Qual a importância do estudante compreender de forma autônoma o sistema de escrita alfabética?

A ESCRITA EM TURMAS DE PROGRESS�O E MARCAS DA ORALIDADE

Carla Suzana Frantz (PPGLA - UNISINOS)

C�tia de Azevedo Fronza (UNISINOS)

RESUMO

Frantz (2004) iniciou uma investiga��o sobre a forma como alunos de uma Turma de Progress�o do 1� ciclo, em uma escola p�blica, tendo pouco acesso a material escrito e com dificuldades de aprendizagem, conseguem interagir com a escrita, apropriando-se desta como forma de exerc�cio da sua cidadania. Este trabalho consiste na apresenta��o de reflex�es sobre o processo de alfabetiza��o de alunos que freq�entaram a turma de progress�o em 2004 e que, em 2005, foram inseridos em turmas regulares do Ensino Fundamental, as quais, inicialmente, n�o correspondiam a sua realidade de intera��o com a escrita.

Palavras-chave: escrita, oralidade, ensino

1. Introdu��o

Compreender o processo de alfabetiza��o pelo qual passam as crian�as durante as primeiras s�ries do Ensino Fundamental e significar o ensino da escrita nem sempre � tarefa f�cil. Alfabetizadores, freq�entemente, entram em conflito na busca por metodologias que contribuam para a aprendizagem dos alunos.

Quando a escrita � ensinada hoje nas escolas, parece, em alguns casos, que ela n�o tem rela��o nenhuma com a vida das pessoas; � ensinada desvinculada da vida real, como se fosse um conhecimento da escola. No entanto, de acordo com Calkins (1989, p.15), os seres humanos sentem uma profunda necessidade de representar sua experi�ncia neste mundo atrav�s da escrita, e a escola ignora que a aprendizagem nasce de um desejo, de uma falta e perde, com isso, a oportunidade de se utilizar dessa necessidade para tornar o ensino da escrita algo real e concreto. Para Terzi (2005), a escola p�blica, institu�da nos padr�es da classe m�dia e alta, pressup�e um desenvolvimento ling��stico e uma exposi��o � escrita no per�odo pr�-escolar que a crian�a oriunda de meios n�o-letrados n�o tem e, em conseq��ncia, ela passa a ser vista como deficit�ria.Hon�rio (2005, p.28), ao retomar as id�ias de Cagliari (1997) sobre a forma como a escola avalia a escrita das crian�as, afirma que aquele aluno que fala a variedade da escola, geralmente de classe alta, ser� aprovado e � o que tem prest�gio; por outro lado, aquele aluno que se esfor�ou para aprender a falar e a escrever como a escola prev� e n�o conseguiu, no t�o pouco tempo dado, ser� reprovado e desprestigiado. Esta � uma das raz�es que justificam a presente pesquisa.

Este estudo � decorr�ncia de uma a��o pedag�gica, desenvolvida por Frantz (2004), em uma escola da periferia de Porto Alegre, objetivando a alfabetiza��o de alunos de uma Turma de Progress�o (TP), os quais n�o conseguiram aprender a ler e a escrever em turmas regulares pelos mais diversos motivos. O aluno que freq�enta a TP tem uma defasagem entre a faixa et�ria e a escolaridade. Essa defasagem pode ter sido provocada por diferentes motivos, tais como o trabalho infantil, a dificuldade de relacionamento e/ou de aprendizagem do aluno e a falta de um fazer pedag�gico que considere a l�gica da crian�a. Tendo a TP um espa�o e um tempo diferenciado das turmas regulares, � medida que o aluno consegue construir e/ou resgatar a sua autonomia moral e intelectual, h� possibilidade de que o mesmo avance para o ano-ciclo ou para o ciclo seguinte em qualquer �poca do ano letivo, permitindo, assim, que se junte aos que t�m a mesma faixa et�ria e as hip�teses similares em rela��o � constru��o do conhecimento. Mais detalhes sobre o contato com a escrita de alunosem TP ser�o apresentados a partir da se��o 2.

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����������� 2. A escrita na Turma de Progress�o

����������� Diferente de outros planejamentos relacionados � alfabetiza��o, nos quais normalmente trabalha-se com a hist�ria da escrita, com o tra�ado das letras, com o reconhecimento do som, do nome e da forma das letras, com a categoriza��o gr�fica das letras, com as letras dos nomes dos alunos, este projeto pedag�gico exigia que os alunos sentissem vontade de aprender as letras ou que, pelo menos, sentissem que eram capazes de aprender. Al�m disso, os alunos conviviam com poucos materiais escritos, n�o tendo a escrita e a leitura um lugar na vida desses estudantes, j� que esta representava um fracasso para eles. Houve, ent�o, necessidade de um trabalho de alfabetiza��o para significar e/ou ressignificar a escrita e a leitura na vida desse grupo de crian�as e conhecer mais de perto o que as impedia de ir adiante.

Assim, foi preciso transformar a sala de aula da TP num espa�o de equil�brio afetivo e cognitivo no qual as diferen�as fossem respeitadas, visando � alfabetiza��o. V�rias atividades foram, ent�o, desenvolvidas: trabalho com o corpo, atrav�s de brincadeiras de roda, m�sicas, dan�as, pesquisa na biblioteca, visita ao laborat�rio de ci�ncias, registros escritos, utilizando desenhos e n�o escrita; passeio na comunidade, com a finalidade de fotografar tudo o que estivesse escrito no trajeto percorrido. A partir disso, a TP come�ou a abrir espa�os para o estudo das letras, dando in�cio ao seu processo de alfabetiza��o. O trabalho em sala de aula, com os escritos retirados da comunidade, atrav�s de fotografias solicitadas pelos pr�prios alunos, provocou interesse em rela��o � escrita. Partindo da vis�o de Cagliari (1997, p.103) de que a escrita, seja ela qual for, tem como objetivo primeiro permitir a leitura e que esta � uma interpreta��o da escrita que consiste em traduzir os s�mbolos escritos em fala, organizou-se a primeira atividade envolvendo as fotos: um painel com todo o material escrito. Os alunos forament�o convidados a refletir sobre o que supunham estar escrito em cada um dos textos. Eles conseguiram se aproximar do significado da maioria dos enunciados, mesmo sem terem a habilidade de decodificar o c�digo escrito. Ap�s alguns questionamentos e reflex�es sobre o material analisado, verbalizaram que, para conseguir ler bem certinho o que estava escrito, era preciso conhecer as letras. Pelafala das crian�as, observou-se quanto conseguiam entender o processo de aquisi��o da leitura e da escrita, pois sabiam que poderiam ter uma id�ia aproximada do que um escrito significaria, mas, ao mesmo tempo, precisariam conhecer e entender como decifrar as letras de modo a terem certeza a respeito daquilo que supunham estar escrito em um determinado enunciado.

A pr�xima atividade objetivou dar conta da necessidade que surgiu na turma: os alunos precisavam conhecer as letras (nomes, sons e formas) para terem certeza daquilo que estavam tentando ler. Ent�o, aproveitando os enunciados das fotografias, iniciou-se o trabalho com as letras: os alunos foram questionados a respeito da quantidade de letras que existiam no nosso alfabeto, se cada palavra precisava de letras diferentes, se era poss�vel usar uma mesma letra em v�rias palavras. Observando as fotografias, chegaram � conclus�o de que as letras podem se repetir em v�rias palavras, pois perceberam, por exemplo, a presen�a da letra A em v�rios textos. Na seq��ncia, listaram todas as letras do alfabeto e analisaram a forma como as letras se combinam para formar as palavras. Assim, cada um foi se aproximando da escrita, revelando o que esse contato propiciou. Esse tipo de pr�tica produz resultados que contradizem o pensamentoerr�neo de que o aluno de classe menos privilegiada, quando chega na escola, � considerado um �deficiente ling��stico�, como se a l�ngua n�o existisse, criando um sentimento de rejei��o no aluno, como se este fosse incapaz de aprender, tamb�m criticado por Hon�rio (2005, p.28).

2.1 An�lise do processo de constru��o da escrita

Tendo por objetivo analisar as hip�teses dos alunos em rela��o ao processo de constru��o da escrita e refletir a respeito do trabalho de alfabetiza��o que estava sendo desenvolvido com a turma de progress�o do 1� ciclo, periodicamente, os alunos foram convidados a mostrar quais eram os seus conhecimentos sobre a escrita. Suas produ��es foram inicialmente feitas a partir de um ditado individual, no qual a crian�a era solicitada e escrever palavras e frases. Apresentam-se, ainda, outras propostas de produ��o em que pode ser verificada a evolu��o dos alunos no uso do sistema de escrita de sua l�ngua.

As duasalunas, cujos registros s�o apresentados neste trabalho, t�m caracter�sticas comuns � maioria das crian�as que freq�enta uma turma de progress�o: defasagem entre a idade e a escolaridade, provocada por diferentes motivos, como dificuldade de aprendizagem, infreq��ncia, hist�rico escolar de fracasso, trabalho infantil e descaso da fam�lia com o processo de alfabetiza��o da crian�a.

 

2.1.1 A escrita de B e G

Em primeiro lugar, consideram-se os dados da estudante B., que tem 10 anos. Em 2002, devido a uma quantidade muito grande de faltas, ficou retida no mesmo ano-ciclo por infreq��ncia. No ano de 2003, B continuou tendo muitas faltas e n�o conseguiu atingir a escrita alfab�tica. Ent�o, foi encaminhada para a TP em 2004. Al�m disso, a fam�lia n�o se faz presente na escola e, pelo que se observa, � a pr�pria aluna que se organiza para estar todos os dias na sala de aula.

No in�cio do ano de 2004, n�o foi poss�vel observar sua escrita, j� que se recusava a escrever. Os momentos de escrita eram muito sofridos para a B., pois ela dizia que n�o sabia nada e que era �burra�. Contudo, observava-se que ela reconhecia os sons das letras, pois, nas atividades coletivas envolvendo a escrita, participava indicando as letras adequadas a serem registradas num texto, por exemplo. E foi somente no m�s de maio que ela se autorizou a escrever:

[1]���������� CBS

����������� BCA

����������� PAOE

����������� OVO5

����������� OQIOQOAMM

Como se v�, ela representou pelo menos um fonema de cada s�laba na escrita das tr�s primeiras palavras. Na palavra �boca�, apenas n�o representou o fonema �o�. Na palavra menor, com uma s�laba, n�o admitiu escrever usando apenas duas letras e disse que a palavra precisava de mais letras. Para a palavra maior, n�o representou a segunda s�laba e acabou escrevendo a palavra�OVO� sem se dar conta. Quando questionada sobre o que havia escrito, respondeu que era a palavra �cotovelo�.Ao escrever a frase, na �ltima seq��ncia de letras, embora tenha colocado uma letra para representar cada fonema da s�laba, n�o conseguiu fazer uma associa��o de sons e letras em tr�s s�labas.

Tr�s meses depois, a escrita da B. apresentou progressos, conforme observa-se a seguir:

[2]���� CAVALO

������� SAPO

����� GARAFA

����� RATO

���� ABELAH

���� GINORO

���� FOCA

���� UOSO

���� BATA

���� OSPULA

No registro das palavras, B. demonstrou estar descobrindo a escrita alfab�tica, uma vez que tentou registrar todos os fonemas das palavras. Algumas das palavras s�o totalmente entendidas por qualquer leitor. Por outro lado, a forma como registrou a frase n�o apresentou a mesma l�gica das palavras escritas de forma isolada.

B. registrou a palavra �sapo� como �SP�, dentro da frase, de forma diferente da registrada isoladamente. Al�m disso, ela utilizou a letra �P� para representar uma letra da s�laba �PO� e para representar uma das letras da s�laba �PU�. A estudante demonstrou avan�os em rela��o �s suas hip�teses sobre a constru��o da escrita, embora n�o tivesse alcan�ado a escrita alfab�tica na produ��o de frases.

O segundo caso � o da estudante G., que tem 11 anos e freq�entou uma escola, pela primeira vez, no ano de 2004. A m�e explicou que estava aguardando que as suas outras duas filhas atingissem a idade escolar para que as tr�s, ent�o,pudessem ir juntas � escola.

Em abril, quando lhe foi solicitado que escrevesse uma lista de palavras e uma frase, sua escrita apresentava-se da seguinte forma:

[3]�� ACR��������������������

����� EL������������

����� CAE���������������������

����� GREL�������������������

����� ULELAFB

A partir destes registros, observou-se que G. sabia que deveria utilizar letras para escrever, conseguindo distinguir desenho de escrita. Embora essas sejam representa��es gr�ficas da mesma natureza, segundo Massini-Gagliari e Gagliari (2001, p.136), h� uma diferen�a fundamental: o desenho refere-se a objetos do mundo, e a escrita refere-se � linguagem oral. A no��o de palavra �, pois, uma das mais importantes nos sistemas de escrita e, segundo os autores, tem um valor especial no processo de alfabetiza��o. Sobre as letras, constatou-se que G. n�o fazia rela��o dos sons com as letras e, quando questionada sobre o nome das mesmas, evidenciava muita dificuldade em distinguir as letras entre si e demonstrava inseguran�a ao fazer seus tra�ados. As letras representadas nas palavras ditadas foram, em sua maioria, as letras de seu nome.

Sete meses depois, G. tentava representar a maioria dos fonemas das palavras, apesar de nem sempre conseguir: a id�ia de que a escrita � alfab�tica tornou-se um fato dado para a aluna. Nesse envolvimento com uma pr�tica pedag�gica, cuja inten��o fora significar a escrita dentro da sala de aula, relacionando-a � vida e ao mundo do aluno, Frantz (2004) constatou que o grande desafio da a��o do professor alfabetizador est� em provocar o desejo de aprender. Isso se tornou poss�vel a partir do momento em que foram consideradas e valorizadas as diferen�as culturais da comunidade. Na pr�tica, essa atitude implica em n�o fazer julgamentos de valores pelo fato de a escrita, por exemplo, n�o se mostrar relevante no cotidiano das pessoas da comunidade e de esta dar pouca import�ncia para a aprendizagem da leitura e da escrita. As interven��es que possibilitaram avan�os nas hip�teses de escrita de B e de G. precisaram ser muito cautelosas para n�o frustr�-las de forma que se recusassem a fazer tentativas de escrita. Assim, as interfer�ncias exigiam sensibilidade da educadora para n�o prejudicar sua evolu��o nesse processo. Acredita-se que uma proposta de trabalho que valoriza a l�gica da crian�a e significa o processo de aquisi��o da escrita viabiliza a alfabetiza��o.

Em julho, quando solicitada a escrever uma lista de animais, G o fez da seguinte maneira:

[4]���� CAVALO������������� (cavalo)

����� SPO��������������������������������� (sapo)

����� GIRAFA��������������� (girafa)

����� RATO������������������������������ (rato)

����� BOLETA�������������� (borboleta)

����� ABLA������������������������������ (sapo)

����� USAPULA����������������������� (O sapo pula.)

O avan�o, neste m�s, aconteceu em rela��o � escrita da frase, pois G. come�ou a utilizar mais letras para representar os fonemas presentes em cada s�laba. Nesses escritos, constatou-se, mais uma vez, que ela confundiu o nome das letras com os fonemas de uma determinada s�laba, como no caso da palavra �abelha�. Para a s�laba �be�, registrou somente a letra �B� (b�).

No acompanhamento da evolu��o da escrita de B. e G., matriculadas em turmas regulares do ensino fundamental, em 2005, depois de 15 meses, h� aspectos importantes e significativos a serem registrados, principalmente, em rela��o � influ�ncia da variedade da linguagem oral sobre a escrita. Segundo Morais (1998), a linguagem escrita � diferente da l�ngua oral, mas s�o vistas como se fossem iguais, e esse � um dado que deve ser considerado, no decorrer do processo de alfabetiza��o, sob a possibilidade de se fazer uma avalia��o equivocada a respeito das hip�teses das crian�as sobre a escrita.

A estudante B. est� freq�entando diariamente uma turma regular do Ensino Fundamental e demonstra muita satisfa��o em mostrar o quanto evoluiu no seu uso da escrita. Issoporquesua escrita est� sendo respeitada. Conforme Hon�rio (2005, p.16), os professores deveriam trabalhar a l�ngua-padr�o com a preocupa��o de conhecer e de respeitar a l�ngua n�o-padr�o com a qual se deparam. Ao ser convidada a reescrever uma hist�ria que conhecesse, escolheu o conto �Os Tr�s Porquinhos�:

TE POQUINHOS

U POQUINHOS FIZERO A CASA DE PALHA.

O LOBOMAO A PARESEO DI ATATIUMA AVORE.

O LOBOMAO ASOPO A CASA DE MADEMADERA.

OSO TE POQUINHO FO PA CASA DE TIGOLOS.

O LOBOMAO NE QUISIQUI ASOPA A CASA DE TIGOLO.

DA� ELECUSIQUIO I DA� ELE CAIUNU FOGO.

QEI ISIVEU VOA B.

O avan�o da estudante em rela��o ao in�cio de seu contato com o sistema de escrita foi muito significativo. B. consegue escrever a maioria das palavras de forma alfab�tica, sua escrita � espont�nea, n�o precisa mais que a professora fique direcionando o que vai escrever. N�o que essa atitude fosse uma pr�tica da professora, mas, no ano anterior, era comum ouvi-la pedindo ajuda para cada palavra que iria escrever. Na produ��o de B. � poss�vel observar v�rias altera��es de escrita que s�o decorrentes da linguagem oral, tais como: a substitui��o de �o por �u, como na palavra �nu�, para no; a substitui��o de �e por �i, como se v� em �di�, no lugar da preposi��o de; a substitui��o de �ampor �o, como se verifica em �fizero�, ao inv�s de fizeram; a segmenta��o indevida das palavras, como em �lobomao�, para lobo mau. H�, ainda, altera��es que revelam que a aluna n�o domina as conven��es ortogr�ficas. Tais ocorr�ncias mostram que ainda h� um caminho a percorrer para que sejam dominadas as formas ortogr�ficas, mas as aprendizagens que realizou at� o momento precisam ser consideradas e valorizadas. Assim, a confian�a em sua pr�pria capacidade e um trabalho que estimule discuss�es sobre as diferen�as entre fala e escrita, em que sejam respeitadas as varia��es da l�ngua, auxiliar�o o aluno na supera��o de suas limita��es.

Com o objetivo de trazer mais dados sobre o processo de aquisi��o da escrita da estudante, registra-se que, em mar�o de 2005, ap�s ouvir a hist�ria O Segredo dos Ovos de P�scoa, de autor desconhecido, foi sugerido a G. que reescrevesse o texto do seu jeito, tendo como refer�ncia uma seq��ncia de figuras relacionadas � hist�ria. O fato mais significativo deste trabalho produzido por G. foi a atitude de confian�a da estudante em rela��o � escrita: ela n�o demonstrou receio algum ao registrar suas id�ias. Isso parece simples, mas considerando que, no ano anterior, mostrava-se muito dependente da presen�a da professora para escrever e, caso a mesma n�o estivesse ao seu lado, direcionando sua escrita, simplesmente n�o escrevia palavra alguma, essa nova atitude surpreendeu a todos que acompanhavam sua trajet�ria na escola. A produ��o do texto sobre os ovos de P�scoa, sem o aux�lio da professora, foi algo in�dito para G., que demonstrou satisfa��o ao concluir suas id�ias. Ficou feliz e queria mostr�-las a todos.

No final de maio de 2005, G. foi incentivada a reescrever a hist�ria Sandu�che da Maricota, que ouviu, na hora do conto, em companhia de seus colegas de turma. Os avan�os em rela��o � organiza��o das id�ias narradas e � forma como registrou suas hip�teses sobre a escrita, aliados � seguran�a com que escrevia o texto, apresentaram uma estudante apropriando-se do mundo letrado e do seu pr�prio processo de aquisi��o da l�ngua escrita, sem receios, medos ou constrangimentos.

S�NDUIXEDAMARICOTA

UM DIA � AMRICOTA �RESOVEFA -S -UMSEDUIXE

BODI -IDISI-I TASAIDOUM SEDUIXENAORA PAFICAMASBOUM TEQUICOLOCAUMCAPIN/

EXEGO-GATO ETASAIDOUMSDUIXENAORAPARFICAMASBOUMTEIQUICOLOCAUM-MA SADINHA/ E XEGO-O-OCACHORRO E TASAIDOUMSADUIXE NAORA PARAFICA MAIS BONESIS� DUXETEQUICOLOCAOSOS/

EXEGOABELHAEFALOEITASAIDOUM S�DUIXEPAFICAMASIBOUV�UCOLOCAUM� MEU/ATEQUELAGALINHAISIPUSOTODOMUDO ? I FE UM S�DUIXE SO PARAELA

ATORA� G.

Como G. escrevia as palavras pronunciando-as, foi f�cil anotar tudo o que queria registrar na hist�ria Sandu�che da Maricota:

Sandu�che da Maricota

Um dia a Maricota resolveu fazer um sandu�che.

Bode � e disse � est� saindo um sandu�che na hora para ficar mais bom tem que colocar um capim.

E chegou gato esta saindo um sandu�che na hora para ficar mais tem que colocar sardinha.

E chegou o cachorro est� saindo um sandu�che na hora para ficar mais bom esse sandu�che tem que colocar ossos.

E chegou a abelha falou ei ta saindo um sandu�che para ficar mais bom vou colocar um meu.

At� que a galinha expulsou todo mundo.

E fez um sandu�che s� para ela.

Comparando as hip�teses iniciais de G. sobre a escrita,observou-se que houve uma evolu��o no seu processo de alfabetiza��o, apesar do caminho que ela ainda tem a percorrer em rela��o � escrita alfab�tica e ortogr�fica. O que tem facilitado essa constru��o � o fato de a escrita come�ar a ser um conhecimento significativo para ela: o tempo todo G. demonstrou que tinha necessidade e o desejo de aprender. Por isso, come�ou a autorizar-se a escrever do seu jeito. Al�m disso, G. sabe, atrav�s da fala de seus professores, que est� a caminho da escrita convencional e que, para isso, precisa estar ciente de que a forma como fala � diferente da forma como escreve, uma vez que s�o not�rias as marcas da oralidade na sua escrita. Apesar de haver juntura intervocabular (Cagliari, 1997) na maior parte do texto e algumas segmenta��es vocabulares (op. cit), em que a aluna que ora junta palavras que deveriam estar separadas, ora separa palavras que deveriam ser escritas juntas, pode-se observar a substitui��o de �e por �i, em �idisi�, ao inv�s de e disse; a n�o realiza��o da letra �n, em �tasaidoum�, para est� saindo um ; a supress�o do r em verbos no infinitivo, como se verifica em �paficamasboum�, no lugar de para ficar mais bom, entre outros tipos de ocorr�ncias. Essas altera��es n�o podem ser ignoradas pelo professor, precisam ser trabalhadas em sala de aula. � na escrita espont�nea que G. est� buscando, de forma aut�noma, a ajuda da professora e dos colegas, permitindo-se errar. N�o foi f�cil para G. perceber que os professores envolvidos em seu processo de alfabetiza��o estavam possibilitando a ela um espa�o no qual pudesse ousar, errar, acertar, enfim, testar suas hip�teses de forma tranq�ila, sem traumas.

� poss�vel perceber, pela realidade aqui apresentada, que o processo de significa��o e de apropria��o da escrita no qualB e G. s�o protagonistas provocou sofrimento, ang�stia e crescimento pessoal e profissional de todos os envolvidos, uma vez que exigiu olhar al�m do c�digo escrito, voltado ao significado da a��o, da aprendizagem da l�ngua escrita, considerando aspectos sociais, emocionais e culturais das aprendizes.

Considera��es Finais

������������� Frantz (2004), a partir de seu trabalho de conclus�o do Curso de Letras,concebeu uma nova vis�o a respeito do ensino e aprendizagem da l�ngua escrita: as experi�ncias vivenciadas e registradas regularmente mostraram o quanto � necess�rio refletir e democratizar o uso da palavra oral e escrita dentro e fora da escola. Para que esta forma de trabalho atinja seus objetivos, � preciso que os professores consigam descentralizar o poder de decis�o, saindo do lugar de detentores �nicos do conhecimento e buscando a participa��o ativa dos alunos na constru��o dos projetos da escola.

������������ O resultado desse trabalho mostrou que � poss�vel alfabetizar alunos, de certa forma rejeitados pelas turmas regulares no sistema de ensino e com dificuldades de aprendizagem, desde que haja um projeto que rompa com alguns preconceitos e abra o espa�o da sala de aula para as reais necessidades dos alunos. A id�ia de trabalhar com um projeto fechado que a professora entendia como importante para a alfabetiza��o dos alunos n�o se concretizou. Foi necess�rio organizarum projeto de trabalho, a partir do que era realmente necess�rio ensinar, a partir das hip�teses dos alunos e, principalmente, a partir do respeito e da valoriza��o sobre a forma como a comunidade interagia com a escrita. � importante considerar que a monografia possibilitou que o trabalho fosse registrado por seis meses. A pr�tica pedag�gica continuou acontecendo e, por conseq��ncia, os alunos continuaram avan�ando em suas hip�teses sobre a escrita, como foi poss�vel verificar nas produ��es de 2005.

����������� A organiza��o de um projeto de trabalho, no qual a realidade dos alunos seja considerada e a forma como tentam compreender e expor a escrita seja respeitada, poder� contribuir para que as crian�as tenham autonomia para registrar seus pensamentos a respeito do mundo, uma vez que, segundo Ferreiro e Palacio (1990, p.102), a escrita existe inserida numa complexa rede de rela��es e que, � sua maneira e de acordo com as suas possibilidades, a crian�a tenta compreender o que s�o as marcas gr�ficas e o que querem dizer os atos praticados pelos usu�rios em decorr�ncia destas marcas.

Conforme Cagliari (1997, p.9), �o processo de alfabetiza��o inclui muitos fatores, e, quanto mais ciente estiver o professorde como se d� o processo de aquisi��o do conhecimento, de como a crian�a se situa em termos de desenvolvimento emocional, de como vem evoluindo o seu processo de intera��o social, da natureza da realidade ling��stica envolvida no momento em que est� acontecendo a alfabetiza��o, mais condi��es ter� esse professor de encaminhar o processo de aprendizagem, sem os sofrimentos habituais�. Assim, constata-se que, apesar de todas as car�ncias e dificuldades pelas quais passam os alunos da turma de progress�o, � poss�vel, a partir de uma proposta pedag�gica que valoriza o contexto ling��stico e a l�gica da crian�a, a aprendizagem da leitura e da escrita.

REFER�NCIAS BIBLIOGR�FICAS

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MASSINI-CAGLIARI, Gl�dis.; CAGLIARI, Luiz Carlos. Diante das Letras. Campinas: Mercado de Letras, 2001.

CALKINS, Lucy McCormick. A arte de ensinar a escrever: o desenvolvimento do discurso direto. Porto Alegre: Artes M�dicas, 1989.

FERREIRO, Emilia; PALACIO, Margarita G. Os processos de leitura e de escrita: novas perspectivas. Porto Alegre: Artes M�dicas, 1990.������

FRANTZ, Carla Suzana. (Res) Significando a escrita da crian�a. Trabalho de Conclus�o do Curso de Letras. S�o Leopoldo: UNISINOS, 2004.

HON�RIO, Denise de Souza. Altera��es de escrita em textos de alunos do ensino m�dio: conseq��ncias da oralidade e de conven��es ortogr�ficas. Disserta��o de Mestrado em Ling��stica Aplicada. S�o Leopoldo: UNISINOS, 2005

MORAIS, Terezinha Loureiro. Leitura e escrita: descobrir antes de aprender a ler e escrever. Ci�ncias e Letras, Porto Alegre, p.211-218. 1998.

TERZI, S. A constru��o da leitura. Campinas: Fontes, 1995.

Qual a importância do estudante compreender de forma autónomo O sistema de escrita alfabética?

Qual a importância da escrita na alfabetização A importância da escrita está principalmente no desenvolvimento de novas habilidades, como redigir textos de diversos gêneros e dominar a ortografia da língua portuguesa. Isso irá permitir que o pequeno compreenda questões linguísticas mais complexas.

Qual a importância do sistema de escrita alfabética?

A escrita alfabética é um sistema um sistema notacional e não um código, pois ele envolve processos mentais complexos e não apenas memorização; Apreciação de sentidos e não apenas atividades mecânicas; consciência fonológica e não apenas prontidão; Leitura com significado e não apenas decodificação.

O que é escrita autônoma?

Escrita autônoma e compartilhada (EF01LP25) Produzir, tendo o professor como escriba, recontagens de histórias lidas pelo professor, histórias imaginadas ou baseadas em livros de imagens, observando a forma de composição de textos narrativos (personagens, enredo, tempo e espaço).

Qual a importância da leitura e da escrita dentro do processo de alfabetização e letramento?

A leitura e a escrita são práticas que se relacionam e complementam a formação de um leitor competente, o objetivo maior da escola, pois a leitura e a escrita são os maiores instrumentos para a construção do conhecimento.