Eu posso registrar um filho que não é meu

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Introdução

Essa é uma questão frequente aqui no escritório e para todo aquele que advoga na área de família.

É bastante comum um cliente nos procurar para ajuizar uma ação para retirar o nome dele da certidão de nascimento da criança – seja por causa do resultado de um teste de DNA negativo, seja por causa da confissão de um caso extraconjugal.

Mas, na maior parte das vezes, não é tão simples retirar o nome do pai da certidão de nascimento da criança.

Reconhecimento da Filiação

Dada a importância da família, a Constituição Federal de 1988 lhe dá especial proteção, sendo reconhecida, inclusive, como base da sociedade. E, sendo protegida constitucionalmente, somente é possível a alteração a filiação (o reconhecimento do vínculo entre pai e filho) em hipóteses muito específicas.

O Brasil adota o sistema presumido de reconhecimento da filiação. Ou seja, basta o preenchimento de certos requisitos previstos na lei para que se conclua que um homem seja ou não o pai da criança.

Na paternidade presumida, o Código Civil determina que, havendo casamento, o marido é considerado o pai da criança. Em outras palavras, basta estar casado para concluir, legalmente, que o pai da criança é o marido. Tanto é assim que no momento de registrar a criança, o marido/pai não precisa acompanhar a mãe no Cartório de Registro Civil – basta que a esposa/mãe, apresente a certidão de casamento no ato.

Entretanto, todos sabemos que nem todas as crianças são fruto de um casamento.

Neste caso, ao registrar a criança, tanto o homem quanto a mulher devem estar presentes em Cartório, de forma a caracterizar a voluntariedade e consciência do ato de se registrar o nascimento.

Acontecem, então, aqueles casos em que o homem decide registrar a criança como sua filha mesmo sem ter a certeza clara e concreta de que é, de fato, pai.

E quando a certeza vira dúvida é que estamos diante da possibilidade de ajuizar a ação negatória de paternidade com anulação de registro civil.

Ação Negatória de Paternidade

Esta ação tem dois pedidos, principalmente: primeiro, obter uma declaração do Judiciário de que ele não é o pai. Segundo, obter autorização para a retirada do seu nome do registro de nascimento da criança.

Para esta ação ter sucesso, é necessário que:

  1. Que o pai não era casado com a mãe à época da gravidez;
  2. Que o resultado do exame de DNA seja negativo;
  3. Que o registro da criança se deu por erro ou falsidade e
  4. Que não exista vínculo socioafetivo entre o pai e a criança, ou seja, que não haja uma relação recíproca de afeto e que não haja o reconhecimento social dessa filiação.

Apontamentos finais

No entanto, no Direito, sobretudo no Direito de Família, cada caso é um caso, tem suas especificidades e suas peculiaridades. Mas, presentes esses requisitos, há grandes chances de êxito nessa ação, trazendo a justiça para todos os interessados e fazendo com que a realidade registrada na certidão de nascimento corresponda à realidade dos fatos.

Como registrar uma criança? A mãe pode registrar o filho sozinha, só no nome dela, e não declarar quem é o pai na certidão de nascimento? Pode também excluir o nome dele do sobrenome da criança?

Nesse artigo tento esclarecer a questão do ponto de vista prático, dizer quais seriam as consequências da falsa declaração de informações para o registro de nascimento do bebê, além de abordar as diferentes formas de proceder ao registro da criança sem a presença do pai.

A mãe pode registrar o filho sozinha no cartório?

Para responder a questão principal - saber se a mãe pode omitir o nome do pai da certidão - é preciso também entender a situação contrária: quando a mamãe pode apontar, sozinha, quem é o pai de seu filho, sem necessidade da presença dele no cartório? 

Nossa história começa com uma mudança na legislação em 2015 (a Lei 13.112/2015, que modificou texto da Lei de Registros Públicos) que causou grande rebuliço na imprensa do país. As notícias, nem sempre acuradas, deram a entender para alguns – erroneamente – que a partir de então a mãe poderia simplesmente apontar quem seria o pai e ele teria a paternidade automaticamente reconhecida. Não era nada disso.

O que efetivamente aconteceu é que a mãe foi colocada em pé de igualdade com o pai, passando a poder registrar o filho sem a presença dele, e já nos primeiros 15 dias de vida. Antes, isso só poderia acontecer 45 dias depois do nascimento da criança.

Contudo, para que a mãe pudesse fazer a mágica de apontar quem é o pai da criança e fazê-lo constar da certidão, a situação permanecia a mesma.

Assista aqui o meu vídeo sobre a questão das mamães que não querem declarar o pai no registro do filho

Em que situações a mãe pode fazer constar o nome do pai na certidão SEM a presença dele no cartório?

A primeira dessas formas já é parte do pacote que vem com o casamento: se a mãe é uma mulher é casada, há presunção legal de que o pai da criança seja seu cônjuge. Isso quer dizer que ele, marido, terá seu nome no assento de nascimento de seus filhos mesmo que não ao Cartório de Registro Civil para assumir a paternidade. Tudo o que a mãe tem que fazer é trazer a a Declaração de Nascido Vivo da criança, seus documentos pessoais e a certidão de casamento.

A outra forma de conseguir esse feito é que a mãe traga com ela, no momento do registro, uma declaração formal, por escrito, do pai reconhecendo o filho.

Se uma dessas duas situações não se verificarem, não há como fazer constar o nome do pai da criança no registro.

Procedimento no cartório se o pai não puder ser registrado

A partir daí temos algumas situações possíveis, das quais analisaremos duas em profundidade:

a) A mãe declara quem é o pai, identificando-o e fornecendo seu endereço para notificação. Diante disso, ele será chamado para que possa voluntariamente reconhecer o filho, se assim desejar. Caso ele se negue ou não compareça para se manifestar, abre-se a oportunidade para início do processo de investigação de paternidade, o qual pode ser feito via próprio cartório ou por intermédio de advogado, sempre por iniciativa da mãe.

b) A mãe decide NÃO declarar quem é o pai, muitas vezes mesmo sabendo quem ele é.

Nesse caso, o Cartório informará ao Juízo competente o ocorrido e a mãe será notificada para que esclareça, em audiência, a situação. No fundo, trata-se de uma tentativa de esclarecimento educativo, que tem como objetivo ressaltar a importância dos direitos inerentes à filiação.

Sou obrigada a dar ao meu filho o sobrenome do pai?

É possível registrar a criança apenas com o sobrenome materno, especialmente se o pai é ausente e está sendo intimado a para declarar ou negar a paternidade. Não teria cabimento atribuir ao bebê um sobrenome que ainda não reflete a realidade registral. Todavia, imaginando uma situação em que o pai aceite o registro, nada impede que venha a pleitear em juízo, mais tarde, a inclusão de seu sobrenome ao da criança. Se irá conseguir é algo que dependerá do caso concreto.

Por outro lado, para retirar o sobrenome do pai na certidão de nascimento (o que não significa retirar a paternidade) será necessária a ação judicial. Já há precedentes com decisão favorável do Superior Tribunal de Justiça, mas sempre em situações que refletem o abandono paterno. Considera-se que não seria justificável manter-se a inflexibilidade do registro nessas situações, pois isso viria a infligir desnecessária dor ao filho, com nítida contrariedade ao princípio da dignidade humana.

AFINAL - Quais as consequências de afirmar que o pai é desconhecido no momento do registro, se isso não é verdade? É crime?

Que fique muito claro: não quero com estas linhas colocar medo nas mentes de mamães que fizeram ou têm intenção de fazer isso. Não tenho uma missão religiosa ou ideológica para cumprir e não estou tentando forçar qualquer tipo de situação. Cada um é dono de suas ações e entendo perfeitamente que, muitas vezes, a decisão é baseada em considerações absolutamente justificáveis. O objetivo aqui é somente informar. O que você faz com essa informação é algo que concerne apenas a você.

Sem mais delongas, trago para a discussão o art. 299 do Código Penal, que é bastante claro quando descreve o crime de falsidade ideológica: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.”

Dado o tapa, vem o assopro: não sou criminalista, mas não encontrei um único caso em que a mãe fosse condenada criminalmente por isso. E se pararmos para pensar, trata-se de uma atitude que, ao menos de forma imediata, não tem repercussão aparente, já que os prejudicados estão no escuro: a criança (a maior prejudicada!) não pode reagir, e o pai não sabe (ou não quer saber) da existência do filho. O resultado parece ser a impunidade.

Os casos problemáticos são, normalmente, aqueles em que um homem (normalmente um ex alguma coisa, ou amigo) assume a paternidade de criança que SABIDAMENTE não é seu filho, justamente para ajudar a mãe a afastar o pai verdadeiro, mas indesejado. Ou mesmo em casos de adoção à Brasileira, nos quais a declarante se faz passar por mãe biológica da criança, quando na verdade pretende adotar o bebê. Como há envolvimento direto da mãe da criança nestes assuntos, há respingos sérios na área criminal e ela poderá responder por seus atos.

Prejuízos: por que é importante indicar o pai na certidão de nascimento?

A ausência do pai da certidão de nascimento é algo endêmico no Brasil. A situação é tão séria que força as autoridades a adotar medidas e criar políticas públicas que buscam aumentar os registros voluntários de paternidade e a cooperação das mães da criança com a indicação do pai para o registro. Para isso houve a modificação da Lei de Registros Públicos e a criação de programas específicos para minimizar a situação (como o Programa “Pai Presente” do Conselho Nacional de Justiça, e o “Pai Legal” dos Ministérios Públicos Estaduais). Razões não faltam.

A primeira delas é que, ter o nome do pai na certidão de nascimento, é um direito garantido pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Depois, entramos no campo da ofensa aos Direitos da Dignidade da Pessoa Humana, que se materializam de várias maneiras. A ausência do nome do pai na certidão de nascimento poderá fazer com que a criança sofra prejuízos de ordem psicológica em função do estigma que, infelizmente, poderá vir a carregar em função disso. Aberta estará a porta para problemas em sua vida social, escolar e até profissional.

Não se pode esquecer do aspecto óbvio da sobrevivência. Sem a presença do pai na certidão de nascimento, não há possibilidade de lhe solicitar pensão alimentícia. Vale lembrar que o pedido de suporte financeiro ao pai, na maioria das vezes, deixou de ser o resultado de uma escolha, para se tornar uma necessidade. Sem isso, a criança estará em risco. Ocorre que, por escolha consciente no momento do registro, a mãe se colocou em uma posição em que só será possível solicitação de pensão ao genitor por intermédio da ação de investigação de paternidade, com todos os percalços naturais de um processo judicial lento e emocionalmente carregado. No final das contas, muito desse sofrimento poderia ser evitado simplesmente por fazer constar o nome do pai no assento de nascimento.

Como já disse antes, a escolha é só sua e eu não faço aqui juízo de valor. Mas é preciso pesar os prós e os contras, e pensar, acima de tudo, no interesse da criança. Pondere e faça a escolha certa.

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