Aquecimento global é a extinção de espécies como acontece

O que uma espécie extinta há cerca de 66 milhões de anos diria hoje aos humanos? Essa é a ideia proposta em um vídeo publicado no Twitter pela conta oficial da ONU (Organização das Nações Unidas), em que um velociraptor falante invade o púlpito de uma assembleia mundial da ONU para discursar. Entre as falas, compara o subsídio aos combustíveis fósseis feito pelos humanos, como se os dinossauros tivessem subsidiado os meteoros que os extinguiram da face da Terra. O réptil completa dizendo 'não escolham a extinção' - 'salvem a sua espécie antes que seja tarde demais'.

O alerta da campanha, ainda que dito por um ser ficcional, é real e vai ao encontro do estudo que revela que a meta para zerar os gases do efeito estufa em 2050 é tarde, e que isso deve ser feito até 2030.

Na Cúpula Climática da ONU (COP26), o aquecimento global está no centro das atenções e barrá-lo é uma tarefa assumida pelos 196 países e pela União Europeia, que fazem parte do evento, e que se comprometeram entre a série de ações, com a diminuição das emissões de carbono, que tem como principal objetivo limitar o aumento da temperatura média do planeta em 2ºC [em relação à era pré-industrial] nas próximas décadas.

O Brasil não tem resultados muito promissores para apresentar. A manobra apelidada de "pedalada ambiental", que modificou a Contribuição Nacionalmente Determinada do Brasil, alterou a base de cálculo das emissões nacionais para cima e deu margem ao país para despejar 400 milhões de toneladas a mais de carbono em comparação com o previsto há seis anos.

Mas o que é aquecimento global realmente? Por que devemos nos preocupar com isso? E quais os riscos que corremos, caso a temperatura média global continue subindo? Ecoa reuniu dados sobre esse cenário e conversou com uma bióloga sobre o tema.

O que é aquecimento global?

Imagine que você acendeu um palito de fósforo e sobre ele colocou uma vasilha de vidro, vedando a saída da fumaça. Dentro dessa redoma, outras dezenas de fósforos continuam a ser acendidos e a liberar fumaça. Sobre o vidro, incidem os raios solares, aquecendo continuamente esse microambiente. De um jeito bem simplista, é mais ou menos isso que acontece com o aquecimento global — estamos acendendo fósforos sem parar, aumentando a poluição e a temperatura na Terra.

"O aquecimento global aumenta a temperatura média do planeta. A atmosfera fica mais quente, pois ao redor existem gases que conservam o calor natural da Terra, porém, quando esses gases estão em grande concentração, os raios solares se acumulam muito na atmosfera, aumentando sua temperatura", explica tecnicamente a bióloga Francyne Elias-Piera, mestre em oceanografia biológica (USP) e doutora em ciência ambiental (Universitat Autònoma de Barcelona).

Elias-Piera alerta que não é só na atmosfera que esse calor age. "Existe a troca de calor entre a água e o ar. Se o ar está mais quente, consequentemente a água ficará mais quente também", explica.

O que o aquecimento global pode causar?

O aquecimento global e as mudanças climáticas podem alterar desde as correntes marítimas até diminuir a renda média mundial, aumentando ainda mais a desigualdade entre países pobres e ricos, caso ocorra um aumento de 4,40ºC projetado por pesquisadores.

O aumento da temperatura promove o derretimento de gelo, o que aumenta o nível de água nos oceanos — mais uma preocupação iminente. Uma pesquisa feita pelo Climate Central, organização sem fins lucrativos sediada nos Estados Unidos, projetou que diversas áreas ao redor do mundo sofrerão grandes inundações, caso o aquecimento global não tenha o seu ritmo diminuído nas próximas décadas. As áreas mais atingidas são as costeiras, o que afetaria a vida de mais de 1 bilhão de seres humanos que vivem nessas regiões.

Para tornar o problema mais tátil, o Climate Central projetou com a ajuda da computação gráfica como será o "nosso futuro" em cenários otimistas, com o aumento de 1,5ºC ou com 3ºC nos pessimistas (expectativa real caso continuemos com os níveis atuais de emissão).

As imagens fazem parte do projeto Picturing Our Future (imaginando o nosso futuro) e nas simulações com maior aumento mostram imagens de cidades e regiões completamente ou parcialmente submersas pelos oceanos. De acordo com a simulação, isso aconteceria no Brasil em 13 locais diferentes, como no Copacabana Palace no Rio de Janeiro, que teria quase até o primeiro andar do edifício tomado por água e na Casa Amarela, um dos bairros mais populosos do Recife, que seria quase totalmente inundado. O site também permite analisar cenários mais temerosos, como aumento em 4ºC, o que apresenta regiões inteiras completamente submersas no Brasil.

Como iremos impedir o aquecimento global?

Pensar no futuro da nossa espécie está intimamente ligado ao pensar sobre o aquecimento global. Para isso, lideranças mundiais, especialistas e ativistas pelo clima estão reunidos até o dia 12 de novembro em Glasgow na COP26 e têm como objetivo decidir como irão implementar de fato os acordos. Agora, todos os países que assinaram o Acordo de Paris se comprometem em alcançar as metas estipuladas.

Para impedir que a simulação se torne real e ouvir a súplica ficcional do réptil extinto há milhões de anos, que citamos no início do texto, é preciso manter a temperatura média do planeta em 1,5ºC acima dos níveis da era industrial.

"A maior solução para frear o aquecimento global é a diminuição da emissão dos gases de efeito estufa. Emitimos esses gases em maior quantidade usando combustíveis fósseis nos transportes e nas indústrias", explica a bióloga.

Elias-Piera afirma que atitudes individuais que privilegiem o uso de energias verdes e alternativas são importantes, mas as principais mudanças devem vir de uma forma sistemática e das políticas ambientais adotadas pelos governos. "Precisamos ter políticas públicas que levem às indústrias a diminuírem essas emissões e que ajudem a ter mais transportes que usam energias renováveis. Além disso, incentivar o uso de carros elétricos", explica.

A pedido de Ecoa, a bióloga deu algumas dicas práticas para adotar no dia a dia para quem quer fazer a sua parte neste esforço coletivo:

  • Evite o uso de carro, principalmente sozinho. Prefira usar o transporte público, bicicleta e ande a pé;
  • Evite desperdício de energia elétrica;
  • Diminua a quantidade de lixo gerado, principalmente plásticos descartáveis;
  • Compre de produtores e comerciantes do seu bairro.

Por Cinthia Leone(*)

A mudança do clima pode levar a extinção de espécies de plantas e animais nos lugares mais biodiversos do mundo, alerta um novo estudo, publicado hoje (9/4) na revista Biological Conservation. A equipe global de cientistas, liderada por Stella Manes e Mariana Vale, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), analisou quase 300 hotspots de biodiversidade — lugares com números excepcionalmente altos de espécies animais e vegetais — em terra e no mar. Os pesquisadores verificaram que os animais endêmicos, aqueles que só ocorrem em regiões exclusivas do planeta, têm 2,7 vezes mais probabilidade de extinção do que outras espécies se as emissões de gases de efeito estufa continuarem a aumentar, impactando seus habitats únicos.

As políticas atuais colocam o mundo no caminho de 3°C de aquecimento. Neste cenário, um terço das espécies endêmicas que vivem em terra e cerca da metade das espécies endêmicas que vivem no mar enfrentarão a extinção. Nas montanhas, 84% dos animais e plantas endêmicas podem ser extintas a essas temperaturas, enquanto nas ilhas esse número sobe para 100%. Em geral, 92% das espécies endêmicas terrestres e 95% das endêmicas marinhas sofrerão consequências negativas, como redução de populações.

“A mudança climática ameaça áreas transbordantes de espécies que não podem ser encontradas em nenhum outro lugar do mundo. O risco de que tais espécies se percam para sempre aumenta mais de dez vezes se falharmos os objetivos do Acordo de Paris”, afirma Manes, autora principal do estudo. Para ela, há pouco conhecimento sobre o valor da biodiversidade.

“Quanto maior for a diversidade de espécies, maior será a saúde da natureza. A diversidade também protege contra ameaças como as mudanças climáticas”, explica Manes. “Uma natureza saudável fornece contribuições indispensáveis às pessoas, como água, alimentos, materiais, proteção contra desastres, recreação e conexões culturais e espirituais.”

As espécies endêmicas incluem alguns dos animais e plantas mais icônicos do mundo, como os mico-leões do Brasil, que podem perder mais de 70% de seu habitat até 2080, segundo o estudo. A América do Sul será uma das regiões mais afetadas exatamente por ter importantes hotspots de biodiversidade, com até 30% de todas as suas espécies endêmicas em alto risco de extinção. As ilhas do Caribe podem perder a maioria de suas plantas endêmicas até metade do século, e os recifes de coral da região também podem desaparecer.

“Confirmamos nossas suspeitas de que espécies endêmicas estariam particularmente ameaçadas pelas mudanças climáticas. Isto poderia aumentar muito as taxas de extinção em todo o mundo, uma vez que essas regiões ricas em biodiversidade estão repletas de espécies endêmicas”, explica Mariana Vale, uma das autoras da pesquisa e também pesquisadora  da UFRJ. “Infelizmente, nosso estudo mostra que esses pontos ricos de biodiversidade não poderão atuar como porto seguro contra as mudanças climáticas”.

As tartarugas marinhas, que se aninham em muitas praias da América do Sul e Central, são vulneráveis ao aumento da temperatura. No Havaí, plantas nativas icônicas, como a palavra-de-prata Haleakalā, poderiam se extinguir, assim como aves nativas simbólicas, como os honeycreepers havaianos. Outras espécies ameaçadas de extinção pelas mudanças climáticas incluem lêmures, exclusivos de Madagascar, o leopardo da neve, característico dos Himalaias, além de plantas medicinais como o líquen Lobaria pindarensis, usado para aliviar a artrite.

Wolfgang Kiessling, especialista em vida marinha da Universidade Friedrich-Alexander Erlangen-Nürnberg e coautor do estudo, explica que espécies exóticas introduzidas em um determinado habitat se beneficiam quando as espécies endêmicas são extintas. “Nosso estudo mostra que um mundo uniforme e provavelmente sem graça está à nossa frente devido à mudança climática.”

“Por natureza, estas espécies não podem se deslocar facilmente para ambientes mais favoráveis”, explica Mark Costello, especialista em vida marinha da Universidade Nord e da Universidade de Auckland e também coautor da pesquisa. “As análises indicam que 20% de todas as espécies estão ameaçadas de extinção devido à mudança climática nas próximas décadas, a menos que atuemos agora”.

Mas os cientistas ressaltam que é possível evitar essa extinção em massa. Se os países reduzirem as emissões em conformidade com o Acordo de Paris, então a maioria das espécies endêmicas sobreviverá, afirma a pesquisa. No total, apenas 2% das espécies endêmicas terrestres e 2% das espécies marinhas endêmicas enfrentam a extinção a 1,5ºC, e 4% de cada uma a 2ºC. Fortes compromissos dos líderes globais antes da Conferência do Clima em Glasgow, na Escócia, no final deste ano, poderiam colocar o mundo no caminho certo para cumprir o Acordo de Paris e evitar a destruição generalizada de alguns dos maiores tesouros naturais do mundo.

Repercussão do Estudo

O ClimaInfo conversou com André Aroeira, coordenador de programa da Associação Mico Leão Dourado, sobre o alerta dado pelo estudo. Para ele, o impacto das mudanças climáticas sobre espécies endêmicas preocupa já para a próxima década, tanto nos efeitos que terá sobre os biomas, como pelo aumento de incêndios e perda de floresta, além da possibilidade de agravamento de surtos de febre amarela com impacto irreversível sobre os animais.

“Não nos surpreende que tenhamos um grande impacto sobre os micos-leões, que já são animais severamente impactados pela perda de hábitat. Há hoje um esforço muito grande de restauração e aumento da conectividade das florestas fluminenses de baixada, fruto de mais de 40 anos de pesquisa e manejo”, explica o ambientalista. “Com muita dedicação, o mico-leão dourado saiu de algumas centenas para pouco mais de 3 mil indivíduos, mas recentemente houve uma queda por conta da febre amarela. Isso pode nos fazer regredir em décadas de trabalho.”

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(*) Cinthia Leone é jornalista do ClimaInfo.

ClimaInfo, 12 de abril de 2021.

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