O realismo, movimento estético predominante no mundo ocidental no último quartel do século XIX, surgiu como uma onda de oposição à subjetividade e ao individualismo da tendência artística anterior, o romantismo. Com a intenção de fazer da arte uma representação fidedigna e verossímil da realidade, escritores, pintores, escultores, músicos e dramaturgos privilegiaram a objetividade em suas obras, atentos à veracidade das situações cotidianas. Show
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Contexto histórico do realismoMadame Bovary, romance de Gustave Flaubert, publicado em 1857, é considerado pela crítica literária a obra inaugural do movimento realista. Nesse ano, morria Auguste Comte, fundador da filosofia positivista, a essa altura bastante popular na Europa. Gustave Flaubert foi o responsável pela autoria da obra inaugural do realismo.O positivismo comteano teve grande influência nas obras do realismo e no pensamento da época de modo geral: tratava-se de uma concepção de mundo científica, que propunha que a apreensão da realidade deveria ser objetiva, empírica, como nos procedimentos de análise das ciências naturais. O progresso, ideal maior dos positivistas, só viria por meio da ciência. O continente europeu vivenciava a chegada da Segunda Revolução Industrial, que trazia consigo uma urbanização massiva, bem como jornadas de trabalho extenuantes e um crescimento desordenado das cidades, além da sujeira proveniente dos resíduos da produção fabril. O salto tecnológico associado ao desenvolvimento industrial propiciou diversas descobertas e invenções que modificaram a maneira como os cidadãos viviam, tais como a lâmpada elétrica, o rádio e o automóvel moderno movido à gasolina. Não pare agora... Tem mais depois da publicidade ;) Foi nessa época que Charles Darwin publicou seu livro A origem das espécies (1859), cuja teoria evolucionista influenciou diversas áreas do saber, incluindo a literatura. A ideia de que os seres vivos passam por um processo de seleção natural, que determina as espécies que sobrevivem e as que são extintas, estendeu-se para a dimensão das relações humanas: é o chamado darwinismo social. Essa concepção hierarquiza as sociedades, identificando os europeus como superiores intelectualmente graças ao desenvolvimento tecnológico e cultural, ao contrário de outras sociedades, como os povos ameríndios e do continente africano, reforçando, com um teor “científico”, a noção de “primitivo” e “civilizado” que já existia na mentalidade eurocêntrica há muitos séculos. Outra teoria em voga na época era o determinismo científico, que entendia que o comportamento humano é determinado pelas condições do meio, outro pensamento preconceituoso à serviço da estratificação social. Filhos de seu tempo, os realistas abraçaram a ciência como grande patrona do século XIX, substituindo as idealizações e anseios de liberdade do romantismo por uma postura analítico científica, dissecando a realidade que se via em constante transformação. Características do realismo
Leia também: Segunda fase do modernismo brasileiro: a retomada do realismo Realismo na EuropaNascido na França, herdeiro dos romances de Balzac e Stendhal, o realismo consolidou-se como movimento literário a partir da obra de Gustave Flaubert. Flaubert é considerado o pai do realismo. Sua Madame Bovary (1857) foi um escândalo à época, pois centrava o enredo em Emma, uma moça sonhadora que esperava encontrar no matrimônio a grande realização de sua vida, mas, ao desposar Charles Bovary, desencanta-se rapidamente com o casamento e com a mediocridade do rapaz, um jovem cirurgião sem talentos e de mentalidade obtusa. As longas descrições de Flaubert, muito pormenorizadas e em linguagem trabalhada com excepcional afinco, revelam então Emma em busca de algo que a interesse, o que a leva a jogos de sedução e ao adultério. Trata-se de uma dessacralização do casamento enquanto encontro de almas do amor romântico. Em Portugal, entende-se que o movimento tem início em 1865, com a Questão Coimbrã, que começa com um prefácio do romântico Feliciano de Castilho criticando avidamente a nova tendência literária que aparecia na poesia de Antero de Quental. Para ele, a nova geração carecia de bom senso e de bom gosto. Antero de Quental, por sua vez, respondeu-lhe em uma carta aberta, em defesa da liberdade de expressão e de existência da nova escola. Castilho não respondeu; Ramalho Ortigão tomou suas dores, e a história acabou em um duelo, vencido por Antero de Quental (que mal sabia segurar um florete). A Questão Coimbrã apareceu em páginas e páginas da imprensa portuguesa, funcionando como um divisor de águas da literatura, pois o realismo tornou-se também a tendência estética vencedora a partir de então. O principal romancista do realismo português foi Eça de Queirós, que além de escritor era diplomata, tendo viajado para diversos lugares, como Cuba, Egito e América do Norte. Sua obra pode ser dividida em três fases: uma de preparação, composta majoritariamente por produções veiculadas na imprensa (1866-1867) e alguns textos ainda de cunho romântico; uma de realismo agudo, quando escreve os grandes romances críticos O crime do padre Amaro (1875/1876/1880), O primo Basílio (1878) e Os Maias (1888); e uma de maturidade, caracterizada por um humanismo saudosista, época em que publica A ilustre casa de Ramires (1900)e A cidade e as serras (1901). Eça de Queiroz é o realista português de maior renome.[1]A principal característica de Eça de Queirós é seu trabalho com a linguagem. “Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia” é uma de suas célebres frases, e reflete o esmero com que se dedicou à estilização de sua prosa. Os cenários vulgares ou muitas vezes degradantes do realismo são trazidos à tona por meio de uma descrição luminosa, rítmica, feita com esmero. Veja um exemplo:
No trecho acima, o autor descreve os acontecimentos que se dão logo depois de padre Amaro tomar conhecimento de que Amélia, moça com quem se via envolvido, quebrando o celibato, tinha marcado casamento com João Eduardo. A cadência da linguagem é bela e ordenada, trabalhada com afinco, descrevendo com minúcias o pensamento do pároco, desde a preocupação com sua posição na Igreja até as “picadinhas na consciência”. Destacam-se ainda no contexto do realismo europeu as obras dos ingleses Charles Dickens, George Eliot (pseudônimo de Mary A. Evans) e Henry James; do norueguês Henrik Ibsen; do sueco August Strindberg; e dos russos Fiódor Dostoiévski, Liev Tolstói e Anton Tchekhov. Leia também: Manuel Antônio de Almeida: um romântico com características realistas Realismo no BrasilEnquanto o movimento europeu era norteado pelas mudanças do avanço industrial, que já alçava sua segunda etapa, o Brasil, por sua vez, iniciava um lento processo de modernização, atravancado pelo ranço colonial que se mantinha na política do Segundo Reinado e na manutenção da mão de obra escrava. Em sua maioria, os escritores realistas brasileiros foram republicanos e abolicionistas, não raro abordando em suas obras esses ideais. O realismo brasileiro tem início com os círculos literários nordestinos: primeiramente em Fortaleza (CE), com os grupos Fênix Estudantil (1870), Academia Francesa (1872) e Padaria Espiritual (1892), que geraram autores célebres como Capistrano de Abreu, Rodolfo Teófilo, Paula Nei, entre outros. Também nos anos de 1870 surge a chamada Escola do Recife, movimento intelectual pernambucano liderado por Tobias Barreto e Sílvio Romero, grandes influenciadores do pensamento realista nacional. Os três principais nomes do realismo brasileiro são o maranhense Aluísio Azevedo, o carioca Machado de Assis e o angrense Raul Pompeia. Se quiser aprofundar-se nesse tema, acesse: Realismo no Brasil.
Aluísio Azevedo, contudo, diferencia-se dos outros dois por sua estética de tendência naturalista. Corrente literária fundada pelo francês Émile Zola, que, embora se assemelhe ao realismo e intente uma visão objetiva da realidade, tem características próprias: no Naturalismo prevalecem as descrições animalescas da personalidade humana, a abordagem patológica das personagens, a ênfase nos instintos, perversões e comportamentos sexuais, bem como a explicação dos fatos apoiada no determinismo científico. É o caso das obras Casa de pensão (1883) e O cortiço (1890), célebres produções de Azevedo. No trecho a seguir, o autor narra o amanhecer no cortiço. A caracterização de homens e mulheres como machos e fêmeas, aglomerados num “zunzum”, molhando o pelo, bem como a escolha dos verbos “fossando e fungando” e as crianças “se despachando ali mesmo”, sem uso das latrinas, remete ao comportamento humano relacionado às excrescências, elemento natural que nos aproxima da vida animal.
Outro é o universo de Raul Pompeia, autor que morreu prematuramente, deixando poucas obras em vida. Seu romance mais aclamado, O Ateneu (1888), escrito em primeira pessoa, versa sobre as memórias de Sérgio, que recorda o período adolescente em que esteve no colégio interno. Já adulto, o narrador-personagem vê-se confuso e rebela-se pela incapacidade de modificar o passado, ou de reagir de outra forma. O universo opressor do colégio mostra a Sérgio uma infinidade de novas existências, desconhecidas de sua vivência doméstica — cada personagem é um tipo social, uma caricatura, desde o diretor Aristarco, cujo interesse único é o lucro, até Franco, menino esquecido pelos pais, que não pagavam o colégio, fazendo com que sofresse perseguições de alunos e mestres. As técnicas narrativas de Pompeia aproximam a forma do texto da forma mesma da lembrança: esfumaçada, incerta, interrompida, ao mesmo tempo que a linguagem também é muito expressiva; alguns críticos consideram haver traços do impressionismo e do expressionismo na obra. No entanto talvez a grande novidade seja a presença da homoafetividade nas novas relações que a vida no colégio desdobra, temática que aparece diversas vezes ao longo do romance, revelando uma prática socialmente ignorada e propositalmente encoberta: a das relações homossexuais entre rapazes em regime de internato. A seguir, trecho que ilustra os dizeres do diretor Aristarco ao interceptar uma carta de um aluno para outro, revelando também a condenação moral a que estava submetida a prática homossexual na época:
Machado de Assis, por sua vez, é aclamado como o maior escritor brasileiro de todos os tempos, principalmente pela riqueza com que explora as técnicas narrativas e pelo retrato apurado da psique humana. Autor de romances, contos, crônicas, peças de teatro e textos de crítica literária e teatral, além de poesias, sua prosa realista, que lhe rendeu o posto de glória na literatura brasileira, passou a ser produzida a partir de 1870. Em linguagem direta, mas elaborada, as obras machadianas conduzem à reflexão a partir de cenas do cotidiano. Não é a história que se apresenta como novidade, mas o modo de narrar. Geralmente os personagens e situações são banais, mas a maneira como Machado relata-os é que traz consigo a novidade genial: trata-se de um realismo que leva em consideração a condição psicológica das personagens enquanto modo como elas apreendem a realidade. Desse modo, a realidade, matéria-prima da estética realista, não é feita apenas de fatos, mas de como as pessoas percebem esses fatos. Assim, a narrativa machadiana é repleta de interferências, fluxos de pensamento, memórias, digressões de todos os tipos, o que aproxima a prosa da maneira como a mente de fato funciona. Machado também é dono de um humor peculiar e de uma ironia sutil, presentes em boa parte de sua obra, dando a situações críticas uma certa leveza, e faz uso frequente da metalinguagem, ou seja, refere-se à elaboração do livro no próprio livro, como no exemplo a seguir:
Resumo do realismo
Exercícios resolvidos1) (Enem 2013) Capítulo LIV - A pêndula Sai dali a saborear o beijo. Não pude dormir; estirei-me na cama, é certo, mas foi o mesmo que nada. Ouvi as horas todas da noite. Usualmente, quando eu perdia o sono, o bater da pêndula fazia-me muito mal; esse tique-taque soturno, vagaroso e seco parecia dizer a cada golpe que eu ia ter um instante menos de vida. Imaginava então um velho diabo, sentado entre dois sacos, o da vida e o da morte, e a contá-los assim: Outra de menos.. Outra de menos.. Outra de menos.. Outra de menos.. O mais singular é que, se o relógio parava, eu dava-lhe corda, para que ele não deixasse de bater nunca, e eu pudesse contar todos os meus instantes perdidos. Invenções há, que se transformam ou acabam; as mesmas instituições morrem; o relógio é definitivo e perpétuo. O derradeiro homem, ao despedir-se do sol frio e gasto, há de ter um relógio na algibeira, para saber a hora exata em que morre. Naquela noite não padeci essa triste sensação de enfado, mas outra, e deleitosa. As fantasias tumultuavam-me cá dentro, vinham umas sobre outras, à semelhança de devotas que se abalroam para ver o anjo-cantor das procissões. Não ouvia perdidos, mas os minutos ganhados. ASSIS. M Memórias de Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. (Fragmento) O capítulo apresenta o instante em que Brás Cubas revive a sensação do beijo trocado com Virgília, casada com Lobo Neves. Nesse contexto, a metáfora do relógio desconstrói certos paradigmas românticos, porque a) o narrador e Virgília não têm percepção do tempo em seus encontros adúlteros. b) como “defunto autor”, Brás Cubas reconhece a inutilidade de tentar acompanhar o fluxo do tempo. c) na contagem das horas, o narrador metaforiza o desejo de triunfar e acumular riquezas. d) o relógio representa a materialização do tempo e redireciona o comportamento idealista de Brás Cubas. e) o narrador compara a duração do sabor do beijo à perpetuidade do relógio. 2) (FGV-SP) No romance O cortiço, Aluísio Azevedo estabelece uma forte ligação entre o meio em que vivem as personagens e sua vida material, moral e psicológica. Tal relação apoia-se nos princípios a) do livre-arbítrio religioso. b) do determinismo científico. c) do sentimentalismo romântico. d) do culto à natureza. e) do ideário modernista. 3) (PUC-RS) Sobre O Ateneu, de Raul Pompéia, é correto afirmar que: a) apresenta todas as características do realismo, exceto a influência do meio sobre o comportamento do indivíduo. b) tem como matéria-prima as recordações e impressões da personagem principal. c) constitui-se num documento fotográfico da realidade objetiva. d) segue uma ordem cronológica apoiando-se no real. e) não se atém a reflexões críticas em relação ao contexto social. 4) (Enem 2001) No trecho abaixo, o narrador, ao descrever a personagem, critica sutilmente um outro estilo de época: o romantismo. “Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não. Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação.” ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Jackson,1957 A frase do texto em que se percebe a crítica do narrador ao romantismo está transcrita na alternativa: a) ... o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas ... b) ... era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça ... c) Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e eterno... d) Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos ... e) ... o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação. Resolução comentada:
Créditos das imagens [1] Domínio público/Biblioteca Nacional de Portugal [2] Domínio público / Marc Ferrez Por Luiza Brandino Quais os principais autores e obras do Realismo e do Naturalismo?Normalmente, são citadas duas obras principais como as primeiras destes estilos de escrita (também chamadas de estéticas narrativas): Obra fundadora do Realismo: Madame Bovary (1857), de Gustave Flaubert. Obra fundadora do Naturalismo: Thérèse Raquin (1867), de Émile Zola.
Quais são os principais autores do Realismo e suas obras?O Realismo no Brasil foi um importante movimento literário e teve como principal autor Machado de Assis.. Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881). Papéis Avulsos (1882). Quincas Borba (1891). Várias Histórias (1896). Dom Casmurro (1899). Esaú e Jacó (1904). Relíquias da Casa Velha (1906). Memorial de Aires (1908). Quais são os principais autores do Naturalismo?Na Europa, os principais autores foram Émile Zola (1840-1902) e Eça de Queirós (1845-1900). No Brasil, os principais nomes foram Aluísio Azevedo (1857-1913), Adolfo Caminha (1867-1897) e Raul Pompeia (1863-1895).
Quais os principais autores e obras do Realismo e Naturalismo em Portugal?Autores e obras do naturalismo português. Eça de Queirós (1845-1900): O Mistério da Estrada de Sintra (1970), O Crime do Padre Amaro (1875) e A Tragédia da Rua das Flores (1877).. Francisco Teixeira de Queirós (1848-1919): Os Meus Primeiros Contos (1876), Amor Divino (1877) e Os Noivos (1879). |