Qual era a visão dos gregos sobre as pessoas com deficiência?

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Qual era a visão dos gregos sobre as pessoas com deficiência?

O preconceito contra o deficiente ao longo da hist�ria

El prejuicio contra la persona con discapacidad a lo largo de la historia

Qual era a visão dos gregos sobre as pessoas com deficiência?

 

Professor da disciplina de Educa��o F�sica adaptada, UERJ

Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro

(Brasil)

Gustavo Casimiro Lopes

 

Resumo

          O preconceito contra pessoas com defici�ncia � um comportamento ainda bastante aparente na sociedade contempor�nea. Mesmo com o n�mero crescente de campanhas e movimentos sociais, ainda � poss�vel se observar gestos e atitudes que como resultado final fazem com que o portador de defici�ncia seja um indiv�duo exclu�do da sociedade. Por outro lado, o senso comum indica que esse contexto � algo que sempre esteve presente na hist�ria humana, legitimando este comportamento de v�rias formas. Por�m, alguns estudos mostram de forma cada vez mais contundente que esta pr�tica exclusivista foi constru�da historicamente com o passar dos anos.

          Unitermos:

Deficiente. Preconceito. Discrimina��o social. Eugenia.

Abstract

          Prejudice againstpeople with deficiency is still very prevalent in contemporary society. Even with the crescent number of campaigns and social movements still is possible to se gestures and attitudes which make these people excluded from society as a final result. Otherwise common sense indicates that this context is something that was always present in human history, legitimating this behavior in multiple ways. However some studies show that this exclusivist practice was historically built during the years.

          Keywords

: Deficient. Prejudice. Social discrimination. Eugenics.

   

Qual era a visão dos gregos sobre as pessoas com deficiência?
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, A�o 17, N� 176, Enero de 2013. http://www.efdeportes.com/

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Introdu��o

    A condi��o das pessoas com defici�ncia � um terreno f�rtil para o preconceito em raz�o de um distanciamento em rela��o aos padr�es f�sicos e/ou intelectuais que se definem em fun��o do que se considera aus�ncia, falta ou impossibilidade, sendo baseada apenas em um aspecto ou atributo da pessoa, tornando a diferen�a uma exce��o (SILVA, 2006). O indiv�duo que apresenta alguma defici�ncia � em muitos casos exposto a situa��es de agress�o e viol�ncia, geradas basicamente pelo preconceito. Neste contexto, persiste a id�ia de que estas pessoas seriam �anormais� ou �limitadas�, fato que inclusive faz com que o deficiente tenha dificuldades para se inserir no mercado de trabalho (CRISTINA & RESENDE, 2006). Al�m disso, existem relatos mostrando na escola a exist�ncia de pr�ticas discriminat�rias, como o bullying (BOZI et al, 2008).

    A rela��o da sociedade com a pessoa com de defici�ncia varia de cultura para cultura e refletem cren�as, valores e ideologias que, materializadas em pr�ticas sociais, estabelecem modos diferenciados de relacionamentos entre esta e outras pessoas, com ou sem defici�ncias (FRANCO & DIAS, 2005). Muitas vezes o termo utilizado para descrever um indiv�duo com defici�ncia � negligenciado e em muitos casos o termo mais usado � portadores de defici�ncia. Ao realizar uma pesquisa na base de dados Scielo, foram encontrados 6 artigos publicados entre 2001 e 2011, que utilizaram o termo �portador� de defici�ncia. A partir de 1981, foi introduzida a express�o pessoa deficiente, por�m este termo foi abandonado, j� que sugeria que a pessoa inteira � deficiente. Em seguida surgiu o termo pessoa portadora de defici�ncia, freq�entemente reduzida para portadores de defici�ncia, palavra que logo sofreu cr�ticas, pois de acordo com o movimento pelos direitos das pessoas com defici�ncia, as pessoas n�o portam uma defici�ncia como portam um sapato ou uma bolsa (RODRIGUES & SELEM, 2006). Por volta da metade da d�cada de 90, entrou em uso a express�o pessoas com defici�ncia, que valoriza o cidad�o e mostra com dignidade a realidade da defici�ncia, termo este que permanece at� os dias atuais (SASSAKI, 2003). 

    Cabe destacar que estes comportamentos s�o tamb�m influenciados por diversos fatores, incluindo quest�es culturais e sociais ao longo da hist�ria. Registros hist�ricos mostram que no per�odo que compreende os anos de 1200 at� 1940, pessoas com defici�ncia eram submetidas a diversos procedimentos que em muitos casos levavam � morte como pode ser observado na Tabela 1 (adaptada de ADAMS, 2007).

Tabela 1. Descri��o dos m�todos adotados para tratar portadores de defici�ncia nos per�odos entre 1200 e 1940

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    O antrop�logo Francis Galton (1822-1911), publicou em 1901 um manuscrito onde aplicava a Teoria da Evolu��o de Charles Darwin, na sociedade humana. Neste texto ele afirmava que existem pessoas com mais �valor c�vico� do que outras e que tal patamar poderia ser alcan�ado, por meio do acasalamento seletivo tal como � feito com bois e cachorros (GALTON, 1901). Nesta �poca, se considerava que ao impedir a procria��o dos indiv�duos de menor valor, atrav�s da esteriliza��o, se impedia que sua �fraqueza� fosse perpetuada para a pr�xima gera��o melhorando o estoque do material humano. No entanto esse conceito foi remodelado, incluindo tamb�m o exterm�nio baseado no argumento de n�o era necess�rio para a sociedade se importar com pessoas �mentalmente ou intelectualmente mortas� quando o Estado sacrificou gera��es de vidas saud�veis e jovens no campo de batalha. Sendo assim, no final da Primeira Guerra Mundial, teve in�cio na Alemanha nazista um programa de eutan�sia para crian�as deficientes (Figura 1), chamado programa T4, que tamb�m tinha como objetivo se expandir para adultos (HUDSON, 2011). Baseado na l�gica nazista esse projeto foi amplamente divulgado por meio de cartazes e tinha o seguinte lema: �... porque Deus n�o quer que o doente se reproduza�.

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Figura 1. Crian�a com defici�ncia intelectual na Alemanha nazista que provavelmente foi morta durante o Projeto T4. Fonte: http://goo.gl/Z0P2w

    A vis�o Eugenista da sociedade � anterior a esse per�odo, onde podem ser observados registros de tais pr�ticas em diferentes regi�es do mundo. No Imp�rio Bizantino, a Igreja Cat�lica em conjunto com o Estado, levava pessoas com defici�ncia para mosteiros (SCHEWINSKY, 2004), enquanto que na Idade M�dia, a defici�ncia era vista como atua��o de maus esp�ritos e do dem�nio, sob o comando das bruxas, e tamb�m resultado da ira celeste e castigo de Deus (ADAMS, 2007).

Pr�ticas discriminat�rias anteriores � Idade M�dia

    Em Esparta essa ideologia pode ser observada de forma bem clara. Por volta de 480 a.C., crian�as rec�m-nascidas fr�geis ou com alguma defici�ncia eram jogadas do alto do monte Taigeto a mais de 2.400 metros de altura por n�o estarem dentro do padr�o f�sico adequado (SULLIVAN, 2001). A civiliza��o romana, por sua vez, preconizava a perfei��o e est�tica corporal, a defici�ncia era tida como monstruosidade fato que legitimava atos seletivos tal como descreve SILVA (1987) o famoso discurso de S�neca (4-65 d.C) que justifica o infantic�dio:

    ..."N�o se sente ira contra um membro gangrenado que se manda amputar; n�o o cortamos por ressentimento, pois, trata-se de um rigor salutar. Matam-se c�es quando est�o com raiva; exterminam-se touros bravios; cortam-se as cabe�as das ovelhas enfermas para que as demais n�o sejam contaminadas; matamos os fetos e os rec�m-nascidos monstruosos; se nascerem defeituosos e monstruosos afogamo-los; n�o devido ao �dio, mas � raz�o, para distinguirmos as coisas in�teis das saud�veis�.

(p.46).

    Nesta �poca, indiv�duos portadores de defici�ncia eram apresentados como monstros para o p�blico, inclusive de forma artificial atrav�s de manipula��es cir�rgicas (DASEN, 1988). Estudos indicam que a cultura grega, pode ter sido de fato um ponto de transi��o na forma como o deficiente era tratado pela sociedade. Portadores de defici�ncia na Gr�cia eram descritos por palavras como �fraco�, �incompleto� ou �imperfeito�. As evid�ncias dispon�veis indicam que a sociedade � que determinava se uma pessoa era ou n�o deficiente. Se um indiv�duo com uma determinada limita��o era capaz de se sustentar ou tivesse algu�m que lhe desse aux�lio, ele se mantinha integrado na sociedade e n�o era considerado clinicamente deficiente (BAKER, 2006). Portadores de nanismo recebiam uma avalia��o social positiva, devido a uma semelhan�a com os s�tiros1 e com o mundo dionis�aco (DASEN, 1988). Por outro lado, paradoxalmente a deformidade era tratada com certo horror e, al�m disso, a perfei��o f�sica era tida como pr�-requisito determinante da qualidade da alma (SULLIVAN, 2001). Na mitologia grega temos o exemplo de Hefesto, o deus do metal e do fogo, que era manco e por isso considerado disforme aos olhos dos antigos gregos, sendo posteriormente expulso do Olimpo por sua pr�pria m�e a deusa Hera (EBENSTEIN, 2006).

A vis�o eg�pcia sobre o deficiente

    O Egito era anteriormente conhecido como a �Terra dos Cegos�, tal era a quantidade de pessoas acometidas por doen�as oftalmol�gicas como conjuntivite, catarata e glaucoma. Tais informa��es puderam ser confirmadas ap�s a descoberta do famoso �Papiro de Ebers�, nome dado em homenagem ao seu descobridor, o egipt�logo Georg Ebers (Figura 1). Neste documento que data de 1.500 a.C, encontram-se f�rmulas m�gicas e tratamentos para diversos males, incluindo doen�as oftalmol�gicas, al�m de uma descri��o relativamente precisa do sistema circulat�rio (FINGER, 1994).

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Figura 2. Parte do famoso �Papiro de Ebers�, mostrando uma receita para a cura da asma que consistia 

em misturar ervas juntamente com tijolo aquecido e inalar seus vapores. Fonte: http://goo.gl/cdoSP

    Outro fato bastante interessante pode ser observado no monumento da XIX Dinastia, produzido h� mais de 1.300 anos antes de Cristo. Nessa pe�a est� apresentado um homem identificado como �Roma�, juntamente com sua esposa e filho durante um ritual religioso. Ele exercia um cargo de grande responsabilidade na �poca que era o de porteiro do templo de um dos deuses eg�pcios. Roma era portador de uma defici�ncia f�sica bastante evidente em sua perna esquerda, cujas caracter�sticas (p� equino e musculatura atrofiada) sugerem ser poliomielite. Al�m disso, ele devia apresentar dificuldades de locomo��o uma vez que ele carrega em sua m�o esquerda um longo bast�o de apoio (Figura 2).

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Figura 3. Monumento representando um deficiente f�sico que ocupava um cargo

de grande responsabilidade no Egito Antigo. Fonte: http://goo.gl/cdoSP

    Existem outras indica��es de que no Egito Antigo os portadores de defici�ncia n�o eram necessariamente isolados da sociedade, sugerindo que a pessoa com defici�ncia se integrava em diferentes classes sociais, inclusive constituindo fam�lia. Relatos adicionais mostram tamb�m que eles exerciam fun��es de relativa import�ncia social como pode ser observado em diferentes achados arqueol�gicos (KOZMA, 2006).

    Outra defici�ncia f�sica relativamente comum no antigo Egito era a acondroplasia, que � a forma mais comum de nanismo rizom�lico2. Esta doen�a altera o crescimento afetando a ossifica��o endocondral, sendo caracterizada como um dist�rbio autoss�mico dominante, por�m cerca de 80 a 90% dos casos s�o representados por novas muta��es. Dessa forma, na maioria dos casos os pais de filhos acondropl�sicos n�o apresentam a muta��o g�nica (LOPES et al, 2008). Estes achados foram confirmados por meio da an�lise de esqueletos e tamb�m s�o abundantemente encontrados em pinturas e registros deixados pelos eg�pcios. Interessantemente, existem relatos de que em alguns casos foram encontrados registros mostrando que havia an�es bem posicionados socialmente que tamb�m constitu�ram fam�lias, inclusive com pessoas que n�o apresentavam esta doen�a. Na figura abaixo � poss�vel perceber a estreita semelhan�a entre a representa��o de um an�o no Egito antigo e um indiv�duo portador de acondroplasia nos dias de hoje (Figura 4).

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Figura 4. Paciente portador de acondroplasia (A); Tumba de um an�o contendo sua representa��o f�sica (B). 

Os hier�glifos indicam que ele prestava servi�os a pessoas da alta hierarquia eg�pcia. Fonte: http://goo.gl/4GjTj

    Tamb�m foram encontrados diversos registros de an�es que exerciam fun��es especializadas como: pescadores, domadores de animais, dan�arinos, enfermeiros, entre outros (HAMADA & RIDA, 1972). De maneira geral os an�es tinham uma representa��o muito positiva no Egito Antigo, pois se acreditava que seu aspecto representava alguma signific�ncia m�gica, existindo inclusive preces espec�ficas para prote��o em situa��es de perigo. Outro aspecto bastante interessante reside no fato de que alguns deuses eram an�es e tinham culto pr�prio (Figura 5). Uma dessas divindades era o deus an�o Bes, que era cultuado como o Deus do Amor, da Fertilidade e da Sexualidade (KOZMA, 2006).

    O povo Eg�pcio buscava o desenvolvimento espiritual atrav�s da tradi��o de ensinamentos. Neste sentido, existia um documento chamado �Instru��es de Amenemope�, que era tido como um c�digo de conduta moral eg�pcio e que determinava que an�es e deficientes em geral fossem respeitados, sendo este um dever moral (KOZMA, 2006; KOZMA et al, 2011). Esse manuscrito se encontra preservado quase em sua totalidade no Museu Brit�nico e um de seus trechos diz:

    �N�o fa�a goza��es de um homem cego nem ca�oe de um an�o, nem interfira com a condi��o de um aleijado. N�o insulte um homem que est� na m�o de Deus, nem desaprove se ele erra.� (KOZMA et al, 2011).

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Figura 5. Escultura representando o deus Bes, que tinha como uma de suas principais fun��es 

repelir o Mal (358-341 a.C), 30� Dinastia reinado de Nectanebo II. Fonte: http://goo.gl/BoiY6

    Filler et al (2007) encontrou ind�cios hist�ricos do que se considera ser o procedimento de neurocirurgia mais antigo registrado no mundo (3.000 a.C). O processo se refere a uma manobra de tra��o que foi utilizada de forma eficaz em um caso de les�o da medula cervical. Interessantemente, existem relatos no �Papiro de Ani� (Livro dos Mortos), mostrando que Os�ris ap�s ser esquartejado por Seth, recobrou a for�a e o controle de suas pernas, ap�s tratar de sua coluna vertebral. A conex�o entre uma coluna vertebral �ntegra e a habilidade de locomo��o, era reconhecida nessa �poca e aparece como met�fora para representar a vida e a morte em in�meros sarc�fagos eg�pcios, sendo normalmente representada pela �Coluna de Djed� (Figura 6).

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Figura 6. Imagem que mostra a �Coluna de Djed�, mecanismo que ao ser colocado nas costelas e na coluna 

vertebral do Deus Os�ris promoveu sua cura e lhe devolveu sua capacidade de caminhar. Fonte: http://goo.gl/CCZjD

    Com o avan�o tecnol�gico na pesquisa, novos estudos puderam ser realizados com a utiliza��o de t�cnicas mais modernas. O trabalho de Hawass et al (2010), mostrou a partir de abordagens Paleogen�micas, que o rei Tutanc�mon, o jovem fara� do Egito, era fr�gil, deficiente f�sico e sofria de �desordens m�ltiplas� quando morreu aos 19 anos de idade, em cerca 1234 a.C. Os pesquisadores diagnosticaram na m�mia de Tutanc�mon e de alguns de seus familiares, diversas desordens ortop�dicas Ao que tudo indica, Tut�ncamon sofria de uma rara desordem �ssea conhecida como Doen�a de K�hler II, que afeta principalmente o osso navicular do p� afetando o suprimento vascular, gerando dor, edema e finalmente necrose. Al�m disso, existem ind�cios de que ele tamb�m apresentava p� equinovaro, tamb�m conhecido como p� torto cong�nito (Figura 7). Estas informa��es s�o corroboradas pela grande quantidade de bengalas e medicamentos encontrados em sua tumba. Por�m estas condi��es por si s� n�o teriam condi��o de provocar a morte do fara�. Os pesquisadores tamb�m encontraram DNA de Plasmodium falciparum, parasita respons�vel por causar mal�ria. A descoberta levou a equipe de cientistas a concluir que a combina��o desse quadro pode ter sido a respons�vel por sua morte precoce.

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Figura 7. (A) Tomografia computadorizada mostrando uma vista sagital dos p�s de Tutanc�mon, onde se � poss�vel perceber um diferen�a no �ngulo 

de Rocher (valores normais s�o iguais a 126�); (B) Altera��o estrutural no p� esquerdo caracter�stica de p� equinovaro. Fonte: http://goo.gl/V1IdG

Achados arqueol�gicos primitivos

    A pesquisa realizada por Buquet-Marcon et al (2009), relatou o que se acredita ser o registro mais antigo de uma amputa��o bem sucedida realizada de forma intencional e com relativa precisam. O procedimento foi realizado h� aproximadamente 7.000 anos atr�s na regi�o que hoje compreende a Fran�a. Diferentemente do que se possa imaginar, ap�s uma inspe��o do material os pesquisadores n�o encontraram sinais de contamina��o, sugerindo que o processo foi realizado em condi��es relativamente ass�pticas. As informa��es dispon�veis tamb�m indicam que o paciente conseguiu viver ap�s a amputa��o sem maiores problemas. Al�m disso, o dado mais interessante � que as roupas e a forma como o corpo foi sepultado, sugerem que esse era um indiv�duo que ocupava um importante lugar na sociedade da �poca (Figura 8). Os autores concluem que nesse local existia um conhecimento m�dico relativamente avan�ado com complexas regras sociais, que parecem ter influenciado a maneira como pessoas nesta condi��o eram tratadas.

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Figura 8. Esqueleto encontrado na escava��o, com a ferramenta utilizada na amputa��o ao lado esquerdo do cr�nio (A); Amplia��o do 

�mero amputado (B); Reconstru��o computadorizada da pe�a �ssea e sinais de cicatriza��o (setas brancas) (BUQUET-MARCON et al (2009)

    Registros ainda mais antigos, referentes ao per�odo Paleol�tico Superior (40.000 anos atr�s), mostram ind�cios bastante detalhados sobre o tratamento dado aos indiv�duos portadores de defici�ncias. Formicola & Buzhilova (2004) descrevem um enterro de duas crian�as, um menino (12-13 anos) e uma menina (9-10 anos), no sito arqueol�gico de Sunghir, localizado na R�ssia. Os resultados encontrados sugerem que as duas crian�as possu�am uma anomalia chamada de curvatura congenital dos ossos longos. O extremo cuidado na realiza��o do funeral (decora��o e posicionamento dos corpos) sugere a exist�ncia de um complexo sistema de cren�as e simbolismo envolvendo o portador de defici�ncia. An�lises macrosc�picas do esqueleto da menina tamb�m sugerem que sua deformidade n�o a impediu de ser fisicamente ativa.

    Outro achado bastante interessante foi o enterro duplo de uma mulher e de um adolescente, encontrados em Romito, It�lia. An�lises realizadas no esqueleto mostram que o rapaz sofria de nanismo acromesom�lico3 (HUNTER & FORMICOLA, 2008). Geralmente uma pessoa com esta condi��o possui intelig�ncia normal, sem apresentar complica��es m�dicas graves. Por�m, ocorre uma severa defici�ncia de crescimento, com mobilidade articular limitada nos bra�os. Estas limita��es f�sicas provavelmente interferiram com sua subsist�ncia, principalmente se considerarmos uma sociedade n�made de ca�adores-coletores. No entanto, o posicionamento dos esqueletos, que parecem se abra�ar (HOLT & FORMICOLA, 2007), assim como a forma como o enterro foi realizado, sugerem toler�ncia e cuidados para um indiv�duo com severas deformidades nesta �poca do Paleol�tico Superior, como podemos observar na Figura 9 (FRAYER, 1987).

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Figura 9. O enterro de uma mulher e de um adolescente an�o

na caverna de Romito, It�lia (FORMICOLA, 2007)

    O arque�logo Ralph Solecki, encontrou na caverna de Shanidar, Iraque um esqueleto masculino de um Neandertal, com cerca de 50 anos que apresentava severos ferimentos na cabe�a e nos bra�os, que foram adquiridos em idade muito anterior. Os ind�cios apontam que este homem foi cuidado por outros membros do grupo, fato inclusive que indica algum grau de capacidade cognitiva (SOLECKI, 1971).

Discuss�o

    Embora possamos ter a priori, um contexto onde pessoas com defici�ncia eram eliminadas da sociedade por serem incapazes, algumas pesquisas vem mostrando que essa concep��o n�o ocorreu em todos os per�odos hist�ricos. De acordo com as evid�ncias dispon�veis, os eg�pcios parecem ter sido um dos povos antigos que mais manifestaram formas de inclus�o social e de estrat�gias terap�uticas em casos de defici�ncia. Cabe ressaltar que estes comportamentos tamb�m puderam ser observados mesmo em �pocas mais antigas, (FRAYER, 1987; BUQUET-MARCON et al, 2009). Da mesma forma, este comportamento parece ter sido resgatado somente a partir do Humanismo, no s�culo XV, onde a concep��o de Homem se modificou, iniciando-se a diferencia��o no tratamento de portadores de defici�ncia e da popula��o pobre em geral (SCHEWINSKY, 2004).

    No que se refere �s interven��es ortop�dicas, existem diversos registros de procedimentos para in�meras situa��es, que eram realizados no Egito, na Gr�cia e em Roma (BRORSON, 2009). Com rela��o ao nanismo, interessantemente n�o foram encontrados registros sobre o nanismo nos papiros eg�pcios, indicando que esta condi��o n�o era considerada uma defici�ncia e nem uma condi��o m�dica (KOZMA, 2006).

    O culto ao corpo �til e aparentemente saud�vel pela sociedade contempor�nea entra em rota de colis�o com aqueles que portam uma defici�ncia, pois estes lembram a fragilidade que se busca negar. Sendo assim, a condi��o das pessoas com defici�ncia � um terreno f�rtil para o preconceito em raz�o de um distanciamento em rela��o aos padr�es f�sicos e/ou intelectuais que se definem em fun��o do que se considera aus�ncia, falta ou impossibilidade. Fixa-se apenas num aspecto ou atributo da pessoa, tornando a diferen�a uma exce��o (SILVA, 2006). Por outro lado, o corpo marcado pela defici�ncia, por ser disforme ou fora dos padr�es, lembra a imperfei��o humana (FRANCO & DIAS, 2005).

    Em conclus�o, podemos observar que os registros que datam de aproximadamente 40.000 anos atr�s sugerem que o cuidado direcionado ao deficiente j� existia em per�odos primitivos da Humanidade. De maneira geral o deficiente participava ativamente da vida social, desde que sua condi��o n�o fosse limitante para tal. J� no Egito Antigo, a aus�ncia de documenta��o m�dica mostra que capacidade de autonomia do indiv�duo era determinante para se definir algu�m como deficiente. A inclus�o social do deficiente era inclu�da entre o c�digo de conduta moral da �poca, sendo este um dos primeiros registros sobre o tema. A exclus�o social do deficiente foi constru�da historicamente em um processo de transi��o que parece ter ocorrido na Gr�cia Antiga por volta de 480 a.C. que se concretizou ap�s a queda do Imp�rio Eg�pcio pelos romanos (SULLIVAN, 2001). A expans�o do Imp�rio Romano na Europa pode explicar, ao menos em parte, a modifica��o na forma como o deficiente passou a ser encarado pela sociedade, persistindo at� os dias de hoje. Entender este processo pode ajudar a compreender algumas das bases onde se sustentam certos pr�-julgamentos e comportamentos discriminat�rios contra o deficiente. O fato mais interessante recai na forte possibilidade de que diferente do que o senso comum nos indica a exclus�o social do deficiente ao longo da hist�ria n�o � uma norma. Infelizmente os estudos que mostram essas nuances foram realizados fora do Brasil dificultando o acesso a tais informa��es, que precisam ser divulgadas para que novas discuss�es sobre o tema possam ser estimuladas.

Notas

  1. Entidade mitol�gica que vivia nos campos e bosques, com o corpo metade humano e metade bode.

  2. Relativo � articula��o coxo-femoral ou � do ombro; que se relaciona com a raiz de um membro.

  3. Crescimento desproporcional do esqueleto que afeta principalmente os antebra�os, m�os e p�s. 

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Qual era a visão dos gregos sobre as pessoas com deficiência?

Qual era a visão dos gregos sobre as pessoas com deficiência?

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EFDeportes.com, Revista Digital � A�o 17 � N� 176 | Buenos Aires,Enero de 2013
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Como os gregos tratavam as pessoas com deficiência?

Na Antiguidade , principalmente na Grécia antiga, onde a perfeição do corpo era venerada, as reações diante das pessoas com a pessoa com deficiência era o abandono, a eliminação ou o sacrifício. Em alguns lugares de Roma, podiam ser mortos ou submetidos a um processo de purificação para livrá-los de maus desígnios.

Qual era a visão sobre os portadores de deficiência na Idade Média?

No final da Idade Média e no início da Idade Moderna, a INQUISIÇÃO sacrificou centenas de milhares de pessoas entre loucos, adivinhos, deficientes mentais ou considerados endemoniados. A visão supersticiosa sobre o deficiente é a marca desse período.

Como eram vistos os deficientes?

Assim, como em outras culturas a deficiência era visada como uma maldição, castigo e infelizmente também ocorriam a prática da eliminação, como do abandono, isso nos mostra que independente de cultura, de contexto social, histórico e temporal, os deficientes sempre foram vistos como pessoas que não mereciam o direito a ...

Como era chamado os deficientes na antiguidade?

Platão, no livro A República, e Aristóteles, no livro A Política, trataram do planejamento das cidades gregas indicando as pessoas nascidas “disformes” para a eliminação. A eliminação era por exposição, ou abandono ou, ainda, atiradas do aprisco de uma cadeia de montanhas chamada Taygetos, na Grécia.