O que ocorre com os bebês roubados de país considerados subversivos pelo regime militar argentino

O jornalista Eduardo Reina, que escreveu um livro sobre o tema, e que até agora era mais conhecido nos casos das ditaduras militares de países vizinhos, especialmente a Argentina e Chile, participou do encontro.

Cativeiro sem Fim

O título do livro é Cativeiro sem Fim, porque alguns não descobriram até hoje quem são os verdadeiros pais e os que conseguiram ainda tentam reconstruir a vida. Reina localizou e entrevistou dezenove filhos de desaparecidos políticos brasileiros e que foram entregues para serem adotados por outras famílias. O trabalho de pesquisa e reportagem durou duas décadas.

“Conseguimos furar uma bolha de invisibilidade e de ocultação sobre um dos crimes mais cruéis da ditadura brasileira das décadas de 60 e 70, o sequestro de bebês e crianças, filhos de militantes de esquerda”. O escritor lembra que na Argentina esse crime foi relatado pelo menos 500 vezes. “Isso levou para a cadeia um presidente da república, militares, familiares e adotadores. O mesmo aconteceu no Uruguai, Chile, Paraguai e Bolívia. Raramente esses fatos foram citados na mídia”.

Reina destacou a importância de debate o tema para que a população tenha conhecimento do que aconteceu na história recente do país e, dessa forma, não acontecer novamente. “Essas dezenove vítimas de sequestro não sabem quem elas são, não têm identidade, não sabem quem são os pais, foram ocultadas e invisibilizadas”.

Ele acrescenta que “nada mais propício, neste momento de mentiras escritas e imagens editadas, infiltradas em lares e mentes, distorcendo a realidade e tentando apagar a verdade, buscarmos áreas de esclarecimento e informação”.

Para a procuradora regional da República Eugênia Augusta Gonzaga, ex-presidente da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos, o livro de Reina dá visibilidade aos fatos praticados na ditadura. “Fatos terríveis que mostram que a ditadura brasileira foi, sim, muito violenta”, afirmou. Ela informou que na Comissão, há cerca de dez dias, o próprio jornalista sugeriu uma iniciativa que já existe na Argentina. “Lá, as pessoas que têm desconfiança de ser filhos de presos daqueles períodos, fazem parte de um banco de DNA. Essa ideia ficou como um projeto pendente da Comissão, mas lá já temos um banco de análise de DNA de familiares e de análises ósseas no caso da Vala de Perus”. A procuradora lembrou o que o torturador confesso Major Curió já relatou que existe “uma espécie de confraria de quem cometeu crimes em nome da ditadura militar, que mantém um acordo de ninguém falar nada, se falar morre e para quem falou morre também. E isso não é coisa do passado”, conclui.

Durante a audiência, houve manifestações de solidariedade à procuradora. Ela e outros membros da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos foram demitidos pelo governo federal e substituídos por outros representantes.

Para Camilo Capiberibe (PSB-AP), filho de exilados políticos, “existe hoje no Brasil um processo de tentar reescrever a história, mas isso é impossível”.

Hamilton Pereira da Silva, poeta e ex-preso político, considerou fundamental o trabalho feito por jornalistas como Eduardo Reina. “No Brasil vivemos uma espécie de círculo perfeito, as tiranias no nosso país que nos perseguem às vezes vestem fardas e, outras vezes, togas”.

“Defendo que a história seja resgatada e que toda essa história escondida debaixo do tapete venha à tona. Quer seja de direita, quer seja de esquerda”, disse Eli Borges (Solidariedade/TO).

Filhos retirados de mães indígenas ou usuárias de crack

Déborah Duprat, procuradora federal dos Direitos do Cidadão afirmou que a procuradoria já abriu 7 procedimentos sobre desaparecimentos de bebês e crianças durante a ditadura. “Mas nunca conseguimos informações mais concretas porque todos os dados estão sob sigilo. Tenho dúvidas se essas crianças existem ainda, temos pouca clareza sobre o que aconteceu com nossas crianças na ditadura”.                        

Duprat destacou também que situação semelhante já aconteceu com crianças indígenas. “Elas foram retiradas de seus pais porque, supostamente, eles cometeram crimes como ocupação de terras. O mesmo com mães usuárias de crack, que entraram no hospital para o parto e acordaram sem o filho, que eram retirados através de termos de ajuste do Ministério Público.

“O silêncio do governo é uma ameaça à nossa democracia, e que não reconhece essa dívida histórica que temos com essas famílias e essas vítimas”, afirmou Sheridan (PSDB/RR).

O presidente da CDHM, Helder Salomão (PT/ES), disse que a pesquisa de Eduardo Reina é essencial para uma reflexão sobre o problema. “Ainda existem muitas dúvidas, muitas situações não foram elucidadas e as famílias ainda sofrem a dor da perda dos seus entes queridos”.

Pedro Calvi / CDHM

08/04/2015 - 15h05

A ditadura argentina é considerada a mais violenta da América do Sul. Lá, pessoas foram jogadas vivas de aviões nos "voos da morte", prisioneiros eram amarrados juntos e dinamitados e alguns homens foram empalados com cabos de vassoura. Outro procedimento era o sequestro sistemático de bebês.

"Esse plano incluía maternidades clandestinas, médicos e até uma lista de espera de pessoas dispostas a adotar filhos de desaparecidos, para educá-los longe da subversão de seus pais e familiares", conta Eric Nepomuceno em "A Memória de Todos Nós".

"Para o regime dos generais, os filhos dos sequestrados deveriam, necessariamente, perder sua identidade, desconhecer sua história, sua origem", diz. "O regime considerava que as ideias de seus pais podiam ser hereditárias".

Os argentinos desconfiavam das práticas, mas a comprovação da extensão dos crimes veio à luz anos depois. Os relatos dos sobreviventes dos campos de concentração da ditadura ajudaram a esclarecer os desaparecimentos.

"É verdade que antes, em plena ditadura, esses horrores eram denunciados, especialmente pelas Mães da Praça de Maio, que procuravam seus filhos desaparecidos, e pelas Avós da Praça de Maio, que procuravam os bebês de suas filhas nascidos na prisão e dados de presente a militares e policiais".

Divulgação
O que ocorre com os bebês roubados de país considerados subversivos pelo regime militar argentino
Nepomuceno traz histórias da Argentina, do Chile e do Uruguai

Por mais de 40 anos, entre 1954 e 1990, os países da América Latina presenciaram uma epidemia de golpes. Tudo começou com a queda de Jacobo Árbenz, presidente da Guatemala, passou por Paraguai, Brasil e Argentina, até chegar ao Chile e Uruguai.

Na década de 1970, quase todos os países latino-americanos, salvo a Colômbia e a Venezuela, viviam sob uma ditadura. O processo de redemocratização começou nos anos de 1980.

Em "A Memória de Todos Nós", Nepomuceno resgata personagens e conta histórias passadas na Argentina, no Chile e no Uruguai que servem como exemplo do que as outras nações passam.

Ganhador do prêmio Jabuti, Nepomuceno traduziu para o português alguns dos mais importantes autores de língua espanhola, como Juan Rulfo, Julio Cortázar, Eduardo Galeano e Gabriel García Márquez.

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O que ocorre com os bebês roubados de país considerados subversivos pelo regime militar argentino

A MEMÓRIA DE TODOS NÓS
AUTOR Eric Nepomuceno
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Mais uma criança sequestrada pelo governo militar da Argentina (1976 – 1983) foi identificada, segundo informou a organização Avós da Praça de Maio.

Testes de DNA confirmaram que uma mulher, agora com cerca de 30 anos, era filha dos ativistas Gladys Castro e Walter Domínguez, integrantes do Partido Comunista Marxista Leninista da Argentina.

Ambos viviam na cidade de Mendoza (norte) e foram capturados na casa em que moravam em 1977. Na época, Gladys estava grávida de seis meses e deu à luz na prisão no ano seguinte. Gladys e Walter nunca mais foram vistos.

Segundo a ONG, há mais de 300 pessoas que foram roubadas quando bebê ou crianças pelo regime militar e ainda não foram identificadas.

O sequestro de bebês era parte de um plano da ditadura argentina e ocorria de maneira sistemática, segundo grupos de direitos humanos.

O objetivo era dar os filhos de pessoas que o governo considera subversivas a famílias de militares e seus aliados. Na lógica da ditadura, isso evitaria que fosse criada outra geração do que os militares consideravam radicais da esquerda.

A organização Avós da Praça da Maio foi fundada em 1977 com o objetivo de encontrar os filhos roubados e adotados ilegalmente durante o governo militares.

Ao longo dos anos e de muitos protestos e lutas, a ONG conseguiu muitos frutos.

Um deles ocorreu em 2014, quando o neto de Estela de Carlotto, a presidente da ONG, foi identificado após mais de 30 anos de buscas.

Para muitos, a identificação de Guido foi como um prêmio para a vida de luta de Estela. Ele se submeteu ao teste de DNA por conta própria, após desconfiar de sua verdadeira identidade.

Legenda da foto,

A organização Avós da Praça de Maio, cuja presidente é Estella de Carlotto, já identificou 117 pessoas sequestradas pelos militares quando eram bebês

A filha de Gladys e Castro é a 117º pessoa a ser identificado pela ONG.

O grupo possui um amplo banco de dados genéticos de familiares das vítimas da ditadura. Foi a partir desta base de dados que os bebês separados dos pais biológicos – e agora com mais de 30 anos – foram localizados.

A organização costuma veicular anúncios em jornais, TVs e rádios incentivando pessoas com dúvidas sobre sua identidade a procurar a ONG e realizar o local e realize o exame de DNA.