Por que a história e arqueologia se cruzam?

Introdução

A dramaturga contemporânea Sarah Ruhl esboçou um paralelo, depois que o diretor britânico Les Waters chamou sua atenção, entre diretores de teatro e arqueólogos. Nas palavras de Waters, as quais Ruhl cita, “[…] trata-se de descobrir o invisível, a estrutura enterrada de uma coisa. E, se você fosse eu, depois de encontrar a estrutura, você a apagaria” (RUHL, 2014, p.197). Nessa leitura, se vê o diretor de teatro tornar-se um indivíduo discreto que diz, através de seu trabalho: “não dê atenção à minha direção” (RUHL, 2014, p.198). Ao fazer isso, ele essencialmente apaga sua presença junto com a estrutura por detrás da peça, para que a própria encenação se torne mais visível e, presumivelmente, uma experiência mais visceral e direta. A questão, evidentemente, que Michel Foucault uma vez comparou com a sugestão de Roland Barthes, a de que o autor estava “morto”, é de saber se um ocultamento é realmente uma outra maneira de iniciar uma experiência ideológica por excelência. Quer dizer, esse gesto feito para ocultar a estrutura pode abrir a possibilidade para um número infinito de interpretações, mas também, através desse grande esforço, apresentar-se simultaneamente para além de todas as interpretações e estruturas possíveis3.

Ruhl parece estar à beira de reconhecer essa possibilidade, como reflete em seu breve ensaio sobre a natureza das proezas arqueológicas:

Se arqueologia é descobrir uma profunda estrutura histórica que não pode ser vista, e dirigir uma peça de teatro é descobrir uma estrutura invisível enterrada na encenação, então qual a diferença entre estrutura histórica e narrativa? Entre fósseis e momentos narrativos escondidos no sedimento? O que está oculto e o que está inacabado? A compulsão para concluir a narrativa histórica ou a estrutura teatral é profunda. Imagino, porém, as crianças que, ao escavar a areia, encontram uma linda concha e a contemplam em sua totalidade mas, então, ao invés de coletá-la, devolvem-na à areia

(RUHL, 2014, p.198).

A diferença entre fósseis e estruturas narrativas, pode-se presumir neste caso, é insignificante, desde que ambos sirvam para unificar o relato de uma “estrutura invisível” de alguém que deveria ser escondido para que a experiência do que é visto – “vendo-a integralmente” –, seja muito mais imediata. Sem dúvida alguma, Ruhl está correta ao afirmar que essa “compulsão” é muito forte: se vê o que se acredita ser uma estrutura e queremos “descobrir” as linhas remanescentes que ainda não são vistas, embora o descobrimento crítico da estrutura possa diminuir a intensidade ou o imediatismo da experiência da “coisa em si” que procurávamos.

O problema ideológico com essa leitura, entretanto, conforme a analogia de Ruhl, consiste em que o arqueólogo, semelhantemente ao filósofo ou o teórico político, não está preocupado em enterrar a concha de volta na areia. Ao contrário, todos querem expor a estrutura e muitas vezes as implicações políticas por estas incorporadas dentro da experiência do espectador. Por sua natureza, a exibição de um objeto promove uma “pura” e, talvez, inconsciente apresentação ideológica das coisas. Devemos aprofundar, de modo mais crítico, essa questão. Embora o diretor seja capaz de afastar-se a fim de permitir um “retorno às origens” do que quer que seja apresentado na peça para que a “coisa em si” emerja para brilhar sem que uma interpretação imposta se sobreponha, o olho crítico do arqueólogo não deve seguir o mesmo exemplo. Há muito a perder em tal gesto.

Não há dúvida de que certas formas de arqueologia correm o risco de “dirigir”, ou colocar em cena, seus achados. Este é o caso, em particular, dos museus que catalogam e, por exemplo, afirmam uma ideologia nacionalista específica, que pode reivindicar, para si mesma, a representação acurada do registro histórico quando uma determinada posição ideológica está, com efeito, sendo articulada. O que Ruhl demonstra é que o ato de apagar a presença de alguém a fim de extrair-se um efeito desejado traz, consigo, ao mesmo tempo, o desejo de não encobrir a “coisa em si”. Foi esse desejo que moveu a dramaturga a não cobrir uma pintura que ela realizou quando instada por sua professora do terceiro grau – “Fiquei horrorizada. Tinha feito algo lindo e não queria escondê-la” (RUHL, 2014, p.198). Há muito investimento em construir-se a narrativa que nos sustenta, especialmente na nossa juventude. De fato, queremos ver as estruturas que criamos.

O método arqueológico: rumo a uma filosofia da arqueologia

Tornou-se um lugar comum descrever o trabalho de Foucault como um projeto filosófico arqueológico-genealógico único, que visou reavaliar as subjetividades modernas à luz das complexas histórias e estruturas sociais que as constituíam. Caso se faça um balanço de seu vasto corpus de escrita e conferências, se pode notar como Foucault demonstrou que os eus, que se considera ser a base das identidades, são realmente muito mais sutis, resultado de uma longa ‘história de práticas de subjetividade’ que muitas vezes eram altamente ideológicas (FOUCAULT, 2005, p.11). Rastrear essas práticas, como elas se manifestaram ao longo dos séculos no Ocidente, foi o caminho que Foucault escolheu, não apenas no sentido de navegar em um oceano de ideias mescladas e relações obscuras, mas de reformular os termos sobre os quais a subjetividade foi construída e de maneiras muitas vezes totalmente inesperadas. Colin Koopman (2013), no seu recente resumo sobre o trabalho de Foucault, afirma: “a genealogia explica a contingência e a complexidade de nossa constituição histórica em andamento”. Ela procura descobrir a “coisa em si” e as estruturas que a trouxeram à existência, frequentemente alterando o curso da construção através de cada revelação sucessiva.

Através da arqueologia e da genealogia, Foucault esforçou-se por reconstruir as instituições contemporâneas, pressuposições epistêmicas e regimes de discurso que dominaram a sociedade ao extrair uma história particular de seu direito à existência, um direito que Foucault procurou desafiar e recondicionar. Sua leitura dos métodos genealógicos nietzscheanos lhe ensinara a suspeitar, com razão, de qualquer metafísica remanescente que derivasse sua legitimidade de uma fonte originária percebida – tomada como um ponto de origem –, que na verdade funcionava para ocultar, como Koopman enunciou, uma questão muito mais complexa que revela uma interação contingente de forças sociais e políticas ativas dentro de uma dada “história”. As múltiplas histórias que poderiam ser traçadas de maneira latente dentro de uma dada “História” através do estudo genealógico serviram para desvendar as violências que deram origem às afirmações metafísicas que serviram, e continuam a servir de muitas maneiras, para sustentar essas visões monolíticas da “História” e a opressão que acompanha as narrativas e histórias menores (FOUCAULT, 1984). Embora Foucault tenha tentado resumir seus métodos históricos em “A arqueologia do saber”, ele também redefiniu esses métodos ao longo dos anos, principalmente em suas conferências. O que deixou claro em cada etapa de sua carreira foi que uma genuína arqueologia não se dedica a uma busca por “origens”, mas tenta isolar algumas das complexas tensões que cruzam a história em suas tentativas de demarcar um sujeito4. Além disso, estas são tensões que surgem frequentemente sob circunstâncias contingentes e através de vários meios de influência. Como ele descreveria logo no início da obra, um método arqueológico aplicado a objetos históricos:

[…] Não tenta repetir o que foi dito alcançando-o em sua própria identidade. Não pretende apagar-se na modéstia ambígua de uma leitura que traria de volta, em toda a sua pureza, a luz distante, precária e quase apagada da origem. Nada mais é do que uma reescrita: isto é, na forma preservada da exterioridade, uma transformação regulada do que já foi escrito. Não é um retorno ao segredo mais íntimo da origem; é a descrição sistemática de um objeto de discurso

(FOUCAULT, 1989, p.156).

Ao contrário do sonho de Ruhl de uma “origem” perfeitamente apagada por trás da peça (re)apresentada, a análise arqueológica tenta localizar pontos de contradição e de oposição, mas não os resolve em uma narrativa inteiramente coesa como a que poderia guiar um museu ou uma ‘História’ particular: “ao contrário, seu propósito é mapear, em uma prática discursiva particular, o ponto em que elas são constituídas, para definir a forma que elas assumem, as relações que elas têm com as outras, e o domínio que elas governam” (FOUCAULT, 1989, p.173). Nesta encenação quase sem fim onde atuam as forças históricas, não haverá uma ‘grande narrativa’ que possa suturar os movimentos fragmentários que realmente deram origem aos assuntos e práticas particulares que constituem os sujeitos neste mundo.

De acordo com Foucault, não poderia haver uma descrição monolítica desses métodos históricos ou dos objetos que esses métodos buscam entender; ao contrário, seríamos forçados pelas tensões que estes incorporam ao reconhecer os múltiplos pontos de vista através dos quais somos constituídos em um determinado contexto presente. Haveria muitos pontos possíveis de crítica, cada qual se desdobrando de várias maneiras diferentes, interagindo uns com os outros e criando novas permutações para a possibilidade da crítica. Em suas palavras, “o horizonte da arqueologia, portanto, não é uma ciência, uma racionalidade, uma mentalidade, uma cultura; é um emaranhado de interpositividades cujos limites e pontos de intersecção não podem ser fixados em uma única operação” (FOUCAULT, 1989, p.177). Existe uma rede emaranhada de pontos de vista que se desenvolveram ao longo do tempo e que podem ser pesquisados por movimentos isolados na construção do sujeito ocidental, por exemplo. Essa percepção é a base dos seus métodos genealógicos: “vamos definir o termo genealogia como a união do conhecimento erudito e das memórias locais, o que permite estabelecer um conhecimento histórico de lutas e fazer, hoje, uso tático desse conhecimento” (FOUCAULT, 1989, p.83).

Também não há dúvida de que os métodos de Foucault são, em certo sentido, contra-medidas que se opõem aos discursos normativos dominantes, cuja própria existência provocava a marginalização de discursos e pessoas “menores”. O gênio em particular de Foucault foi reconhecer que essas dimensões hierárquicas não eram apenas de natureza puramente social, mas que se estendiam diretamente às esferas mais “teóricas” da vida intelectual, o que muitas vezes fornecia a base para práticas psicológicas e políticas modernas. A busca pelas “origens” no marco de sua arqueologia foi, pois, uma intervenção radical nas estruturas da vida política e intelectual, tanto quanto na vida social e religiosa. Foucault faz a seguinte descrição:

O que ela realmente faz é considerar as alegações de conhecimentos locais, descontínuos, desqualificados e ilegítimos contra as alegações de um corpo de teoria unitário que filtraria, hierarquizaria e ordenaria tal corpo teórico em nome de algum conhecimento verdadeiro e alguma idéia arbitrária do que constitui uma ciência e seus objetos. As genealogias, portanto, não são retornos positivistas para uma forma mais cuidadosa ou exata da ciência. São precisamente anti-ciências

(FOUCAULT, 1987, p.437)5.

Elas não são, no entanto, um “direito à ignorância ou não-conhecimento”, mas sim instâncias estratégicas da ‘insurreição de conhecimentos que se opõem primeiramente não aos conteúdos, métodos ou conceitos de uma ciência, mas aos efeitos da centralização de poderes que estão ligados à instituição e ao funcionamento de um discurso científico organizado dentro de uma sociedade como a nossa” (FOUCAULT, 1987, p.84). Sua obra foi, mais do que qualquer outra coisa, então, um tiro sobre a proa do discurso científico, que mantinha uma certa postura “objetiva” à custa daquelas vidas que eram vividas à margem da sociedade. Basta olhar superficialmente para sua tentativa de reconstruir a rotulagem psiquiátrica da “anormalidade”, a fim de sentir o potencial radical que sua pesquisa detinha para a sociedade ocidental como um todo (FOUCAULT, 2003). Reconhecendo as possibilidades emancipatórias de seus métodos, Foucault simplesmente deixou claro que “[...] é contra os efeitos do poder de um discurso considerado científico, no qual a genealogia deve empreender sua luta” (FOUCAULT, 1987, p.84).

Sua análise foi muitas vezes aplicada à percepção da natureza comparativa da influência, algo que automaticamente e inerentemente expandiu o leque de suas operações através de múltiplos contextos históricos, políticos, sociais, econômicos e religiosos: “arqueologia é uma análise comparativa que não se destina a reduzir a diversidade de discursos e delinear a unidade que deve totalizá-los, mas pretende dividir sua diversidade em diferentes figuras. A comparação arqueológica não tem um efeito unificador, mas diversificado” (FOUCAULT, 1989, p.177). A arqueologia não procura unificar nem proclamar uma ruptura, mas analisar “práticas discursivas particulares” que se manifestam ao longo da história (FOUCAULT, 1989, p.195). Nesse sentido, é essencialmente uma hermenêutica interdisciplinar, ou, talvez, mais precisamente, um método de interpretação que evita fronteiras disciplinares, resultado de uma busca precisa pela unidade acadêmica entre as comunidades de “guildas” e a metodologia genuinamente inquisitiva ou a legitimação de um dado ramo de conhecimento (FOUCAULT, 1989).

Cada tentativa de “cavar” mais fundo no passado foi, em Foucault, um esforço para deslocar o sujeito unificado que se assentava sobre a modernidade como se tivesse chegado ao auge da história, desenredando o emaranhado em que se constituiu o sujeito moderno, deslocando-o de si mesmo. Por essa razão, ocasionalmente, Foucault refere-se às suas explorações metodológicas como uma certa forma de “anarqueologia”, já que elas não buscam as “origens” para legitimar seu poder – algo relacionado muitas vezes à legitimação do “direito” inevitável de alguém –, mas, antes, preocupam-se com “a não-necessidade do poder como princípio de inteligibilidade do conhecimento” (FOUCAULT, 2014, p.78). Seu método, então, de certa forma, vai na direção dos princípios anarquistas, na medida em que busca certa distância de uma necessidade pressuposta de ordem ou de domínio legitimado. Mas também difere da anarquia, na medida em que esta também é frequentemente uma posição ideológica tomada contra as estruturas políticas existentes. O próprio Foucault opunha-se estritamente à análise “ideológica” em seu trabalho, porque esses métodos pretendiam aproveitar o poder para seus próprios fins, enquanto os de Foucault buscavam afastar o vínculo do poder com o direito, a ideia de que o poder se associa inevitavelmente ao direito. Isto é o que permitirá que ele eventualmente declare: “Eu tenho privado o sujeito do exclusivo e instantâneo direito à soberania”6.

O que Foucault tentou com o seu trabalho foi estabelecer uma vasta rede de idéias e esferas de influência que podem ser traçadas de maneira genealógica e arqueológica, a fim de revisionar instituições e sistemas de operação, aparatos e regimes de discurso. No entanto, apesar de tudo isso, os esforços de Foucault para construir essa arqueologia não foram isentos de críticas, e há uma, em particular, a de Jaques Derrida, que gostaria de examinar. Ela foi significativa, especialmente em termos de como o projeto de Foucault foi potencialmente compreendido em relação à arqueologia psicológica de Freud. Para Derrida, Freud, Foucault e até mesmo Giorgio Agamben sofreram do que ele chamou de “febre do arquivo”7 (DERRIDA, 1996).

Derrida alegou, essencialmente, que cada arqueólogo, a despeito de seu objeto, estava de fato atrás de um ponto de origem oculto que tornaria seus empreendimentos críticos em um “regime de discurso” apto a descobrir a verdade8. Os métodos do arqueólogo, portanto, pretendem não apenas “desconstruir” qualquer forma de subjetividade contemporânea que antecede ao indivíduo, mas estabelecer igualmente uma posição soberana para ele (como analista) fora das representações que realmente governam as construções que fazemos de nós mesmos. Segundo Michael Mahon, a investigação genealógica como forma de “iluminação autocrítica” empreendida por Foucault renuncia a qualquer transcendente a priori além de poder ter falhado inteiramente em erradicar os seus traços. Nisso, a crítica de Derridá a Foucault pode ter alguma verdade, embora tenham passado desapercebido, para Derridá, importantes aspectos do método foucaultiano9 (MAHON, 1992). Melhor do que aceitar as críticas de Derrida como um “golpe mortal” às preocupações arqueológicas de Foucault, penso que talvez fosse mais útil considerar um ponto de vista hermenêutico que procura aproveitar os benefícios de um último método arqueológico a fim de postular um modelo consistente com os esforços do próprio Foucault, que talvez também se estendam para além de onde ele parou. O que se está afirmando pode ser encontrado, por exemplo, na leitura que Paul Ricoeur faz de Freud.

Ricoeur enfatiza, por exemplo, como nos escritos posteriores de Freud, especialmente aqueles centrados na religião e na civilização como um todo, o “caráter arqueológico” se torna mais pronunciado. O “retorno do reprimido” e as várias apresentações da noção de regressão tornam-se conceitos essencialmente determinados pelo enfoque arqueológico aplicado ao inconsciente (RICOEUR, 1970, p.446). Ao discutir o inconsciente em relação à sua propensão à regressão, Freud foi capaz de “voltar atrás” ou, mais profundamente, arqueologicamente, de ir em direção ao inconsciente, a fim de “buscar” a construção consciente do sujeito: “Se alguém inter-relaciona todas essas modalidades do arcaísmo, forma-se a figura complexa de um destino em sentido reverso, um destino que o atrai para trás [...]” (RICOEUR, 1970, p.452). O que pode estar localizado no mais profundo do sujeito está latente na construção consciente do sujeito em si mesmo e, no entanto, é contingentemente responsável pela representação complexa do próprio sujeito. Nas palavras de Ricoeur, “na arqueologia, a investigação de tal ambiente é dominante apenas porque aquilo que corresponde às unidades arqueológicas atuais não era, via de regra, nem mesmo realizado pelos participantes originais nos eventos: era apenas um ambiente inconsciente para eles” (MALINA; VASICEK, 1990, p.263). Isso é o que a mente individual é para a pessoa que a abriga: um terreno e um depósito formado inconscientemente, mas também onde se garimpam as identidades. Este é o lugar onde, para invocar novamente as imagens de Ruhl, se apresenta a identidade do indivíduo ao próprio indivíduo sem um conhecimento imediato das estruturas onde elas se localizam. Este é o custo de construir um eu soberano.

O desejo de avançar em direção à arché, entendida como ponto de ‘origem’ que desestabiliza memórias e história temporal construídas pessoalmente, deve ser equilibrado, Ricoeur pensa, por uma dialética do desejo que ao mesmo tempo aponta para trás, em direção à archē, mas, igualmente, para frente, em direção ao telos – o horizonte vazio sobre o qual o sujeito projeta suas esperanças e sonhos para si mesmo. Toda arqueologia deve, portanto, ser acoplada a uma teleologia que estabeleça limites sobre até onde a escavação pode avançar. Qualquer deslocamento do sujeito através de um movimento regressivo em direção às suas origens não ocorre sem uma certa reinstituição do sujeito na conclusão de sua crítica desconstrutiva de si mesmo.

A afirmação de que não há arqueologia do sujeito, exceto em contraste com uma teleologia, leva a uma proposição adicional: não há teleologia exceto através das figuras da mente, isto é, através de um novo descentramento, uma nova desapropriação, que denomino espírito ou mente, assim como usei o termo ‘inconsciente’ para designar o locus daquele outro deslocamento da origem do significado do regresso ao meu passado

(RICOEUR, 1970, p.459).

Esse deslocamento do sujeito, então, torna-se central para a compreensão da construção do eu, ou da história, mas também é o resultado dos métodos arqueológicos empregados na psicanálise. Isto posto, se abordará a despossessão inerente do eu e como ela se manifesta diretamente na crítica a Freud, feita alguns anos mais tarde por Edward Said.

Said, controversamente, contrasta a concessão de Freud para um espaço de não-judaísmo dentro da identidade judaica com as medidas legais e sanções de Israel dos dias modernos que pretendiam cancelar a aparente abertura de Freud. Em sua opinião, o moderno Israel tem lutado para articular a natureza do outro não-judeu que vive em seu meio:

[...] Freud, em contraste, havia deixado espaço considerável para acomodar os descendentes e contemporâneos não-judaicos do judaísmo. Ou seja: ao escavar a arqueologia da identidade judaica, Freud insistiu, no Moisés e o Monoteísmo, que ela não originou-se isoladamente mas, contrariamente, que se associa, na sua gênese, a outras identidades (egípcia e árabe) (SAID, 2003, p.44).

O que interessa a Said nesta sugestiva provocação é a maneira pela qual o Israel moderno utiliza a arqueologia como “a privilegiada ciência israelense ‘par excellence’ a fim de sustentar sua identidade, seu direito a uma identidade através de sua conexão com um passado particular como seu ponto de origem” (SAID, 2003, p.45). Essas afirmações, é claro, compartilhariam até certo ponto com a crítica de Derrida ao arqueólogo que buscava legitimar sua própria posição como soberano reinante. Essas alegações seriam uma instância do arqueólogo que desempenha o papel (ideológico) de diretor.

O que Said defende, em essência, é um princípio no qual arqueólogos contemporâneos que trabalham tanto na teoria quanto na prática começaram a avançar mais recentemente. Há um sentido coletivo em que a arqueologia, como um campo, deve se mover para além dos modelos de apropriação dos objetos recuperados. Esse é o sentido afirmado por Ian Hodder, o da “responsabilidade coletiva” (HODDER, 2003, p.139). Mesmo os conceitos como patrimônio, memória coletiva, nacionalismo e civilização precisam ser reconhecidos como rótulos unificadores controversos e potencialmente prejudiciais, aqueles que são justamente contestados com frequência no terreno político e reforçados por esforços arqueológicos feitos a fim de se ‘recuperar’ o passado10. Os vários objetos que os arqueólogos descobrem, sob essa luz, podem frequentemente ser vistos como materiais desenterrados a fim de se entender o sentido imaginário de uma comunidade em si, sua base ideológica que, por assim dizer, ‘rotula’ a comunidade como uma comunidade (ANDERSON, 1983).

Citando os próprios arqueólogos no que concerne às implicações ideológicas inerentes a seus respectivos campos de estudos11, Said percebe como “[...] a arqueologia se torna a estrada real para a identidade judaico-israelense que, de maneira repetitiva, afirma que em Israel moderno a bíblia é materialmente realizada graças à arqueologia, à história são dadas carne e osso, o passado é recuperado e colocado em ordem dinástica” (SAID, 2003, p.46). A dificuldade aqui, é claro, consiste em presumir que quaisquer origens históricas localizadas através de meios arqueológicos e utilizadas para legitimar ou unificar um Estado-nação moderno podem correr o risco ideológico de conceder direitos soberanos a um grupo particular de pessoas sobre outro grupo coletivo cuja legitimidade própria é, de alguma forma, agora, posta em questão. A subestrutura muito mais complexa de como uma identidade surgiu – como Foucault uma vez a imaginou –, é colocada de lado em um esforço para direcionar a descoberta de uma “História” sempre particular do opressor dominante. A preocupação de Said é, nesse contexto, o povo palestino, cuja história e localização na região também é bastante arraigada, mas cujo próprio passado também corre o risco de ser considerado menos significativo do que o de Israel moderno.

Tais afirmações, é claro, retornam-nos estranhamente não apenas para o local de arquivo da identidade judaica como explorada por Freud, mas também para seu local geográfico sancionado oficialmente (não devemos deixar de acrescentar: forçosamente), o Israel moderno. O que descobrimos é uma tentativa extraordinária e revisionista de substituir uma nova estrutura positiva da história judaica pelos esforços insistentemente mais complexos e descontínuos de Freud para examinar a mesma coisa, embora em um espírito inteiramente diaspórico e com resultados diferentes e descentralizados

(SAID, 2003, p.46).

Said, como Freud e Foucault, quer diversificar a identidade, não unificando-a sob a bandeira de qualquer Estado-nação ou povo. Ver as coisas dessa forma é focalizar deliberada e diretamente o caráter diaspórico de todas as próprias identidades formadas, novamente, em circunstâncias muito complexas e contingentes. Nesse sentido, toda identidade coletiva está sujeita a uma reinterpretação feita por meio de uma arqueologia histórica aprofundada (no sentido freudiano), que precisa ser lembrada especialmente nos momentos em que uma identidade domina a outra.

Esse caráter diaspórico de identidade é central para Said, e foi essa qualidade que Freud inicialmente trouxera à luz em sua própria pesquisa sobre a natureza do self, a partir da capacidade que este possui de ‘enterrar’ as coisas profundamente dentro de seus níveis subconscientes. Embora a tese radical de Freud sobre as origens de Moisés, o egípcio, não tenha sido recebida favoravelmente desde a primeira publicação, é seu insight fundamental sobre como toda e qualquer identidade é permeada por aquilo que lhe é estrangeiro, que aponta para a realidade da constituição de identidade. Nas palavras de Said,

[…] Identidade não pode ser pensada ou trabalhada por si só; não pode se constituir ou mesmo se imaginar sem aquela ruptura originária radical que não será reprimida, porque Moisés era egípcio e, por isso, esteve sempre fora da identidade dentro da qual tantos resistiram, sofreram e, mais tarde, talvez, até mesmo tenham triunfado

(SAID, 2003, p.54).

O foco da identidade não pode ser estabelecido sobre uma presumida ‘origem’ histórica mas, antes, deve ser colocado sobre sua “perturbadora, incapacitada e desestabilizada ferida secular” (SAID, 2003, p.54), o locus de “alguém que está ao mesmo tempo dentro e fora de sua comunidade” (SAID, 2003, p.54). Essa identidade diaspórica, que assume um significado elevado à luz do caráter exílico do judaísmo, permite também repensar a identidade religiosa à luz dos esforços arqueológicos12.

*
Ich kenne nicht den Raum
wo die ausgewanderte Liebe
ihren Sieg niederlegt
und das Wachstum in die Wirklichkeit
der Visionen beginnt
noch wo das Lächeln des Kindes bewahrt ist
das wie zum Spiel in die spielenden Flammen geworfen wurde
aber ich weiss, dass dieses die Nahrung ist
aus der die Erde ihre Sternmusik herzklopfend entzündet —

[I do not know the room
where exiled love
lays down its victory
and the growing into the reality
of visions begins
nor where the smile of the child
who was thrown as in play
into the playing flames is preserved
but I know that this is the food
from which earth with beating heart
ignites the music of her stars]

Fonte: (SACHS, 1967, p. 232)

[Eu não conheço o quarto
onde o amor exilado
renuncia sua vitória
e o crescimento na realidade
de visões começa
ainda onde o sorriso da criança é preservado
quem foi jogado como em jogo
nas chamas jogando é preservada
mas eu sei que esta é a comida
de que a terra com o coração batendo
inflama a música das estrelas]13

Lembro-me, a essa altura, de minha análise das formas alternativas de visualizar a identidade pessoal à luz de uma existência diaspórica, especificamente dentro de um contexto judaico. Penso, por exemplo, em Nelly Sachs, poetisa judia alemã, exilada na Suécia, vivendo o tormento das perseguições anti-judaicas tanto reais quanto simbólicas, que escreveu o poema Ich kenne nicht den Raum com esses gestos explicitamente em mente. Essas expressões de esperança, mesmo diante de uma perda de identidade (e do lar), são de fato possíveis, embora terrivelmente difíceis, às vezes, de se localizar dentro de nós mesmos e da aparente desintegração daquilo que antes considerávamos tão amado. Embora Sachs fosse rápida em admitir que não sabia como a identidade poderia “estabelecer sua vitória”, ela estava ciente de como esses gestos e preservação de histórias enterradas na dor (“o sorriso da criança / que foi lançada como em um jogo / para dentro das chamas”) ainda pode conter dentro deles a esperança de um futuro alternativo.

A necessidade de se ver a identidade como uma constituição essencialmente exílica – ou como uma espécie de não-identidade então –, aquela que se baseia sobre a divisão entre uma construção consciente e uma “origem” subconsciente que nunca pode ser acessada como tal, torna-se o meio primário segundo qual Agamben avança teoricamente em relação às obras de Freud e Foucault. Agamben tenta explicitamente navegar pelos movimentos específicos da regressão psíquica como um método arqueológico adotado desde as críticas de Derrida (e, consequentemente, também incorpora, por fim, a natureza “espectral” das origens, de maneira muito séria). O filósofo italiano enfatiza a maneira pela qual essa metodologia poderia, atualmente, possibilitar a tomar, de modo concreto, as presenças materiais de forma mais séria do que nunca antes e, assim, portar consigo essas significativas implicações éticas. O que se encontra na perspectiva de Agamben é uma nova maneira de pensar as “origens”, aquela que se move ao lado de ambos – Freud e Foucault –, mas que também aponta em direção à realização de uma “arqueologia da violência” como uma maneira possível de repensar algo como uma “arqueologia do sagrado”.

No ensaio “Arqueologia filosófica”, por exemplo, Agamben define a possibilidade da existência desse método como:

[…] aquela prática que em qualquer investigação histórica nada tem a ver com as origens, mas com o momento do surgimento de um fenômeno e, portanto, deve engajar novamente as fontes e a tradição. Ele não pode confrontar a tradição sem desconstruir os paradigmas, técnicas e práticas através das quais a tradição regula as formas de transmissão, condiciona o acesso às fontes e, em última análise, determina o próprio estatuto do sujeito cognoscente

(AGAMBEN, 2009, p.89).

A arqueologia que vem

Da mesma forma que Foucault, Agamben vê a necessidade de levar a sério a complexidade das fontes e tradições, bem como os meios de transmissão que chegaram até nós. O status do sujeito depende, de fato, da capacidade do ser humano de examinar e elaborar esses achados arqueológicos. Agamben acabará eventualmente por concluir que ser o a si mesmo (itself), expresso como ontologia, é um ‘campo de tensões essencialmente históricas’ que as ciências humanas não podem mais ignorar em sua busca pela pureza, um tema que só foi repetido com maior frequência em trabalhos recentes de Bruno Latour14 (AGAMBEN, 2009). Além de sensível às críticas de Derrida aos métodos arqueológicos, Agamben também toma o cuidado de não postular o objeto depois da pretensa descoberta de uma existência histórica original, como intentam os arqueólogos. Em vez disso, afirma enfaticamente e repetidamente, de modo a evitar quaisquer confusões, essas como as advindas das acusações que Derrida tinha feito contra os arqueólogos como um todo que: “a archē, em direção à qual a arqueologia regride, não deve ser entendida de forma alguma como um ‘dado localizável’ em uma cronologia [...] em vez disso, é uma força operativa dentro da história […]” (AGAMBEN, 2009, p.110). Agamben também é enfático em esclarecer que essa “força operativa” tem um efeito determinado sobre o sujeito, pois “[...] a operação na origem é ao mesmo tempo uma operação sobre o sujeito” (AGAMBEN, 2009, p.89). Força operativa e sujeito estão inextricavelmente ligados entre si e, apesar do fato de a origem ser inacessível enquanto tal, o sujeito pode ser “acessado” ou, mais precisamente, em certo sentido, “encontrado” através da força operativa, pois, muitas vezes, o sujeito permanece obscuro a si mesmo.

Baseando-se no trabalho de Enzo Melandri, que situa uma “regressão arqueológica” em direção às “origens” dentro de um contexto freudiano, mas que o supera, Agamben considera essa regressão como aquela que retornaria aos próprios indivíduos, não através de qualquer espécie de origem histórica per se, mas ao invés, por meio da “divisão entre consciente e inconsciente, entre historiografia e história que define a condição em que nos encontramos” (AGAMBEN, 2009, p.99). É isto que coincide perfeitamente com uma certa “indecidibilidade entre sujeito e objeto” (AGAMBEN, 2009, p.89). O que a “origem” representa então, o que se poderia dizer dela é que ela é em si mesma, na realidade, o espaço em branco que desafia todas as tentativas de rotulá-la – algo talvez mais parecido com a noção derridariana de khōra, que Agamben reconheceu anteriormente15.

Em sua descrição deste local, “[...] antes ou além da cisão, no desapa-recimento das categorias que governam sua representação, não há nada além da repentina e deslumbrante revelação do momento do surgimento, a revelação do presente como algo que nós não fomos capazes de viver ou pensar” (AGAMBEN, 2009, p.99). Esse espaço, enfim, vazio, se harmoniza também com o sempre renovado projeto filosófico de Agamben de tentar pensar a “filosofia que vem” ou a “política que vem” ou a “comunidade que vem”, todas compartilhando sua “antinômica” capacidade quase “pura” de pensar além de quaisquer matrizes de condições de representação de presentes subjetividades16. Esse processo, assumido em um contexto explicitamente freudiano e foucaultiano por Agamben, torna-se a única maneira de realmente acessar o momento presente no limiar de uma indiferença entre memória e esquecimento (AGAMBEN, 2009). Como ele irá enquadrar o processo, “é o passado que terá sido quando o gesto do arqueólogo [...] tiver removido os fantasmas do inconsciente e o tecido estreito da tradição que bloqueia o acesso à história” (AGAMBEN, 2009, p.106).

A eliminação desses “fantasmas do inconsciente” é realizada através da implementação desta arqueologia filosófica que liga os métodos arqueológicos de Foucault à releitura escatológica de Walter Benjamin da história em que “todo o passado deve ser trazido para o presente em uma ‘apocatástase histórica’17 (AGAMBEN, 2009, p.95). Ricoeur já havia admitido também que, no contexto da arqueologia de Freud, a regressão à história deve encontrar um foco teleológico. Agamben, em certos momentos, também parece encontrar uma maneira de contrabalançar a busca pela archē com um telos, embora este último nunca se materialize historicamente. Nesse sentido, há uma aparente – mas talvez apenas aparente –, divergência em Ricoeur, para quem ambos, tanto a archē quanto o telos, assim como para Agamben, permanecem para sempre além da personificação histórica e, ainda assim, permanecem como horizontes contra os quais o sujeito se constrói incessantemente (as “máquinas de antropogênese”).

Ao mesmo tempo, é útil lembrar que a archē não é apenas um ponto de origem, mas também é um comando que define o curso da história em uma direção particular. É por esta razão, e especialmente quando se trata de uma narrativa dominante à qual se deve opor, que a archē deve ser neutralizada a fim de que o curso da história seja alterado, ou sua narrativa ser, pelo menos, lida, então, de maneira diferente em busca de um diferente telos. É, portanto, apenas a força de um tipo de anarquia messiânica (an-archy), a qual reside como um potencial inquieto dentro de qualquer archē dada e que pode tornar essa arché inoperante (AGAMBEN, 2016). Isto talvez se assemelhe à “fraca força messiânica” de que Benjamin havia falado em suas teses sobre a história. É também exatamente o que se revela na conclusão de Agamben na série dedicada ao Homo Sacer, intitulada O uso dos corpos, em que “contemplação e inoperosidade” são capazes de “libertar os seres humanos, como seres viventes, de todo destino biológico e social assim como de toda tarefa predeterminada” (AGAMBEN, 2016, p.278).

Trata-se da bela concha que não deve ser arrancada da areia e enterrada novamente para que um efeito ideológico particular possa reinar inconscientemente. Em vez disso, o arqueólogo se esforça para descobrir tantas estruturas que possam ser localizadas, ao mesmo tempo em que percebe que nenhuma estrutura será completamente ou totalmente revelada, de modo que as próprias tensões possam se tornar mais visíveis e, assim, tornar inoperante o curso atual do sujeito. Embora possa surgir o medo de que ninguém será novamente constituído, e que todas as identidades estarão para sempre desiludidas desde o início (em um registro teológico, des-encantadas), o método arqueológico implica mais em localizar um espaço no qual critica toda e qualquer identidade, todo e qualquer desempenho de identidade que tenha procurado enredar inconsciente e ideologicamente o sujeito. Se essa posição parece se afastar do campo da contestação política, é apenas para acessar um espaço a partir do qual seja possível a crítica a todas as ideologias políticas.

Conclusão

Agamben se insurge ao recursar-se em articular diretamente uma prática política concreta. A mesma crítica é feita a Derrida, ou a Slavoj Žižek ou a Theodor Adorno, qual seja: que eles estão perdidos na torre de marfim da teoria e não se engajam na radical ou revolucionária ação política que poderia, de algum outro modo, transformar o mundo – o desejo marxista de mudar as condições materiais e não apenas filosofar.

Quando Adorno, por exemplo, foi criticado por ser “resignado” ao status quo, na época dos protestos estudantis que assolaram a Europa em 1968, seu discurso de rádio sobre “resignação” afirmava exatamente o oposto: há uma necessidade do pensamento manter-se distante da práxis política, o que contribui muito para o benefício de qualquer forma de resistência: “o momento utopico em pensar é mais forte quanto menos [...] se objetive em uma utopia e, portanto, sabote sua realização. Pensar abertamente aponta para além de si mesmo. De sua parte, um comportamento, uma forma de práxis, é mais semelhante à práxis transformadora do que a um comportamento que é condescendente por uma questão de práxis”18.

Engajar-se em pensamento, formular a própria ‘Idéia’ de muitas maneiras é encontrar o poder transformador para mudar o curso da sociedade, ou da política, das instituições ou das condições materiais de existência. Onde a dominação injusta está presente, o pensamento surgirá para neutralizar suas tendências perniciosas. Como Adorno concluiria, “a tendência universal à opressão é oposta ao pensamento enquanto esse. O pensamento é felicidade, mesmo quando este define a infelicidade: enunciando-a. Só por isso, a felicidade alcança a infelicidade universal. Contudo, quem não deixou o pensamento atrofiar ainda não desistiu” (ADORNO, 1998, p.293).

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Notas

1 Título original: “Philosophical foundations and the archaeological search for origins: Freud, Foucault, Agamben” (Nota do tradutor e revisor).

Tradução: Hélerson Silva – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Faculdade de Ciências Sociais. Campinas, SP, Brasil.

3 Roland Barthes, “The Death of the Author”, Image-Music-Text, Stephen Heath (trad.). (New York: Hill and Wang, 1977, p.142-148). Cf. também Michel Foucault, “What Is an Author?”, The Foucault Reader, Paul Rabinow (Ed.) and Donald F. Bouchard and Sherry Simon (trad.). (New York: Pantheon, 1984, p.101-120).

4 Cf. Michel Foucault, “Lectures on the Will to Know: Lectures at the Collège de France, 1970-1971”, e “Oedipal Knowledge”, Daniel Defert (Ed.), Graham Burchell (trad.), (London: Palgrave-MacMillan, 2013, p.202-208).

5 Foucault, “Power/Knowledge” (p.83). Cf. também a crítica que Girard faz a Foucault, de que seus últimos escritos não eram pesquisas científicas, o que o próprio Foucault admitiu. (Girard, 1987, p.437). Stanford: Stanford University Press.

6 Foucault “The Archaeology of Knowledge”, p.230. Foucault também cita a obra de Paul Feyerabend, “Against Method”, 4. ed. (London: Verso, 2010), que, como podemos deduzir do próprio título (Contra o Método - NT), procurou romper com a ideia do senso comum de que as ciências são geridas completamente por um método rigoroso. Foucault, “On the Government of the Living”, p.79.

7 Jacques Derrida, “Archive Fever: A Freudian Impression”, tradução de Eric Prenowitz (Chicago: University of Chicago Press, 1996). Cf. também o seu ensaio sobre Foucault (1978), intitulado “Cogito and the History of Madness” em “Writing and Difference”, (trad.) Bass (London: Routledge 1978).

8 O argumento foi desenvolvido de maneira mais extensiva em: Colby Dickinson, “Between the Canon and the Messiah” (London: Bloomsbury, 2013), ch. 2.

9 Michael Mahon, “Foucault’s Nietzschean Genealogy: Truth, Power, and the Subject” (Albany, NY: State University of New York Press, 1992, p.179). Cf. as conclusões de Béatrice Han, “Foucault’s Critical Project: Between the Transcendental and the Historical”, tradução de Edward Pile (Stanford: Stanford University Press, 2002, p.196). Deve-se considerar, também a esse respeito, talvez a natureza da “própria refutação” da crítica histórica de Foucault como apontou Gary Gutting, “Michel Foucault’s Archaeology of Scientific Reason” (Cambridge: Cambridge University Press, 1989, p.272-287)

10 Cf. entre outros, Philip L. Kohl e Clare Fawcett (Ed.), “Nationalism, Politics, and the Practice of Archaeology” (Cambridge: Cambridge University Press, 1995); Ian J. McNiven and Lynette Russell, “Appropriated Pasts: Indigenous Peoples and the Colonial Culture of Archaeology” (New York: AltaMira Press, 2005); Lynn Meskell (Ed.), “Archaeology Under Fire: Nationalism, Politics and Heritage in the Eastern Mediterranean and Middle East” (London: Routledge, 1998); Laurajane Smith, “Archaeological Theory and the Politics of Cultural Heritage” (London: Routledge, 2004) e “Uses of Heritage” (London: Routledge, 2006). Cf. também Bruce G. Trigger, “A History of Archaeological Thought”, 2nd ed. (Cambridge: Cambridge University Press, 2006).

11 O próprio Said cita Nadia Abu el-Haj, “Facts on the Ground: Archeological Practice and Territorial Self-Fashioning in Israeli Society” (Chicago: University of Chicago Press, 2002).

12 Cf. entre outros, Timothy Insoll, Archaeology, Ritual, Religion (London: Routledge, 2004).

13 Nota do tradutor: a tradução do poema ao português baseia-se na comparação das duas versões apresentadas pelo autor do artigo.

14 Veja, também, Bruno Latour, We Have Never Been Modern, trans. Catherine Porter (Cambridge: Harvard University Press, 1993).

15 Cf. Jacques Derrida, “On the Name”, Thomas Dutoit (Ed.), David Wood (trad.) (Stanford: Stanford University Press, 1995).

16 Sobre a multiplicidade dessas tarefas “vindouras”, Cf. entre outras obras, Colby Dickinson e Adam Kotsko, “Agamben’s Coming Philosophy: Finding a New Use for Theology” (London: Rowman & Littlefield, 2015).

17 Agamben, “Philosophical Archaeology”, p.95. Cf. também o ensaio de Michael W. Jennings, “The Will to Apokatastasis: Media, Experience, and Eschatology in Walter Benjamin’s Late Theological Politics” in Colby Dickinson and Stéphane Symons (Ed.). “Walter Benjamin and Theology” (New York: Fordham University Press, 2016, p.93-109).

18 Theodor W. Adorno, ‘Resignation’, Critical Models: Interventions and Catchwords, (trad.). Henry W. Pickford (New York: Columbia University Press, 1998, p.292-293). Sobre o contexto histórico dos protestos estudantis na vida de Adorno, Cf. Detlev Claussen, “Theodor W. Adorno: One Last Genius”, Rodney Livingstone (trad.). (Cambridge, MA: Belknap Press, 2008, p.336-339).

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Autor notes

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Como a arqueologia E a história se cruzam?

A Arqueologia é “histórica” no sentido de que ela registra acontecimentos da história da humanidade desde a sua origem. Mas arqueologia não é História (o estudo), ou um ramo auxiliar dela. A Arqueologia apenas pede auxilio à História, assim como a História pede à Arqueologia. Uma não se submete a outra.

Qual é a semelhança entre a arqueologia e a História?

São semelhanças entre os historiadores e os arqueólogos o fato de ambos serem parte da grande área das Ciências Humanas, ambos trabalharem com alguma noção (mais rígida ou mais interpretativa) do passado, ambos empregarem um método científico que é próprio para os seus objetos de estudo e o fato de avanços realizados ...

Porque a arqueologia é tão importante para a história?

A arqueologia busca explicar porque mudanças ocorrem nas sociedades humanas, através do registro arqueológico, incluindo sítios, artefatos, restos de alimentação, e outros, que fazem parte do nosso mundo desde sempre.

Qual a relação da arqueologia e da antropologia com os estudos de história?

Mas, se por um lado os estudantes de Arqueologia tem um aprendizado muito maior sobre escavações e análise de artefatos antigos, os antropólogos tem um aprendizado muito maior no estudo das culturas vivas, como seus costumes, mitologia, religião, organização social e política, etc.