Século XIX acontecimentos importantes em Portugal

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O Instituto Mais Liberdade produziu este gráfico que mostra Portugal como o país mais pobre da Europa Ocidental desde a primeira metade do século XIX.

O gráfico recebeu muitas críticas ignorantes no Twitter. No entanto, está certo.

Na verdade é apenas a fonte que está errada. Aqui então fica + um facto: O Maddison Project Database (MPD) não produz dados nem séries, apenas coleciona dados de outros. E mais, o site deles até diz explicitamente para serem citados os autores originais. No caso de Portugal até 1850, estes dados são os do Jaime Reis e meus:

Fonte: Palma, N., & Reis, J. (2019). From convergence to divergence: Portuguese economic growth, 1527–1850. The Journal of Economic History, 79(2), 477-506.

Atualização: o Instituto Mais Liberdade já emitiu um comunicado a corrigir as fontes.

E para o período depois de 1850, para que já existem dados bons há algum tempo (com a exceção de alguns períodos da segunda metade do século XIX, mas isso é uma discussão para outro dia), são dados de trabalhos anteriores de Jaime Reis e de outros.

Clarifico portanto que o Maddison Project Database (MPD) não produz dados nem séries, apenas as coleciona (e nalguns casos faz ligações simples entre séries). Fica uma analogia: o MDP é como o PORDATA (ainda que por vezes vejamos jornalistas a escrever “Fonte: Pordata”, o que é uma aberração).

Fora isto, o gráfico está certo; não mostra toda a realidade como é evidente, mas o que mostra está certo. Por exemplo, não mostra a grade convergência que aconteceu na segunda metade do século XX e as suas causas. Não se pode contar a História Económica de um país com um gráfico apenas.

No Twitter há um enorme número de pessoas (incluindo historiadores que se querem sérios) a exibir a sua ignorância sobre tudo isto, afirmando que estes dados têm que ser inventados ou defendendo explicações erradas, mas enfim… Estão perdoados: mas aprendam. Infelizmente, penso que não o vão fazer. Da próxima sou bem capaz de aqui meter screenshots com as asneiras. Fica o aviso.

Século XIX acontecimentos importantes em Portugal

aqui falei neste blogue várias vezes das causas (este vídeo é um sumário). Deixo também aqui uma ligação para o meu tweet com ligação para vários trabalhos (por exemplo, este ou este) para quem queira saber mais.

Este gráfico está certo.

Tanta gente a exibir a sua ignorância…

👉o declínio relativo de Portugal não foi devido ao terramoto. Timing errado.

👉também não foi devido às invasões Francesas. Vieram décadas tarde demais: o declínio (relativo e absoluto) já estava a acontecer… https://t.co/VPSNhPhnr6

— Nuno Palma (em português) (@nunopgpalma_pt) August 27, 2022

Novo artigo publicado no ECO.pt, que com o consentimento de António Costa (diretor do ECO), também disponibilizo aqui em acesso livre.

Portugal é um dos países com maior atraso educativo da Europa. Esse atraso nota-se não apenas na escolaridade oficial mas também em questões como a baixa literacia financeira. Para muita gente, existe a ideia que o regime do Estado Novo é o culpado por este atraso. É uma ideia amplamente difundida por políticos que fingem ser historiadores.

No entanto, quem estuda estas matérias de forma séria sabe que o atraso educativo do país é muito anterior ao Estado Novo. No início do século XX, cerca 75% da população era analfabeta, tendo o Estado Novo correspondido, na verdade, a um período de alfabetização acelerada. Existe, aliás evidência de que o efeito foi causal, ou seja, o progresso que existiu teve a ver com a natureza do regime.

No ensino secundário a expansão foi mais tardia, como seria de esperar, mas começou em força, de qualquer modo, durante aquele regime. É esta a visão objetiva da história, sem qualquer condicionalismo normativo ou ideológico.

Convém salientar, contudo, que o atraso educativo do país não é anterior ao início do século XVIII, embora já se notasse durante esse século, especialmente na segunda metade. Qual foi então a sua causa? A ideia de que a razão original desse atraso foi a expulsão dos jesuítas faz algum sentido e vale a pena ser discutida. Escrevo estas linhas na sequência da recente participação do historiador Nuno Gonçalo Monteiro no programa “E o Resto é História”, emitido pela Rádio Observador, acerca do impacto provocado por aquela decisão do Marquês de Pombal, em 1759.

É uma entrevista a um historiador que considero bem intencionado e que conhece bem o período em questão, merecendo, por isso, ser ouvida de forma atenta. Mas que merece também ser discutida, de modo a podermos avançar no conhecimento e reflexão sobre estas questões.

Nuno Gonçalo Monteiro admite que a expulsão dos jesuítas levou a uma queda do número dos alunos, admitindo também que a alternativa de Pombal não se materializou. Mesmo assim, deixa dúvidas sobre a importância relativa do episódio. Mais para o fim do programa, tanto ele como Rui Ramos destacam também a importância relativa das reformas constitucionais do século XIX, que defendem como tendo sido fundamentais, apesar de reconhecerem que não tiveram grandes efeitos para o crescimento económico – um aspeto frequentemente apontado por mim e outros historiadores económicos.

Gostaria de esclarecer a minha posição sobre estes temas. Em primeiro lugar, a questão dos números da escolaridade e da sua importância. Embora Nuno Gonçalo Monteiro não apresente números concretos, é importante ter a noção da sua magnitude, pois as reformas educacionais de Pombal, na sequência da referida expulsão, reduziram o número de alunos de forma muito significativa: até 1758, havia cerca de 20 mil alunos naquilo que poderíamos considerar o “ensino pré-universitário”, um número que depois desceu de forma dramática devido à decisão de Pombal. Em Lisboa, por exemplo, os 2.500-3.000 alunos que frequentavam o Colégio de Santo Antão passaram a menos de 100 por ano no Colégio dos Nobres. Ou seja o número caiu para cerca de 3% (provavelmente ainda menos, porque nunca chegaram a 100). Por outro lado, o acesso ao Colégio dos Nobres era exclusivo às classes sociais mais elevadas e sabe-se que as disciplinas científicas aí ministradas tinham pouca adesão.

Noutras zonas do país também se deram quebras muito significativas, havendo relatos sobre a falta de professores e a fraca qualidade do ensino, como explicou Banha de Andrade. Os Oratorianos também foram perseguidos por Pombal, mesmo os que tinham gabinetes de Física mais modernos e experimentais. Nuno Gonçalo Monteiro sugere que o número de jesuítas não teria sido suficiente para se ter dado uma massificação do ensino. O ponto essencial, no entanto, é que a sua continuação teria permitido certamente criar condições para que essa massificação acontecesse mais tarde, mesmo que não fosse pelas mãos dos jesuítas. É preciso ter quadros para formar mais quadros. Note-se que o mesmo número absoluto de alunos “pré-universitários” só voltou a existir nos anos 30 do século XX, quando a população total do país era já cerca de três vezes superior: quase 7 milhões em vez dos cerca de 2 milhões e meio em meados do século XVIII.

Já nas Universidades a evolução foi igualmente desastrosa. Entre 1724 e 1771 (47 anos) passaram pela Universidade de Coimbra 132.869 alunos, o que corresponde a uma média anual de 2.827 matrículas, enquanto no período imediatamente posterior à reforma pombalina, entre 1.772 e 1.820 (48 anos), apenas 21.675 alunos se matricularam na Universidade, correspondendo a uma média anual de 452 alunos – cerca de 16% das inscrições anuais anteriores, sem que isto tivesse correspondido a uma melhor qualidade do conteúdo programático (para mais detalhes, ver aqui).

Portugal regrediu então de forma muito clara – precisamente quando outros países da Europa Ocidental estavam a investir na escolarização das suas populações e a industrializar as suas economias. Na altura da sua expulsão, em 1759, os jesuítas tinham uma Universidade (Évora, que só voltou a abrir mais de dois séculos depois) e, no conjunto do Império, 37 colégios. De modo a estabelecer um corte radical com o passado, Pombal evitou utilizar esta infraestrutura para ter um corte que desejava ser total, mas também não foi capaz de propor uma alternativa eficaz. A realidade é que o ensino dos jesuítas, que em Portugal era mais central do que noutros países, foi destruído sem ter sido substituído por uma alternativa funcional. Foi por isso, como descreve Henrique Leitão, uma catástrofe. Portugal tornou-se um país sem escolas. Por todos estes motivos, penso ser justo dar mais importância à expulsão dos jesuítas como tendo sido um fator fundamental para o atraso educativo português do que o faz Nuno Gonçalo Monteiro.

Mas também é preciso compreender o contexto que tornou possível as políticas de Pombal. Ele governou num período em que a monarquia era absolutista, embora os regimes monárquicos nem sempre tivessem assumido essa natureza em períodos anteriores. Na entrevista que deu, Nuno Gonçalo Monteiro reconhece, aliás, que Pombal era um governante particularmente autoritário e que o seu poder foi caracterizado por uma forte censura. Contudo, para compreendermos as políticas de Pombal, e porque é que a expulsão dos jesuítas foi possível, temos também de compreender porque é que Portugal entrou em declínio no século XVIII (ainda antes de Pombal), tanto a nível económico como político.

Tenho defendido, em vários artigos, que a causa profunda foi uma “maldição dos recursos” associada à descoberta e mau uso do ouro do Brasil (por ex. aqui e aqui). É fundamental compreendermos as razões determinantes que estão por detrás dos acontecimentos. Considerando uma analogia: se uma pessoa embriagada atropelar alguém, ninguém vai dizer que o problema é não ter travado. Apesar de ser verdade, é claro que a causa mais profunda é outra.

Nuno Gonçalo Monteiro também insiste na ideia de que as mudanças dos regimes ditos “liberais” do século XIX foram muito importantes, apesar de aceitar que não produziram crescimento económico nem convergência com outros países Europeus. Apesar de mais tangencial à pergunta do meu título, deixo aqui também algumas considerações sobre este tema.

A este respeito, é interessante perguntar até que ponto o regime saído da revoluções de 1820-34 era mesmo “liberal” e porque razão não conduziu a um período de crescimento económico e de convergência. Relativamente à última questão, chamo a atenção que, em linha com a discussão anterior, a divergência não aconteceu apenas no que respeita ao rendimento por pessoa, mas também a nível educativo. De facto, durante o século XIX, o atraso educativo de Portugal, face a outros países da Europa Ocidental, agravou-se consideravelmente. E relativamente à primeira questão, a designação “regime liberal” não faz sentido porque se aplica unicamente à ordem jurídica (igualdade perante a lei), mas não aos aspetos económicos, uma vez que a política aduaneira era protecionista. Além disso, a questão da igualdade dos cidadãos perante a lei é mais teórica do que real.

Alguém pensa que, hoje, a condição socioeconómica não afeta, a execução da lei? Nem no caso de dívidas, nem em caso de crimes, ou em muitas outras situações. Infelizmente, na prática, as diferenças sociais são determinantes, e o mesmo já acontecia no século XIX, independentemente do que diziam as leis. Não devemos confundir de jure com de facto. Por este motivo, as reformas constitucionais não mudaram assim tanto como poderia parecer. Num certo sentido até tornaram a discriminação socioecónomica, que continuou a existir, menos transparente. Aliás, a lamentável confusão entre o dizem as leis – frequentemente associadas a forte propaganda – e o que se passa no terreno tem uma longa e trágica história em Portugal. São exemplos disso, no que toca à política educativa, tanto Pombal como a Primeira República.

Dito isto, estou de acordo com o que o Rui Ramos parece sugerir, e que eu aqui exprimo de forma diferente: é importante distinguir condições necessárias e suficientes. As reformas legais do período da Monarquia Constitucional – termo que, para este período, me parece claramente mais operacional do que “liberal” – foram uma base importante para o futuro, mas não foram suficientes para gerar crescimento sustentável à época. Outras decisões seriam necessárias: mais reformas nas instituições, reformas educativas, e integração com a Europa. Tudo isto não foi uma prioridade durante a Monarquia Constitucional – em parte porque Portugal já era um Estado-Nação – e só viria a ser possível já no século XX depois da queda do regime radical conhecido como “Primeira República”.

Nota: Agradeço ao Francisco Malta Romeiras a discussão e esclarecimento de algumas das questões que aqui abordei.

Referências

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Candeias, A. (2005). Modernidade, educação, criação de riqueza e legitimação política nos séculos XIX e XX em Portugal. Análise Social, 477-498.

Carvalho, Rómulo de (1968). História do ensino em Portugal: Desde a fundação da nacionalidade até ao fim do regime de Salazar-Caetano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Henriques, A., and Palma, N. (2019). Comparative European Institutions and the Little Divergence, 1385-1800. CEPR discussion paper

Kedrosky, D., & Palma, N. (2021). The Cross of Gold: Brazilian treasure and the decline of Portugal. Competitive Advantage in the Global Economy discussion paper No. 574

Leitão, H. (2007). A ciência na “Aula da Esfera” no Colégio de Santo Antão, 1590-1759. Lisbon: Comissariado Geral das Comemorações do V Centenário do Nascimento de São Francisco Xavier.

Palma, N. (2020). American precious metals and their consequences for early modern Europe. Handbook of the History of Money and Currency, 363-382.

Palma, N., and Reis, J. (2019). From convergence to divergence: Portuguese economic growth, 1527–1850. The Journal of Economic History, 79(2), 477-506.

Palma, N., and Reis, J. (2021). Can autocracy promote literacy? evidence from a cultural alignment success story. Journal of Economic Behavior & Organization, 186, 412-436.

Palma, N., Reis, J., and Zhang, M. (2020). Reconstruction of regional and national population using intermittent census-type data: The case of Portugal, 1527–1864. Historical Methods: A Journal of Quantitative and Interdisciplinary History, 53(1), 11-27.

Ramos, Jorge (2009). Ensino liceal (1836–1975). Lisboa: Ministério da Educação 40, 45

Reis, J. (1984). O atraso económico português em perspectiva histórica (1860-1913). Análise Social, 7-28.

Romeiras, F. M. (2019). Jesuits and the Book of Nature: Science and Education in Modern Portugal. Brill.

Stolz, Y., Baten, J., and Reis, J. (2013). Portuguese living standards, 1720–1980, in European comparison: heights, income, and human capital. The Economic History Review, 66(2), 545-578.

Século XIX acontecimentos importantes em Portugal
A expulsão dos Jesuítas pelo Marquês de Pombal aconteceu em Portugal cedo e num contexto específico
Século XIX acontecimentos importantes em Portugal
A Primeira República voltou a explulsar os Jesuítas pouco depois da revolução de 1910. As suas políticas educativas foram desastrosas.

É com prazer que anuncio que ganhei uma bolsa de investigação de cerca de 300 mil libras da ESRC (equivalente Inglês da FCT) para estudar o bem-estar e desigualdade comparados em regiões que faziam parte do antigo império português, como Luanda, a Ilha de Moçambique, Goa e Macau, entre o século 16 e meados do vinte. Serão usadas fontes em português como livros de contabilidade de feitorias. Algumas destas fontes são muito anteriores às Inglesas, Holandesas ou Francesas que os historiadores económicos usam para estudar África, por exemplo, e cobrem regiões como Angola relativamente às quais não sabemos quase nada em termos quantiativos, apesar da sua importância no comércio de escravos. Este dinheiro vai financiar um postdoc, tarefeiros (dando emprego a historiadores), conferências, etc. Serão publicados um livro e artigos científicos. Vão também existir eventos de divulgação, estando por exemplo planeada uma exposição num museu.

Explico com mais detalhe os objectivos do projecto neste post em Inglês. Também explico lá que esta foi a minha terceira tentativa de conseguir financiamento para este projecto: tinha tentado com um projecto bastante parecido duas vezes pela FCT, e em ambas em que o meu pedido de cerca de 250 mil euros foi rejeitado com comentários de qualidade científica muito má. Detalhes no post em Inglês para quem se possa interessar.

Seja como for, agora será possível fazer isto – por isso é altura de celebrar. Mais notícias virão.

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Participei neste programa, que está passar em FM na Rádio Observador e pode também ser ouvido em formato podcast aqui. Os meus agradecimentos a Rui Ramos e João Miguel Tavares. Falámos de fontes históricas, dos contrafactuais (o que são e para que servem), e das causas históricas que explicam o declínio da economia portuguesa no longo prazo.

Espero que esta participação sirva para esclarecer e divulgar a minha abordagem à História Económica, até porque já percebi que há muitas confusões por aí, mesmo entre os historiadores profissionais. Por vezes esqueço-me de como a componente matemática do meu trabalho, e também a linguagem económica, deixa algumas pessoas desorientadas. E como tal, a reação instintiva para alguns (mesmo os que possam não ter segundas intenções) é criticar o que não percebem. Parece-me que devem fazer um esforço para ter uma mente aberta e evitar instintos corporativos. Note-se que eu não os tenho, pois leio muita história escrita pelos historiadores tradicionais, com quem tenho aprendido muito. O essencial é compreender iso: a matemática existe no meu trabalho para ajudar à compreensão histórica. O objectivo não é substitutir as fontes nem a análise histórica. Pelo contrário: existe uma relação complementar, ou simbiótica, entre os métodos quantitativos e as fontes históricas, assim como elementos da historiografia tradicional. Por exemplo, a quantificação permite perspectivas comparadas, no tempo e no espaço, que de outra forma não seriam possíveis. É como um drone que permite ver a floresta para que não fiquemos demasiado centrados na análise de árvores individuais, não tendo uma perspectiva de conjunto (como na parábola Indiana dos cegos e do elefante).

Século XIX acontecimentos importantes em Portugal

Já passou mais de um mês desde a minha intervenção de apenas 20 minutos no MEL. Desde esse dia, inúmeros artigos e programas nos media (jornais, TVs e rádio) referiram-se à minha intervenção, apesar de poucos terem falado sobre o ponto central da mesma: as causas profundas da nossa atual divergência face à Europa. Uma grande parte tiveram como único objectivo deturpar o que eu disse para criar uma cortina de fumo para desviar a atenção do veradeiro debate que precisamos de ter. Aliás, a própria reação política que existiu da parte de inúmeros dirigentes do PS e da extrema-esquerda provou a tese que apresentei no MEL: quem nos governa hoje tem todo o interesse em manter vivo o fantasma do salazarismo para se legitimar e assim afastar os olhares da grave situação do presente. Como escreveu Luís Aguiar-Conraria no Expresso (11/06/2021), “andamos sempre com o fascismo na boca para evitar discutir os bloqueios da nossa democracia.

Fica aqui agora uma versão ligeiramente alargada da minha resposta, publicada no Público de hoje, ao artigo do de Fernando Rosas do Domingo passado. Sei que os insultos e disparates históricos na praça pública vão continuar, mas da minha parte, espero ficar por aqui. Está aqui o essencial para os moderados quem se queiram informar sobre o que foi a nossa História sem preconceitos ideológicos. É esta a informação quantitativa que está validada nas revistas e editoras científicas internacionais de prestígio, e quem queira saber mais pode sempre ler esses mesmos livros e artigos científicos originais. Ao contrário de Rosas e de outros como ele, eu sou sempre claro quando é que estou a descrever objetivamente factos históricos, sem conteúdo normativo, e quando é que estou a retirar implicações de política económica. Como já aqui escrevi antes, faço alguma divulgação com gosto, mas o meu trabalho é dar aulas e fazer investigação, e não estar a responder a políticos armados em historiadores. Rosas e outros como ele não fazem investigação séria e não publicam nas editoras internacionais de prestígio, e por isso não têm mais que fazer do que escrever para os jornais, espalhando a sua propaganda. Podem continuar a sua gritaria: a minha paciência esgotou-se. À medida da minha disponibilidade e paciência, continuarei a fazer pequenos comentários a notícias que vão saíndo no fim deste post anterior.

Já agora aproveito, e no final do post presente dou também uma breve resposta ao artigo de Sérgio Sousa Pinto no Expresso deste fim de semana, porque a lógica da resposta é a mesma.

A PROFUNDIDADE HISTÓRICA DO ATRASO PORTUGUÊS (resposta a Fernando Rosas)

Fernando Rosas merece os parabéns por elevar o debate sobre as causas do atraso português acima do nível infantil em que vários políticos o têm tentado colocar. Rosas reconhece que “no pós-guerra (…) a economia regista um crescimento sem precedentes. Será, na história recente do país (…) o período em que se verificou uma aproximação real em relação às outras economias do Ocidente europeu”. Quanto eu disse isto no MEL, fui acusado de estar a defender “as virtudes do regime fascista em Portugal” (eurodeputado Pedro Marques), de ser “simpatizante da ditadura” (deputado e secretário-geral da Juventude Socialista, Miguel Costa Matos) e de estar a “branquear o Estado Novo” (líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes). Será que Rosas também virá a ser alvo das mesmas acusações? O texto de Rosas, ao afastar-se deste tenebroso obscurantismo anticientífico, é suficientemente rico para merecer uma resposta, ainda que não tenha conseguido deixar de lado lamentáveis insinuações e julgamentos de intenção.

O erro fundamental de Rosas e outros da sua escola, condicionados como estão pelos seus estereótipos ideológicos, é desconhecerem a profundidade histórica do atraso português. O essencial é isto: as raízes do atraso de Portugal são muito anteriores ao Estado Novo, tanto a nível económico como político ou institucional.

Em termos económicos, o declínio de Portugal começa décadas antes das guerras napoleónicas (Figura 1). Quando chegamos a meados do século XIX, Portugal já era o país mais pobre da Europa Ocidental (Quadro 2). Em 1900 era o país com maior percentagem de analfabetos (75%). Em termos institucionais, as Cortes deixaram de se reunir em Portugal a partir de finais do século XVII. Voltaram a reunir-se no século XIX, em moldes diferentes, mas o sistema político manteve-se disfuncional.

Figura 1. PIB per capita português em preços constantes (dólares “internacionais” de 1990)

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Fonte: Henriques et al., “A bumpy ride: economic growth in Portugal from the Reconquest to the present” (baseado em Palma e Reis 2019, Journal of Economic History, para o período 1527-1850, e em séries de P. Lains, J. Reis e outros para o período posterior). Nota: a escala vertical é logarítmica de base 2. (isto é prática comum em história económica para gráficos de vários séculos porque se fosse linear não se iria ver as flutuações anteriores ao século XX)

Tabela 1: PIB per capita de alguns países da Europa Ocidental em preços constantes (dólares “internacionais” de 1990)

 Ano Inglaterra Holanda França Espanha Portugal
1550 1041 1798 809 891 836
1650 887 2691 965 668 830
1750 1753 2355 1010 783 1372
1850 2718 2355 1597 1079 923
Fonte: Para Portugal,Palma e Reis (2019, Journal of Economic History), que citam as restantes fontes. Estes números são os aceites pelo Maddison Project da Universidade de Groningen.

Por tudo isto, o Estado Novo herdou um país profundamente atrasado. Não é de surpreender que em meados do século XX, vários indicadores de bem-estar estivessem piores do que os de outros países europeus. Quando se quer analisar as políticas do Estado Novo é necessário entender este contexto histórico. E é por isso que não faz sentido centrar o debate das causas do atraso exclusivamente nesse regime. Como já tenho salientado, assistimos hoje à mesma lógica política que funcionou durante séculos: os partidos dominantes do presente sentem a necessidade de culpar o regime anterior para se legitimarem.

O Estado Novo tinha essa mesma narrativa para justificar o 28 de Maio. É instrutivo vermos como um livro único de História do antigo 7º ano do Liceu descrevia a Primeira República. Vejamos por exemplo a 4ª edição de A. Martins Afonso, Curso de História da Civilização Portuguesa: descreve o regime republicano parlamentar como uma  “permanente agitação política que não lhes dá tempo nem possibilidade de resolver os grandes problemas da administração pública”. O direito à greve é considerado facilitador da desordem e balbúrdia. Já “as efémeras gerências dos sucessivos governos parlamentares não conseguiram realizar a obra de valorização económica e de pacificação social de que Portugal carecia”. Tudo óbvia propaganda em causa própria: “Em vez da prometida ‘paz laboriosa’ o país via-se, ao fim de poucos anos, a braços com uma grande pressão económica e uma permanente agitação política e social”. Escreve-se também que a Ditadura Nacional teria, depois, aberto o caminho ao que é descrito essencialmente como uma epopeia nacional não menos pacífica nem gloriosa do que os termos em que a Resolução de Conselho de Ministros que nomeou Pedro Adão e Silva descreve o 25 de Abril. Isto tem tudo o a ver com o mito que eu notei no MEL, i.e. a informação falsa que hoje é ensinada nas escolas que seguem o programa oficial do décimo-segundo ano, onde se afirma (p.52) ser uma aprendizagem estruturante que o Estado Novo “impediu a modernização económica e social do país”. Sem surpresa, os próprios Republicanos tinham antes também culpado a Monarquia como sendo a causa nosso atraso. E os monárquicos liberais haviam culpado os miguelistas. É sempre a mesma estratégia de passa-culpas.

Rosas e outros como ele são incapazes de se libertar dos seus estereótipos ideológicos. A ditadura também veiculava esta visão primária: quem não era pela Situação era logo rotulado de comunista. Não podemos admitir que um regime democrático fomente este primarismo em que quem analisar objetivamente o Estado Novo é logo rotulado de fascista. Rosas insinua que o meu objetivo, ao “defender” (segundo ele) as “maravilhas da economia estado-novista”, consistiria em “apresentar o modelo económico do Estado Novo como de exemplar atualidade”. Rosas assina como “historiador”. Também o fazem Manuel Loff, candidato várias vezes nas listas da CDU, ou Pacheco Pereira. Seria mais honesto assinarem “político”.

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Segundo o Chapel Hill expert survey, base de dados internacional muito usada pelos cientistas políticos, o Bloco de Esquerda é dos partidos mais radicais da Europa. É bom termos isto em mente quando falamos de Fernando Rosas.

No que respeita às críticas de Rosas ao corporativismo e condicionamento industrial, é curioso ver alguém defensor de um Estado fortemente intervencionista (ao contrário de mim), queixar-se dos problemas que resultam da supressão da concorrência e de setores “garantidos administrativamente pelo Estado”. Já no que respeita à existência de salários baixos, chamo a atenção para um estudo onde se mostra que numa grande empresa oligopolista, a CUF do Barreiro, o salário médio real da mão de obra cresceu 250% entre 1925 e 1974 (Lima et al. 2010). Infelizmente, quando faz comparações de salários internacionais, Rosas mostra desconhecer a noção de paridades de poder de compra.

Apesar do crescimento só se ter iniciado em força a partir do pós-guerra, na verdade já havia crescimento anterior, ao contrário do que Rosas afirma – como pode ser verificado na Figura 1. Mas o que é mais importante é que houve aspetos em que a Ditadura Militar e o Estado Novo estiveram associados a progresso desde um momento anterior à guerra. Um aspeto importante foi o combate contra um problema secular da economia portuguesa: o analfabetismo. Na sequência de uma Primeira República que nesta área tudo havia prometido e pouco havia conseguido, houve um claro progresso na luta contra o analfabetismo infantil logo desde 1926, tendo sido a validade do nosso estudo já reconhecido em Portugal, por exemplo, pelo economista Luís Aguiar-Conraria. É por isso falsa a ideia que o país só se desenvolveu a partir do pós-guerra. Note-se, aliás, que Rosas escreve que “com cerca de 29% de analfabetos em 1970, Portugal só era ultrapassado pela Turquia”. Rosas dá uma percentagem superior à verdadeira: o número verdadeiro para 1970 é 25.7%, como pode ser facilmente verificado. Mas, o que é mais grave é que Rosas comete a falácia de misturar gerações: em 1970 o Estado Novo já tinha resolvido o problema do analfabetismo entre as crianças, por isso resolvendo o problema a prazo. E com referência aos dias de hoje, Portugal continua a ser dos países mais atrasados da Europa a nível educativo, mesmo entre os jovens: continua a ser dos mais próximos da Turquia, mesmo para as gerações posteriores ao 25 de Abril. Também isto é culpa do Estado Novo?

Como eu sempre disse, o progresso económico que aconteceu durante o Estado Novo não justifica o regime a nível político. Mas ao contrário do que afirma Rosas, é evidente que a política se pode separar da economia no sentido em que também foi por ter sido uma economia de mercado, progressivamente integrada no mercado europeu, que Portugal cresceu e convergiu de forma sustentada – o que não aconteceu nas economistas comunistas do Leste da Europa. A economia Chinesa tem crescido de forma sustentada nas últimas décadas numa lógica semelhante, e reconhecer isso não é branquear coisa nenhuma. O ridículo é querer fazer do Estado Novo bode expiatório para os sérios problemas que Portugal tem hoje, como tentam fazer políticos oportunistas. O Estado Novo foi um regime do seu tempo, que até conseguiu fazer reformas a nível educativo, de justiça (Álvares e Garoupa 2020), e de integração Europeia. Nem eu nem nenhum outro liberal tem qualquer tipo de atração por ditaduras: pelo contrário, são as economias de planeamento central que Rosas admira que são por natureza ditatoriais. Já os nossos problemas de hoje, são em primeiro lugar responsabilidade das instituições e dos políticos atuais.

Termino com uma dolorosa observação: se até um regime tão iníquo e condenável como o Estado Novo conseguiu gerar convergência e aumentos de bem-estar para a população, algo de grave tem que estar a falhar com o comportamento das instituições e elites políticas que agora nos governam. A verdade é que o modelo económico português excessivamente assente no Estado e nas ajudas Europeias gera menos crescimento e mais desigualdade do que os modelos mais liberais e mais democráticos de vários países da Europa do Leste, ainda que tenham partido de uma situação económica pior que a nossa há apenas 20 anos. É por isso que estamos a divergir da Europa, e é para aqui que temos de olhar para encontrar a verdadeira fonte dos nossos problemas.

Quanto à historiografia militante antifascista de Rosas e outros como ele (como Irene Pimentel): é manifestamente provinciana, sendo a sua influência nacional proporcional à sua completa irrelevância internacional. Define-se pela falta de rigor quantitativo, pela incapacidade de separar afirmações descritivas de normativas, e pelas constantes manipulações demagógicas que tornam inviável qualquer tipo de análise isenta. Tudo não passa de política mascarada de história, e como tal, tem o mesmo destino da historiografia nacionalista do tempo do Estado Novo: daqui a 50 anos, será vista como um curioso produto do seu tempo – e nada mais.

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Fonte para a imagem.

Breve resposta a Sérgio Sousa Pinto

Aproveito para também comentar o artigo de Sérgio Sousa Pinto no Expresso (25/06/2021). Escreve: “Está na moda cantar as proezas do Estado Novo, que sonegando embora as liberdades, teria obrado maravilhas de espantar numa série de indicadores económicos e sociais”. Isto é uma grande confusão. Primeiro, eu não cantei proeza nenhuma. O que pus em causa foi causa o Grande Tabu que existe a este respeito: o ideia (errada) que o atraso económico e social do país se deveu principalmente ao Estado Novo. Eu nunca defendi o regime do Estado Novo, nem no plano político, nem sequer no plano económico (tanto mais que não existiu apenas um único modelo ao longo de todo aquele período, e que eu sou contrário a uma forte intervenção do Estado na economia no sector industrial). Apenas notei que não é verdade que fosse um regime que tivesse contribuído para atrasar o país, nem em termos absolutos, nem relativos aos países mais ricos da Europa.

Sérgio Sousa Pinto repete aliás um vulgar erro: tem uma visão histórica muito limitada e não sabe enquadrar o século XX português num contexto histórico e comparativo mais amplo. Segundo ele, é preciso não esquecer que “O colapso do salazarismo pôs a nu um país suburbano e rural afundado na mais abjeta miséria, sem paralelo na Europa ocidental (nem na maioria da Europa de leste)”. Há aqui dois erros. Primeiro, mostra não compreender o ponto de partida do país nas primeiras décadas do século XX. Ignora que os indicadores de bem-estar comparados estavam muito piores em 1900 ou 1930: ou seja, ignora as notáveis melhorias do século XX. E depois, a segunda parte da afirmação se Sérgio Sousa Pinto é simplesmente falsa: “nem na maioria da Europa de leste“. Não é fácil medir o PIB de países comunistas (tal como não é fácil medir o PIB da parte pública das economias mistas), porque o PIB é um conceito para medir actividade de mercado. Mas a melhor evidência que temos é esta: os países comunistas da Europa do Leste eram bastante mais pobres em rendimento real por pessoa do que Portugal era até 1974. Foi aliás em parte devido às claras melhorias do nível de vida que se faziam sentir em Portugal que, ao contrário do que aconteceu na Europa do Leste por volta de 1990, “A revolta dos capitães não é o produto de uma crise económica e social (…) Os militares que acabam de tomar o poder têm uma ideia na cabeça: acabar com a guerra em África” (António Barreto, Anatomia de uma Revolução, p. 165).

Esperava melhor de Sérigio Sousa Pinto. Será que está a ser pressionado pelo PS? Seja como for, a sua entrada dentro da cortina de fumo mostra que já restam mesmo muito poucos moderados no PS. Todos os moderados (incluindo como é evidente os moderados de centro-esquerda) devem reconhecer isto: Portugal está a falhar hoje, porque estamos a divergir há duas décadas da Europa, e isso tem pouco a ver com o Estado Novo. Tem sim tudo a ver com os políticos e as instituições de hoje.

Século XIX acontecimentos importantes em Portugal

Participei no programa: “nem 8 nem 80″ da Rádio Observador: Portugal cresceu durante o Estado Novo?, que pode ser ouvido neste link. Deixo aqui quatro notas que me ocurreram mas acabei por não ter oportunidade de referir.

Primeio: Ricardo Noronha, que debateu comigo, é um investigador do grupo de Fernando Rosas e por ele for orientado no Doutoramento. Discordo de várias coisas que foram ditas por Noronha (exemplo: é difícil levar a sério “migrações espontâneas” como factor explicativo; porque é que aconteceram naquela escala nessa altura e não em épocas históricas anteriores?). Mas ainda assim, Noronha acabou por concordar comigo no essencial: houve crescimento e convergência com os padrões de via Europeus durante o Estado Novo. Também Francisco Louçã reconhece isto, citando para isso Luciano Amaral, numa obra recente. Será que Noronha ou Louçã também podem ser acusados de branquear a ditadura?

Segundo: como tenho sempre dito, o atraso de Portugal era muito anterior ao Estado Novo (tanto a nível económico como político), por isso não é de surpreender que em meados do século XX alguns indicadores estivessem piores por comparação a outros países Europeus, incluindo a Espanha (algo que não era obviamente responsabilidade do regime; noto também que o declínio absoluto e relativo de Portugal começa mais de duas décadas antes das guerras Napoleónicas, ao contrário do que sugeriu Noronha). 75% da população era analfabeta em 1900, e houve pouco progresso com a Primeira República, mas isso contrastou com um enorme sucesso da ditadura em alfabetizar as crianças, como já era reconhecido há muito, por exemplo, por António Candeias (que era de esquerda, e portanto não era certamente simpatizante do regime). Não é de espantar que o Estado Novo se tivesse primeiro focado em resolver o problema do analfabetismo entre as crianças antes de se preocupar com os níveis de qualificação superiores. A nível do ensino primário, todas as classes sociais incluindo os mais pobres beneficiaram com as melhorias na educação, como foi já por exemplo recentemente reconhecido por um economista (também de esquerda) que cita o meu artigo: Luís Aguiar Conraria, no Expresso. (O Henrique Pereira dos Santos até argumenta que há aqui uma importante lição para o presente.) A partir do pós-guerra, houve também uma expansão do ensino técnico e secundário (liceus), e já numa fase final também o Universitário (com Veiga Simão). Deve ser reconhecido que a expansão do ensino secundário (liceus) tardou numa primeira fase do pós-guerra, quando se pretendia expandir antes o ensino técnico (que não tinha grande adesão social), e que isto terá sido em parte para proteger as elites, sendo que mais tarde o regime acabou por expandir os liceus também. Mas globalmente, não se pode afirmar que o Estado Novo quis manter a população sem educação, pelo contrário. Em suma, o Estado Novo partiu de uma situação inicial muito atrasada, e dadas as limitações que existiam, teve sem dúvida mais sucesso que os regimes anteriores (não só a Primeira República mas também a Monarquia Liberal). Apensar disso, uma vez resolvido o analfabetismo, no pós-guerra o regime tardou em investir no secundário e superiores. Teria sido muito melhor investir nisso do que, por exemplo, na guerra colonial. (Mas até a França democrática nos anos 50 se meteu na Argélia, por isso não devemos olhar para o passado só com os olhos do presente.)

Terceiro: na União Soviética, o crescimento que houve, para além de inferior ao das economias ocidentais a prazo, também aconteceu com uma escala de violência humana incomparável com a do Estado Novo: a União Soviética foi um regime de matanças e gulags intermináveis. Ou seja, não só no Estado Novo havia mais liberdade económica do que a União Soviética, mas ao nível da liberdade política, apesar de faltar, o nível de violência e violações dos direitos humanos foi muito menor do que na União Soviética (ou na Alemanha Nazi, ou Argentina de Videla). Quem pede para estarmos sempre a contextualizar números (mesmo quando o tempo é limitado) também tem que se lembrar destes factos históricos básicos. E outro aspecto relevante foi que algum do desenvolvimento tecnológico que houve em regimes comunistas foi através de espionagem industrial: ou seja, a reboque da mudança tecnológica das economias ocidentais. O aspecto mais relevante sobre estas economias ocidentais foi terem sido economias de mercado (mistas, pois também houve intervenção do Estado em partes da economia). É por isso que eu insisti com a jornalista do Observador que não faz sentido manter o debate num plano esquerda-direita. A característica fundamental do Estado Novo que levou ao crescimento não foi ter sido uma ditadura nacionalista de direita, mas sim ter sido uma economia de mercado, o que permitiu a integração de Portugal na economia da Europa Ocidental (especialmente a partir do pós-guerra). As economias ocidentais da Europa e Estados Unidos da América cresceram de forma sustentada no pós-guerra, tendo muitas vezes governos de centro-esquerda. O aspecto importante é terem sido economias de mistas: de mercado, mas também com capacidade do Estado investir em áreas fundamentais como saúde e educação. Dou outro exemplo: nos EUA, quase todos os economistas são apoiantes do Partido Democrático (e eu também seria se votasse lá), mas também todos apoiam a economia de mercado, com uma intervenção do Estado relativamente limitada. O que é importante discutir não é em primeiro lugar ideologias de esquerda-direita, mas sim a natureza dos regimes políticos: regimes de planeamento central não conseguem crescimento sustentado (e também apenas são apenas possíveis politicamente através da violência contra as suas populações). Mas claro que essa discussão depois também tem implicações para percebermos em que sectores é que o Estado deve interir nas economias mistas, como a de Portugal hoje, e que tipo de regras institucionais devem existir para que o Estado funcione de forma eficiente.

Quarto: Há quem pense que quando eu comparo o sucesso do Estado Novo em fazer Portugal convergir com a Europa com o que se passa hoje, estou a elogiar o regime do Estado Novo. É evidente isto é falso (como expliquei claramente no MEL, e também já o disse em entrevistas e escrevi aqui já o suficiente sobre isso). Também não estou a sugerir que na ausência de um 25 de Abril a economia teria continuado sempre a convergir. Mas não deixa de haver uma reflexão para o presente: se até um regime tão iníquo e condenável como o Estado Novo conseguiu gerar convergência e aumentos de bem-estar para a população, o que é que está a falhar com o comportamento das instituições e elites políticas que nos governam hoje, e porque mentem os polítcos descaradamente sobre a nossa História? basta ver a reação que tiveram às denúncias que tenho feito, que a resposta emerge sem deixar grandes dúvidas.

p.s. Tenho a acrescentar que o Observador me tinha telefonado pedindo uma entrevista, e no entanto afinal foi um “debate”. Ficou também claro que Ricardo Noronha sabia que ia debater comigo, tendo-se preparado como fica claro na gravação, mas eu não fui informado nem que ia ser debate, nem com quem. Pode ter sido por acaso, mas deixo a nota.

  • Século XIX acontecimentos importantes em Portugal

Fonte para a imagem.

O que ocorreu no século XIX em Portugal?

Portugal viveu, no restante século XIX, períodos de enorme perturbação política e social (a guerra civil e repetidas revoltas e pronunciamentos militares, como a Revolução de Setembro, a Maria da Fonte, a Patuleia, Belenzada) e só com o Ato Adicional à Carta, de 1852, foi possível a acalmia política e o início da ...

Quais acontecimentos em Portugal?

Datas que marcaram Portugal.
24 de junho de 1128. Batalha de São Mamede – Travada entre D. ... .
5 de Outubro de 1143. ... .
14 de Agosto de 1385. ... .
21 de Agosto de 1415. ... .
1434: Dobragem do Cabo Bojador. ... .
1488: Dobragem do Cabo da Boa Esperança. ... .
7 de Junho de 1494: Tratado de Tordesilhas. ... .
1497-1499: Descoberta do caminho marítimo para a índia..

O que aconteceu durante o século 19?

Foi uma fase de inúmeras mudanças na história mundial, marcada por revoluções, descobertas, críticas e inovações. No século XIX ocorreram muitos conflitos e revoluções que marcaram a história mundial e a história do Brasil, como a Revolução de 1848 e a Proclamação da República no Brasil em 1889.

O que aconteceu em 1920 em Portugal?

Logo em 1920, Portugal teve nada mais nada menos do que nove executivos, num processo autodestrutivo que culminaria, em outubro de 1921, com o golpe conhecido por "noite sangrenta", durante o qual foram assassinados, entre outros, o primeiro-ministro (demissionário, mas ainda em funções) António Granjo e os históricos ...