Qual a crítica apresentada por Gregório de Matos em seu poema?

Autores do Barroco

Gregório de Matos Guerra: o Boca do Inferno   

Gregório de Matos Guerra nasceu em Salvador (BA) e morreu em Recife (PE). Estudou no colégio dos jesuítas e formou-se em Direito em Coimbra (Portugal). Recebeu o apelido de Boca do Inferno, graças a sua irreverente obra satírica.

Firmou-se como o primeiro poeta brasileiro: cultivou a poesia lírica, satírica, erótica e religiosa. O que se conhece de sua obra é fruto de inúmeras pesquisas, pois Gregório não publicou seus poemas em vida. Por essa razão, há dúvidas quanto à autenticidade de muitos textos que lhe são atribuídos.

Qual a crítica apresentada por Gregório de Matos em seu poema?

Gregório de Matos Guerra

O poeta religioso

A preocupação religiosa do escritor revela-se no grande número de textos que tratam do tema da salvação espiritual do homem. No soneto a seguir, o poeta ajoelha-se diante de Deus, com um forte sentimento de culpa por haver pecado, e promete redimir-se. Observe:

Soneto a Nosso Senhor

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque quanto mais tenho delinquido
Vos tem a perdoar mais empenhado.

Se basta a voz irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história.

Eu sou, Senhor a ovelha desgarrada,
Recobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.

O poeta satírico

Gregório de Matos é amplamente conhecido por suas críticas à situação econômica da Bahia, especialmente de Salvador, graças à expansão econômica chegando a fazer, inclusive, uma crítica ao então governador da Bahia Antonio Luis da Camara Coutinho. Além disso, suas críticas à Igreja e a religiosidade presente naquele momento. Essa atitude de subversão por meio das palavras rendeu-lhe o apelido de "Boca do Inferno", por satirizar seus desafetos

Triste Bahia

Triste Bahia!
ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi abundante.

A ti tricou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e, tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.

O poeta lírico

Em sua produção lírica, Gregório de Matos se mostra um poeta angustiado em face à vida, à religião e ao amor. Na poesia lírico-amorosa, o poeta revela sua amada, uma mulher bela que é constantemente comparada aos elementos da natureza. Além disso, ao mesmo tempo que o amor desperta os desejos corporais, o poeta é assaltado pela culpa e pela angústia do pecado.

À mesma d. Ângela

Anjo no nome, Angélica na cara!
Isso é ser flor, e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara:

Quem vira uma tal flor, que a não cortara,
De verde pé, da rama fluorescente;
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus o não idolatrara?

Se pois como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.

Mas vejo, que por bela, e por galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

O poeta erótico

Também alcunhado de profano, o poeta exalta a sensualidade e a volúpia das amantes que conquistou na Bahia, além dos escândalos sexuais envolvendo os conventos da cidade.

Necessidades Forçosas da Natureza Humana

Descarto-me da tronga, que me chupa,
Corro por um conchego todo o mapa,
O ar da feia me arrebata a capa,
O gadanho da limpa até a garupa.
Busco uma freira, que me desemtupa
A via, que o desuso às vezes tapa,
Topo-a, topando-a todo o bolo rapa,
Que as cartas lhe dão sempre com chalupa.
Que hei de fazer, se sou de boa cepa,
E na hora de ver repleta a tripa,
Darei por quem mo vase toda Europa?
Amigo, quem se alimpa da carepa,
Ou sofre uma muchacha, que o dissipa,
Ou faz da mão sua cachopa.

Qual a crítica apresentada por Gregório de Matos em seu poema?
Qual a crítica apresentada por Gregório de Matos em seu poema?

Qual a crítica apresentada por Gregório de Matos em seu poema?

Qual a crítica apresentada por Gregório de Matos em seu poema?

Como referenciar: "Gregório de Matos Guerra" em Só Literatura. Virtuous Tecnologia da Informação, 2007-2022. Consultado em 10/12/2022 às 00:33. Disponível na Internet em http://www.soliteratura.com.br/barroco/barroco05.php

EDI��O CR�TICA DOS SONETOS DE GREG�RIO DE MATOS PREPARADA PELO PROF. FRANCISCO TOPA

Jos� Pereira da Silva (UERJ)

Gra�as � velocidade que a inform�tica vem proporcionando �s atividades de pesquisa a partir dos �ltimos anos deste s�culo, a edi��o cr�tica da obra de Greg�rio de Matos est� prestes a deixar de ser um sonho e j� come�a a se tornar realidade.

O Prof. Dr. Francisco (Jos� de Jesus) Topa, da Universidade do Porto (Portugal), reuniu 291 sonetos em 295 c�dices da obra po�tica de Greg�rio sendo 37 deles (contendo 48 volumes) caracterizados como principais, por trazerem apenas trabalhos a ele atribu�dos ou por lhe consagrarem uma se��o aut�noma ou uma produ��o quantitativamente representativa, e 258 caracterizados como secund�rios, por se tratar de documentos soltos ou miscel�neas em que se encontram textos em n�mero muito reduzido, a partir dos quais preparou sua edi��o cr�tica.

Para recordar, Greg�rio de Matos e Guerra nasceu na Bahia em 1636, de uma fam�lia portuguesa de senhores de engenho.Graduou-se aos 25 anos em Direito Can�nico pela Universidade de Coimbra e ocupou diversos cargos na justi�a portuguesa por mais de duas d�cadas, vindo para sua terra natal aos 46 anos, onde desenvolveu sua atividade po�tica, desentendendo-se diversas vezes com as autoridades por causa de suas impiedosas s�tiras at� ser degredado para Angola (1694).Retornando ao Brasil, viveu em Recife o �ltimo ano de sua vida. onde morreu em 1696.

EDI��O CR�TICA

DA OBRA PO�TICA DE GREG�RIO DE MATOS

O trabalho de Francisco Topa merece todos os louvores e aplausos dos estudiosos da literatura brasileira e n�o se pode deixar de incentivar o corajoso pesquisador a continuar buscando solu��es para essa teia t�o emaranhada de dificuldades que � a obra de Greg�rio de Matos.

Encontrar defeitos na edi��o de Topa n�o ser� um trabalho que mere�a louvores, porque s�o numerosas as suas falhas, quase todas justificadas plenamente pela car�ncia de tempo e pessoal, dado ter sido elaborada como projeto de tese de doutorado.Encontrar ou sugerir solu��es vi�veis e seguras para os problemas mal resolvidos pelo editor de Maia � que ser� uma excelente contribui��o para o desenvolvimento das pesquisas das letras lusof�nicas no s�culo que bate �s nossas portas.

A primeira edi��o cr�tica de parte consider�vel da obra do �Boca do Inferno� traz delineados alguns problemas que precisam ser estudados e resolvidos: alguns, mal resolvidos; outros apenas lembrados e outros ainda, nem isso.

Nesta comunica��o, nem mesmo pretendemos apresentar sugest�es editoriais ao amigo Francisco, queremos apenas divulgar o seu trabalho para que os interessados busquem conhec�-lo e partir da� em busca das solu��es almejadas por todos n�s, historiadores, literatos e fil�logos.

PROBLEMAS

DA EDI��O DA OBRA DE GREG�RIO DE MATOS

O Francisco Topa, quando registrou sua �Disserta��o de Doutoramento em Literatura Brasileira apresentada � Faculdade de Letras da Universidade do Porto� com o t�tulo de Edi��o Cr�tica da Obra de Greg�rio de Matos, n�o acreditava, provavelmente, na informa��o que tinha relativamente �s dificuldades envolvidas na tarefa a que se prop�s.Esta � a hip�tese mais prov�vel, entre outras que se podem relacionar, sem contar com o seu depoimento pessoal, que apresentar� no IV Congresso Nacional de Ling��stica e Filologia, em agosto, quando falar� sobre o assunto.

O t�tulo do projeto de Francisco Topa � sabidamente inexeq��vel, consideradas as restri��es que norteiam uma pesquisa de tese.E isto j� prejudicou o projeto de EDI��O DIPLOM�TICA DOS C�DICES ATRIBU�DOS A GREG�RIO DE MATOS, para o qual a FAPERJ recusou aprova��o de aux�lio, alegandoque projeto id�ntico estava sendo executado por Francisco Topa em Portugal e por Fernando da Rocha Peres na Bahia, e, talvez, o projeto de EDI��O CR�TICA DA OBRA ATRIBU�DA A GREG�RIO DE MATOS, aprovado pela Academia Brasileira de Letras, mas ainda sem a disponibiliza��o dos recursos para implementa��o.

� claro que, se a assessoria da FAPERJ estivesse informada de que Topa s� preparava a edi��o dos sonetos e de que Fernando Peres trata apenas do aspecto hist�rico da vida e obra de Greg�rio de Matos, a avalia��o poderia ter sido outra.

Aqui no Brasil, um projeto de tese com esta proposta seria recusado, provavelmente, visto que uma das normas mais preliminares de um projeto � ser exeq��vel.

Como um doutorando tem prazo m�ximo limitado a quatro anos e meio para concluir sua pesquisa e defender sua tese, nem mesmo a edi��o cr�tica de parte substancial da obra de Greg�rio de Matos, como � o caso dos sonetos, que equivalem a nove por cento da sua produ��o, poderia ser executada por um �nico pesquisador, sem uma s�ria limita��o previs�vel.

DIFICULDADES NA CR�TICA DE AUTORIA

QUE SE REFLETEM NA CR�TICA TEXTUAL

Problema n�mero 1 � A inexist�ncia de manuscrito aut�grafo ou edi��o em vida do autor

Problema n�mero 2 � A quantidade e dispersividade dos manuscritos que reproduzem c�pias de poesias a ele atribu�das

Problema n�mero 3 � Os princ�pios da arte de sua �poca, que valorizavam a imita��o dos modelos;

Da�, 1 � Greg�rio imitou e traduziu para o padr�o de literatura brasileira os modelos europeus;

Da�, 2 � Os contempor�neos de Greg�rio imitaram-no, n�o s� por t�-lo como modelo de arte liter�ria, como por n�o terem a mesma disposi��o para enfrentar as autoridades com o mesmo tipo de s�tiras;

Dai, 3 � Greg�rio imitava os seus cr�ticos, reproduzindo-os poeticamente (como personagens-autores), para responder-lhes, criando ou desenvolvendo a t�cnica das �pelejas�, bastante desenvolvida hoje na literatura de cordel (principalmente no Nordeste).

O que passarei a apresentar-lhes � a Introdu��o que Francisco Topa escreveu para sua disserta��o de doutoramento[1], para que se conhe�a sint�tica e objetivamente a proposta da edi��o apresentada e aprovada com louvor pela banca de exame de doutorado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

1. J� por v�rias vezes escrevemos que nos parece ser tarefa priorit�ria dos estudos liter�rios brasileiros em Portugal a aten��o � literatura do per�odo colonial.E j� tivemos tamb�m oportunidade de justificar esta convic��o, apontando dois motivos principais: por raz�es dif�ceis de entender, os pesquisadores, ensa�stas, cr�ticos e historiadores brasileiros n�o se t�m mostrado grandemente interessados no estudo sistem�tico dos autores desse per�odo; tanto no que respeita � edi��o dos textos como ao seu estudo, Portugal est� em melhores condi��es de cumprir essa tarefa, n�o s� porque uma boa parte do material documental e bibliogr�fico est� nas nossas bibliotecas e arquivos, mas tamb�m porque a literatura que se fazia no Brasil n�o pode deixar de ser perspectivada em fun��o do ambiente liter�rio da metr�pole.

� movidos por essa convic��o que desde 1994 nos vimos dedicando � edi��o e ao estudo de textos e autores brasileiros dos s�culos XVII e XVIII.Nesse sentido, no momento em que, no final de 1995, tivemos de escolher o tema da nossa disserta��o de doutoramento, n�o hesitamos muito em optar pela obra atribu�da a Greg�rio de Matos.Quase desconhecido em Portugal, o poeta baiano � para os brasileiros um nome grande da fase de forma��o da sua literatura e o melhor representante da poesia barroca em l�ngua portuguesa.In�dita durante quase dois s�culos, a sua obra s� lograria uma difus�o massiva no nosso s�culo, gra�as �s duas tentativas de edi��o integral realizadas por Afr�nio Peixoto[2] e James Amado[3].Sobretudo a partir da �ltima, multiplicaram-se os estudos sobre Greg�rio, muitos deles marcados pela press�o de modas e pela falta de serenidade, como notou Jo�o Adolfo Hansen:[4]

Interpreta��es mais recentes, muito difundidas por faculdades de Letras a partir principalmente da edi��o francesa e tradu��es brasileiras dos trabalhos de Milkail Bakthin sobre a s�tira menip�ia, o skaz e a par�dia, t�m hipostasiado a �ltima como g�nero supremo da s�tira, com isso atribuindo outras virtudes a Greg�rio.Confundindo-se �par�dia� e �s�tira menip�ia�, desloca-se tanto Menipo de Gadara quanto Varr�o, nos quais a s�tira menip�ia � simplesmente a mistura de prosa e verso, buscando-se � poesia do s�culo XVII o que possa validar o desejo e o interesse atuais do int�rprete.Pela generaliza��o do valor �oposi��o cr�tica� atribu�do � par�dia, costuma-se erigir Greg�rio de Matos como homem libert�rio dos textos sempre supostos par�dicos, porque sat�ricos.Encarnando-se no s�culo XVII como desejo do int�rprete e reencarnando-se no s�culo XX como autor barroco �progressista�, cr�tico das institui��es dominantes, o esp�rito nacional-popular circula em metempsicoses piedosas.

Um Greg�rio de Matos cujo �furor intr�pido imperava dominante na massa sangu�nea�, interpretado pelos humores da arte de prud�ncia barroca de Rabelo; um Greg�rio de Matos �iniciador da nossa poesia l�rica de intui��o �tnica�, inconformista simb�lico e desbocad�ssimo cr�tico, uma vez que �o seu brasileiro n�o era o caboclo, nem o negro, nem o portugu�s; era j� o filho do pa�s, capaz de ridicularizar as pretens�es separatistas das tr�s ra�as�; um Greg�rio de Matos vagamente anarquista, misto de vanguarda do proletariado, de intelectual org�nico e de libertinagem intelectual e sexual, na par�dia do estilo alto da cultura oficial; um Greg�rio de Matos concretista-oswaldiano, devorador do osso duro de Quevedo, da pedraria aguda de G�ngora e Cam�es, salpicando o moqu�m com o tempero dos localismos banto e tupi e o molho arcaizante de Garcia de Resende; um Greg�rio de Matos afro, � margem de fac��es do movimento negro; um Greg�rio de Matos famos�ssimo, nunca lido, invis�vel e interdito, obsceno, pornogr�fico, impr�prio; um Greg�rio de Matos sint�tico, das seletas para uso colegial, catolic�ssimo e padresco (...)

N�o admira pois que Ant�nio Dimas[5] tenha resumido a quest�o deste modo: �Mais que um poeta, Greg�rio de Matos � uma pol�mica�.Estamos convictos de que uma parte importante do desencontro que tem envolvido a leitura da obra de Greg�rio resulta da circunst�ncia de, mais de tr�s s�culos depois da sua morte, n�o dispormos ainda de uma edi��o cr�tica que tenha resolvido os numeros�ssimos problemas autorais e textuais que rodeiam a obra que lhe anda atribu�da.

2. Neste sentido, pareceu-nos que a melhor contribui��o que de momento poder�amos dar para o estudo da po�tica gregoriana seria come�ar o projeto de edi��o cr�tica, insistentemente reclamada pelos estudiosos desde os anos 60.E, embora n�o sejamos particularmente sens�veis ao simbolismo das datas, pareceu-nos interessante que a sua primeira fase estivesse em condi��es de ser apresentada por altura da comemora��o do 5� centen�rio da descoberta do Brasil e que a Guerra do S�culo de que falou Gilberto Mendon�a Teles[6] n�o se arrastasse para l� de 2000.

Com base nas pesquisas preliminares que t�nhamos efetuado, pens�vamos que se trataria de uma tarefa complexa, mas exeq��vel num per�odo de tempo razo�vel.Contudo, pouco tempo depois de termos iniciado o levantamento sistem�tico dos testemunhos da obra po�tica de Greg�rio, verificamos que est�vamos perante um trabalho demasiado gigantesco para ser enfrentado de uma s� vez.

Como � sabido, Greg�rio de Matos n�o publicou em vida nenhum dos muitos textos que lhe andam atribu�dos, pelo que a primeira preocupa��o da recensio deveria ser a identifica��o dos testemunhos manuscritos que preservaram a sua obra.Gra�as a uma pesquisa sistem�tica em numerosas bibliotecas e arquivos, logramos localizar 292 manuscritos que transmitem poemas atribu�dos ao baiano.Esses documentos s�o de dois tipos: principais e secund�rios.Os primeiros s�o os c�dices integralmente dedicados � recolha da obra de Greg�rio e ainda as miscel�neas que lhe consagram uma se��o aut�noma e quantitativamente significativa; os segundos s�o as miscel�neas e os documentos soltos em que se encontram, geralmente em n�mero muito reduzido, textos atribu�dos ao poeta baiano.Para a primeira categoria, identificamos 34 manuscritos � que correspondem a um total de 48 volumes �, pertencentes a 13 bibliotecas, 6 delas estrangeiras.A maior parte destes documentos nunca tinha sido utilizada para fins editoriais e 7 deles foram descobertos por n�s.Para a segunda, localizamos 258 documentos, pertencentes a 16 bibliotecas, 5 das quais fora de Portugal.

O terceiro tipo de fontes testemunhais corresponde aos impressos, divis�o em que identificamos 40 documentos, do s�culo XVI ao s�culo XX.No total, a recensio conduziu-nos ao levantamento de 332 fontes testemunhais, correspondentes a mais de 20.000 p�ginas.

Terminada essa fase, cruzamos os dados obtidos para chegarmos a um invent�rio global dos poemas atribu�dos a Greg�rio de Matos e dos respectivos testemunhos.Verificamos ent�o que havia um total de 959 poemas em discuss�o � 107 in�ditos que n�s descobrimos �, distribu�dos por 23 formas poem�ticas.A partir de uma contagem meramente indicativa, ficamos tamb�m a saber que a obra atribu�da a Greg�rio superava os 45.000 versos e que uma quantidade significativa de poemas era transmitida por um n�mero muito elevado de testemunhos, que podia chegar aos 42.

3. Terminada a recensio, impunha-se que tom�ssemos uma decis�o quanto ao caminho a seguir.Sem grande hesita��o, decidimos correr o risco de contrariar a tradi��o acad�mica relativa �s disserta��es de doutoramento na �rea de letras.Isto �, decidimos que, em lugar de uma abordagem mais ou menos te�rica dos problemas autorias e textuais que envolvem a obra atribu�da a Greg�rio de Matos, ir�amos apresentar um trabalho de pesquisa fundamentalmente aplicada que seria a primeira parte do nosso projeto de edi��o cr�tica.

E decidimos tamb�m que os dados colhidos na recensio deveriam ser parte integral � e n�o apendicular � da disserta��o.E isto, sobretudo por duas raz�es.Em primeiro lugar, porque entendemos que a partilha de informa��es deste tipo � uma demonstra��o de seriedade intelectual e de esp�rito cient�fico.Estamos bem cientes de que, quando retomarmos a atividade docente, dificilmente conseguiremos manter o ritmo de trabalho dos �ltimos tr�s anos, pelo que a divulga��o dos dados em causa pode levar algu�m mais dispon�vel � ou mais habilitado � que n�s a dar continuidade ao projeto.Em segundo lugar, porque, pelo m�todo em que assenta e pelos resultados alcan�ados, esta recensio nos parece verdadeiramente exemplar e incompar�vel, mesmo no universo de outras literaturas, e como tal merecedora de ser submetida ao julgamento subjacente a uma disserta��o de doutoramento.Por isso, decidimos que os primeiros quatro cap�tulos do nosso trabalho lhe seriam dedicados, o que nos for�a a apresentar um monumental volume I, dividido em dois tomos.

Num segundo momento, era necess�rio escolher por onde come�ar�amos o trabalho da edi��o cr�tica propriamente dita.Pareceu-nos que o melhor caminho metodol�gico seria avan�ar por fases que coincidissem com cada uma das esp�cies poem�ticas.Por um lado, porque muitos dos manuscritos principais revelam tend�ncia para a arruma��o dos textos por formas.Por outro, porque uma unidade desse tipo, ao colocar o editor perante problemas semelhantes, facilita imenso o trabalho de apuramento cr�tico dos textos.Perante esta conclus�o, restava escolher a forma.E mais uma vez sem grande hesita��o, acabamos por optar pelos sonetos.

A escolha ficou a dever-se a v�rios motivos ponderosos.Em primeiro lugar, � circunst�ncia de se tratar de uma amostra bem representativa. De fato, com 291 exemplares (30,3% do total de textos [e 9% do total de versos] atribu�dos a Greg�rio), � a segunda forma mais representada, logo atr�s dos poemas em d�cimas heptassil�bicas, que s�o 330.Em segundo lugar, o soneto � uma forma relativamente curta, o que nos dava alguma garantia de que poder�amos concluir o trabalho dentro dos prazos impostos pela disserta��o de doutoramento.Por outro lado, constituindo uma modalidade que logrou grande circula��o nas miscel�neas manuscritas da �poca, os sonetos s�o � do conjunto dos poemas atribu�dos a Greg�rio � o grupo que, em m�dia, tem maior n�mero de testemunhos para cada exemplar e, por conseq��ncia, aquele em que os problemas de cr�tica textual e autoral s�o mais numerosos e de maior complexidade.Quanto � dimens�o do primeiro tipo de problemas, o leitor julgar� por si, mas quanto ao segundo podemos avan�ar dados objetivos bastante claros.De um total de 291, exclu�mos 59 (cerca de 20%) do c�none gregoriano e relegamos 14 (4,8%) para a categoria dos textos com insuficiente prova de autoria.Sobraram assim 218 sonetos.A op��o por esta forma teve tamb�m a ver com o fato de se tratar de uma modalidade que Greg�rio de Matos tornou muito vers�til e que exprime grande diversidade de tipos: tem�tica (h� sonetos religiosos, celebrat�rios, sat�ricos, burlescos, etc.); ling��stica (dos sonetos que consideramos como sendo efetivamente de Greg�rio, 10 s�o em castelhano); lexical (o uso de arca�smos, tupinismos, castelhanismos, � freq�ente); formal (Greg�rio lan�a m�o de todo o arsenal barroco, apresentando-nos sonetos de cabo roto, por �consoantes for�adas�, �pelos mesmos consoantes�, em agudos, cont�nuos, de rimas dobradas, estramb�ticos, em labirinto, inteiros, partidos e retr�grados).Trata-se assim de uma forma que nos parece suficientemente capaz de fornecer uma id�ia de conjunto bastante n�tida da po�tica gregoriana.

O produto desta fase do nosso trabalho vem publicado no volume II, que abre com um cap�tulo introdut�rio em que expomos o modelo de edi��o cr�tica que concebemos.Segue-se a edi��o dos sonetos que integram o c�none gregoriano, arrumados em �reas tem�ticas.V�m depois os poemas cuja prova de autoria consideramos insuficiente para poderem ser integrados na obra de Greg�rio, e o volume encerra com a bibliografia.Todos os sonetos exclu�dos s�o criticamente editados num anexo aut�nomo deste segundo volume.

4. Sabendo-se condenado � pelo menos na sua forma presente � a uma circula��o muito restrita, resta-nos desejar que este trabalho seja discutido pelos especialistas e que dessa troca de opini�es possa beneficiar o projeto no seu conjunto.Apesar da seriedade e do empenho com que o realizamos, sabemos que uma edi��o cr�tica � uma mera proposta que s� muito timidamente se pode esperar venha a ser definitiva.Por outro lado, temos a no��o clara de que estamos a pisar terreno mais ou menos virgem, dado que a cr�tica textual portuguesa tem estado majoritariamente voltada para dois extremos cronol�gicos, a Idade M�dia e a contemporaneidade, e quase s� por acidente os seus cultores se t�m detido na literatura do per�odo barroco.Al�m do mais, estamos cientes de que a especificidade e a complexidade do processo de transmiss�o da obra gregoriana nos levaram a op��es de base que n�o s�o �bvias nem necessariamente pac�ficas.Apesar disso, � com humilde confian�a que submetemos este trabalho ao julgamento p�blico.

Como foi dito inicialmente, n�o � necess�rio grande esfor�o para se encontrarem limita��es evidentes no trabalho do Prof. Francisco Topa, mas n�o adianta procurar quem tenha feito trabalho melhor.Ele foi o primeiro a tentar uma edi��o cr�tica da obra de Greg�rio de Matos, ou melhor, de parte substancial de sua obra.

Com isto, grande parte dos problemas foi detectada, o que j� � um primeiro passo importante.

A JESUS CRISTO NOSSO SENHOR

Pequei, Senhor, mas n�o porque hei pecado,

Da vossa Piedade me despido,

Porque quanto mais tenho delinq�ido,

Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto um pecado,

A abrandar-vos sobeja um s� gemido,

Que a mesma culpa que vos h� ofendido

Vos tem para o perd�o lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e j� cobrada

Gl�ria tal e prazer t�o repentino

Vos deu, como afirmais na Sacra hist�ria:

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada;

Cobrai-me, e n�o queirais, Pastor divino,

Perder na vossa ovelha a vossa gl�ria.

TESTEMUNHOS MANUSCRITOS E IMPRESSOS[7]

Testemunhos manuscritos: BNRJ, 50.2.5, p. 101 = LC, P, 254, f. 15R = A/AC.I, p. 21-22 = A1/BADE, FM, 303, f. 57v = A2/BPMP, 1388, f. 24r-24v = A4/BADE, FM, 587, p. 131 = A5/BNL,3238, f. 6r = A6/TT,F,27, f. 16v = A7/BPMP, 1184, f. 139r = A8/BI,L.15-1, f. 2v = BA,50-i-2, p. 5 = A11/BNRJ,50.2.4, f. 4v = A12/BNRJ, 50.2.3, p. 250-251 = A14/BNL, 3576, f. 19v = A17/BI, L.15-2, I, p. 8 = A18.

Testemunhos manuscritos secund�rios: BGUC, 395, f. 208v (an.) = A3/BPMP, 1249, p. 512 (an.) = A9/BGUC, 395, f. 290r (an.) = A10/TT,L, 1070, f. 274r (an.) = A13.

Testemunhos impressos: JA, p. 69-70 = A1/AP,I, p. 91 = A15/ Costa e Silva, p. 187-188 = A16/Varnhagen, p. 159-160 = A19.

Aparato cr�tico:

Legenda.Ao mesmo assunto e na mesma ocasi�o A1 Ao mesmo A2 Confian�as em Deus A3 Que fez o Autor em Ato de Contri��o A4 Ato de contri��o A5 A17 Arrependimento com confian�a A6 A7 A8 A11 A12 Arrependimento em confian�a a um crucifixo A9 Soneto a Cristo crucificado A10 A um arrependimento com confian�a A13 A um arrependimento A14 Implorando de Cristo, um pecador contrito, perd�o dos seus pecados A18 Estando para morrer A19 Falta em A16.

1. porque hei pecado ] por haver pecado A9

2. Da vossa piedade] De vossa piedade A3 A7 A9 A12 A17 Da vossa alta clem�ncia A15 Da vossa Alta Piedade A18 A19

3. Porque quanto] Antes, quanto A18 A19

5. tanto um pecado] tanto pecado A4 A5 A6 A7 A8 A9 A15 A16 A17 A18 A19 um s� pecado A10 qualquer pecado A11 A12 A13 A14

9. ovelha perdida e j�] ovelha perdida, j� A3 A4 A5 A6 A7 A9 A10 A11 A12 A13 A14 A16 A18 A19 ovelha j� perdida, j� A8 ovelha, j� A17

10. tal e prazer] tal, prazer A3

12. a ovelha] ovelha A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A16 A17 A18 A19

13. Cobrai-me] Cobrai-a A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A10 A11 A12 A13 A14 A15 A16 A17 A18 A19

2. Despido � Formas arcaicas deste tipo eram ainda correntes no s�culo XVII, s� mais tarde se impondo em definitivo a conjuga��o do verbo por analogia com pedir.

ABBA / ABBA / CDE / CDE

Embora domine o decass�labo her�ico, � usado o pent�metro i�mbico nos v. 1 e 14, ao passo que o v. 7 � s�fico.

ANOTA��ES COMPLEMENTARES

Existe um soneto em castelhano do qual vagamente se aproxima o de Greg�rio de Matos, particularmente na quadra inicial.Come�ado por �Pequ�, Se�or, mas no porque he pecado�, figura sem indica��o de autoria em BADE,FR2, Ar.I-29, II, p. 44, BGUC, 388, f. 250v, BGUC, 390, f. 250r, BGUC, 395, f. 55v-56r, BGUC, 526, f. 32$-32v, BGUC, 1636, p. 100, TT,L, 2160, [f. 109v] e {f. 157v].Trata-se, com variantes, de um dos cinco sonetos descobertos por Te�filo Braga no fim do manuscrito do poema �A Egipc�aca Santa Maria�, de S� de Miranda.

Editamo-lo aqui a partir de TT,L, 2160, [f.109v].

Pequ�, Se�or, mas no porque he pecado

De t� Amor y clemencia me despido;

Temo (seg�n mis culpas) ser perdido,

Y espero en tu bondad ser perdonado.

Recelo-me (seg�n me has esperado)

Ser por mi ingratitud aborrecido;

Y hace mi pecado m�s crecido

El ser tan digno t� de ser amado.

Sino fuera por ti, de m� que fuera?

Y a m� de m�, sin ti, quien me librara,

Si tu gracia la mano no me diera?

Mas ay!a no ser yo, quien no te amara?

Y si no fueras t�, quien me sufriera?

Y a ti, sin ti, mi Dios, quien me llevara?


[1] TOPA, Francisco [Jos� de Jesus].Edi��o cr�tica da obra po�tica de Greg�rio de Matos. Porto : Edi��o do Autor, 1999, vol. I, t. 1, p. 19-23.

[2] PEIXOTO, Afr�nio.Obras de Gregorio de Mattos: I � Sacras.Rio de Janeiro : Oficina Industrial Graphica, 1929. (II � Lyrica.Rio de Janeiro : �lvaro Pinto Editor, [s/d]; III � Gracioza;IV � Satirica, t. I. e II. Rio de Janeiro : Oficina Industrial Graphica, 1930 e V � �ltima.Rio de Janeiro : Oficina Industrial Graphica, 1933).

[3] AMADO, James (ed.).Greg�rio de Matos: obra po�tica.3� ed.Prepara��o e notas de Emmanuel Ara�jo.Rio de Janeiro : Record, [1992], 2 vol.

[4] HANSEN, Jo�o Adolfo.A s�tira e o engenho � Greg�rio de Matos e a Bahia do s�culo XVII.S�o Paulo : Companhia das Letras / Secretaria de Estado da Cultura, 1989, p. 21.

[5] DIMAS, Ant�nio.Greg�rio de Matos: Poesia e controv�rsia.In PIZARRO, Ana (org.).Am�rica Latina: Palavra, literatura e cultura. S�o Paulo : Mem�ria; Campinas : UNICAMP, 1993, vol. I,p.337.

[6] TELES, Gilberto Mendon�a.Greg�rio de Mattos: Se souberas falar tamb�m falara.(Antologia po�tica).Lisboa : Imprensa Nacional, 1989, p. 9.

[7] Abreviaturas usadas nas refer�ncias �s fontes utilizadas: AC = Academia das Ci�ncias de Lisboa;BADE, FM = Biblioteca e Arquivo Distrital de �vora, Fundo Manizola;BGUC = Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra;BI = Biblioteca do Itamarati (Biblioteca Hist�rica do Minist�rio das Rela��es Exteriores do Rio de Janeiro);BNL = Biblioteca Nacional de Lisboa;BNRJ = Biblioteca Nacional (do Rio de Janeiro);BPMP = Biblioteca P�blica Municipal do Porto;LC, P =Library of Congress (Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos), S�rie Portuguese Manuscripts;TT,F = Torre do Tombo, S�rie Arquivo da Casa de Fronteira;TT,L = Torre do Tombo, S�rie Manuscritos da Livraria

Qual é a crítica que Gregório de Matos fez?

Crítico feroz da igreja católica e dos costumes, Gregório de Matos teve a coragem de fazer poemas quase eróticos e de questionar o catolicismo na época em que a Inquisição mandava homens e mulheres para a fogueira. Apesar de escritos há mais de três séculos, seus poemas e crônicas de costumes continuam atuais.

O que é que o poeta está criticando com seus versos?

01 – O que e quem o poeta está criticando com seus versos? Critica os desmandos, a corrupção e as autoridades.

Qual a temática dos poemas satíricos de Gregório de Matos?

Suas sátiras atacavam o governo, a nobreza e o clero. Já a poesia lírico-filosófica e os poemas sacros discutiam temas como: a fragilidade da vida, a fugacidade do tempo, a vaidade, as contradições do amor, o pecado, a culpa e o poder divino.

Como é classificada a poesia de Gregório de Matos?

A obra de Gregório de Matos divide-se em três vertentes temáticas: poesia satírica, religiosa e lírica.