Qual a diferença entre o estado de natureza presente em Hobbes e o estado de natureza de Locke?

Primeiramente há necessidade de conceituar o termo Estado de Natureza.

Este pode ser entendido como a ausência de sociedade, é anterior a sociedade civil. Hobbes afirmava que o Estado de Natureza nada mais era do que qualquer situação onde não existe governo. Locke por sua vez, entendia que o Estado de Natureza era uma situação onde as pessoas se submetiam às Leis da natureza.

Feita a conceituação do Estado de Natureza, pode-se partir para o entendimento de sociedade civil que, ao contrário do Estado de Natureza, possui Estado, leis jurídicas, organização política, normas de moral e propriedade privada. É uma sociedade organizada.

Três grandes filósofos discorreram a respeito da passagem do Estado de Natureza para a sociedade civil, para tanto partiram da análise do comportamento do Homem.

Para Hobbes o homem era egoísta, vivia isolado e vivia para satisfazer seus próprios interesses, por esta razão a desordem imperava, não existiam regras de moral nem ética, daí surge a frase o homem é o lobo do homem. Segundo Hobbes, não seria possível a sobrevivência da humanidade sem a existência de regras, por esta razão surge a sociedade civil.

Contrariando a visão de Hobbes, Rousseau afirmava que no Estado de Natureza o homem era bom, vivia em harmonia com os demais, para ele o Estado de natureza não é um estado de guerra, no entanto com o advento da propriedade privada passou a haver conflitos entre os Homens e por esta razão houve a necessidade de se estabelecer um contrato social, surgindo desta forma não só a sociedade civil, mas também o Estado.

O entendimento de John Locke pode ser visto como um meio termo entre a visão de Hobbes e de Rousseau, segundo ele o homem não era bom nem mal, seu temperamento oscilava entre a racionalidade e a ponderação e a irracionalidade e agressividade. Assim sendo, a maior falha do Estado de Natureza, era a falta de um terceiro imparcial para julgar as controvérsias advindas da irracionalidade do homem, por este motivo, surge a sociedade civil, para sanar a falta de regras e organização do Estado de Natureza.

Importante ressaltar que, as teorias apresentadas pelos três filósofos são perfeitamente aceitas para solucionar a passagem do Estado de Natureza para a Sociedade Civil, uma teoria não exclui a outra.

Referência:

BITTAR.Eduardo C.B. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 3ª Edição.

Tanto Thomas Hobbes como Jean-Jacques Rousseau são considerados contratualistas, isso é, compreendem que a sociedade é uma criação racional do homem e que, portanto, houve um momento anterior a sociedade a ponto dela ter sido posteriormente criada. Esse momento é chamado de estado de natureza. O estado de natureza é, como já dito, um momento anterior a sociedade civil, anterior a criação do Estado (ente político), no qual o homem vivia na plenitude de sua existência. A natureza do homem, porém, é ponto de divergência entre os teóricos do contratualismo. Ao abordamos Hobbes e Rousseau, um dos elementos que mais os distanciam um do outro é a noção de natureza humana. Essa divergência é crucial para compreendermos como o raciocínio posteriori de ambos acabou os levando para passos deveras divergentes.

A investigação sobre o estado de natureza possui em seu caráter uma atmosfera mitológica na sua forma de explicação do mundo. As conclusões e preceitos partem de puro exercício imaginativo e dedutivo, pois não há, de fato, a capacidade de se ter uma demarcação empírica do Estado de Natureza stricto sensu, apenas, porém, uma crença dedutiva de sua existência. Um ponto interessante a ser ressaltado é como a noção de estado de natureza consegue ser semelhante a releituras da queda de Adão e Eva no livro de Gênesis. A noção de que havia uma natureza x e que determinado acontecimento trouxe um estado de ser a essa natureza, pode ser encontrada em todos os teóricos do contratualismo, assim como faz parte da narrativa do pecado original no enredo bíblico. Os contratualistas, por assim dizer, idealizam o seu próprio Adão e através disso fundamentam suas teorias acerca da criação do Estado e da sociedade civil como um todo, investigando os direitos, deveres e consequências que essa relação indivíduo-povo-estado possui em sua estrutura.

O filósofo político britânico Sir Isaiah Berlin, aponta em seu ensaio Two Concepts of Liberty, a existência de dois tipos de liberdade: liberdade negativa e liberdade positiva. A diferença consiste no que, enquanto a liberdade negativa se refere a ausência de coerção, não havendo um terceiro que exerça poder sobre o outro, permitindo, portanto, o exercício da vontade, a liberdade positiva se refere ao aumento e a adesão de poder de exercício, na qual o indivíduo busca cada vez mais se tornar o mestre de seu próprio caminho. Essa duas concepções de liberdade foram avaliadas por Berlin com o intuito de demonstrar como a liberdade como elemento abstrato pode, no fim, representar aspectos até mesmo conflituosos. A liberdade em Hobbes e Rousseau possui um papel importante tanto que no que tange a noção de natureza humana, quanto no próprio funcionamento da sociedade civil, e entender essas duas concepções se faz necessário para entendermos todo o processo de suas teorias.

Thomas Hobbes, filósofo, matemático e um dos principais teóricos da política moderna, tem como destaque em sua carreira a primeira idealização da teoria contratualista e sua defesa do absolutismo na obra ‘O Leviatã’. Em suas reflexões, Hobbes elabora a noção de uma natureza humana que é, antes de tudo, caótica. Hobbes enxergava que todos os homens nasceram iguais e que no Estado de Natureza eles eram plenamente livres. Voltando a noção de Berlin, o homem natural de Hobbes era dotado de liberdade negativa. Não havia, portanto, uma entidade legitimada a coagir e exercer influência sobre a ação humana que tinha como elemento guia, a própria vontade. Ao mesmo tempo em que eram livres, eram, como já citado, iguais, não havendo uma ordem hierárquica.

Partindo desse pressuposto, Hobbes compreendida que tal condição se residia em meio a um conflito eterno. Ora, se homens iguais são plenamente livres e são guiados por suas vontades, em algum momento tais vontades irão entrar em conflito. Para Hobbes, não era apenas em alguns momentos, mas era constante. O estado de guerra era a vigência no ambiente, pois a todo instante um potencial conflito pudera surgir. Ao comentar a obra de Hobbes em 10 Livros que Estragaram o Mundo, o eticista Benjamin Wiker analisa a noção de liberdade do homem hobbesiano, demonstrando a soberania do desejo instintivo do homem:

“Você agora está inteiramente livre de toda contradição interna em relação a todo e qualquer desejo seu. Os muros de separação, que você costumava associar a algo chamado “consciência”, simplesmente não existem mais. Como você logo percebe, uma vez que essas barreiras desapareceram, seus pensamentos e desejos vagueiam livremente por territórios jamais conhecidos e desbravados. Totalmente sem consciência. Nenhuma distinção entre o certo e o errado, o bem e o mal, a luz e a escuridão. As distinções deixaram de ter qualquer sentido real – ou melhor, tomaram um sentido novo. Bom é tudo aquilo que você quer, e mau é aquilo que se coloca no seu caminho e o impede de alcançar o que você quer. Você é agora o homem natural hobbesiano, o homem como ele verdadeiramente é em sua condição natural.”

É a partir do entendimento de que a liberdade negativa do homem natural existe em grau absoluto que Hobbes passa a teorizar o surgimento do Estado. A começar pelo fato de que o Estado nasce a partir de um contrato em que a própria liberdade é, em parte, rejeitada. O homem, então, a sair de seu estado de natureza por ter abrido mão de parte de sua liberdade, se submete a um ente absoluto, legitimamente hierárquico e capaz de exercer o monopólio da violência. O objetivo? a paz. Hobbes definia o Estado de tal maneira:

“[..] uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum”.

Essa liberdade que o homem natural possuíra, portanto, não trazia o bem comum e resultava no caos constante, sendo a única solução se abdicar de tal liberdade, afinal, como diria Thomas Jefferson, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”, e será que todos querem estar atentos e vigilantes a todo instante? O cientista político João Pereira Coutinho discorda,

"Uma das grandes mentiras da política moderna é a crença ingênua de que a liberdade é uma paixão universal. Não é. A liberdade significa também um fardo de responsabilidade que nem todos estão dispostos a suportar”,

diz ele em sua coluna na Folha de São Paulo.

Hobbes tem em seu pensamento duas características: medo e esperança. Categorizando a noção de liberdade em Hobbes, enxerga-se as duas dimensões, pois o seu pensamento basicamente pode ser resumido em: medo da liberdade, esperança em sua inibição. Que o Leviatã faça bom uso dela!

Jean-Jacques Rousseau, filósofo iluminista, teórico político e músico, foi o que pode-se chamar de o último dos contratualistas. Ele que é considerado um dos pais da mentalidade revolucionária, busca trazer um novo conceito de contrato. Rejeitando os contratualistas anteriores, alega que há, no contrato, uma problemática que faz do mesmo algo ilegítimo. Para entender tal condição é preciso voltar lá no ínicio, no homem natural de Rousseau. Sendo um contratualista, a ideia de se teorizar um estado anterior a sociedade civil é ponto em comum com Hobbes, de tal maneira que faz parte de sua obra pensar uma natureza humana e toda a problemática que levaria a criação artificial do Estado, que antes não existiria, como compreende todos os contratualistas. O homem de Rousseau, porém, é na verdade a antítese do homem hobbesiano, pois enquanto em Hobbes o homem é lobo do homem, em Rousseau, o homem natural é, na verdade, uma ovelha. Não nessas palavras, é claro! mas a ideia consiste justamente no entendimento de uma natureza mansa, benigna e fadada à boa convivência. É o que se denomina por mito do bom selvagem: “O homem nasce bom, a sociedade o corrompe”, dizia Rousseau. Mas o que ele queria dizer com a sociedade o corrompe? Rousseau enxerga que o processo civilizacional era responsável por afastar o homem de seu Estado de Natureza benigno, em que se havia a liberdade e a igualdade, e no qual o bom selvagem vivia de maneira virtuosa, longe dos vícios e problemas que, para Rousseau, não adivinham da natureza humana, mas da própria estrutura criada a partir de uma fuga dela.

As artes, a ciência e o conhecimento em geral eram, para Rousseau, a maior representação desse processo de corrupção humana. Na sua análise do estado de natureza, o homem bom assim o deixaria de ser no momento em que passasse a ter contato com o conhecimento. Tal como no mito da queda, quando o homem come da árvore do conhecimento do bem e do mal, ele conhece a morte. A diferença, porém, é que para Rousseau a natureza do homem era apenas inibida diante a corrupção da civilização, já na teologia cristã ocidental, a natureza do homem se torna em própria corrupção e as mazelas da civilização são resultados da própria natureza, e não o contrário. Como consequência de sua análise, Rousseau enxergava que o conhecimento corrompia, pois ele era monopolizado por poucos, criando os fundamentos da desigualdade.

“Enquanto o governo e as leis promovem a segurança e o bem-estar dos homens na coletividade, as ciências, as letras e as artes, menos despóticas e mais poderosas talvez, estendem guirlandas de flores sobre as cadeias de ferro que eles carregam, sufocam neles o sentimento dessa liberdade original para a qual pareciam ter nascido, fazem-nos amar sua escravidão e formam assim os chamados povos policiados”

Esse monopólio fez com que um pacto podre fosse imposto pela minoria iluminada em cima da maioria. A correção só poderia vir na distribuição do conhecimento e na elevação de todos à soberania estatal, criando o conceito do povo como soberano da democracia moderna. Rousseau, aqui, demonstra ter grande apreço por aquilo que no entendimento de Isaiah Berlin se chama por liberdade positiva. Não há, para Rousseau, como haver a justiça sem que aqueles que não possuem o conhecimento assim passem a possuir para que possam ascender em domínio do exercício de suas ações. Sua visão romântica do homem foi influência principal para a Revolução Francesa, muitos autores, ainda, alegam que Rousseau pode ser considerado não apenas o pai da Revolução Francesa, mas o pai da mentalidade revolucionária per si, que iria surgir posteriormente em movimentos socialistas e semelhantes ao longo da história.

É de grande riqueza a forma como ambos os autores, mesmo partindo da mesma tradição de pensamento, enxergam o próprio contexto de suas premissas de maneira que os levam para lugares tão distantes. Enquanto em Hobbes há o medo da própria natureza e uma visão negativa (em duplo sentido) da liberdade, em Rousseau a natureza é o ponto de referência moral e a liberdade é o que permite a expressão de tal natureza benigna. Enquanto em Hobbes o soberano é um ser a parte, no qual os homens se submetem, em Rousseau, o soberano é o próprio homem. Seja qual for a visão que mais agrada, é fato que há um pouco de Hobbes e um pouco de Rousseau em cada um de nós. Ora, não temos nós medo da responsabilidade que a liberdade traz? Em tempo que desejamos e buscamos ser soberanos. É a dupla liberdade de Isaiah Berlin apresentando suas facetas perante mentes tão diferentes e tão próximas ao mesmo tempo, levando-nos a compreensão acerca do homem, da própria liberdade e do Estado como conhecemos.

Victor Oliveira é graduando em Relações Internacionais.

Bibliografia:

  • Bíblia, livro de Gênesis. NVI|PT, 2000.
  • Berlin, Isaiah - Four Essays on Liberty. Oxford University Press, 1969.
  • Wiker, Benjamin - 10 Livros que Estragaram o Mundo e Outros Cinco que não Ajudaram em Nada. Tradução de Thomaz Perroni. Vide Editorial, 2015.
  • Hobbes, Thomas - Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1997.
  • Coutinho , João Pereira - O novo autoritarismo tem mais hipóteses de sucesso do que o antigo: Folha de São Paulo, 2017.
  • Rousseau, Jean-Jacques - Do Contrato Social. Editora Martin Claret, 2007.
  • Rousseau, Jean-Jacques - Discurso sobre A Origem da desigualdade. Tradução de Maria Lacerda de Moura. Edição Ridendo Castigat Mores, 1754.
  • Rousseau, Jean-Jacques - Discurso sobre as ciências e as artes. Edição Ridendo Castigat Mores, 1749.

Qual a diferença entre o estado de natureza em Hobbes é Locke?

Ao contrário de Hobbes, para o qual o estado de natureza era um estado de guerra, para Locke o estado de natureza era um estado de perfeita paz e harmonia entre os homens. O direito natural por excelência, para Locke, é a propriedade (lembre-se que ele é o teórico do liberalismo).

Qual a diferença entre Hobbes é Locke quanto a função do estado?

Se em Hobbes o Soberano tem como função acabar com guerra geral, comandando os homens com autoridade e poder absolutos e os impedindo da mútua destruição; em John Locke, o governante apenas é instituído para preservar e ampliar os direitos de natureza do Homem, assim, não pode atentar contra sua propriedade, ou seja, ...

Qual é a principal diferença entre as ideias de Hobbes é Locke?

Resposta. Resposta: A diferença é que Thomas Robbes defendia a ideia das pessoas abandonarem seu estado de natureza, concedendo o poder a um soberano em troca de segurança. Já Jhon Locke defendia que o ser humano não deve vender seus direitos ao Estado em troca de segurança, já que esse é o dever do Estado.

Qual a diferença entre o estado de natureza para Thomas Hobbes e o estado de natureza para Rousseau e qual deles tem uma visão mais democrática de governo?

Enquanto em Hobbes há o medo da própria natureza e uma visão negativa (em duplo sentido) da liberdade, em Rousseau a natureza é o ponto de referência moral e a liberdade é o que permite a expressão de tal natureza benigna.