Qual a influência de Charcot e Breuer para a formulação da teoria freudiana e do método clínico psicanalítico?

Pelo processo de defesa envolvido no recalque, o eu expulsa de seu campo as idéias irreconciliáveis, ainda que ao preço de sua própria divisão.

Essas idéias são registradas no inconsciente, passando a integrar o seu sistema de memória e condenando o eu, doravante, a experimentar os seus retornos sucessivos como um corpo estranho incompatível com a sua consistência imaginária.

O recalque não elimina a representação indesejável, mas simplesmente isola-a psiquicamente. As idéias de caráter aflitivo passam, desde então, a formar um grupo associativo separado da consciência, organizando-se de acordo com leis associativas diversas daquelas que regem o eu consciente, condenando-o a uma luta permanente contra o retorno do recalcado em derivados substitutos do inconsciente, sob a forma de uma tenaz resistência.

A primeira, denominada tópica, formula a possibilidade de um duplo registro do material mnêmico inconsciente, sendo colocada nos seguintes termos: quando uma idéia ou representação passa do registro inconsciente para o registro consciente, com a mudança de localização tópica aí operada, a idéia passaria a existir em dois lugares diversos, quer dizer, a idéia continuaria a ter existência psíquica inconsciente, acrescida agora de uma existência paralela no sistema consciente? Com relação a essa hipótese, Freud levanta uma séria objeção. Quando se comunica ao paciente o conteúdo de uma idéia recalcada, pode-se afirmar que ela passou a ter existência em dois lugares psíquicos diversos. Contudo, o trabalho clínico comprova que esse procedimento não produz nenhuma alteração psíquica. O recalque não é removido e nem os seus efeitos são anulados.
Com relação ainda a essa primeira hipótese, Freud faz uma divertida analogia, dizendo que, se o conhecimento sobre o inconsciente fosse tão importante para o paciente, ouvir conferências ou ler livros seria suficiente para curá-lo. Observa, entretanto, que isso tem tanta influência sobre os sintomas quanto a distribuição de cardápios aos famintos

Rev. bras. psicoter. 2015; 17(3):47-62

Ferramentas


Artigos Originais

O desenvolvimento da regra fundamental na obra de Freud: da hipnose � associa�ao livre*

The development of the fundamental rule in Freud's work: from hypnosis to free association*

Luciano Isolan

Resumo

Uma das principais ferramentas da t�cnica psicanal�tica � a associa�ao livre, intitulada pelo pr�prio Freud como a regra fundamental da psican�lise. Essa regra pode ser conceituada como o compromisso assumido pelo paciente de comunicar ao analista tudo o que lhe vier � mente, independentemente de suas inibi�oes ou do fato de ach�-las insignificantes ou nao. Freud desenvolveu a t�cnica da associa�ao livre gradualmente a partir da hipnose e do m�todo cat�rtico. O conhecimento desses m�todos anteriores � associa�ao livre torna poss�vel uma maior compreensao a respeito do desenvolvimento da regra fundamental. Esse aprimoramento na t�cnica psicanal�tica possibilitou o acesso do material recalcado para a consci�ncia e revelou ao paciente a natureza de seu inconsciente. O presente trabalho se propoe a realizar um estudo da evolu�ao da regra fundamental na obra de Freud atrav�s de seus sucessivos per�odos, passando da hipnose � associa�ao livre.

Descritores: Associa�ao livre; Psican�lise; Psicoterapia.

Abstract

One of the main tools of psychoanalytic technique is free association, headed by Freud himself, as the fundamental rule of psychoanalysis. This rule can be defined as the commitment of the patient to communicate to the analyst whatever comes to mind, regardless of their inhibitions or fact find them insignificant or not. Freud developed the technique of free association gradually from the hypnosis and the cathartic method. Knowledge of these previous methods to free association makes possible a greater understanding about the development of the fundamental rule. This enhancement in psychoanalytic technique allows access of the repressed material for awareness and revealed to the patient the nature of his unconscious. This paper aims to conduct a study of the evolution of the fundamental rule in Freud's work through its successive periods through hypnosis to free association.

Keywords: Free association; Psychoanalysis; Psychotherapy.

INTRODU�AO

Uma das principais ferramentas da t�cnica psicanal�tica � a associa�ao livre, que � uma das vias de acesso ao inconsciente. A import�ncia da associa�ao livre para o m�todo psicanal�tico foi tao grande que o pr�prio Freud a intitulou como a regra fundamental da psican�lise. Essa regra pode ser conceituada como o compromisso assumido pelo paciente de comunicar ao analista tudo o que lhe vier � mente, independentemente de suas inibi�oes ou do fato de ach�-las insignificantes ou nao.

Freud desenvolveu a associa�ao livre com seus pacientes de uma forma gradual, possivelmente entre 1892 e 1898, e como resultado de experimenta�ao de diversos outros m�todos pr�-psicanal�ticos, como a hipnose, a sugestao e o m�todo cat�rtico. O conhecimento desses m�todos anteriores � associa�ao livre torna poss�vel uma maior compreensao a respeito do desenvolvimento da regra fundamental.

O presente trabalho se propoe a realizar um estudo te�rico da evolu�ao da regra fundamental na obra de Freud atrav�s de seus sucessivos per�odos, passando da hipnose � associa�ao livre.

OS PRIMORDIOS DA ASSOCIA�AO LIVRE

Freud se formou em medicina em 1881. Ainda estudante, em 1876, come�ou a trabalhar no laborat�rio de fisiologia de Ernst Brucke, sob cuja dire�ao efetuou pesquisas na �rea de fisiologia e histologia do sistema nervoso. Foi nesse instituto, onde permaneceu seis anos, que teve o primeiro contato com o renomado m�dico vienense Joseph Breuer. Depois de formado, em 1883, ingressou no servi�o de psiquiatria de Theodor Meynert, onde trabalhou como cl�nico e aplicou-se nos estudos de neuroanatomia. Antes de se dedicar inteiramente ao estudo psicanal�tico, publicou v�rios trabalhos sobre afec�oes org�nicas, tais como as afasias e as encefalopatias infantis. De outubro de 1885 a fevereiro de 1886, viajou � Fran�a, onde trabalhou na Salp�tri�re, em Paris, sob a dire�ao do eminente neurologista Charcot. Durante seus estudos em Paris, Freud observou e vivenciou o emprego da hipnose por Charcot, que fazia aparecer e desaparecer quadros hist�ricos nos pacientes. Ao utilizar a hipnose, Charcot chamou a aten�ao da comunidade m�dica, que nunca havia reconhecido o hipnotismo como m�todo cient�fico. Ap�s retornar a Viena, Freud logo se desapontou com os m�todos tradicionalmente existentes na �poca no tratamento da histeria, tais como hidroterapia, eletroterapia, massagens, dentre outros, adotando gradualmente a pr�tica da hipnose e da sugestao. Freud se posicionou radicalmente contra as resist�ncias que o meio m�dico, principalmente na Alemanha e na Austria, tinha contra o hipnotismo e apoiou a utilidade desse m�todo no tratamento das patologias nervosas, particularmente da histeria. O seu interesse pela hipnose o fez traduzir um livro de Bernheim sobre a sugestao hipn�tica e suas aplica�oes terap�uticas em 1889 e outro em 1892. Freud tamb�m fez uma visita de algumas semanas �s cl�nicas de Li�beault e Bernheim em Nancy, na Fran�a, no verao de 1889, para aprimorar sua t�cnica em hipnose.

Em Viena, Freud come�ou a colaborar com Joseph Breuer, cl�nico renomado que, alguns anos antes, entre 1880 e 1882, havia tratado uma paciente que apresentava uma s�rie de sintomas hist�ricos, como tosse nervosa, dist�rbios da visao, paralisias motoras, alucina�oes, dist�rbios da linguagem, dentre outros, enquanto cuidava do pai enfermo. Trata-se do cl�ssico caso da Srta. Anna O., que pode ser considerado o primeiro caso em que a t�cnica cat�rtica foi utilizada. Breuer observou com essa paciente que os sintomas hist�ricos desapareciam sempre que o acontecimento traum�tico ligado a eles era reproduzido sob hipnose. Por�m, a intensa transfer�ncia er�tica, que se manifestou ao final do tratamento como uma pseudociese, fez que com Breuer interrompesse o caso prematuramente.

Em um artigo intitulado "Histeria", Freud1 define as principais caracter�sticas do m�todo vigente na �poca no tratamento dessa patologia. Nesse artigo, Freud recomenda dois tipos de tratamento para a neurose hist�rica. O primeiro consistiria no afastamento do paciente de seu ambiente familiar e sua interna�ao em um hospital. Tais medidas teriam a fun�ao de afastar o paciente de seu ambiente familiar, considerado por ele como gerador de crises, e de criar condi�oes ideais de observa�ao e controle das crises. O segundo tipo de tratamento consistiria na remo�ao das causas ps�quicas dos sintomas hist�ricos. Diz Freud1 sobre esse tratamento:

O tratamento direto consiste na remo�ao das fontes ps�quicas que estimulam os sintomas hist�ricos, e isto se torna compreens�vel se buscarmos as causas da histeria na vida ideativa inconsciente. Consiste em dar ao paciente sob hipnose uma sugestao que cont�m a elimina�ao do dist�rbio em causa. [...] O efeito se torna maior se adotarmos um m�todo posto em pr�tica, pela primeira vez, por Joseph Breuer em Viena, e fizermos o paciente, sob hipnose, remontar � pr�hist�ria ps�quica de sua doen�a, compelindo-o a reconhecer a ocasiao ps�quica em que se originou o referido dist�rbio (p. 93).

Como Charcot, Breuer tamb�m utilizava a hipnose no tratamento de pacientes hist�ricos. Por�m, enquanto Charcot procurava influenciar seus pacientes atrav�s de sugestao direta, Breuer preferiu deix�-los descrever seus pr�prios sintomas e torn�-los capazes de encontrar al�vio, reencenando, tanto quanto poss�vel, a situa�ao traum�tica original. O m�todo de Breuer, chamado de cat�rtico, era fundamentalmente baseado na hip�tese de que os sintomas dos pacientes hist�ricos eram situa�oes passadas que tiveram grande repercussao, mas que foram esquecidas. Tais sintomas representavam um emprego anormal de doses de excita�ao que nao haviam sido suficientemente descarregadas. A terap�utica cat�rtica consistia entao em induzir o paciente atrav�s da hipnose a relembrar os traumas esquecidos e reagir a eles com expressoes de afeto. Quando isso ocorria, o sintoma, que at� entao tomara o lugar dessas expressoes de emo�ao, desaparecia. Freud2 j� dizia em "Uma breve descri�ao da psican�lise" que: "Dessa maneira, um s� e mesmo procedimento servia simultaneamente aos prop�sitos de investigar o mal e livrar-se dele, e essa conjun�ao fora do comum foi posteriormente conservada pela psican�lise" (p. 220). Como observa Garcia-Rosa3, Freud acrescentou um elemento � t�cnica criada por Breuer. Enquanto este permanecia passivo diante da torrente de fatos narrados pela sua paciente, nao procurando influenci�-la em nada, Freud passou a empregar a sugestao diretamente como meio terap�utico. Dessa forma, a hipnose era empregada para se chegar aos fatos traum�ticos, como fazia Breuer, mas, uma vez esses fatos tendo sido identificados, Freud fazia uso da sugestao para elimin�-los ou pelo menos debilit�-los em sua for�a patog�nica.

Freud logo se deu conta das limita�oes e dificuldades do m�todo hipn�tico, pois percebeu que nem todos os pacientes eram hipnotiz�veis e que os sintomas eliminados com essa t�cnica frequentemente reapareciam. Em "Estudos sobre a histeria"4, observamos, atrav�s dos casos cl�nicos pormenorizadamente relatados, um progresso dos procedimentos t�cnicos que Freud adotou desde a sugestao atrav�s da hipnose at� o desenvolvimento da associa�ao livre. Do mesmo modo que se situa a descoberta do m�todo cat�rtico na cura de Anna O. por Breuer, situa-se no tratamento da Srta. Emmy von N. por Freud o abandono da hipnose e o surgimento da associa�ao livre.

A paciente Emmy von N., uma rica vi�va diagnosticada como hist�rica por Freud, tinha ao redor de 40 anos e apresentava um quadro de m�ltiplas dores, alucina�oes, tiques, tartamudez, ins�nia e fobias a certos animais. Nesse caso, que durou cerca de sete semanas, Freud empregou diversas modalidades de tratamento. Al�m do m�todo cat�rtico, utilizado aqui por ele pela primeira vez, fez uso da sugestao hipn�tica e do que ele denominava a "t�cnica da pressao". Nessa t�cnica Freud pressionava a fronte do paciente com a mao, na esperan�a de que o paciente pudesse relembrar acontecimentos de sua vida passada que trouxessem alguma compreensao quanto �s origens de sua doen�a. Durante esse tratamento h� uma interessante passagem que talvez seja o primeiro aparecimento que alude ao que depois se tornaria a t�cnica da associa�ao livre. Diz Freud4 que:

Todas �s vezes, portanto, mesmo enquanto a massageio, minha influ�ncia j� come�a a afet�-la; a paciente fica mais tranquila e mais l�cida, e mesmo sem que haja perguntas sob hipnose consegue descobrir a causa de seu mau humor naquele dia. Tampouco sua conversa durante a massagem � sem objetivo como poderia parecer. Pelo contr�rio, encerra uma reprodu�ao razoavelmente completa das lembran�as e das novas impressoes que a afetaram desde a �ltima conversa, e, muitas vezes, de maneira bem inesperada, progride at� as reminisc�ncias patog�nicas, que ela vai desabafando sem ser solicitada. � como se tivesse adotado meu m�todo e se valesse de nossa conversa, aparentemente sem constrangimento e guiada pelo acaso, como um complemento de sua hipnose. Por exemplo, hoje come�ou a falar de sua fam�lia e, com muitos rodeios, passou ao assunto de um primo. [...] Ela acompanhou a hist�ria com expressoes de horror e ficou repetindo sua f�rmula protetora ("Fique quieto! - Nao diga nada! - Nao me toque!") (p. 90-91).

Em outro momento posterior do tratamento, a mesma paciente, claramente irritada com as interrup�oes e com as interroga�oes insistentes de Freud sobre a origem de seus sintomas, diz: "[...] em um tom claro de queixa, que eu nao devia continuar a perguntar-lhe de onde provinha isto ou aquilo, mas que a deixasse contar-me o que tinha a dizer. Concordei com isso e ela prosseguiu, sem nenhum pre�mbulo" (p. 97). Freud reconhecia que, por mais tediosas e repetitivas que fossem as narrativas, ele nao ganhava nada com suas interrup�oes, mas que tinha que ouvir as hist�rias da paciente at� o fim, com todos os seus minuciosos detalhes.

Apesar de o m�todo cat�rtico poder ser considerado como um precursor da psican�lise, ele foi apenas um aprimoramento da hipnose, procedimento utilizado na �poca para o tratamento das doen�as nervosas. Foi Freud quem introduziu as inova�oes t�cnicas que transformariam o m�todo cat�rtico na psican�lise. Ao desistir da hipnose e desenvolver a t�cnica da associa�ao livre, Freud estava criando o que seria considerada "a regra fundamental" da psican�lise.

A ASSOCIA�AO LIVRE NA OBRA DE FREUD

Freud destacou a import�ncia da associa�ao livre em v�rios de seus textos e atribuiu a essa t�cnica um valor fundamental dentro da psican�lise. Cabe salientar que, em "Uma nota sobre a t�cnica da pr�hist�ria da t�cnica de an�lise"5, h� a men�ao de um breve ensaio de 1823 intitulado "A arte de tornar-se escritor em tr�s dias", de autoria de Ludwig Borne, que Freud ganhou de presente aos 14 anos e que termina com o seguinte trecho:

Pegue algumas folhas de papel e por tr�s dias a fio anote, sem falsidade ou hipocrisia, tudo o que lhe vier � cabe�a. Escreva o que pensa de si mesmo, de sua mulher, da Guerra Turca, de Goethe, do julgamento de Fonk, do Ju�zo Final, de seus superiores, e, quando os tr�s dias houverem passado, ficar� espantad�ssimo pelos novos e inauditos pensamentos que teve. Esta � a arte de tornar-se um escritor original em tr�s dias (p. 273).

Nessa cita�ao fica evidente a inten�ao do autor de romper com a censura consciente e com a l�gica formal do pensamento. � tentador supor que Freud, ao ler esse ensaio, deva ter sido influenciado por tais pressupostos, os quais podem ter contribu�do para o emprego psicanal�tico da associa�ao livre.

Em "A interpreta�ao dos sonhos", Freud6 reconhece que, embora muitos sonhos desafiassem a compreensao simples e fossem desprovidos de sentido l�gico, isso nao significava que nao tinham l�gica pr�pria. Para Freud, os sonhos continham um racioc�nio conectivo intr�nseco dentro de si. Reconhecendo uma l�gica temporal e detalhes com precisao, ele observou que nos sonhos:

Sempre que nos mostram dois elementos muito pr�ximos, isso garante que existe alguma liga�ao especialmente estreita entre o que corresponde a eles nos pensamentos do sonho. Da mesma forma, em nosso sistema de escrita, "ab", significa que as duas letras devem ser pronunciadas numa �nica s�laba. Quando se deixa uma lacuna entre o "a" e o "b" isso significa que o "a" � a �ltima letra de uma palavra e o "b", a primeira da seguinte. Do mesmo modo, as coloca�oes nos sonhos nao consistem em partes fortuitas e desconexas do material on�rico, mas em partes que sao mais ou menos estreitamente ligadas tamb�m nos pensamentos do sonho (p. 340).

Segundo Bollas7, a partir de sua observa�ao de que os sonhos fluem segundo certa l�gica temporal, foi poss�vel a Freud descobrir as leis da associa�ao livre. O discurso do paciente deveria ser um discurso livre de sentido linear consciente, ou seja, o indiv�duo deveria desfrutar de uma libera�ao do conhecimento l�gico. Entao, Freud concluiu que, assim como nos sonhos, a ordem em que o paciente diz o que est� em sua mente pode revelar sua pr�pria l�gica intr�nseca. As associa�oes dessa l�gica peculiar seriam respons�veis por revelar os desejos, as ansiedades, a mem�ria e os conflitos ps�quicos do paciente.

Freud j� utilizava o processo de associa�ao livre na sua autoan�lise e particularmente na an�lise dos sonhos. Nesse caso, � um elemento do sonho que serve de ponto de partida para a descoberta das cadeias associativas que levam aos pensamentos do sonho. Entao, em "A interpreta�ao dos sonhos"6 j� � poss�vel identificar o que poderia ser considerado algumas das ideias precursoras relacionadas � associa�ao livre. Diz Freud que:

Meus pacientes assumiam o compromisso de me comunicar todas as ideias ou pensamentos que lhe ocorressem em rela�ao a um assunto espec�fico [...]. � necess�rio insistir explicitamente para que renuncie a qualquer cr�tica aos pensamentos que perceber. Dizemos-lhe, portanto, que o �xito da psican�lise depende de ele notar e relatar o que quer que lhe venha � cabe�a, e de nao cair no erro, por exemplo, de suprimir uma ideia por parecer-lhe destitu�da de sentido (p. 135-136).

Cabe observar que, quando Freud solicitava ao paciente que associasse sobre o seu sonho, ele nao estava pedindo ao sonhador ideias sobre o seu sonho. Ele nao estava se voltando � consci�ncia sua ou � do analisando para ver como poderiam entender o sonho. Ao contr�rio, Freud preconizava que a pessoa deveria apenas relatar o que estivesse pensando naquele momento, independentemente do quanto lhe parecessem insignificantes esses pensamentos.

Nesse mesmo trabalho, Freud6 destaca as diferen�as entre uma atitude reflexiva de uma atitude observadora quanto aos pr�prios processos ps�quicos. Para ele, na atitude reflexiva haveria paralelamente uma atitude cr�tica que levaria � rejei�ao de algumas das ideias que ocorreriam ap�s ser percebidas. Al�m disso, poderia haver a interrup�ao de outras ideias abruptamente, sem o seguimento dos fluxos de pensamento que elas lhe desvendariam, e essa atitude cr�tica tamb�m poderia fazer com que outras ideias nunca pudessem se tornar conscientes. J� na atitude auto-observadora, seria necess�rio nada mais do que apenas a supressao dessa atitude cr�tica. Caso se tenha �xito nessa tarefa, nem sempre f�cil, iriam vir � consci�ncia in�meras ideias que, de outro modo, jamais conseguiriam ser captadas.

Em "O m�todo psicanal�tico em Freud" sao evocadas as principais transforma�oes pelas quais seu m�todo passou. Freud8 inicia relatando os trabalhos iniciais com Breuer e esclarece os inconvenientes da hipnose, a qual seria censur�vel por ocultar as resist�ncias e por fornecer apenas informa�oes parciais levando a sucessos provis�rios. Al�m disso, uma propor�ao consider�vel de pacientes nao seria hipnotiz�vel, o que tamb�m restringiria em muito a pr�tica da hipnose. Nesse trabalho, Freud8 afirma ter encontrado "[...] um substituto da hipnose, plenamente satisfat�rio, nas associa�oes do paciente, ou seja, nos pensamentos involunt�rios - quase sempre sentidos como perturbadores e por isso comumente postos de lado - que costumam cruzar a trama da exposi�ao intencional" (p. 237).

A associa�ao livre permitiria entao atingir com maior facilidade os elementos respons�veis pela libera�ao dos afetos, das lembran�as e das representa�oes. O �nico vest�gio remanescente da hipnose era a solicita�ao de que o paciente se deitasse no diva. Freud8 descreve entao da seguinte forma essa t�cnica:

[...] exorta os pacientes a se deixarem levar em suas comunica�oes, "mais ou menos com se faz em uma conversa a esmo, passando de um assunto a outro". Antes de exort�-los a um relato pormenorizado de sua hist�ria cl�nica, ele os instiga a dizerem tudo o que lhes passar pela cabe�a, mesmo o que julgarem sem import�ncia, ou irrelevante, ou disparatado. Ao contr�rio, pede com especial insist�ncia que nao excluam de suas comunica�oes nenhum pensamento ou ideia pelo fato de serem embara�osos ou penosos (p. 237).

Nesse texto, Freud8 diz que no relato da hist�ria cl�nica irao surgir lacunas na mem�ria do paciente, que seriam como amn�sias resultantes de um processo de recalcamento e cuja motiva�ao � associada a um desprazer. Esclarece que as for�as ps�quicas que deram origem a esse recalcamento estariam na resist�ncia que se opoe � restaura�ao das lembran�as. Segundo Freud, "o valor das ideias inintencionais para a t�cnica terap�utica reside nessa rela�ao delas com o material ps�quico recalcado" (Ibid., p. 238). Avan�ar atrav�s das associa�oes livres at� o material recalcado era o que permitiria tornar acess�vel � consci�ncia o que at� entao era inconsciente. Com base nessa elabora�ao te�rica, formulada atrav�s de sua experi�ncia cl�nica, foi poss�vel desenvolver "a arte da interpreta�ao � qual compete a tarefa, por assim dizer, de extrair do min�rio bruto das associa�oes inintencionais o metal puro dos pensamentos recalcados" (p. 238).

Em "Fragmento da an�lise de um caso de histeria", Freud9 comenta no pref�cio que a "t�cnica psicanal�tica sofreu uma revolu�ao radical" (p. 23) em rela�ao � t�cnica exposta no tratamento dos primeiros casos de histeria. Assim, ao inv�s de focalizar e submeter � analise os sintomas com o intuito de esclarec�-los um ap�s o outro, Freud9 diz que agora deixa que o paciente "determine o tema do trabalho cotidiano, e assim parto da superf�cie que seu inconsciente ofere�a a sua aten�ao naquele momento [...] a nova t�cnica � muito superior � antiga, e � incontestavelmente a �nica poss�vel". Pode-se inferir, j� na introdu�ao do caso Dora, que a regra fundamental passa a ocupar uma posi�ao central na t�cnica anal�tica freudiana. Cabe ressaltar tamb�m a interessante e inspiradora afirma�ao de Freud9 quando diz que: "Quem tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, fica convencido de que os mortais nao conseguem guardar nenhum segredo. Aqueles cujos l�bios calam denunciam-se com as pontas dos dedos: a den�ncia lhes sai por todos os poros" (p. 78-79). Nesse trecho, observa-se que Freud nao estava enfatizando apenas a comunica�ao verbal do paciente, mas tamb�m a linguagem nao verbal, que poderia ser expressa atrav�s de sil�ncios, entona�oes de voz e gestos.

Em "Cinco li�oes de psican�lise", Freud10, comentando sobre a t�cnica psicanal�tica e ressaltando os trabalhos de Jung e do grupo de Zurique com a associa�ao de palavras, observa que uma recorda�ao em conexao com um n�mero suficiente de "associa�oes livres" permitir� que se desvende o que Freud chamava de um "complexo reprimido". Para tanto, recomenda-se ao paciente falar sobre o que quiser, por�m sabe-se que frequentemente se ouvir� como resposta que o paciente nao tem nada a dizer ou que nada lhe surge � mente. Cabe salientar que o m�todo de associa�ao utilizado por Jung em Zurique baseava-se em testes de associa�ao verbal que procuravam demonstrar experimentalmente a presen�a do material reprimido. J� a associa�ao livre preconizada por Freud deixava ao paciente a responsabilidade e iniciativa das associa�oes. Para Freud as associa�oes livres nunca deixariam de aparecer. Diz Freud10 que: "� que o doente, influenciado pela resist�ncia disfar�ada em ju�zos cr�ticos sobre o valor da ideia, ret�m-na ou de novo a afasta" (p. 45). Segundo Freud10: "Esse material associativo que o doente rejeita como insignificante, quando em vez de estar sob a influ�ncia do m�dico est� sob a da resist�ncia, representa para o psicanalista o min�rio de onde com o simples artif�cio da interpreta�ao h� de extrair o metal precioso" (p. 46).

A expressao "regra fundamental" foi utilizada pela primeira vez no artigo t�cnico "A din�mica da transfer�ncia", quando Freud11 discutia a questao da resist�ncia transferencial. Nesse artigo, Freud11 descreve que: "[...] assim que entra sob o dom�nio de qualquer resist�ncia transferencial consider�vel [...] se sente entao em liberdade de desprezar a regra fundamental da psican�lise, que estabelece que tudo que lhe venha � cabe�a deve ser comunicado sem cr�tica [...]" (p. 119). O termo "fundamental", como destaca Zimerman12, era apropriado, visto que nao seria poss�vel conceber uma an�lise sem que o paciente disponibilizasse um cont�nuo aporte de verbaliza�oes que permitissem ao analista proceder a um levantamento, de natureza arqueol�gica, das repressoes acumuladas no inconsciente, de acordo com o paradigma vigente na �poca. Nesse mesmo artigo, Freud11 diz que: "[...] se as associa�oes de um paciente faltam, a interrup�ao pode invariavelmente ser removida pela garantia de que ele est� dominado, momentaneamente, por uma associa�ao relacionada com o pr�prio m�dico ou com algo a este vinculado"
(p. 112-113). Para Freud, assim que essa explica�ao fosse fornecida, a interrup�ao das associa�oes seria removida e o paciente retomaria o fluxo de comunica�oes ou a situa�ao iria se alterar para nao mais uma cessa�ao real das associa�oes, mas sim uma reten�ao das associa�oes devido a sentimentos comuns de desprazer.

Retomando as ideias sobre a atitude reflexiva e a atitude observadora que relatou em "A interpreta�ao dos sonhos", em "Recomenda�oes aos m�dicos que exercem a psican�lise" Freud13 diz que: "[...] atividades mentais, tais como refletir sobre algo ou concentrar a aten�ao nao solucionam nenhum dos enigmas da neurose: isto s� pode ser efetuado ao se obedecer pacientemente � regra psicanal�tica, que impoe a exclusao de toda cr�tica do inconsciente ou de seus derivados" (p. 132). Nesse mesmo trabalho, Freud conceituou a aten�ao flutuante do analista como a contrapartida � associa�ao livre do paciente. Para Freud13, a regra para o m�dico pode ser assim definida: "Consiste simplesmente em nao dirigir o reparo para algo espec�fico e em manter a mesma 'aten�ao uniformemente suspensa' em face de tudo o que se escuta" (p. 125). Assim, postula-se que o analista deve conter tanto quanto poss�vel todas as influ�ncias conscientes da sua capacidade de prestar aten�ao e abandonar-se inteiramente � mem�ria inconsciente. Sendo assim, o analista � convidado a buscar ativamente uma determinada atitude mental que � diferente do pensamento l�gico, livre de censuras e expectativas, para poder observar entao seu paciente desde uma nova perspectiva. Ainda nesse texto, Freud13 tamb�m diz que: "o analista deve voltar seu pr�prio inconsciente, como �rgao receptor na dire�ao do inconsciente transmissor do paciente [...] o inconsciente do m�dico � capaz, a partir dos derivados do inconsciente que lhe sao comunicados, de reconstruir esse inconsciente, que determinou as associa�oes livres do paciente" (p. 129). Conforme destaca Mondrzak14, nessa passagem fica claro que o instrumento de observa�ao do analista est� relacionado ao que permite a capta�ao do que � inconsciente e s� pode partir da possibilidade de o analista ter acesso a seus pr�prios processos inconscientes.

Em "Sobre o in�cio do tratamento", Freud15 elabora algumas regras, que prefere chamar de recomenda�oes, para o in�cio do tratamento psicanal�tico. Chama a aten�ao, no entanto, para a diversidade de situa�oes e fatores que se opoem a qualquer mecaniza�ao da t�cnica. Nesse trabalho, Freud15 relata que o material inicial trazido pelo paciente � indiferente, mas em todos os casos deve-se permitir ao paciente ser livre para escolher por onde ele dever� come�ar a falar. Freud15 diz ao paciente que: "Antes que eu possa lhe dizer algo, tenho de saber muita coisa sobre voc�; por obs�quio, conte-me o que sabe a respeito de si pr�prio" (p. 149). Por�m, Freud ressalta que a �nica exce�ao a esse coment�rio � que a regra fundamental deve ser comunicada no come�o do tratamento, tendo em vista que, sob o efeito da resist�ncia, todo paciente em algum momento do tratamento iria desprezar essa regra. Nessa que talvez seja uma de suas exposi�oes mais completas sobre a associa�ao livre, Freud15 diz:

Uma coisa a mais, antes que voc� comece. O que vai me dizer deve diferir, sob determinado aspecto, de uma conversa comum. Em geral, voc� procura, corretamente, manter um fio de liga�ao ao longo de suas observa�oes e exclu� quaisquer ideias intrusivas que lhe possam ocorrer, bem como quaisquer temas laterais, de maneira a nao divagar longe demais do assunto. Neste caso, por�m, deve proceder de modo diferente. Observar� que, � medida que conta coisas, irao lhe ocorrer diversos pensamentos que gostaria de p�r de lado, por causa de certas cr�ticas ou obje�oes. Ficar� tentado a dizer a si mesmo que isto ou aquilo � irrelevante aqui, ou inteiramente sem import�ncia, ou absurdo, de maneira que nao h� necessidades de diz�-lo. Voc� nunca deve ceder a estas cr�ticas, mas diz�-lo apesar delas [...]. Assim diga tudo o que lhe passa pela mente (p. 149-150).

Ainda nesse mesmo trabalho, descrevendo a t�cnica da associa�ao livre, Freud15 utiliza a famosa met�fora da viagem de trem ao dizer: "Aja como se, por exemplo, voc� fosse um viajante sentado � janela de um vagao ferrovi�rio, a descrever para algu�m que se encontra dentro as vistas cambiantes que se v� l� fora" (p. 150). Essa met�fora assinala o que se quer dizer com livre, ou seja, nao excluir nada volunt�ria e conscientemente da comunica�ao. Observa-se tamb�m o intuito de Freud de deixar o paciente o mais � vontade poss�vel criando uma situa�ao prop�cia para a emerg�ncia do material inconsciente.

Em "Um estudo autobiogr�fico", Freud16 retornou � evolu�ao de seu m�todo e insistiu na necessidade do respeito � regra fundamental da psican�lise e como ele costumava rotineiramente proceder com seus pacientes nesse quesito t�cnico. Diz Freud16 que: "Em vez de incitar o paciente a dizer algo sobre algum assunto, pedi-lhe entao que [...] dissesse o que lhe viesse � cabe�a, enquanto deixasse de dar qualquer orienta�ao consciente a seus pensamentos" (p. 45). Nesse mesmo texto, Freud16 deixa claro que a associa�ao livre � a t�cnica com a qual se pode tornar consciente o material reprimido que est� retido pelas resist�ncias. O autor ressalta tamb�m que a associa�ao livre nao seria realmente livre. Embora o paciente nao esteja dirigindo suas atividades mentais para um determinado assunto, ele est� permanentemente sob a influ�ncia da situa�ao anal�tica e da transfer�ncia, e tudo que lhe ocorre tem alguma refer�ncia com essas situa�oes.

Ao longo de seus trabalhos, observa-se que Freud enfatizou as diversas rela�oes entre a associa�ao livre e as diferentes formas de resist�ncia. Para Freud, durante o processo anal�tico, sob o efeito das resist�ncias, inevitavelmente haveria um momento no qual o paciente desprezaria a regra fundamental e diria que nada lhe ocorre, solicitando ao m�dico que diga algo. Penso, entretanto, que apesar de haver uma diversidade de formas de comunicar ou nao a regra fundamental no in�cio do tratamento, isso por si s� nao seria suficiente para eliminar as resist�ncias conscientes e, principalmente, as inconscientes do paciente.

Em "Resist�ncia e repressao", Freud17 relata que a primeira coisa que se consegue ao estabelecer a regra fundamental � que ela se transforma no alvo dos ataques da resist�ncia. Nesse mesmo artigo, Freud17 enfatiza que seja feita uma "advert�ncia expressa", insistindo para que o paciente siga apenas a superf�cie de sua consci�ncia, abandonando toda a cr�tica sobre aquilo que encontra. Prossegue dizendo que: "o sucesso do tratamento, e, sobretudo sua dura�ao, depende da conscienciosidade com que ele obedece a esta regra fundamental da an�lise (p. 294). Segundo Freud17: "O paciente procura, por todos os meios, livrar-se das exig�ncias dessa regra. Em um momento, declara que nao lhe ocorre nenhuma ideia; no momento seguinte, que tantos pensamentos se acumulam dentro de si, que nao pode apreender nenhum" (p. 295). Em seguida, reconhecendo as resist�ncias � regra fundamental, comenta que o paciente poderia entao se utilizar de diversos subterf�gios, tais como vergonha em falar sobre determinado assunto, dizer que o que lhe passou na mente era sem import�ncia ou o que ele pensou se refere a outra pessoa e nao haveria motivo para falar. Freud, de uma forma categ�rica, diz apenas que se poderia replicar ao paciente que "dizer tudo" significa realmente "dizer tudo".

Para Freud17, os neur�ticos obsessivos, atrav�s de sua superconscienciosidade e de suas d�vidas, poderiam tornar a regra fundamental quase que in�til. Na tentativa de explorar mais profundamente os motivos que interferem na livre associa�ao, em "Inibi�oes, sintoma e ansiedade", Freud18 discorreu sobre as dificuldades espec�ficas do neur�tico obsessivo em seguir � regra fundamental. Diz Freud18 que essas dificuldades decorrem em fun�ao de que: "Seu ego � mais atento e faz isolamentos mais acentuados, provavelmente por causa do alto grau de tensao devido ao conflito que existe entre seu superego e seu id" (p. 123). Freud se referia aqui � tend�ncia do ego do neur�tico obsessivo de estar constantemente lutando contra a intrusao de fantasias inconscientes e da manifesta�ao de tend�ncias ambivalentes. O ego deveria estar sempre empenhado em impedir associa�oes e liga�oes de pensamento. Relata Freud18 que tal postura do ego "[...] estaria de acordo com uma das ordens mais antigas e fundamentais da neurose obsessiva que seria o tabu de tocar [...] o toque e o contato f�sico sao a finalidade imediata de catexias objetais agressivas e amorosas [...] isolar � remover a possibilidade de contato" (p. 124). Conclui Freud18 que: "e quando um neur�tico isola uma impressao ou uma atividade interpolando um intervalo, ele est� deixando que se compreenda simbolicamente que ele nao permitir� que seus pensamentos sobre aquela impressao ou atividade entrem em contato associativo com outros pensamentos (p. 124). Nesse interessante trecho, observamos que para Freud o associar livremente poderia ser compreendido tamb�m como uma forma de liga�ao afetiva/emocional interna.

CONSIDERA�OES FINAIS

Como foi exposto no presente artigo, a t�cnica da associa�ao livre desenvolveu-se gradualmente a partir da hipnose e do m�todo cat�rtico de Breuer. Essa transi�ao ocorreu � luz das experi�ncias que Freud teve com sua autoan�lise e as que teve na cl�nica com os seus primeiros pacientes. Cabe ressaltar que, escutando e acompanhando seus pacientes e tendo a liberdade para questionar e reformular seus pr�prios m�todos, Freud desenvolveu a t�cnica da associa�ao livre. Acatando o pedido de uma paciente que lhe pediu para que ele a deixasse falar livremente, Freud criou uma nova forma de acesso ao inconsciente, a qual utilizamos at� hoje ao deixarmos nossos pacientes falarem livremente o que lhes vem � mente.

Esse aprimoramento na t�cnica psicanal�tica possibilitou o acesso do material recalcado para a consci�ncia e revelou ao paciente a natureza de seu inconsciente. Penso que o m�todo cat�rtico de Breuer foi um est�gio preliminar da psican�lise, e a mesma teve realmente o seu in�cio ap�s o abandono do m�todo hipn�tico e cat�rtico e a introdu�ao da t�cnica da associa�ao livre por Freud.

Ao longo dos seus trabalhos sobre t�cnica psicanal�tica, Freud estabeleceu algumas recomenda�oes b�sicas que devem nortear a t�cnica do tratamento psicanal�tico, como a associa�ao livre, a abstin�ncia, a neutralidade e a aten�ao flutuante. Dentre essas recomenda�oes ou regras, a �nica que foi nomeada como fundamental foi a associa�ao livre. A regra fundamental � um princ�pio b�sico do m�todo investigativo freudiano, que aplica de maneira sistem�tica a t�cnica da associa�ao livre, desde o in�cio de cada tratamento e durante todas as sessoes. A associa�ao livre nao deve ser considerada como algo isolado do paciente, mas como um processo complexo que reflete a intera�ao entre o analista e o paciente.

Freud estabeleceu uma das maneiras como o paciente deveria se comunicar, mas tamb�m definiu a forma de como o analista deveria conduzir a sua escuta, atrav�s da aten�ao flutuante. Se ao paciente caberia verbalizar tudo o que lhe ocorre, sem deixar de revelar algo que lhe pare�a insignificante, constrangedor ou doloroso, ao analista caberia escutar o paciente de maneira o menos seletiva poss�vel e o mais isento e livre de preconceitos. Para Bollas19, conforme preconizado por Freud, haveria uma comunica�ao do inconsciente do paciente para o inconsciente do analista e ambos os inconscientes poderiam provocar altera�oes m�tuas um no outro. Esse estado mental, caracterizado pela capacidade de olhar de determinada maneira a pr�pria mente ou a do paciente, � a ess�ncia do contato psicanal�tico.

Observa-se durante toda a sua obra sobre a regra fundamental que Freud ressaltava profundamente a necessidade da associa�ao livre para os seus pacientes. Para Zimerman12, Freud impunha essa regra por meio de uma condi�ao obrigat�ria na combina�ao inicial do contrato anal�tico, assim como por um constante incentivo �s associa�oes de ideias no curso das sessoes. Penso, conforme aponta Soroka20, que o analista deve ter em mente que o paciente inevitavelmente ter� resist�ncias � associa�ao livre ao longo do tratamento. A regra fundamental nao deve ter um tom desnecessariamente autorit�rio ou que sugira ao paciente que dele � esperado que cumpra exig�ncias com as quais ele, inexoravelmente, pelo menos em algum momento do tratamento, nao ser� capaz de satisfazer. Inclusive, para Meltzer21, no in�cio do processo psicanal�tico, a regra fundamental nao � seguida, e a mesma � frequentemente mal apreendida sob a forma de "dizer tudo o que vem � mente". Esse autor refere esperar que os pacientes possam observar seus estados mentais e comunicar essas observa�oes, e que tal atitude nao seria poss�vel com certa precisao ou consist�ncia durante alguns anos. Nessa mesma linha, Bollas19 refere que a associa�ao livre deve ser o m�todo e a meta da psican�lise. Para esse autor, a associa�ao livre ideal, em seu estado puro, � uma fic�ao, pois se encontraria permanentemente comprometida pelas resist�ncias do paciente. Dessa forma, penso tamb�m que a proposta � regra fundamental, apesar de ser comunicada no in�cio do tratamento, possivelmente somente atingir� a sua real plenitude no decorrer do tratamento. Assim, podemos compreender a associa�ao livre como um objetivo a ser conquistado e constru�do entre o analista e o paciente ao longo do processo terap�utico. Para tanto, � necess�rio tamb�m que o analista tenha como meta para si pr�prio o desenvolvimento da aten�ao flutuante e que assim possibilite que seu inconsciente possa estabelecer uma comunica�ao adequada com o inconsciente do paciente.

Cabe destacar, como afirma Mondrzak14, que na associa�ao livre o paciente deve ser livre para omitir, censurar, distorcer, e que essa liberdade se mostra reveladora do funcionamento mental do paciente. Para Zimerman12, uma modifica�ao que ocorreu ao longo do tempo � que a associa�ao livre passou de uma imposi�ao do analista a uma permissao ao analisando. Assim, � propiciado ao paciente um ambiente no qual possa realmente ser livre para recriar um novo espa�o onde ele possa voltar a vivenciar antigas experi�ncias emocionais, pensar, sentir, muitas vezes atuar e, acima de tudo, silenciar ou dizer tudo o que lhe vier � mente, no seu ritmo e � sua moda. Um discurso associativo aparentemente sem censuras, que corresponderia ao ideal de associa�ao livre, poderia apenas significar um amontoado de palavras ligadas por qualquer crit�rio aleat�rio e que teriam um sentido apenas defensivo e resistencial. Nesses casos, a verbaliza�ao das ideias do paciente, por meio da associa�ao livre, poderia estar sendo utilizada de uma forma muito mais "livre" do que realmente "associativa".

Ao longo do desenvolvimento de sua obra, Freud muitas vezes modificou suas formula�oes, revisando conceitos e acrescentando dimensoes novas aos procedimentos t�cnicos. Por�m, atrav�s deste trabalho, observou-se que, embora a t�cnica da associa�ao livre tenha passado por diferentes descri�oes ao longo da obra de Freud, ela permaneceu praticamente inalterada e continuou sendo considerada um dos principais meios de acesso ao material inconsciente.

REFERENCIAS

1. Freud S. Publica�oes pr�-psicanal�ticas e esbo�os in�ditos (1888). In: Edi�ao standard brasileira das obras psicol�gicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1996. v. 1, p. 75-94.

2. Freud S. Uma breve descri�ao da psican�lise (1924 [1923]). In: Edi�ao standard brasileira das obras psicol�gicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1996. v. 19, p. 213-236.

3. Garcia-Rosa LA. Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar; 1985.

4. Breuer J, Freud S. Estudos sobre a histeria (1893-1895). In: Edi�ao standard brasileira das obras psicol�gicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1996. v. 2, p. 13-339.

5. Freud S. Uma nota sobre a pr�-hist�ria da psican�lise (1920). In: Edi�ao standard brasileira das obras psicol�gicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1996. v. 18, p. 271-273.

6. Freud S. A interpreta�ao dos sonhos (1900). In: Edi�ao standard brasileira das obras psicol�gicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1996. v. 4, p. 14-363.

7. Bollas C. A questao infinita. Porto Alegre: Artmed; 2012.

8. Freud S. O m�todo psicanal�tico em Freud (1904 [1903]). In: Edi�ao standard brasileira das obras psicol�gicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1996. v. 7, p. 233-240.

9. Freud S. Fragmento da an�lise de um caso de histeria (1905 [1901]). In: Edi�ao standard brasileira das obras psicol�gicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1996. v. 7, p. 15-116.

10. Freud S. Cinco li�oes de psican�lise (1910). In: Edi�ao standard brasileira das obras psicol�gicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1996. v. 11, p. 15-65.

11. Freud S. A din�mica da transfer�ncia (1912). In: Edi�ao standard brasileira das obras psicol�gicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1996. v. 12, p. 110-119.

12. Zimerman DE. Manual de t�cnica psicanal�tica. Uma re-visao. Porto Alegre: Artmed; 2004.

13. Freud S. Recomenda�oes aos m�dicos que exercem a psican�lise (1912). In: Edi�ao standard brasileira das obras psicol�gicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1996. v. 12, p. 122-133.

14. Mondrzak VS. Recomenda�oes aos m�dicos que exercem a psican�lise: Freud 1912/Freud 2012. Rev Psicanal SPPA. 2012;19(1):215-25.

15. Freud S. Sobre o in�cio do tratamento (1913). In: Edi�ao standard brasileira das obras psicol�gicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1996. v. 12, p. 136-171.

16. Freud S. Um estudo autobiogr�fico (1925 [1924]). In: Edi�ao standard brasileira das obras psicol�gicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1996. v. 20, p. 10-74.

17. Freud S. Resist�ncia e repressao (1916-1917 [1915-1917]). In: Edi�ao standard brasileira das obras psicol�gicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1996. v. 16, p. 293-308.

18. Freud S. Inibi�oes, sintomas e ansiedade (1926 [1925]). In: Edi�ao standard brasileira das obras psicol�gicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1996. v. 20, p. 80-173.

19. Bollas C. Associa�ao livre. Rio de Janeiro: Relume Dumar�; 2005.

20. Soroka P. A t�cnica da associa�ao livre revisitada: a regra fundamental da psican�lise � luz de diferentes concep�oes do processo anal�tico. Rev Psicanal SPPA. 1997;5(3):423-40.

21. Meltzer D. O processo psicanal�tico (1967). Rio de Janeiro: Imago; 1971.

Psiquiatra e Psiquiatra da Inf�ncia e Adolesc�ncia. Mestre e Doutor em Psiquiatria. Membro aspirante da Sociedade Psicanal�tica de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil

Institui�ao: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Sociedade Psicanal�tica de Porto Alegre.

Correspond�ncia
Luciano Isolan
Av. Taquara, 386/805
Porto Alegre/RS

Submetido em: 21/12/2014
Aceito em: 11/05/2015

* Versao modificada e ampliada de trabalho publicado previamente nos Anais do VIII Simp�sio Interno Integrado da Associa�ao de Candidatos da Sociedade Psicanal�tica de Porto Alegre, 2014.

Qual a influência de Charcot e Breuer para a formulação da teoria freudiana e do método clínico psicanalítico?
Qual a influência de Charcot e Breuer para a formulação da teoria freudiana e do método clínico psicanalítico?
Qual a influência de Charcot e Breuer para a formulação da teoria freudiana e do método clínico psicanalítico?
     
artigo anterior voltar ao topo pr�ximo artigo

Qual a relação entre Freud Charcot e Breuer e por que ela é importante para o pensamento freudiano?

A relação entre o professor Charcot e o aluno Freud foi a base para a construção de uma nova teoria que Freud nos deixou como herança. Estrutura não comunicada que encerra um lugar perante o saber freudiano: da fascinação à constituição de um enigma.

Quem foi Charcot e qual a sua importância para Freud na construção da psicanálise?

Charcot usava a Hipnose para conseguir acessar o inconsciente dos pacientes. Desse modo, conseguia acessar as suas lembranças e emoções represadas, que não podiam ser acessadas pelo consciente. Assim, ele conseguia eliminar problemas e doenças físicas, resultantes dessas mesmas memórias e emoções.

Qual a influência de Martin Charcot para o desenvolvimento da psicanálise de Freud?

Então, podemos afirmar que Charcot foi o precursor da psicanálise porque inspirou ideias que Freud, posteriormente, desenvolveu para dar-lhes uma forma mais refinada. Dessa forma, Charcot foi uma grande influência para a criação da psicanálise, embora a história não o considere o pai da mesma.

Quem foi Josef Breuer e qual a sua importância para o desenvolvimento da psicanálise?

Breuer descobriu, em 1880, que ele havia aliviado os sintomas de depressão e hipocondria (histeria) de uma paciente, Bertha Pappenheim, depois de induzi-la a recordar experiências traumatizantes sofridas por ela na infância. Para isso Breuer fez uso da hipnose e de um método novo, a terapia de conversa.