos grupos dominantes, em especial a Igreja Católica, à latente questão social. Parte-se da gênese de que essa concepção inspira uma ideologia de preceitos que leva a conhecer os direitos humanos. A influência da mais-valia dentro de uma sociedade dialética.

Quando se deu o surgimento do Serviço Social no Brasil?

Quando o Serviço Social surgiu? No Brasil, as primeiras escolas de Serviço Social surgiram no final da década de 1930, quando se desencadeou no país o processo de industrialização e urbanização.