É possível a alteração do regime de bens nos casamentos realizados na vigência do Código Civil revogado?

Valestan Milhomem da Costa

O novo Código Civil trouxe inúmeras alterações ao direito privado, todas elas de inegável interesse para notários e registradores em virtude da repercussão que têm sobre as suas atribuições. Dentre elas, encontra-se a desnecessidade da outorga uxória no regime da separação convencional de bens, que era exigida no Código anterior.

A questão já mereceu a apreciação de notórias personalidades da área notarial e de registro, a exemplo dos Drs. Antonio Albergaria Pereira e de João Pedro Lamana Paiva - os quais entendem que a dispensa da outorga, trazida pelo novo Código, não se aplica quanto aos casamentos realizados na égide do Código de 1916. O Dr. Paulo Roberto Ramos, tabelião sorocabano, que defende a nova regra para todos os casos, havendo a seu favor decisão judicial administrativa do Juiz de Direito Titular da 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo, Dr. Venício Antonio de Paula Salles, em expediente de dúvida.

As opiniões desse seleto painel de debatedores foram registradas no Boletim Cartório, integrante do Diário das Leis Imobiliário, 3º Decêndio Setembro/2004, nº 27, pp. 32/33; 3º Decêndio Fevereiro/2005, nº 6, pp. 29/30, e 1º Decêndio Dezembro/2004, nº 34, respectivamente, tendo sido a decisão judicial administrativa publicada no Jornal ANOREG SP, nº 11, novembro/2004, páginas 30/39, e no Boletim Eletrônico do IRIB, no endereço eletrônico http://www.irib.org.br, de 21/01/05.

Anteriormente à salutar discussão do tema nas páginas do Boletim Cartorário, imaginávamos que poderíamos concluir simplesmente pela aplicação do novo direito sem maiores indagações.

Ledo engano.

Os embasados argumentos apresentados num e noutro sentido mostraram a necessidade de um aprofundamento no tema para só depois adotarmos uma posição, mantendo ou modificando nosso entendimento preliminar.

Direito subjetivo do cônjuge anuente

Iniciamos nosso estudo a partir dos próprios fundamentos dos debatedores, ou seja, da questão do “direito subjetivo” e, portanto, “direito adquirido” do cônjuge anuente; do teor do art. 2.039 do novo Código; das questões envolvendo a aplicação da lei no tempo, e da possibilidade da outorga uxória ser uma “faculdade legal”.

Deixamos de lado questões jurídico-sociológicas acerca de eventual desprestígio que a nova norma trouxe à família, uma vez que, se esse for o caso, alcançará não apenas as famílias constituídas na vigência do Código anterior, mas também as famílias constituídas na vigência do Código atual. Assim, seria o caso de questionar-se a própria novidade da lei, e não o tempo de sua aplicabilidade.

A fim de podermos concentrar atenção nas questões mais complexas, apresentamos desde logo nossa conclusão de não ser a outorga uxória regulada no Código anterior mera “faculdade legal”, pois esta tem ínsita um poder dispor, uma conveniência, um arbítrio do seu titular em utilizar-se ou não da mesma, nas hipóteses previstas em lei, como é o caso da emancipação. Alcançando-se o filho a idade mínima de 16 anos, poderão os pais emancipá-lo. Poderão, em vez de deverão, por ser uma faculdade legal.

Porém, tratando-se de alienação de imóvel do patrimônio particular do cônjuge casado sob o regime da separação de bens no Direito anterior a outorga uxória não era dispensável, tanto que a ausência da outorga uxória ou do suprimento judicial tornava o ato inválido, podendo essa invalidade ser alegada pelo cônjuge, a quem coubesse dar a outorga, até dois anos após o término da sociedade conjugal (art. 252). Era, portanto, uma exigência e não uma faculdade.

As questões relativas aos limites da incidência do art. 2.039 do novo Código Civil, ao direito subjetivo adquirido e à aplicação da lei no tempo, em face da nova regra trazida pelo art. 1.647, I, do atual Código Civil, todas atinentes ao deslinde do tema, merecem, porém, uma consideração mais acurada.

Antes disso, parece-nos oportuna uma breve explanação sobre o casamento e sua relação com os regimes de bens.

O casamento e os regimes de bens.

Dente as correntes doutrinárias acerca da natureza jurídica do casamento, filiamo-nos à que entende ser o casamento uma instituição (Caio Mário, Maria Helena Diniz), pois todas as regras relativas a direitos, deveres e patrimônio dos cônjuges são aquelas minudenciadas na lei, de caráter público, e, portanto, indisponíveis. Permite-se aos nubentes tão somente manifestar se querem ou não se casar e, querendo, sob qual regime.

Afora isso, não lhes é lícito modificar, para mais ou para menos, direitos ou deveres matrimoniais ou regras patrimoniais no casamento, já estabelecidas pelo direito, nem tampouco lhes é permitido recusar regime de bens ao casamento, de sorte que, podendo os nubentes optar por algum regime de bens (comunhão total de bens, separação absoluta de bens ou, atualmente, participação final nos aqüestos - regimes optativos), e não o fazendo, ser-lhes-á atribuído o regime da comunhão parcial de bens (regime presuntivo).

Hipóteses há, porém, em que aos nubentes não se permite optar nem é cabível presumir o regime de bens, posto que, dadas condições especiais, a lei impõe que o regime seja o da separação obrigatória de bens (regime obrigatório).

O Direito anterior ao assegurar, aos nubentes, liberdade para escolher o regime de bens a vigorar no seu casamento quis que as questões patrimoniais ficassem ao arbítrio dos contraentes das núpcias (art. 256). O mesmo se dá no Direito atual (art. 1.639 NCC).

Para assegurar o respeito à convenção dos cônjuges nessa questão, impôs regras impeditivas à violação do ajuste, de sorte que, se o regime escolhido fosse comunhão de bens, nenhum dos cônjuges poderia, como não pode, alienar bem imóvel sem o outro. E não se trata de outorga uxória, que tem o sentido de consentimento, autorização ou permissão de um cônjuge ao outro, mas de verdadeira manifestação de vontade de ambos os cônjuges em alienar (transferir), seja qual for a forma da alienação (venda, doação, dação, permuta, etc), e independentemente do tempo e da forma com que esse bem ingressou ao patrimônio do casal. Isto ocorre porque o bem imóvel pertence a ambos os cônjuges, e não apenas a um deles, por força do regime de bens escolhido. Se o imóvel é de ambos, um não pode vender sem o outro. Ponto final.

Contudo, existem regras que se sobrepõem aos regimes de bens, as quais não é lícito aos cônjuges disporem em contrário. Vejamos dois exemplos.

No regime da comunhão universal, a regra é a comunicabilidade absoluta dos bens (art. 262, cc 1916; art. 1.667, CC 2002). No entanto, excepcionou a lei hipóteses em que não ocorreria a comunicabilidade, como no caso de serem transferidos bens imóveis por doação a um dos cônjuges com a cláusula de incomunicabilidade, gravame que acompanha, inclusive, os bens sub-rogados em seu lugar, e também os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário antes de realizada a condição suspensiva (art. 263, CC 1916; art. 1.668, Código 2002). Trata-se de previsão legal de extrema utilidade, visando não impedir qualquer dos consortes de um favorecimento especial futuro em razão de restrição do benfeitor à pessoa do outro cônjuge.

Porém, evidente que tal previsão legal se contrapõe à vontade daqueles que se casam sob o regime da comunhão universal de bens, pois neste regime a regra é que todos os bens havidos pelos cônjuges, antes e durante o casamento, a título oneroso ou gratuito, inter vivos ou mortis causa, compõem o patrimônio comum, não havendo presunção legal de que assim não o seja.

De qualquer modo, ocorrendo essa hipótese, na alienação desse bem o cônjuge excluído da liberalidade comparecerá na escritura de alienação tão somente para dar a outorga uxória, e não para vender, posto que não será proprietário do bem.

No regime da separação convencional de bens ocorre o contrário. Não obstante a absoluta incomunicabilidade dos bens e o inegável propósito dos futuros cônjuges de manterem total independência um do outro na administração e/ou alienação do seu patrimônio particular (o que cada cônjuge adquire isoladamente, a qualquer título e tempo), conforme manifestado no pacto antenupcial firmado entre os nubentes, o Código de 1916 estabelecia que os cônjuges somente poderiam alienar livremente os bens móveis (art. 276). Quanto aos imóveis, apesar da ausência da comunicabilidade desses bens, fazia-se necessária a outorga uxória do cônjuge não proprietário na alienação desses bens (art. 235 e 242, Código de 1916). Era uma imposição da lei, contrária àquilo que foi voluntariamente acordado entre as partes.

Vemos assim que, no Direito de Família, existem regras referentes ao regime de bens e regras referentes ao casamento. Aquelas regulam questões patrimoniais de livre escolha dos cônjuges. Estas regulam aspectos alheios aos regimes de bens.

Seria por esta razão que o Casamento está regulado no Subtítulo I, do Título I (Do Direito Pessoal) e o Regime de Bens entre os Cônjuges está regulado no Subtítulo II, do Título II (Do Direito Patrimonial), ambos no Livro IV (Do Direito de Família) do Novo Código Civil?!

Passemos agora aos fundamentos básicos da polêmica em torno do assunto.

Manteve o art. 2039 do novo Código Civil a obrigatoriedade da outorga uxória?

O art. 2.039 do novo Código diz: “O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido.”

Qual a pertinência deste artigo com a necessidade da outorga uxória?

A outorga uxória no Código Civil revogado foi estabelecida nos artigos 235 e 242, onde dizia basicamente que “o marido não pode, sem consentimento da mulher” (235), e que “a mulher não pode, sem autorização do marido” (242), ‘alienar direitos reais sobre imóveis, qualquer que seja o regime de bens’.

Ora, vê-se desde logo que a outorga uxória não estava atrelada ao regime de bens, pois dizia o Código de 1916 que ela se fazia necessária independente do regime de bens. Logo, a outorga uxória não integrava, como não integra, o regime de bens.

Portanto, parece-nos forçoso concluir que o art. 2.039 do novo Código não tem em si o condão de tornar obrigatória a outorga uxória para os casamentos realizados na vigência do Código anterior, uma vez que referido artigo, ao manter inalterados aqueles regimes, não está, por via de conseqüência, mantendo a obrigatoriedade da outorga uxória, já que esta não provém do regime de bens.

Este, aliás, foi um dos fundamentos da improcedência da dúvida proferida pelo Dr. Venício Salles, consoante sentença exarada no respectivo expediente, a saber:

 “A previsão sobre a participação nos bens e as regras para a partilha destes, não pode ser alterada pelo novo Estatuto Civil, sendo imperiosa a sua manutenção em atenção ao respeito ao ato jurídico perfeito, e à disposição do art. 2039, que prestigia igual posicionamento. Desta forma, tudo o que tenha sido ajustado e pactuado em termos da participação do casal no acervo patrimonial sob os auspícios da lei superada, continua valendo enquanto perdurar o casamento.”

“É certo que o antigo Código exigia, em seu art. 235, o expresso consentimento da mulher para alienação de bens, qualquer que fosse o regime de bens matrimonial. Entretanto, tal previsão não representava, nem representa, qualquer mutação ou interferência no regime de bens” (Grifos acrescentados).

Há direito subjetivo adquirido à outorga uxória?

É regra elementar da ciência jurídica que, a todo direito corresponde uma ação. Ou seja: não há direito sem ação que o assegure, que o faça valer, que o torne exigível. Direito sem ação é o mesmo que não direito. É o que dispõe o § 2º, do art. 6º da LICC, verbis: “Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem” (Grifamos).

Assim, se um cônjuge vende imóvel do seu patrimônio particular sem a necessária outorga uxória do outro, ou sem o suprimento judicial, nasce para o outro cônjuge o direito de invalidar a alienação - direito de ação -, consectário do direito subjetivo deste, conforme estatuía o art. 252 do Código de 1916.

Porém, não havendo alienação, seria cabível exigir-se o direito subjetivo (direito adquirido) à outorga uxória? Haveria tal possibilidade jurídica?

A elucidação da questão prescinde de abalizados ensinamentos doutrinários, para o que são precisas as lições do Prof. Miguel Reale acerca do tema (in:Lições Preliminares de Direito. 27ª edição ajustada ao novo Código Civil – 3ª tiragem – 2003, Ed. Saraiva, pp. 256-260), o qual, após considerar a teoria formalista - entendendo ser o direito subjetivo o direito expresso na norma (Del Vecchio, Kelsen), e a teoria empírica - “declarando que, em face dos enunciados normativos, o que existem são situações de fato de natureza subjetiva” (Léon Duguit), ensina:

“A Teoria Geral do Direito hodierna, partindo dessas e de outras críticas às antigas teses, [...] reelaborou os estudos sobre o direito subjetivo, fixando alguns pontos essenciais. Um deles se refere exatamente ao conceito de situação subjetiva, que, a princípio, passou a ser sinônimo de direito subjetivo para, mais acertadamente, ser vista, depois, como o gênero no qual o direito subjetivo representa uma espécie”.

 [...]

“As duas teses acima contrapostas, a que converte o direito subjetivo em um modo de ser da norma jurídica (Kelsen) e a que o reduz a uma situação fatual juridicamente garantida (Duguit) já apontam para uma solução superadora dessa antítese, desde que se reconheça que esses dois pontos de vista correspondem, na realidade, a dois momentos complementares de um único processo: um acha-se configurado abstratamente no plano normativo, como “possibilidade de ser pretendido algo em tais ou quais circunstâncias”; e o outro corresponde à realização dessa possibilidade como pretensão efetiva da pessoa que se situar, concretamente, nas circunstâncias genericamente previstas na regula júris”.

[...]

“Direito subjetivo, no sentido específico e próprio deste termo, só existe quando a situação subjetiva implica a possibilidade de uma pretensão, unida à exigibilidade de uma prestação ou de um ato de outrem. O núcleo do conceito de direito subjetivo é a pretensão (Anspruch), a qual pressupõe que sejam correspectivos aquilo que é pretendido por um sujeito e aquilo que é devido pelo outro (tal como se dá nos contratos) ou que pelo menos entre a pretensão do titular do direito subjetivo e o comportamento exigido de outrem haja certa proporcionalidade compatível com a regra de direito aplicável à espécie.”

“Desse modo, a pretensão é o elemento conectivo entre o modelo normativo e a experiência concreta, mesmo porque a norma, exatamente por ser um modelo destinado à realidade social, não difere desta a não ser por um grau de abstração, na medida em que ela foi instaurada à vista da realidade mesma, como expressão objetiva do que nela deve ser declarado obrigatório.”

[...]

“Parece-nos essencial essa compreensão do direito subjetivo em seu duplo momento, o normativo, ou da previsibilidade tipológica da pretensão, e o da realizabilidade da pretensão, em concreto, através da garantia específica. Este segundo momento pontualiza ou verticaliza, por assim dizer, a norma no sentido de um sujeito, que converte a pretensão abstrata, enunciada genericamente na regra de direito, numa pretensão concreta. Sem a idéia de pertinência não há, pois, que falar em direito subjetivo.”

“Daí, podermos dizer, numa noção destinada a reunir os elementos essenciais do problema, que direito subjetivo é a possibilidade de exigir-se, de maneira garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio.” (Todos os grifos são do original).

Pelas lições do mestre pode-se concluir que sem a pretensão concreta de um dos cônjuges em alienar bem imóvel do seu patrimônio particular não se convola o direito subjetivo do outro cônjuge, que ‘é a possibilidade de exigir-se aquilo que as normas de direito lhe atribuem’, a saber: o direito de conferir a outorga uxória.

Desta feita, ausente a pretensão concreta de alienação por um dos cônjuges casado sob o regime da separação de bens, não nasce para o outro o direito subjetivo à outorga uxória, assistindo-lhe tão somente uma expectativa de direito, a qual não está protegida pelo manto constitucional do direito adquirido, porque expectativa de direito não é direito. É pré-requisito ao Direito.

A outorga uxória e a retroatividade da norma.

Retroatividade da norma é a aplicação da lei para regular ato ocorrido antes da sua promulgação (Vide Vocabulário Jurídico De Plácido e Silva, 20ª ed. Forense, 2002).

Referido Dicionário esclarece, porém, que “em princípio, as leis são irretroativas: não retrocedem para levar seus efeitos aos atos pretéritos. Regulam somente os atos que se sucederem à sua promulgação. Pelo princípio da irretroatividade, as leis respeitam os direitos adquiridos, os atos jurídicos perfeitos e as coisas julgadas”.

Assim, para saber se há ou não retroatividade da norma que dispensa a outorga uxória, é essencial identificar: a) o ato que dá ensejo à outorga uxória; b) o tempo da realização desse ato.

Já vimos que a outorga uxória não provém do regime de bens, pois independe do regime de bens; nem tampouco do casamento, senão seria direito subjetivo exigível a qualquer momento, independente de qualquer outro ato, restando patente que o ato que dá ensejo à outorga uxória é a pretensão concreta do cônjuge de alienar bem imóvel pertencente ao seu patrimônio particular.

Quanto ao tempo da realização do ato de alienação, temos a vigência do Código de 1916 e a vigência do Código de 2002.

Se realizado na vigência do Código de 1916, quando exigível a outorga uxória, esta não poderá ser dispensada pelo Código de 2002, o que seria retroatividade da norma, inaplicável na hipótese, em razão da proteção constitucional ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido (art. 5º, XXXVI).

Nesse caso, havendo a dispensa da outorga uxória, ocorre violação ao direito adquirido do outro cônjuge, podendo este reivindicar o seu direito através de ação própria a ele correspondente, a qual, segundo exposição do Dr. Antonio Albergaria (BDI, Boletim Cartorário, 1º Decêndio Março/2005, nº 7, pp. 32/34), será uma ação reipersecutória.

Porém, se a alienação ocorrer na vigência do Código de 2002, que não mais exige a outorga uxória, não parece razoável socorrer-se da lei revogada para exigir essa outorga, uma vez que, nascendo o direito da lei, e não tendo este nascido antes da revogação daquela que o conferia, considerá-la para conferir direito não contemplado na nova lei seria verdadeira repristinação.

Esse entendimento, aliás, está amparado pelo disposto no § 1º, art. 6º, da LICC, que diz: “Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou” (negritos acrescentados).

Ou seja: para que o ato jurídico seja perfeito é necessário que esteja “consumado” e que o tenha sido “segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”. Faltando um desses requisitos deixa de ser ato jurídico perfeito.

Conclusão

Entendemos, assim, que na vigência do Código de 2002 a alienação de imóvel pelos casados sob o regime da separação convencional de bens, qualquer que seja o tempo do casamento, dispensa a outorga uxória, sem que isso constitua qualquer violação a direito subjetivo do outro cônjuge, em razão da norma vigente não assegurar tal direito, nem representa essa dispensa desrespeito ao direito adquirido, uma vez que o direito à outorga uxória não fora constituído na vigência da norma que o assegurava.

Também, o art. 2.039 do Novo Código não tem em si o condão de perpetuar a outorga uxória, pois diz respeito tão somente ao regime de bens.

Por fim, a aplicação do Código Civil de 2002 aos negócios realizados na sua vigência não pode ser considerada retroatividade da norma.

* Valestan Milhomem da Costa, 1º Ofício de Cabo Frio – RJ. Substituto do Tabelião e Oficial Substituto 1º Ofício de Cabo Frio - RJ.  

Confira também:

Separação de bens convencional – alienação - vênia conjugal. Novo código civil - NCC - Discussão sobre a necessidade de vênia conjugal para os negócios jurídicos de alienação de bens imóveis celebrados na vigência do Novo Código Civil por proprietários casados sob o regime da separação de bens, com casamento celebrado na época em que vigoravam as regras do direito de família da Codificação de 1916. Confira abaixo a suscitação de dúvida dos registrador substituto Dr. Alexandre Laizo Clápis  e a decisão do juiz-corregedor permanente no Processo 000.04.028316-0 da Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo.

Separação de bens convencional – alienação - vênia conjugal. Novo código civil - NCC Ementa não oficial: O Novo código civil não perpetuou a necessidade do consentimento do cônjuge na alienação de bens incomunicáveis. As alienações nos termos da nova lei poderão prescindir de tal formalidade. Processo 1VRPSP nº:  000.04.028316-0. Juiz: Venicio Antonio de Paula Salles.

É possível mudar o regime de bens com o casamento em vigência?

A alteração do regime de bens é plenamente possível desde a vigência do Código Civil Brasileiro de 2002, que prevê a possível mutabilidade – não era permitido no código civil antigo. Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

Pode alterar o regime de bens no casamento que foi celebrado na vigência do Código de 1916?

É possível alterar regime de casamento realizado sob as regras do Código Civil de 1916. Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu a possibilidade de ser alterado o regime de casamento celebrado sob as regras do antigo Código Civil (CC) de 1916 na vigência do novo, de 2002.

Seria possível a alteração do regime de bens posto o casamento ter sido realizado ainda na vigência do Código Civil de 1916?

“Após debates doutrinários e jurisprudenciais, prevaleceu o entendimento de que, a partir do Código de 2002, o regime de bens do casamento, mesmo contraído durante a vigência do Código de 1916, pode ser alterado por autorização judicial, mediante pedido motivado dos cônjuges”, explica o professor.

É vedada qualquer modificação no regime de bens de casamento celebrado antes da vigência do Código Civil de 2002?

É vedada qualquer modificação no regime de bens de casamento celebrado antes da vigência do Código Civil de 2002. A alteração do regime de bens na união estável depende de homologação judicial e prévia oitiva do Ministério Público.