Porque o Brasil que é um dos países que possui uma das maiores reservas de água doce do mundo chegou a crise hídrica?

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Porque o Brasil que é um dos países que possui uma das maiores reservas de água doce do mundo chegou a crise hídrica?

(Foto: Getty Images)

Imagine um país com 12% de toda a água doce do planeta, mas que tem cerca de 35 milhões de pessoas sem acesso à água tratada. E onde basicamente metade da população (48%) não tem coleta de esgoto. O que poderia ser o enredo de um filme distópico é, na verdade, a realidade do Brasil. Mesmo abrigando a maior bacia hidrográfica do mundo, a água potável e o saneamento básico ainda estão distantes de boa parte dos lares brasileiros. No Dia Mundial da Água, Casa Vogue conversou com especialistas para explicar por que, em 2021, a crise hídrica ainda é uma realidade em um país onde a água é tão abundante.

Distribuição territorial

“Para começar, a água está onde está. E ela nem sempre está no mesmo lugar onde está a população”, resume o geólogo Francisco de Assis Matos de Abreu, especialista em recursos hídricos do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará. É preciso pensar, por exemplo, que a Região Norte concentra 80% de toda a água superficial disponível em território nacional, mas as áreas mais populosas do Brasil são as regiões Sudeste e Nordeste — distantes, portanto, das maiores reservas.

Além das bacias hidrográficas, que fornecem águas superficiais, o Brasil conta também com águas subterrâneas, que formam os Aquíferos, do qual também temos grandes exemplos em território nacional. “Temos o sistema Aquífero Guarani e o Sistema Aquífero Grande Amazônia (Saga). Então o Brasil é um país rico em água, mas essa distribuição não se dá de forma regular e não existe, historicamente, políticas públicas eficientes para fazer chegar essa água na casa do cidadão”, diz o geólogo.

O uso da tecnologia para reverter este cenário até ajudaria, mas os custos são altos e o problema não seria completamente resolvido. “O que nos falta, grandemente, é a gestão da água. A região que menos chove no Brasil é o Nordeste brasileiro, que tem uma média anual de 700 a 750 milímetros de chuva. Só para ter uma comparação: Israel tem metade disso, não sofre com problemas de água e tem uma agricultura pujante”, exemplifica Francisco. “Isso quer dizer, simplesmente, que lá eles administram e fazem uma gestão da água mais eficiente do que nós”.

Novamente tomando como exemplo Israel, o geógrafo Gustavo Veronesi, coordenador técnico do Projeto Observando os Rios na ONG SOS Mata Atlântica, também ressalta as diferenças de tratamento e reutilização dos recursos hídricos no país do Oriente Médio em comparação com o que é feito no Brasil.  “Lá, o desperdício de água é inadmissível. Enquanto aqui no Brasil, com essa cultura da abundância, temos falta de cuidado com a água. Precisamos mudar essa cultura. Em Israel, a água é tratada e reutilizada. Aqui no Brasil, o sistema é linear: pega-se água em algum rio, aquífero ou bacia, utiliza-se esta água e ela é descartada rio abaixo. E aí criamos um grande problema, porque essa água vem cada vez mais de longe, e são feitas enormes estruturas de engenharia para capturar recursos hídricos a quilômetros de distância.”

Porque o Brasil que é um dos países que possui uma das maiores reservas de água doce do mundo chegou a crise hídrica?

(Foto: Luiz Henrique Lula )

Muitas obras, pouco resultado

Falando em enormes estruturas de engenharia, este é mais um dos fatores que devem ser levados em consideração quando falamos em crise hídrica no Brasil. O país tem o costume de investir em grandes obras ou adotar soluções emergenciais que, na maioria das vezes, não funcionam a médio e longo prazo. “Se você não combina políticas e gestão participativa, com obras de estrutura e revitalização de bacias hidrográficas, não há como resolver o problema. Investimos muito em obras de infraestrutura cinzas que, no curto prazo, ajudam, mas não resolvem”, diz Angelo Lima, Secretário Executivo do Observatório da Governança das Águas.

Um dos maiores exemplos de obra para lidar com a crise hídrica no país – que ainda encontra-se em andamento – é a Transposição do Rio São Francisco, um megaprojeto que visa deslocar parte das águas do São Francisco e promete beneficiar 12 milhões de pessoas quando concluído. “Ninguém vai negar que a Transposição do São Francisco é uma obra muito importante para o semiárido nordestino. Mas (...) existem alternativas para resolver o problema da seca do Nordeste por meio de intervenções em obras simples, muito mais simples, e que poderiam dar mais segurança hídrica para essas populações”, diz Francisco de Assis. “Por exemplo: a construção de barragens submersas ao longo das redes de drenagem dos rios do Nordeste poderia fazer uma reserva grande dessas águas de chuva. E, nos períodos de estiagem, essa água poderia ser utilizada de forma racional. Outra alternativa seria a construção de poços tubulares, de forma assistida por geólogos e geofísicos desde sua locação. Então é possível fazer uma gestão das águas na região semiárida de forma que o problema da seca não venha a impactar a população nordestina econômica e socialmente de maneira tão forte como tem sido”.

Falta de saneamento básico

Mas para fazer uma gestão eficiente das águas e reutilizar de maneira racional os recursos hídricos disponíveis é preciso, primeiro de tudo, que elas não estejam contaminadas. Isso se torna mais difícil quando examinamos mais de perto a situação do saneamento básico no país, que ainda tem quase 100 milhões de pessoas (cerca de metade da sua população) sem acesso à coleta de esgoto.

Recentemente, o Brasil presenciou um debate sobre o tema com a aprovação do Novo Marco do Saneamento. A proposta tem como grande novidade facilitar a participação de empresas privadas no setor, e o objetivo é garantir que pelo menos 90% da população brasileira tenha acesso à água potável e à coleta de esgoto até 2033. A medida divide especialistas: uma parte teme que a iniciativa privada não tenha interesse em atender populações que vivem nas periferias, enquanto outros acreditam que o Estado não teria capacidade de cumprir, sozinho, a meta de universalização do acesso ao saneamento básico.

De qualquer forma, é consenso que a gestão de água de maneira mais eficiente passa pelo acesso à água potável e à coleta de esgoto para a população. “[Uma das primeiras ações para uma gestão de águas mais eficiente] seria universalizar o acesso ao saneamento básico, e não lançar águas poluídas em rios, mares e reservatórios”, diz Angelo Lima. “E eu acrescentaria também algumas obras de infraestrutura para reter águas em locais estratégicos, combinado a um plano de revitalização de bacias hidrográficas. A nível municipal, você também poderia criar mais áreas verdes. Os parques municipais servem como filtro da água da chuva, para que ela possa infiltrar no solo e manter a continuidade do ciclo hídrico”.

Desmatamento piora o quadro

Por fim, é preciso pensar, também, na relação quase umbilical que existe entre a floresta e o ciclo da água. “Não dá para fazer gestão de recursos hídricos sem gestão ambiental. Um dos grandes desafios que temos, atualmente, é o desmonte desta gestão”, resume Angelo Lima, do Observatório da Governança das Águas.

Em 2020, os números de desmatamento na região amazônica e também as queimadas no Pantanal — maior área úmida do país — tomaram conta de diversas manchetes. Segundo dados do Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais), entre agosto de 2019 e julho de 2020, o desmatamento na Amazônia Legal cresceu 9,5%.

Já o Pantanal foi vítima de queimadas, e apenas em 2020 presenciou 22.119 focos de incêndios, cerca de 120% a mais que no ano anterior. A ONG WWF-Brasil alerta para o fato de que o bioma cumpre várias funções, entre as quais conservação de solo e da biodiversidade, estabilização do clima e fornecimento de água. “O fogo e as mudanças no uso do solo tendem a afetar a própria precipitação na região [do Pantanal]. Com a diminuição da cobertura vegetal, a tendência é que haja menor evapotranspiração, menor umidade no ar, e, logo, menor índice de chuvas. Temos um cenário de mudanças climáticas aliado à falta de controle ambiental e infraestrutura para combate a incêndios, e isso traz sérias ameaças à biodiversidade, assim como à segurança hídrica da região. Há o risco de haver uma nova catástrofe em razão dos incêndios”, alerta Cássio Bernardino, analista de conservação do WWF-Brasil.

“Tudo é interligado. Temos passado por problemas de seca terríveis no Brasil. E isso favorece a queimada. Mas por que está chovendo menos? Essa chuva que cai no Pantanal precisa da Floresta Amazônica de pé para ocorrer. [E a Floresta foi devastada] primeiro para colocar boi, depois para colocar soja, muitas vezes de forma criminosa. Então, infelizmente, chegamos à terceira década do século 21, com conflitos por causa da água no Brasil”, conclui Gustavo Veronesi, do SOS Mata Atlântica.

Porque o Brasil um dos países com maiores reservas de água doce do mundo chegou a atual situação de crise?

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