Quais são os objetivos do Japão ao permitir a entrada dos imigrantes decasséguis?

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Documentacao do Ministerio das Relacoes Exteriores

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  1. 1. 20 ANOS DOS BRASILEIROS NO JAPÃO
  2. 2. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES Ministro de Estado Embaixador CelsoAmorim Secretário-Geral EmbaixadorAntonio deAguiar Patriota FUNDAÇÃO ALEXANDRE DE GUSMÃO Presidente Embaixador Jeronimo Moscardo A Fundação Alexandre de Gusmão, instituída em 1971, é uma fundação pública vinculada ao Ministério das Relações Exteriores e tem a finalidade de levar à sociedade civil informações sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomática brasileira. Sua missão é promover a sensibilização da opinião pública nacional para os temas de relações internacionais e para a política externa brasileira. Ministério das Relações Exteriores Esplanada dos Ministérios, Bloco H Anexo II, Térreo, Sala 1 70170-900 Brasília, DF Telefones: (61) 3411-6033/6034 Fax: (61) 3411-9125 Site: www.funag.gov.br
  3. 3. Brasília, 2010 20 anos dos brasileiros no Japão
  4. 4. Direitos de publicação reservados à Fundação Alexandre de Gusmão Ministério das Relações Exteriores Esplanada dos Ministérios, Bloco H Anexo II, Térreo 70170-900 Brasília – DF Telefones: (61) 3411-6033/6034 Fax: (61) 3411-9125 Site: www.funag.gov.br E-mail: Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional conforme Lei n° 10.994, de 14/12/2004. Equipe Técnica: Maria Marta Cezar Lopes Henrique da Silveira Sardinha Pinto Filho André Yuji Pinheiro Uema Cíntia Rejane Sousa Araújo Gonçalves Fernanda Leal Wanderley Fernanda Antunes Siqueira Juliana Corrêa de Freitas Pablo de Rezende Saturnino Braga Programação Visual e Diagramação: Juliana Orem e Maurício Cardoso Nota: O editor manteve a ortografia dos textos originais. Impresso no Brasil 2010 A625 20 anos dos brasileiros no Japão. – Brasília : FUNAG, 2010. 64p. Seminário "20 anos dos Brasileiros no Japão", 30 de julho, de 2010, U Thant, Universidade das Nações Unidas, Tóquio. ISBN: 978.85.7631.276-5 1. Imigração - Brasil-Japão. 2. Fenômeno decasségui. 3. Acordo da Previdência Brasil-Japão. CDU: 327(81:52) 314.742(81:52)
  5. 5. Sumário Prefácio - 20Anos dos Brasileiros no Japão, 7 Embaixador Eduardo Gradilone ReflexõesSobreos20AnosdoMovimento“Dekassegui”-APerspectivade um Brasileiro Radicado no Japão, 11 Angelo Ishi Professor Associado - Musashi University ReflexãoSobreos20AnosdaImigraçãoBrasileiranoJapãonaÓticadeum Ex-Prefeito de Hamamatsu, 21 Yasuyuki Kitawaki - Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio A Educação de Crianças Brasileiras no Japão - Desafios para os Próximos 10Anos, 41 Lilian Terumi Hatano - Kinki University QuestõesAtuais Relativas à Política Ddos Estrangeiros no Japão, 51 Keizo Yamawaki - Universidade Meiji
  6. 6. 7 A idéia de se comemorar os 20 anos da presença brasileira no Japão surgiu como contraponto aos 100 anos da imigração japonesa para o Brasil, celebrada ao longo de 2008. Data de 1990 a mudança da lei japonesa de imigração que permitiu a entrada de nikkeis latino-americanos no arquipélago nipônico.Amedida teve por objetivo atender às necessidades de mão-de-obra para a indústria japonesa e, efetivamente, provocou grande atração de brasileiros para o Japão. O elemento étnico foi levado em consideração na redação da legislação, na expectativa de facilitar a adaptação e a integração da mão- de-obra imigrante à cultura japonesa. Se a lei japonesa pode ser considerada, pelo lado japonês, o marco histórico do movimento decasségui, pelo lado brasileiro, muitos consideram o Plano Collor, de março de 1990, como fator complementar de motivação. O “fenômeno decasségui” produziu inúmeras transformações na sociedade japonesa. Foi responsável pela formação de uma rede de serviços e de negócios voltados especialmente para a comunidade brasileira. Graças a esse fenômeno, estabeleceram-se no Japão uma centena de escolas com currículo em português; várias casas comerciais fornecedoras de produtos brasileiros; jornais, revistas e um canal de televisão em língua portuguesa; 7 agências do Banco do Brasil, uma do Banco Itaú e um escritório de representação da Caixa Econômica Federal; Prefácio Embaixador Eduardo Gradilone
  7. 7. EMBAIXADOR EDUARDO GRADILONE 8 além da Embaixada em Tóquio e dos Consulados-Gerais em Tóquio, Nagóia e Hamamatsu. O ano de 2009 foi marcado pela crise econômica em escala global, responsável pela perda de empregos em todo o mundo. Os trabalhadores brasileiros residentes no Japão foram particularmente afetados e uma das conseqüências desses tempos turbulentos foi a diminuição da comunidade brasileira naquele país. Em março de 2008, havia 317 mil nacionais; em dezembro de 2009, somavam 267 mil os brasileiros em território japonês. Estima-se, portanto, em aproximadamente 50 mil o número de nacionais que retornaram ao Brasil desde o início da crise financeira. Os momentos de dificuldades foram enfrentados com muita coragem pela comunidade brasileira nikkei residente no Japão e despertaram o que há de melhor na alma brasileira: solidariedade e amizade. Em reconhecimento à importância da comunidade brasileira no Japão, as duas décadas da presença brasileira no arquipélago foram celebradas com a realização de eventos significativos em diversas cidades do país, contando com a presença dos Ministros do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, da Previdência Social, Carlos Gabas, do Deputado Federal Vinícius de Carvalho (PT do B-RJ), da Chefe do Departamento de Comunidades Brasileiras (DCB), Ministra Mariangela Rebuá, do Presidente do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), Paulo Sergio deAlmeida, além de vários assessores ministeriais graduados. As atividades relativas aos “20Anos dos Brasileiros no Japão” tiveram início no dia 29 de julho, em Tóquio, com a assinatura do Acordo da Previdência Brasil-Japão, no gabinete do Chanceler japonês. O Ministro da Previdência Social, Carlos Eduardo Gabas, assinou o acordo pelo lado brasileiro, em contrapartida ao Ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão, Katsuya Okada. A assinatura do acordo foi, sem dúvida, um dos fatos mais relevantes para a comunidade brasileira nestes vinte anos de história no Japão. No dia 30 de julho, realizou-se o Seminário “20Anos dos Brasileiros no Japão”, no auditório U Thant da Universidade das Nações Unidas, em Tóquio. O evento contou com a presença de cerca de 400 pessoas, distribuídas equanimemente entre brasileiros e japoneses. O Secretário de Estado da Saúde,Trabalho e Bem- Estar, Ritsuo Hosokawa, e o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Osamu Fujimura, participaram da abertura dos trabalhos.
  8. 8. 9 PREFÁCIO OprimeiropaineldoSeminário,“Reflexãosobreos20anosdaEmigração Brasileira no Japão”, apresentou a perspectiva brasileira do movimento migratório. O Prof.Angelo Ishi, da Musashi University, autor da palestra, veioparaoJapãoem1990comobolsistadoMinistériodaEducaçãojaponês com o propósito de estudar especificamente o movimento decasségui. O segundopainelexpôsavisãojaponesados“20anosdaEmigraçãoBrasileira no Japão”, na palestra do Prof.Yasuyuki Kitawaki, da Tokyo Gaigodai. O Prof. Kitawaki foi prefeito de Hamamatsu (1999-2007), cargo que lhe proporcionouasferramentasnecessáriasparatornar-seprofundoconhecedor da comunidade brasileira no Japão e lhe conferiu sólidas credenciais para tratar do tema.Aprofessora Lilian Hatano, da Kinki University, discorreu sobre a “Educação das Crianças Brasileiras no Japão”, tema central na atualidade para a comunidade brasileira no arquipélago.Aquarta e última palestra, “Políticas Migratórias Japonesas para a Integração”, foi proferida peloProf.KeizoYamawaki,daMeijiUniversity,talvezomaiorestudiosode políticasmigratóriasnoJapão. Em 1º de agosto, foi inaugurado o Escritório Experimental da Casa do Trabalhador Brasileiro em Hamamatsu, com a presença de autoridades brasileiras visitantes, do Prefeito de Hamamatsu,Yassutomo Suzuki, e do Presidente da Câmara Municipal da Cidade de Hamamatsu, Katsuhiko Nakamura. O“DiadosBrasileiros”emNagóia,realizadonodia2deagosto,constou degrandefestapopularquepermitiuocongraçamentodanumerosapopulação brasileira que vive nas Províncias deAichi e Shizuoka, regiões com maior concentração de brasileiros. Os eventos alusivos aos 20Anos dos Brasileiros no Japão culminaram comaSemanadoTrabalhadorBrasileironascidadesdeHamamatsu,Nagóia, OizumieToyohashi, na semana de 2 a 7 de agosto.Asconsultastrabalhistas feitas pela comunidade brasileira naquelas localidades contaram com a assistênciadeadvogadosjaponeses,contratadosespecialmenteparaorientar nossos nacionais em  demandas  trabalhistas, e com funcionários dos Consulados-Gerais do Brasil no Japão. Émuitopositiva,sobqualquerângulo,aavaliaçãosobreoseventosque marcaram a celebração da data.Apresença de dois Ministros  de  Estado,  de um Deputado Federal, da Diretora do DCB, do Presidente do CNIg, que veio ao Japão acompanhado de todos os membros do Conselho, e a minha, naqualidadedeSubsecretário-GeraldasComunidadesBrasileirasnoExterior,
  9. 9. EMBAIXADOR EDUARDO GRADILONE 10 confirmou a importância atribuída pelo governo brasileiro à comemoração dos 20 anos da emigração de seus nacionais para o arquipélago nipônico. OSeminárioorganizadoemTóquiofoiumdosmaioresemaisimportantes debates acadêmicos sobre esse movimento, desde sua origem há 20 anos. Por esse motivo, a Subsecretaria-Geral das Comunidades Brasileiras no Exteriordecidiucompilar,comoapoiodaFundaçãoAlexandredeGusmão, as palestras do colóquio neste livro comemorativo, cuja apresentação tenho enorme prazer em prefaciar. Alémdetermarcadoummomentoimportantenahistóriadaemigração brasileira para o Japão, a celebração dos “20AnosdosBrasileirosnoJapão” permitiu à comunidade brasileira sentir-se alvo de atenção e estímulo em momento de dificuldades e incertezas, com alto índice de desemprego, que causaramoretornode45milnacionaisaoBrasilaolongode2009,eelevada evasão escolar das escolas brasileiras locais. Adimensãohumanaconstituiumdosmaisimportantesesignificativos elementos de singularização do relacionamento entre Brasil e Japão. Os eventoscomemorativosdos“20AnosdosBrasileirosnoJapão”,assimcomo os que celebraram os “100 anos da imigração japonesa para o Brasil”, cumpriram o papel de registrar a história de duas décadas da comunidade brasileira no Japão, ao permitir reflexão sobre essa realidade e sobre os méritosdeumamigraçãoqueligageraçõesenosbeneficiaatodos,brasileiros e japoneses. EmbaixadorEduardoGradilone Subsecretário-GeraldasComunidadesBrasileirasnoExterior
  10. 10. 11 Introdução Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à Embaixada e ao Governo brasileiropeloconviteparaparticipardesteSemináriohistórico.Meuobjetivo é traçar reflexões sobre as duas décadas do chamado movimento “dekassegui”,naperspectivadeumbrasileiroradicadoháexatos20anosno Japão. Não se trata de uma abordagem estritamente acadêmica, mas as análises são embasadas em pesquisas de campo extensivas que venho realizando desde abril de 1990, pouco antes da implementação da reforma da Lei de Imigração japonesa, quando vim para o Japão como bolsista do Ministério da Educação japonês. Ou, para ser mais preciso, a observação sistemática deste fenômeno foi iniciada antes mesmo de 1990, já que acompanhei o início da revoada para o Japão quando, ainda um estudante universitário, trabalhei como repórter de um diário da comunidade nipo- brasileira, de 1986 a 88. Estamos num momento delicado, em que é difícil usar o termo “celebração” ou “comemoração”, pois as feridas deixadas pela crise do desemprego pós-choque de 2008 ainda permanecem dolorosas. Mas isso não diminui a importância de se pensar no significado desta data. Por isso, é oportuna a iniciativa de se organizar este simpósio e de situá-lo como um momentode“reflexão”. Reflexões sobre os 20 anos do movimento “dekassegui” - a perspectiva de um brasileiro radicado no Japão Angelo Ishi
  11. 11. ANGELO ISHI 12 O dilema de qualquer reflexão como esta é selecionar o que (e até que ponto) deve ser enfatizado: as conquistas ou os problemas? Histórias de sucessooutragédias?Oquevamosregistrarcomorelevanteesimbólicodos 20 anos é sempre uma escolha subjetiva e certamente vai variar conforme o nossoposicionamentopolítico-ideológico,anossacondiçãosócio-econômica, onossograudecomprometimentocomachamada“comunidadebrasileira”. Qualquer seleção é necessariamente incompleta, e portanto, passível de questionamento. É inegável que a conjuntura econômica tende a influenciar de forma decisiva o que vamos enxergar e apontar como relevante. Se este Seminário tivesse acontecido dois anos atrás, em plena época de festividades do Centenário, teria sido mais fácil dar ênfase aos aspectos positivos do movimento migratório transnacional. Hoje, certamente seria mais fácil e cômodoapontarproblemaseprocurarosvilões.Prefiroevitarestecaminho. Oquevoutraçaraquiéumparaleloentreaevoluçãodacomunidadebrasileira noJapãoeaevoluçãodostermosutilizadosparasedenominarestemovimento migratórioeosmigrantes.Asmudançasnaterminologiarefletemmudanças na percepção sobre este movimento migratório, tanto por parte dos próprios migrantes como também por quem se relaciona com eles.Ahipótese é de que, ao longo desses 20 anos, não mudou apenas a “realidade” dos dekasseguis. Mudou a “percepção” deles sobre a sua estadia no Japão. 1) De “U-Turn” para “Dekassegui”: a era pré-1990 Se a história oficial dos dekasseguis começa em 1990, não se pode ignorar o período de “pré-história” deste fenômeno, que teria começado em meados dos anos 80. Aprimeiraquestãoqueprecisamosconsideraréquenãoháumconsenso a respeito do “ano zero” da migração Brasil-Japão. Ninguém pode afirmar, categoricamente, qual seria a data ideal a ser fixada como o “big ban” do chamado “movimento dekassegui” (voltarei ao assunto na seção 3). O primeiro termo utilizado para se referir ao fenômeno migratório na rota Brasil-Japão foi o “U-Turn Guenshoo”, ou seja, “Fenômeno U-Turn”. Era uma referência à curva em forma de “U” dos japoneses que haviam migrado para o Brasil, mas que estavam dando meia-volta e fazendo a rota inversadevoltaparaoJapão.Emjaponês,otermosereferiaprincipalmente aos “issei”, imigrantes da primeira geração. Mas o conceito de “retorno”
  12. 12. 13 O MOVIMENTO “DEKASSEGUI” - A PERSPECTIVA DE UM BRASILEIRO RADICADO NO JAPÃO certamenteserviudeinspiraçãoparaquealgunsautoreseminglêsusassemo termo “return migrants”, incluindo aí não apenas os “issei” mas também os “nissei” da segunda geração nascidos no Brasil.Ameu ver, o termo “return migrant” só deveria ser usado para se referir estritamente aos “issei”. Érazoávelsupor-sequeosprimeiros“issei”tenhamfeitooseu“U-Turn” paraoJapãojánaprimeirametadedadécadade80.Maselesócomeçouaser percebidoecomentadocomoumatendênciaouumfenômenonasegundametade dadécada.Elogodeulugaraomaisduradouroefamosotermo“dekassegui”, grafadoemportuguêscom“k”edois“s”,eemjaponêscomkanji(ideograma). Otermoeramaisapropriadoparaabrangerocrescentenúmerode“nissei”e “sansei” (terceira geração) que, mesmo antes de 1990, se animaram a “sair” (“deru”)doBrasilpara“ganhardinheiro”(“kassegu”)noJapão. E quantos eram esses “dekasseguis” pioneiros? NosemanárioJapãoAgora,umjornalinteiramenteemportuguêseditado pelaempresajornalísticaJornalPaulista(quemaistardesefundiuaoDiário Nippak originando o atual Nikkey Shimbun), organizei um debate sobre o fenômeno dekassegui publicado na edição de 10 de março de 1989. Reproduzo o primeiro parágrafo do texto que redigi na época: “Uns dizem que há de 7 a 8 mil nikkeis trabalhando neste momento no Japão. Outros garantem que este número ultrapassa dez mil. Enquanto o “dekassegui” ganha mais e mais adeptos, cresce o interesse dos que ficaram no Brasil: quais as vantagens e os problemas para quem trabalha no Japão?” O debate foi bem esclarecedor para quem estava pensando em ir para o Japão. Um nikkei que tinha voltado depois de 2 anos de Japão explicava, porexemplo,que“oisseisóprecisafinanciarapassagemdeida,porqueestá no país dele. O nissei tem que pagar ida e volta, porque vai com visto de turista”. É irônico que, naquele debate, todos nós estivéssemos assustados com o fato de que mais de “dez mil” pessoas tivessem ido ao Japão. Ninguém foi capaz de imaginar que esse número ultrapassaria os 100 mil, mais tarde os 200mil,efinalmenteos300mil. O número assustava porque tínhamos acabado de comemorar os 80 anos da imigração japonesa ao Brasil em 1988. Na época, muitos proclamavam que os nikkeis já estavam plenamente integrados à sociedade brasileira,equeacomunidadenikkeieraumaminoriaétnicaexemplar,incluído aí o sucesso econômico. Mas a verdade é que, como acabamos de ver, muitos tinham sentido a necessidade e/ou a vontade de trabalhar no Japão.
  13. 13. ANGELO ISHI 14 A multiplicação no número de dekasseguis se deu graças à reforma na legislação,quepermitiuqueosnikkeis(descendentesdejaponeses)entrassem legalmente no Japão, sem limitações no tipo de atividade. E deu início, oficialmente, à era dos dekasseguis. 2) De “Dekassegui” para “Decasségui”: a década de 1990 A década de 90 foi marcada pelo extraordinário aumento no número de brasileiros no Japão, com 250 mil brasileiros registrados pelo Ministério da Justiça japonês no final da década. Foi também uma década marcada pela “quebra dos mitos”, que foi inclusive título de livro. O maior mito quebrado foiodequeseriapossíveljuntarumapequenafortunaemapenasdoisoutrês anos. Para uns, a primeira metade da década foi uma época dourada, com altos ganhos e muita hora-extra; para outros, foi um pesadelo de problemas trabalhistasdosmaisvariados.Surgiramosprimeirosrestaurantes,asprimeiras lojas de produtos brasileiros, os primeiros jornais em português. Houve um florescimento no comércio e nos serviços verde-amarelos no Japão, que costumodefinircomoa“Indústriadasaudade”.“MatarassaudadesdoBrasil” foi o conceito mais exaustivamente utilizado para se oferecer algo aos dekasseguis. Mais tarde, especialmente na segunda metade da década, expandiu-se a “indústria da auto-estima”, com palestras motivacionais, concursos de beleza, seções de fotografias e colunas sociais na imprensa. Podemos destacar a abertura do primeiro shopping center brasileiro em Oizumi, província de Gunma, em 1996; o lançamento do canal de televisão comtransmissãodaprogramaçãodaRedeGlobo,em1997;eainauguração da primeira escola brasileira em 1999, como divisores de água que definem mudançasdecisivasnoestilodevidaenocomportamentodosbrasileirosno Japão. Eles passaram a gozar de mais comodidade, com acesso a quase tudo o que se pudesse imaginar em termos de serviços e produtos “made in Brazil”.Tambémnãopodemosignoraramelhorianosserviçospúblicos,com a abertura do Consulado de Nagoya, a inauguração de um Consulado em Tokyo em local separado da Embaixada e a criação dos Conselhos de Cidadãos. Se formos enfatizar tragédias, tivemos em 1992 o caso Maeda, em que o brasileiroTerumi Maeda Jr. foi preso por acusação de ter assassinado uma garçonete japonesa, e em 1998 o caso Herculano, com a morte do garoto
  14. 14. 15 O MOVIMENTO “DEKASSEGUI” - A PERSPECTIVA DE UM BRASILEIRO RADICADO NO JAPÃO Herculano Lukosevicius, que foi linchado por adolescentes japoneses em Komaki, na província deAichi. Houve ainda o casoAna Bortz, que ganhou em 1999 um processo contra uma joalheria por discriminação racial em Hamamatsu. Pode-se definir a década de 90 como o período de “desestigmatização” do vocábulo “dekassegui”. Os pioneiros da década de 80 tiveram que partir para o Japão sob a pressão de dois estigmas: o “deixo o país, portanto não o amo” (iam na contramão da ideologia do “Brasil, ame-o ou deixe-o”) e do “minoria fracassada da comunidade nikkei” (contrariavam a imagem de sucesso e integração dos nikkeis no Brasil). Ao longo da década de 90, porém,aprópriamassificação/banalizaçãodofluxomigratórioBrasil-Japão fez com que a palavra “dekassegui” não fosse mais algo tão extraordinário, nemparaobem,nemparaomal.Quemtentavaumanovavidadooutrolado do mundo não era mais considerado especialmente “corajoso”, mas, em compensação, também não era mais desprezado como um “covarde” (por estarfugindodarealidadebrasileira). De todo modo, é a época em que eu e muitos autores passamos a grafar otermodekasseguinãomaiscomokanji,masemkatakana,paradesvinculá- lo da carga negativa que vinha embutida na grafia original. O katakana é usado para grafar estrangeirismos, e a nossa concepção era essa mesma, de queestávamosimportandoumtermoquejáfaziapartedojargãodosfalantes dalínguaportuguesa. Amídiajaponesa,assimcomoogoverno,vemusandootermo“nikkeijin roodoosha” (“trabalhador nikkei”) para se referir aos brasileiros que vieram ganhardinheironoJapão.Écompreensívelqueelestenhamusadoestetermo, pois do ponto de vista do país receptor, não importam as motivações ou o “para que” eles vieram. Importava “o que” esses nikkeis estavam fazendo, ou seja, eram “trabalhadores” que supriam a escassez de mão-de-obra no setormanufatureiro,deconstruçãocivil,hospitaisetc. Eles também não se importavam com o fato de que muitos desses brasileiros que vieram para cá não eram na verdade “nikkeis”, pois eram “não-nikkeis”queconseguiramvistoporseremcônjugesdenikkeis.Importava para eles o fator jurídico: quem entra com o visto destinado aos nikkeis tem permissãolegalparatrabalhar. Quandoosbrasileiroscomeçaramaserreconhecidosnãosócomo“força de trabalho” mas como “residentes”, o reconhecimento veio acompanhado de um certo viés. Embora apenas uma parcela dos brasileiros residisse em
  15. 15. ANGELO ISHI 16 conjuntoshabitacionais(“danchi”),astensõeseconflitosnos“danchi”passaram a ser enfatizados, de uma forma exagerada, como uma suposta prova de impossibilidadedeumaconvivênciasaudávelentrebrasileirosejaponeses. Por outro lado, a década de 90 foi o período em que a palavra “dekassegui”sepopularizounãosónoâmbitodacomunidadenipo-brasileira, mas da população brasileira em geral. O Dicionário Houaiss, um dos mais importantes dicionários da língua portuguesa lançado em 2001, incluiu o verbete “decasségui”, com “c” e acento agudo no “e”. Apesar da grafia discutível, essa inclusão como vocábulo da língua portuguesa tem o valor simbólico de reconhecer a existência dessas pessoas e desse fenômeno. E é uma ironia que o termo tenha ganhado o reconhecimento dos linguistas em ummomentoemqueosdecasséguisjánãoseidentificavammuitocomesse termo,ouseja,estavamdeixandodeser“decasséguis”,conformeveremosa seguir. 3) De “Decasségui” para “imigrante” (“brasileiro no Japão”): a década de 2000 O novo milênio pode ser definido como o período em que uma considerável parcela dos decasséguis acordou da ilusão do “eterno retorno” (ou seja, da “temporariedade” da sua estadia no Japão) e passou a admitir, tanto para si como para os outros, a sua condição de “permanência” neste país. A chamada de capa de uma revista é emblemática: “Casa própria - Brasileiros deixam de ser trabalhadores temporários e assumem a condição de imigrantes”.Areportagem abordava o aumento no número de brasileiros que estão comprando residência no Japão. Alguns revisaram (e muitos desistiram) dos sonhos da casa própria e do negócio próprio no Brasil, mas realizaram o seu sonho de classe média ao comprar uma casa e/ou abrir negócio no Japão. O número de pessoas que tiraram visto permanente, que era de apenas 2.644 no ano de 1998, aumentou exponencialmente, para a casa dos 100 mil.Entretanto,muitosdelesdeclaram,aindaassim,quererpassarasuaterceira idade no Brasil, e não no Japão. Ou seja, o visto permanente não significa automaticamenteumatendênciadefixaçãodefinitivanoJapão. Certamente, a atuação do “Gaikokujin Shuju Toshi Kaigi”, a rede das prefeituras de cidades com grande concentração de estrangeiros criada em 2001, foi decisiva para pressionar o governo central, a opinião pública e os
  16. 16. 17 O MOVIMENTO “DEKASSEGUI” - A PERSPECTIVA DE UM BRASILEIRO RADICADO NO JAPÃO meiosdecomunicaçãoadaremmaisatençãoaesses“novosimigrantes”.Os brasileiros no Japão passaram a ser vistos não somente como trabalhadores temporários, mas como residentes, cidadãos e membros da chamada “sociedade local” (chiiki shakai) ou “comunidade local”, noção que os japonesesprezammuito. Se na década de 90 o conceito de “sucesso” era diretamente ligado ao montantededinheiroacumuladoaolongodoperíodode“dekassegi”,naera dos “imigrantes” os critérios de avaliação mútua sofreram transformações. As pessoas passaram a procurar maior qualidade de vida, mesmo que isso implicasse em queda no rendimento ou corte na poupança.Adiversificação dos negócios de brasileiros no Japão, com a expansão da indústria do entretenimento, foi ao mesmo tempo uma das causas e um dos efeitos desta tendência. Osanos2000sãomarcadosportendênciascomooaumentononúmero de pessoas buscando empregos fora das fábricas, com mais pessoas saindo do círculo dos serviços “3K” (sujos, pesados,perigosos), ainda que fosse para ganharem menos. Foi também a década em que a chamada “questão da educação das crianças brasileiras no Japão” se projetou como um dos temas centrais na pauta de qualquer discussão sobre os brasileiros no Japão. Isso é reflexodiretodoaumentonapopulaçãojovem,edocrescimentodasegunda geração nascida e/ou crescida aqui, que eu chamo de “zainichi burajirujin nissei”,asegundageraçãodebrasileirosnoJapão,emcontraposiçãoàminha geração,quesetransformouem“zainichiburajirujinissei”,primeirageração de brasileiros no Japão. Se perante a sociedade japonesa os brasileiros demoraram muito para ganhar visibilidade, perante a sociedade brasileira eles obtiveram reconhecimentojánadécadade90,graçasaumapalavramágica:remessas. A imprensa sempre bateu na tecla de que os dekasseguis enviavam somas volumosasderemessas,istoé,contribuíamparaaeconomiabrasileiramesmo estandolonge. Foi,porém,somentenonovomilênioqueoimigrantebrasileironoJapão foi contemplado com um projeto de grande porte que fosse claramente vinculadoàquestãodasremessas:o“DekasseguiEmpreendedor”,emparceria do Sebrae e do BID, lançado em 2005. O projeto objetivava direcionar o dinheiroganhopelosimigrantesnoJapãoparaaaberturadenegóciopróprio noBrasil.Eécuriosoqueonomedoprojetoleveapalavra“dekassegui”,na suaformaoriginal,com“k”e“ss”.
  17. 17. ANGELO ISHI 18 Emtermosdemovimentaçõesporpartedogovernobrasileiro,estanovadécada foimarcada,entreoutros,pelolançamentodosexamessupletivosparaquemreside no Japão e a abertura de um terceiro Consulado em território japonês, em Hamamatsu. OCentenáriodaimigraçãojaponesaaoBrasil,celebradoem2008,foioutro momentomarcanteparaosbrasileirosnoJapão.Echamaaatençãoofatodeque, durante o ano de 2008, inúmeras vozes da comunidade brasileira no Japão abraçaramaideiadequeoCentenáriodaImigraçãojaponesaaoBrasilera,ao mesmotempo,omomentodesecomemoraros“20anosdomovimentodekassegui”. Oexemplomaisveementefoiomovimento“100plus20”,queassociavaos“100 anos”damigraçãoJapão-Brasilaos“20anos”damigraçãoBrasil-Japão.Aofazer isso,elesestavam,implicitamente,decretandooanode1988comosendooinício damigraçãodekassegui. Nofuturo,ahistóriadosbrasileirosnoJapãocertamenteserádivididapelos historiadores em “pré-2008” e “pós-2008”. Não por causa da celebração do Centenáriodaimigraçãoqueaconteceunaqueleano,masdevidoaoqueaconteceu depoisdascelebrações,nosegundosemestre:otal“choquedaLehmanBrothers”, a crise financeira global e a demissão em massa de trabalhadores no Japão, a começarpelosbrasileirosqueeramenviadosparaasfábricasviaempreiteira. Acrisedodesempregoteveefeitosdevastadoresparaacomunidadebrasileira noJapão.Edesencadeouacontecimentosinéditos,comoaspasseatasemprolde empregoeeducaçãoqueaconteceramemTóquioeemNagoyanoiníciodoano 2009,eaformaçãodeumarededasliderançasbrasileirasnoJapãoanívelnacional: aNetworkNacionaldosBrasileirosnoJapão. Apesar das sequelas, a era pós-2008 foi também um período de “conscientizaçãointensiva”dacomunidade,emquemuitosdosquedecidiram permanecernoJapãoacordaramparaaimportânciadaajudamútuaedoaprendizado dalínguajaponesa.ParaosqueretornaramaoBrasil,ficouadúvida:osanosde Japãoforamum“tempoperdido”ouuma“experiênciaacumulada”?Eosimigrantes retornadosqueentrevisteiemSãoPaulorepetiramduaspalavrasqueosafligiam: “defasagem”e“desatualização”. 4) De “imigrante” (“brasileiro no Japão”) para “brasileiro no mundo”:2010~ Se a primeira década do novo milênio foi marcada pela mudança de posturadosdecasséguiseumaumentonasuaconsciênciade“imigrantes”,o
  18. 18. 19 O MOVIMENTO “DEKASSEGUI” - A PERSPECTIVA DE UM BRASILEIRO RADICADO NO JAPÃO final desta primeira década está marcando, a meu ver, o prenúncio de uma nova era, em que cada vez mais os brasileiros no Japão se identificam como parteintegrantedogigantescoeheterogêneogrupode“brasileirosnomundo”. A rigor, o início desta nova era começou em 2008, quando aconteceu a Primeira Conferência “Brasileiros no Mundo”, organizada pelo Ministério das Relações Exteriores brasileiro no Rio de Janeiro. Mas resolvi, tentativamente, colocar 2010 como o início da nova era, porque é neste ano que estão se acelerando as movimentações relacionadas aos brasileiros expatriados. O presidente Lula acaba de assinar em junho o Decreto nº 7.214, que cria o Conselho de Representantes de Brasileiros no Exterior(CRBE),umconselhopermanentederepresentantesdosbrasileiros em cada país. Adécadaquecomeçaem2010deverásermarcadaporumaintensificação nointercâmbiotransnacionalentreosbrasileirosnoJapãoeosbrasileirosque migraramparaoutrospaíses.Eesteintercâmbiodeverásefortalecernãosóno âmbitodasatividadespolíticas,masvirtualmenteemtodosossetores:trocade informações,parceriasdenegócios,eventosculturais,produçõesartísticas,e, claro,ummaiorfluxodepessoas,istoé,brasileirosresidentesnoJapãoviajando nãoapenasparaoBrasil,masvisitandoe/ourecebendovisitasdosbrasileiros residentesemoutrospaíses.Sóparacitarumexemplo,visiteiemmaioaExpo BusinessAmericaemBoston.Éaversãonorte-americanadaExpoBusiness deNagoya,queseconsolidoucomoumdoseventosimportantesdosbrasileiros noJapão.Omodelodeeventodefeiradenegóciosfoi“exportado”doJapão para os Estados Unidos. Este é um ótimo exemplo de cooperação entre brasileirosnomundoquerendeubonsfrutos. Conclusão Como enfatizei no início, cada pessoa aqui presente terá a sua visão própria sobre o que foram estes 20 anos de movimento Brasil-Japão. É desnecessário enfatizar que o destino dos brasileiros no Japão não depende sódeles,masdaspolíticasgovernamentaisdopaísemissoredopaísreceptor. Os brasileiros no Japão continuam ansiosos a respeito de como o Japão mudaráounãoovistoparanikkeis.Eeuesperoqueasautoridadesencontrem umasoluçãohonrosaesensataparaestaquestão,equelevememcontauma perspectivahistórica:amigraçãoBrasil-Japãoé,queiraounão,frutodahistória da imigração japonesa ao Brasil.
  19. 19. ANGELO ISHI 20 Oquemepreocupaéumcertoardecinismoquepairaemcertoscírculos dacomunidade.Algumaspessoaspassaramaenxergar“segundasintenções” e“interessesescusos”emquaisqueriniciativasemproldeles.Talvezsejaum mecanismo de auto-defesa motivado pelo medo de ser enganado e de se decepcionar. Mas é preciso evitar que se generalize a descrença em relação aos indivíduos, entidades, empresas e órgãos públicos que se relacionam diretaouindiretamentecomacomunidade. Os brasileiros no Japão não são “heróis” nem “vítimas”. Não são uma “minoriaprivilegiada”,nem“refugiadoseconômicos”.Parafraseandootítulo do livro de Montse Watkins, “Passageiros de um sonho”, eu diria que os imigrantes que circulam na rota Brasil-Japão são “passageiros de um sonho de classe média”. E o sonho continua, pelo menos para 267.456 pessoas. Muitoobrigadopelaaudiência.
  20. 20. 21 Introdução Meu nome éYasuyuki Kitawaki, conforme acabo de ser apresentado. Atualmente ocupo a posição de professor da Universidade de Estudos EstrangeirosdeTóquio.Noperíodoentre1999e2007,noentanto,fuiPrefeito do Município de Hamamatsu, na Província de Shizuoka. Como todos os senhores sabem, o Município de Hamamatsu é aquele com o maior número de residentes brasileiros no Japão.Apopulaçãodomunicípio,em1ºdeabril de 2010, estava em torno de 820.000 habitantes. Entre eles, a população estrangeira era de aproximadamente 28.000 pessoas, o que equivale a 3,5% da população total. No que se refere aos brasileiros, mesmo com a redução de 4.500 pessoas registrada no ano passado, compõem um grupo de 15.000 habitantes,configurando-seomaiorgrupoestrangeiroresidentenomunicípio. O Município de Hamamatsu tem se desenvolvido com base na sua moderna indústria manufatureira, sendo o berço natal de empresas globais, tais como a Honda, a Yamaha e a Suzuki. O principal setor industrial da Reflexão sobre os 20 anos da imigração1 brasileira no Japão - na ótica de um ex-prefeito de Hamamatsu Yasuyuki Kitawaki 1 Apalavra “idju”, utilizada indistintamente como imigração ou emigração, foi traduzida, neste texto, como “imigração”, tendo em vista o palestrante ser japonês e os brasileiros serem “imigrantes” do seu ponto de vista. Da mesma forma, a palavra “imin” foi traduzida como imigrante ao invés de emigrante.
  21. 21. YASUYUKI KITAWAKI 22 atualidade é o setor automobilístico. Com a revisão da Lei de Imigração, ocorrida em 1990, grande número de brasileiros descendentes de japoneses (“nikkeis”) se estabeleceram nesta cidade com o objetivo de trabalharem juntoàsfábricasligadasaosetorautomobilístico,fatoestejádoconhecimento dos senhores. Na palestra de hoje, gostaria de falar sobre os resultados e as questões relativas à imigração brasileira no Japão nos últimos 20 anos, com base na minha experiência como prefeito. Igualmente, gostaria de fazer uma análise sobre as perspectivas futuras da imigração brasileira no Japão através de consideraçõesrelativasàspolíticasadotadaspelogovernojaponêsnoperíodo posterior à crise econômica surgida após a queda da corretora Lehman Brothers. 1. Políticas promovidas durante a minha adminitração como prefeito de Hamamatsu (1) Políticas relativas aos estrangeiros, no município de Hamamatsu. Em 1999, ano em que tomei posse como prefeito, do total de 580.000 habitantes do município, os estrangeiros somavam cerca de 17.000 habitantes, sendo que o número de brasileiros havia se elevado para quase 10.000 pessoas. Em 1990, quando a revisão da Lei de Imigração entrou em vigor, Hamamatsu não era exatamente uma cidade com significativa população estrangeira. No entanto, 10 anos após a revisão da lei, os estrangeiros passaram a ser parte do cotidiano da cidade.Amaioria deles trabalhavam em fábricas do setor automobilístico, como trabalhadores terceirizados. Os administradores das pequenas e médias empresas, fornecedores de autopeças para as grandes empresas, estavam sendo pressionados a reduzirem os custos, de modo que a presença de mão-de- obra estrangeira tornou-se imprescindível para a manutenção dos seus negócios. Por outro lado, vários problemas envolvendo brasileiros começavam a agravar-se.Eramconflitosedisputasrelativasaodia-a-diadaquelesnacionais, tais como a evasão escolar, a impossibilidade de pagamento de despesas hospitalares por falta de pagamento do seguro médico público, o não cumprimento às regras para jogar lixo, o desrespeito em relação às regras de
  22. 22. 23 20 ANOS DA IMIGRAÇÃO BRASILEIRA NA ÓTICA DE UM EX-PREFEITO DE HAMAMATSU estacionamento de veículos, além de badernas até altas horas da noite.A verdadeéquepartedapopulaçãolocalsesentiainseguraaoavistaremgrupos de estrangeiros reunidos em qualquer ponto da cidade. Foitambémnessaépocaqueaconteceuaquelecasoemqueumamulher brasileira foi impedida de entrar numa joalheria da cidade. Posteriormente, esta mulher entrou com um processo de danos morais e ganhou na justiça, com a alegação de que a atitude do proprietário da loja desrespeitava a ConvençãosobreaEliminaçãodaDiscriminaçãoRacial. Comvistasaatenderasnecessidadessurgidasemdecorrênciadoaumento da população estrangeira, o Município de Hamamatsu passou a oferecer informações prestadas pela prefeitura em línguas estrangeiras, além de contratar intérpretes nos balcões de atendimento de serviços de consultorias paraapopulaçãoestrangeiraenaorganizaçãodeaulasdereforçodejaponês para as crianças. No entanto, estávamos conscientes de que estas medidas não seriam suficientes. Para o Município de Hamamatsu, que passou a ter umasignificativapopulaçãoestrangeira,oimportanteeratransformaracidade deumaformaqueessesestrangeirospudessemterumavidaestávelesegura. Dediquei-me firmemente na elaboração de políticas voltadas para os estrangeiros, posicionando como um dos objetivos primordiais da minha administraçãoacriaçãodeumambienteondeosestrangeiroseosjaponeses pudessem manter uma relação positiva, todos na qualidade de cidadãos de umamesmacidade. Nas diretrizes básicas que havia lançado na época, constava o meu seguintecomentário:“Combasenaconscientizaçãodequetantoosjaponeses comoosestrangeirossãocidadãosdoMunicípiodeHamamatsu,éimportante estarmoscientesdequeessesestrangeiroscontribuemcomaeconomialocal, de modo que devemos nos esforçar em eliminar ao máximo os conflitos oriundos das diferenças culturais, promovendo as oportunidades de manifestações culturais por parte destes estrangeiros, o que resultará no enriquecimentodanossasociedade”. Partindo desta diretriz básica, estabelecemos, em 2001, o plano “Visão sobre um Município Global”. Neste programa, apresentamos a diretriz “Criação de uma Sociedade de Convivência entre Cidadãos Japoneses e Estrangeiros”. Com isto, passei a me dedicar às novas medidas criadas, tais como a criação do Conselho de Cidadãos Estrangeiros, as aulas de reforço ministradas por professores bilíngües e a equipe de apoio para a diminuição da evasão escolar.
  23. 23. YASUYUKI KITAWAKI 24 (2) Associação das cidades com grande concentração de estrangeiros O grande obstáculo para levarmos adiante as diversas políticas que tínhamos em mente era o sistema vigente no governo central. Melhor explicando,mesmoquequiséssemosreformarosistemavigente,paraqueo mesmo refletisse como princípio básico a presença dos estrangeiros neste país, não havia como conduzir esta reforma, uma vez que não havia nem ao menos uma política de integração social por parte do governo central. Com vistas a superar este obstáculo, criamos a “Associação das Cidades com Grande Concentração de Estrangeiros”, em 2001, sob a iniciativa do MunicípiodeHamamatsu. Entre os objetivos estabelecidos pela associação, podemos destacar: (a)trocadeinformaçãoentreosmunicípioscomgrandepopulaçãoestrangeira, principalmentede“nikkeis”daAméricadoSul,chamadostambémde“new comers”, por se tratar de fenômeno recente de imigração; (b) apresentação de propostas para o governo nacional, governo provincial e demais autoridades envolvidas, no que se refere à solução de questões dependentes debaseslegais,taiscomorelativasaotrabalho,educação,saúdeeprevidência; e (c) criação de novos meios de coordenação entre os municípios, em meio ao processo de descentralização do poder. Aassociaçãofoicriadacomaparticipaçãode13municípiosfundadores. Nodia19deoutubrode2001,foirealizada,noMunicípiodeHamamatsu,a “Reunião de Prefeitos dos Municípios com Grande Concentração de Estrangeiros”,abertaaopúblico,ocasiãoemquefoiaprovadaa“Declaração e Proposta de Hamamatsu”, que defendia a criação de uma sociedade de convivência harmoniosa com os estrangeiros. Do ponto de vista atual, podemos descrever a “Declaração e Proposta de Hamamatsu” como uma forma de política de integração idealizada pelos governos municipais, onde os estrangeiros são considerados importantes parceiros na criação de uma novaculturaregional,e,paratanto,defendeareformadalegislaçãomigratória japonesa,taiscomoasrelativasàeducação,previdênciaesistemaderegistro de estrangeiros, imprescindíveis para promover uma inclusão ainda maior dos estrangeiros na sociedade local. Ademais, em 2002 foi realizado no Brasil o “Simpósio Brasil-Japão de Direito Comparado:Trabalhadores Brasileiros no Japão” (organizado pelo InstitutodeDireitoComparadoBrasil-Japão).Nestesimpósio,foiaprovada
  24. 24. 25 20 ANOS DA IMIGRAÇÃO BRASILEIRA NA ÓTICA DE UM EX-PREFEITO DE HAMAMATSU a “Declaração de São Paulo e Londrina”, texto que manifestava total coincidência em relação à “Declaração de Hamamatsu”.Acredito que estes fatos podem ser considerados como importantes exemplos de cooperação nipo-brasileira,quandonosreferimosàpolíticarelativaàpopulaçãoestrangeira no Japão. (3) Pós-Lehman Brothers No que se refere especificamente ao Município de Hamamatsu, a população estrangeira, principalmente de brasileiros, estava crescendo de forma visível até o outono de 2008. Muitos desses brasileiros estavam começandoacriarraízesnacidade,provadissoéquealgunsdeleschegaram atéaobterempréstimosbancáriosafimdeadquiriremseusprópriosimóveis. O otimismo parecia se espalhar pela cidade em meio ao clima festivo criado por ocasião da “Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil”. No entanto, todo esse ambiente promissor foi para os ares em decorrência do choque causado pela quebra da corretora Lehman Brothers. Emdecorrênciadessechoqueeconômico,oalicercedacomunidadebrasileira, que é o sistema de recrutamento temporário dos funcionários (hakens), que compreende não apenas o emprego em si, mas também os alojamentos e demais necessidades do dia-a-dia, desmoronou-se. Com a perda do apoio desses intermediários (hakens), a comunidade brasileira passou a resolver seus problemas em contato direto com a comunidade japonesa onde vivia. Neste período pós-Lehman Brothers, o Município de Hamamatsu introduziu novas medidas de apoio, em adição às medidas tradicionais já implementadas, tais como: criação de balcão unificado de atendimento em parceriacomas“HelloWork”2 ;disponibilizaçãodeapartamentosresidenciais públicos municipais; oferecimento de curso intensivo de japonês para estrangeiros à procura de emprego, em parceria com o Ministério da Saúde, TrabalhoeBem-Estar(MHLW3 );aulasdereforçoparacriançasestrangeiras foradaescola,emparceriacomoMinistériodaEducação,Cultura,Esportes, CiênciaeTecnologia(MEXT4 );contrataçãodeestrangeirosdesempregados 2 Hello Work = nome popular das agências públicas de apoio ao emprego, vinculadas ao Ministério do Trabalho japonês (MHLW), com balcões de atendimentos espalhados pelo país. 3 Em inglês Ministry of Health, Labour and Welfare. 4 Em inglês Ministry of Education, Culture, Sports, Science and Technology.
  25. 25. YASUYUKI KITAWAKI 26 comofuncionáriospúblicosmunicipaisextraordinários,eacriaçãodoCentro deApoio de Estudos para os Estrangeiros, com a finalidade de prestar apoio de aprendizado para a população estrangeira, bem como de promover o intercâmbio entre os cidadãos japoneses e estrangeiros. 2. Questões relativas as políticas municipais voltadas aos estrangeiros e seus resultados Agorapretendofalarsobreaspolíticasvoltadasaosestrangeiros,melhor dizendo,sobreaspolíticasdeintegraçãosocialpromovidaspelosmunicípios, inclusivepeloMunicípiodeHamamatsu,desdeareformadaLeideImigração, em1990,atéoatualperíodopós-LehmanBrothers,destacandoosresultados, bem como os problemas detectados durante sua execução. Após o colapso da Lehman Brothers, várias pessoas retornaram ao seu país de origem, de modo que a população estrangeira residente reduziu-se consideravelmente. Apesar disso, o Japão continua abrigando cerca de 267.000 brasileiros, dados relativos ao final de 2009. Trata-se de uma quantidade equivalente ao número de imigrantes japoneses da primeira geração, que se transferiram para o Brasil. Não se pode negar que ainda há váriosproblemas,masestesnúmeroscomprovamasignificativaevoluçãona receptividade de brasileiros pela sociedade japonesa. Outropontoasedestacaréadiversificaçãodasocupaçõesprofissionais, ainda como resultado da crise econômica, deixando de ser prioritariamente trabalhadores terceirizados pelas empreiteiras5 ou empregados de empresas de comércio e serviços voltados para a comunidade brasileira6 . Assim, começaram a surgir brasileiros trabalhando em áreas não tradicionais como agriculturaeenfermagem(helpers). Um terceiro ponto positivo é a constatação de algumas pessoas da segunda geração de imigrantes brasileiros ingressando nas universidades, apesardafreqüêncianoensinomédioaindaestarabaixodamédiajaponesa. Em quarto lugar, podemos mencionar a constatação de casos de participaçãoativanasatividadesdasociedadelocal,talcomoemfestividades organizadas pelo bairro, em cursos de treinamento para incêndios e calamidades, em reuniões de bairro e até nas eleição para a diretoria das 5 “Haken-gyosha”, ou empresas recrutadoras de mão-de-obra, popularmente denominadas de “empreiteiras” ou “hakens” pela comunidade brasileira no Japão. 6 De modo geral classificados como "ethnic business" no Japão.
  26. 26. 27 20 ANOS DA IMIGRAÇÃO BRASILEIRA NA ÓTICA DE UM EX-PREFEITO DE HAMAMATSU associações de pais e mestres. Em quinto lugar, destaco a criação de instituições que possibilitam as manifestações políticas por parte dos brasileiros, bem como delegação de poderes à comunidade brasileira, tais como a “Associação Brasil Fureai7 ”, do Município de Hamamatsu, e o “ABC Japan”, do Município de Iocoama. Estas associações se comunicam através da “Rede Nacional de Brasileiros Residentes no Japão” (NNBJ), instituiçãocriadaparaservirdepontodeligaçãoentreasdiversasentidades. Em sexto lugar, e com vistas a promover a recepção dos brasileiros na comunidade local, várias redes de contatos foram criadas com o objetivo de servir de ponte entre a comunidade brasileira e os governos municipais, associações sem fins lucrativos e associações de cidadãos. A seguir falarei sobre os problemas que seriam os reversos das considerações que acabei de apresentar.Emprimeirolugar, o fato de grande número de brasileiros terem perdido os seus empregos e estarem encontrando dificuldades na recolocação no mercado de trabalho, em razão da falta de capacitação profissional e na insuficiência da língua japonesa, indicam que as medidas de integração social adotadas até o momento mostraram-se insatisfatórias. Em segundo, no que se refere à educação das crianças, ressalto a situação dos jovens que abandonam as escolas por não se adaptarem ao ambiente das escolas públicas, tornando-se crianças com “dupla limitação”, em decorrência da precariedade tanto na língua materna como na língua japonesa. Em terceiro lugar, destaco a falta de interesse, a discriminação e a exclusão fortemente enraizadas na sociedade local em relação à recepção de estrangeiros, tais como os brasileiros, resultando em atos de intimidação por parte de colegas da escola (ijime), bem como de discriminação nas contratações e condições de trabalho. Qual seria a raiz de todos esses problemas? No aspecto social, podemos mencionar o fato de os brasileiros viverem totalmentedependentesdasempresasrecrutadoresdemão-de-obra(hakens), quecuidaminclusivedavidacotidianadosseuscontratados,resultandonafalta de interação com a comunidade local onde vivem. Este fenômeno foi interpretado pelo Sr. Takamichi Kajita como “fixação de residência dos invisíveis”.Comacriseeconômica,estemodelosocialdesmoronou-se,forçando os brasileiros a interagirem diretamente com a comunidade japonesa. Nesse 7 “Fureai” mantido no original mesmo na denominação da associação em português, significa “contato entre pessoas”.
  27. 27. YASUYUKI KITAWAKI 28 sentido, pode-se dizer que esta crise poderá representar um passo adiante na construçãodeumanovarelaçãoentreos brasileiros e a sociedade japonesa, apesar da crise ter causado muitos sofrimentos aos brasileiros. A seguir podemos mencionar as questões de ordem política. Inicialmente,falareisobreaspolíticasadotadaspelogovernojaponês.As políticasvoltadasparaapopulaçãoestrangeirasãodenominadaspelasinstituições internacionais, tais como a ONU, bem como pelos cientistas políticos, de “políticasmigratórias”.Estapolíticapossuiduasvertentes:apolíticarelativaao controledeimigraçãoeapolíticarelativaàintegraçãosocial.Nocasodogoverno japonês, há uma política de controle de imigração, mas não há uma voltada paraaintegraçãosocial.Ogovernocentralentendequeaspolíticasrelativasà integraçãosocialsãobasicamentederesponsabilidadedosgovernosregionais. Ainterpretaçãodepolíticadeintegraçãosocialera,atérecentemente,descrita comoiniciativasdeestruturaçãodoambiente,comvistasaapoiaraadaptação dosestrangeirosnassuasrespectivascomunidades,medidasestasdenominadas de“estrangeiroscomoresidentes”. Narealidade,umapolíticadeintegraçãoconsisteempromovermudanças sociais tanto por parte dos estrangeiros que fixam residência, como também pelapopulaçãolocalqueosrecebe.Nessesentido,percebe-sequeogoverno centraldoJapãonãocompartilhadestavisão.Noqueserefereaosbrasileiros, comareformadaLeideImigração,em1990,quemarcaoiníciodachegada dos brasileiros descendentes de japoneses (“nikkeis”) em território japonês, ogovernodeveriaterlançado,demodosimultâneo,umapolíticadeintegração social. No entanto, o governo acreditava, à época, que os “nikkeis” retornariam ao Brasil em breve, trabalhando como simples “dekasseguis”8 no Japão, de modo a não estabelecer qualquer medida que tivesse como premissa a fixação de residência no país. Acredito ser esta a origem dos inúmeros problemas que acometeram os brasileiros residentes no Japão e, por esta razão, a Associação das Cidades com Grande Concentração de Estrangeirostemfeitopressãojuntoaogovernocentralnosentidodeelaborar umapolíticaespecíficadeintegraçãosocial. 8 “Dekassegui” – termo já popularizado em língua portuguesa referindo-se ao fenômeno dos trabalhadores imigrantes no Japão. Na realidade, o termo refere-se a todos os trabalhadores que se deslocam da sua região de origem para realizar trabalhos temporários longe de casa, muito comum entre os agricultores do Japão e demais países da Ásia, que no período da entressafra procuram empregos sazonais nas cidades. Ao pé da letra “de” = sair e “kassegui” = faturar, ou seja, “sair para faturar ou ganhar”.
  28. 28. 29 20 ANOS DA IMIGRAÇÃO BRASILEIRA NA ÓTICA DE UM EX-PREFEITO DE HAMAMATSU Aseguir,discorrereisobreosmotivosquelevamogovernocentralanão estabelecer políticas claras voltadas aos estrangeiros, incluindo as medidas relativas à integração social. Na minha opinião, o principal motivo seria a faltadeumavisãodelongoprazodogovernojaponêsnoquetangeosdestinos da sociedade japonesa, tendo como premissa a baixa natalidade, o envelhecimento populacional e a globalização. Do ponto de vista sócio- econômico, sabemos que dentro de cerca de 50 anos, ou seja, em 2055, a população do país será menor do que 90 milhões de habitantes. A partir desta premissa, seria imprescindível incentivarmos a recepção de um maior número de estrangeiros, caso desejarmos manter o nível econômico e de serviços sociais que hoje dispomos. No entanto, não vemos nenhuma discussão nesse sentido a nível nacional, com a participação de demógrafos ou de economistas para estudar melhor a questão. Já no aspecto político- cultural,questõescomoaintegraçãosocial,quetemcomopremissadiferenças étnicas,culturaiselingüísticas,ouseja,umapolíticadeidentidade,nuncafoi tema de destaque político no Japão, com exceção da questão do direito de voto para os estrangeiros. Adefiniçãodeumavisãosocial,tantonoaspectosócio-econômicocomo no político-cultural, é tarefa dos políticos. Não é questão que possa ser resolvida pelos burocratas dos ministérios, amarrados em estruturas verticalizadas e presos às normas estabelecidas pelos seus respectivos ministérios. O fato de o governo japonês não estar ainda sob a plena gestão dospolíticos9 torna-seumobstáculoparaadefiniçãodeumapolíticaespecífica para os estrangeiros, que, por conseguinte, tem criado outros empecilhos para que os governos regionais estabeleçam medidas adequadas para as suas respectivas políticas de integração social. Um segundo ponto que pretendo discutir refere-se às políticas de integração social conduzidas pelos governos regionais, como é o caso da políticade“convivênciamulticultural”.Algumaspolíticasexecutadaspelos governosregionaistambémpodemserconsideradasinsatisfatórias. Umdosaspectosestánoprópriotermo“convivênciamulticultural”,que por ser composto de palavras agradáveis, não chama a atenção para os 9 O novo governo japonês, sob a liderança do Partido Democrático do Japão (PDJ) elegeu-se com a promessa de reformar a estrutura de Governo, até então totalmente nas mãos dos burocratas dos ministérios. Nesse sentido, “gestão dos políticos” seria a transferência das principais decisões ministeriais para os próprios Ministros de Estado, a maioria parlamentares, ficando os burocratas obrigados a cumprirem as diretrizes estabelecidas por esses políticos.
  29. 29. YASUYUKI KITAWAKI 30 aspectos menos nobres do termo, tais como discriminação e desvantagens impostasàpopulaçãoestrangeira.Comoresultado,acreditoqueacapacitação de poderes da população estrangeira ainda não se formou completamente. Este seria o caso do crescente número de brasileiros dispensados das empresasderecrutamentoterceirizadoecomdificuldadederecolocaçãono mercadodetrabalho,emrazãodafaltadecapacitaçãoprofissionalelingüística, ficandonadependênciadebolsastemporáriasdeassistênciaoferecidaspelo governo japonês. O mesmo ocorrendo com as crianças dessas famílias que, incapazes de pagar as mensalidades das escolas brasileiras e inaptas a freqüentarem as escolas públicas japonesas da região, são obrigadas a dependerem de programas tais como o “ProjetoArco Íris”. Outro aspecto seria o fato de que as medidas adotadas com vistas à manutenção da cultura e identidade da população estrangeira, bem como a proteção dos direitos humanos, revelam-se insuficientes, apesar da “convivência multicultural” pregar a “aceitação recíproca das diferenças culturaiseacriaçãodeumarelaçãoigualitária”.Poucosmunicípiosadotaram políticasquetinhamcomoumdosobjetivosamanutençãodalínguaecultura original da população estrangeira. Não se pode negar que da mesma forma que o governo central, os governos regionais tampouco se dedicaram frontalmenteaosproblemasdecorrentesdasdiferençasculturais. Estesfatos acabaram se tornando empecilhos para a integração social, resultando em discriminações contra a população estrangeira, bem como em atos de intimidaçãosofridaspelascriançasbrasileirasnasescolas10 . Como se observa, a “convivência multicultural” ainda carrega consigo muitas questões e problemas, de modo que algumas pessoas até negam o sentido destas palavras. Eu, pessoalmente, entendo que a “convivência multicultural” ainda possui pontos duvidosos do ponto de vista teórico, de modo que será necessário substituí-lo por iniciativas do tipo “política de integração social”, com conteúdo ainda mais fortalecido. No entanto, não vejo razões para negar o termo “convivência multicultural” em si, mantendo-o como forma de expressar o princípio que rege as políticas e as atividades dos cidadãos. Conforme as observações acima, as políticas conduzidas pelo governo japonês foram bastante insatisfatórias e os governos regionais, bem como 10 Essas intimidações em escolas são conhecidas como “ijime” (bulling) e consiste em problema comum e sério das escolas japonesas, onde as crianças mais fortes intimidam as crianças mais fracas, incluindo aí minorias tais como os estrangeiros.
  30. 30. 31 20 ANOS DA IMIGRAÇÃO BRASILEIRA NA ÓTICA DE UM EX-PREFEITO DE HAMAMATSU as associações de cidadãos confrontadas com o rápido aumento da população estrangeira em suas regiões têm se esforçado na recepção desses estrangeiros junto à comunidade local da melhor forma possível, sempre sob a bandeira da “convivência multicultural”. A experiência acumulada nesse período é de grande preciosidade, de modo que ao invés de negar o termo “convivência multicultural”, acredito ser necessário aprimorar o seu conteúdo, com a introdução de conceitos tais como política de integração social e garantia dos direitos humanos, iniciativas fundamentais tanto para a população estrangeira como para a sociedade que irá recebê-los. Em 2008, como parte das atividades de comemoração do centenário da imigração japonesa para o Brasil, empresários brasileiros do setor alimentício do Município de Hamamatsu organizaram um evento chamado de “Arigato Japão”. Acredito que muitas pessoas já perceberam, mas trata-se de uma contrapartida à campanha “Obrigado Brasil” que aconteceu no Brasil.Acampanha realizada no Brasil mostrou o orgulho do sucesso da comunidade nikkei naquele país, bem como agradecimento à sociedade brasileira por terem acolhido os imigrantes japoneses. No entanto, ao pensarmos em termos de Japão e, em particular, sobre o Município de Hamamatsu, fico na dúvida se poderíamos dizer que fizemos o suficiente a ponto dos brasileiros agradecerem do fundo do coração... Fiquei muito feliz ao conhecer o tema deste evento, ou seja “Arigato Hamamatsu e Arigato Japão”, mas por trás destas palavras entendi a mensagem verdadeira, que seria “não estamos exatamente em situação de dizer ‘arigato’, mas gostaria de poder dizer ‘arigato’ e gostaria que um dia pudesse dizer ‘arigato’ do fundo do coração”. Na qualidade de Prefeito de Hamamatsu, me dediquei à questão da recepção dos brasileiros junto à comunidade local e atualmente, como acadêmico, continuo envolvido nesta questão, de modo a poder atender os anseios da população brasileira. 3. Novas medidas do governo em meio a crise econômica global e o futuro dos brasileiros no Japão AseguirfalareisobreaspolíticasadotadaspeloJapãonoperíodoposterior àcrisecausadapelaquebradaLehmanBrothers.Tradicionalmente,ogoverno japonês tem atribuído responsabilidade aos governos regionais às políticas
  31. 31. YASUYUKI KITAWAKI 32 de integração social, no contexto da política voltada aos estrangeiros, por meio da afirmação de que “as políticas dos governos regionais, referentes aos estrangeiros, são um dos dois vértices ao lado da política de imigração”. Contudo, após a quebra da Lehman Brothers, no outono de 2008, a situação dosestrangeirosresidentesnestepaís,incluindoosnikkeisbrasileiros,tornou- se bastante difícil, alterando os rumos da política de integração social do governo. Comentarei, a seguir, alguns destes pontos. (1) Promoção das medidas de apoio aos estrangeiros residentes Inicialmente, destaco a criação de um departamento e de um comitê paraapromoçãodemedidasvoltadasaosestrangeirosresidentes.Emjaneiro de 2009, foi criado o Departamento deApoio aos Estrangeiros Residentes, juntoaoGabinetedoPrimeiroMinistro.Emseguida,foicriadoo“Comitêde Promoção das Medidas Voltadas aos Estrangeiros Residentes”, sob a presidência do Ministro Extraordinário do Gabinete do Primeiro-Ministro para osAssuntos Relativos à Redução da Natalidade, cujo objetivo é o de “promovermedidasrelativasaosestrangeirosresidentesporpartedogoverno como um todo, incluindo estudos sobre formas de apoiar os estrangeiros residentes,taiscomoosnikkeis,emsituaçãodifícilemvistadagravecrisede emprego”. Estecomitêapresentou,emabrilde2009,umrelatóriointitulado“Sobre aPromoçãodePolíticasdeApoioaosEstrangeirosResidentes”.Esterelatório sintetiza medidas de apoio em educação e emprego, entre outros, para os estrangeiros residentes, incluindo os nikkeis com dificuldades no cotidiano da vida em decorrência da deficiência na língua japonesa. Destes, chamo a atenção para 3 atividades novas: - ProjetoArco Íris: Os municípios de grande concentração de estrangeiros instalaram salas de aulas para crianças brasileiras, onde são oferecidas aulas de japonês e de apoio aos estudos em geral, de modo a permitirumatransferênciaharmoniosadestascriançasparaasescolaspúblicas japonesas. O Governo central transferiu 3,7 bilhões de ienes para a Organização Internacional para as Migrações (OIM) que selecionou 42 projetos (de 39 organizações) para o ano fiscal 2010, em andamento. -Projetodeestágioparacapacitaçãoprofissional: Ogovernocentral passou a oferecer, ademais, cursos de capacitação em regiões com grande númerodenikkeisàprocuradeemprego,incluindocursosdejaponêscomo
  32. 32. 33 20 ANOS DA IMIGRAÇÃO BRASILEIRA NA ÓTICA DE UM EX-PREFEITO DE HAMAMATSU objetivo de elevar a capacidade de comunicação, o conhecimento sobre leis trabalhistas e sobre costumes locais e modos de trabalho. Nada menos do que 6.298 pessoas, em 63 municípios, se beneficiaram deste programa, no ano fiscal 2009. -Programadeauxíliopararetornoaopaísdeorigem: Com relação aos nikkeis desempregados que desejavam regressar aos seus países de origem,foramoferecidosrecursosepassagensaéreas,extensosaosfamiliares. Até o mês de abril de 2010, cerca de 22 mil pessoas haviam solicitado este auxílio, e cerca de 20 mil pessoas já haviam regressado aos seus países. No entanto,comoovistodepermanêncianoJapãoseriasuspensoportrêsanos, estamedidafoicriticadacommençõestaiscomo“mandaremboraosnikkeis que se tornaram desnecessários”. Por outro lado, não deixa de ser fato concretoqueestemecanismofoidefatoutilizadoporcercade20milpessoas. (2) Reforma da Lei de Imigração e da Lei de Registro Básico da População Em 2009, o Projeto de Lei sobre a Reforma da Lei de Imigração e o Projeto de Lei sobre a Reforma da Lei de Registro Básico da População foramapresentadosnasessãoordináriadoParlamento,tendosidoaprovados no mês de julho do mesmo ano. Com esta reforma, a Lei de Registro dos Estrangeiros foi abolida e em substituição à Carteira de Identidade de Registro de Estrangeiros, emitida pelos municípios, foi criado o “Cartão do Residente”. Neste cartão deverão constar dados básicos sobre a identidade do portador, bem como o tipo de visto que possui e sua validade.Ademais, os estrangeiros residentes legalmente no país passarão a ser objetos de registronoLivrodeRegistroBásicodaPopulação,demodoquenaCertidão de Registro de Cidadãos deverá constar a nacionalidade, o tipo de visto e prazo de permanência, além dos dados básicos tais como nome e endereço. 11 Todos os japoneses constam no Registro Básico da População, sendo obrigados a comunicarem os municípios cada vez que mudam de endereço.Amedida facilita a oferta de serviços públicos básicos por parte do governo japonês. Os estrangeiros, até então excluídos deste sistema, não se beneficiavam dos vários serviços públicos simplesmente pela impossibilidade de serem localizados. 12 Pela tradição japonesa, no período antecedendo às eleições, os partidos políticos apresentam ao público um documento denominado “manifesto”, contendo todas as promessas de campanha.
  33. 33. YASUYUKI KITAWAKI 34 O objetivo principal desta reforma é o de aumentar o controle sobre os estrangeirosnopaís.Aomesmotempo,aofortalecerosistemadelocalização dos estrangeiros no país, facilitará a oferta de serviços públicos básicos para esta população, demanda de longa data por parte da Associação dos Municípios de Grande Concentração de Estrangeiros. Pode-se dizer que se trata de uma medida de aprimoramento da infra-estrutura do poder público para a promoção das políticas de integração social11 . (3) Quarto Plano Básico de Controle da Imigração Na eleição para a Câmara dos Representantes (Câmara Baixa), de setembro de 2009, o Partido Democrata do Japão (PDJ) obteve vitória esmagadora, resultando na mudança de Governo. Na lista de iniciativas políticas propostas pelo PDJ, antes da eleição, o partido mencionava políticas específicas em relação aos estrangeiros, mas no seu “manifesto”12 não houve qualquer menção relativa a estas políticas. Mesmo após o início do governo do PDJ, não notamos qualquer iniciativa destacada em relação às políticas voltadas aos estrangeiros. A impressão que temos é que simplesmente está se dando continuidade, a nível ministerial, às políticas introduzidas pelo anterior governo de coalizão, centralizado no Partido Liberal Democrático (PLD)13 . Nesse contexto, em março de 2010, o Ministério da Justiça lançou o “Quarto Plano Básico de Controle da Imigração”. O foco deste plano está na implementação da construção de “sociedade abundante e ativa”, “sociedade segura e tranqüila” e “sociedade de convivência com os estrangeiros”. Entretanto, não está claro a definição do que seja uma “sociedade de convivência com os estrangeiros”, com expressões abstratas como “sociedade onde todas as pessoas ajudam uns aos outros, incluindo os estrangeiros, de modo a utilizar a sua capacidade no nível máximo”. Como meio de atingir o referido objetivo, o Quarto Plano menciona queiráapoiariniciativasparaqueoshabitantesestrangeirospossamreceber benefícios dos serviços públicos, tais como seguro saúde e previdência, sob a responsabilidade dos municípios, de forma harmoniosa. Isto ocorreria pormeiodofornecimentodeinformaçõesprecisasaessesmunicípiossobre 13 Outro partido da coalizão era o Partido New Komeito.
  34. 34. 35 20 ANOS DA IMIGRAÇÃO BRASILEIRA NA ÓTICA DE UM EX-PREFEITO DE HAMAMATSU dados básicos dos estrangeiros, obtidos através de um novo sistema de controle da permanência dos estrangeiros neste país. O referido Quarto Plano assinala, ainda, que para a “construção de uma sociedade de convivência com os estrangeiros” é imprescindível a coordenação por parte dos vários órgãos do governo bem como a adoção de medidas de amplo espectro. Nesse sentido, seria fundamental que os ministérioseasagênciasdogovernocentralseunamaosgovernosregionais para a execução das medidas propostas. Todavia, este plano somente diz que no contexto da gestão do sistema de controle dos estrangeiros, sob a responsabilidade do Ministério da Justiça, informações serão fornecidas de formaadequadaaosgovernosmunicipais,semmencionarpolíticasediretrizes específicasparaaintegraçãosocial.Pode-seperceber,igualmentenestecaso, que mais uma vez se repete o já tradicional problema decorrente da verticalizaçãodaspolíticasrelativasaosestrangeirosnoJapão,impedindoa criaçãodeumaverdadeirapolíticadeintegraçãosocialondetransformações deambososladossãoconsiderados,ouseja,tantoporpartedosestrangeiros residentes, como também por parte da sociedade que os recebe. Ainda mais, os termos “sociedade de convivência com os estrangeiros” e“construçãodesociedadecapazdeconvivercomosestrangeiros”colocam os japoneses e estrangeiros em lados opostos, dando a impressão de ter a intenção de buscar uma assimilação cultural dos estrangeiros por parte da sociedade que os recebe. O Quarto Plano faz menção inclusive aos nikkeis. Com a premissa de que os nikkeis contribuíram para o desenvolvimento econômico do Japão e para a diversificação cultural e revigoramento das comunidades regionais, ressalta, contudo, que em razão das diferenças culturais (de costumes e de valores) e sobretudo em razão da insuficiência na língua japonesa, não se pode negar o surgimento de atritos e conflitos nas suas respectivas comunidades locais.Aobservação de que a fonte de tais atritos e conflitos é motivada,aoqueindica,exclusivamentepeladiferentenaturezaculturaldos estrangeiros, causa a impressão de uma posição típica dos defensores da “assimilação cultural”.Acredito que o correto seria entender como natural a diversificação da sociedade e promover a integração social através da transformaçãotantodosestrangeirosresidentes,ouimigrantes,comodaprópria populaçãolocal. O plano ainda menciona a deterioração dos problemas envolvendo os nikkeis,taiscomoemprego,moradiaeeducaçãodascrianças,nessemomento
  35. 35. YASUYUKI KITAWAKI 36 de rápida piora no cenário econômico, observado a partir do segundo semestre de 2008. Admite conduzir estudos de revisão das condições de entrada e permanência no país, sempre levando em conta ser o nikkei um membro da sociedade japonesa, com direito a vida segura e digna, uma vez que estão cumprindo com os seus deveres e evitando que os problemas acima mencionados não se transformem em encargos excessivos sobre os nikkeis que desejam residir no Japão, em particular sobre os que já residem neste país. No que se refere à educação, em especial, diz que irá tomar medidas para incentivar a freqüência escolar, sempre em parceria com os órgãoenvolvidos, enomomentodarenovaçãodovisto,verificarseojovem encontra-se fora da escola, quando deveria estar estudando. Amençãoa“encargosexcessivos”pareceservagaeimprecisa,demodo quetermosdestanaturezanãodeveriamserutilizadosnos“Planos”dogoverno. ParaosnikkeisquejáresidemnoJapão,comentradaepermanênciatotalmente legal,éinjusto“mudarasregrasnomeiodojogo”.Emoutraspalavras,emmeio àsituaçãoemquenãohápolíticaouregulamentoqueeliminaasdiscriminações contraosestrangeiros,nempolíticasespecíficasparaoensinodalínguajaponesa, da educação das crianças e políticas de emprego, não acredito ser adequado enrijecerasregraspara ascondiçõesdeemissãoeprorrogaçãodevistos.No queserefereàquestãodaevasãoescolardascrianças,nãoestáclarooqueas autoridades imigratórias pretendem fazer ou possam fazer em relação a tal problema.Senãoforgarantidaacondiçãoigualitáriaentrecriançasjaponesase estrangeirasnasescolaspúblicas,bemcomofortalecimentodoensinodalíngua japonesaesoluçõesparaoscasosdeintimidaçõesentrealunosnasescolas,será muitodifícilresolveraquestãodaevasãoescolar.Éimprescindíveltomarmedidas queestejamacimadoformatoverticalizadoadotadonosministérioseagências dogoverno,incluindoaeliminaçãodacontradiçãoexpressapeloMinistérioda Educação,Cultura,Esportes,CiênciaeTecnologia(MEXT)quedizseroensino escolarobrigatório,masnãoextensivoaosestrangeiros. (4)PontosdaPolíticadoMinistériodaEducação,Cultura,Esportes, Ciência e Tecnologia (MEXT) Não há qualquer nova iniciativa de política de integração social sob o novo governo do Partido Democrático do Japão. Nesse contexto, uma das iniciativas que criam expectativas de resultados futuros são os “Pontos da Política do MEXT com base nas propostas apresentadas pelo Grupo de
  36. 36. 37 20 ANOS DA IMIGRAÇÃO BRASILEIRA NA ÓTICA DE UM EX-PREFEITO DE HAMAMATSU Discussões de Políticas Relativas à Educação das Crianças Estrangeiras Residentes”, anunciado em maio de 2010. Em dezembro de 2009, o MEXT, tendo como anfitrião oVice-Ministro Masaharu Nakagawa, criou o chamado “Grupo de Discussões de Políticas RelativasàEducaçãodasCriançasEstrangeirasResidentes”,ocasiãonaqual ouviuopiniõesdepessoasenvolvidasnaquestão.Umadasquestõesdemaior urgência foi destacada a necessidade de concentrar os esforços no ensino da línguajaponesaparaosfilhosdeestrangeiroschamadosde“newcomers14 ”,tais comoosnikkeis,bemcomodebolsistasestrangeiros,sintetizandonestedocumento emformatode“PontosdaPolítica”paraapolíticaaserconduzidanofuturo. O documento “Pontos da Política” estabelece como questão a ser conduzida de forma ampla e através da coordenação de órgãos públicos envolvidos,taiscomoministérios,agênciasnacionaisegovernosregionais,a definiçãodediretrizesbásicasrelativasàrecepçãodeestrangeirosnestepaís (ensino da língua japonesa, educação das crianças, emprego, treinamento profissional,previdênciasocial,moradiaetc.),bemcomopromoçãodoensino dalínguajaponesadeformaemgeral,consideraçõessobreoposicionamento legaldasescolasestrangeiraseformasdeapoionoensinodalínguajaponesa. Estasquestõessãoexatamenteasmaisimportantesaseremintroduzidasnuma eventualpolíticadeintegraçãosocial.Os“PontosdaPolítica”nãopassamde uma iniciativa partida de umVice-Ministro de um determinado ministério, masofatodetaltipodedocumentotersidocompiladodeformaoficialpode ser entendido como sinal de que ao menos por parte do governo japonês existe consciência suficiente quanto à necessidade de se estabelecer uma políticadeintegraçãosocial. (5) Avaliação do Governo em relação à “política de integração social” O governo central ainda não adotou a “integração social” como parte integrante da política a ser conduzida, de modo que a interpretação de que a política de integração social é da alçada dos governos regionais não sofreu 14 A maioria dos residentes estrangeiros no Japão é de origem chinesa ou coreana, que vieram a este país em períodos anteriores ou durante a Segunda Guerra Mundial. Os demais estrangeiros chegaram em tempos mais recentes, após a inclusão deste país no grupo dos países desenvolvidos com alta renda. Por esta razão, esses estrangeiros, incluindo os brasileiros, são chamados de “newcomers”, e são muito mais diversificados.
  37. 37. YASUYUKI KITAWAKI 38 qualquermudança.Assim,naausênciadeumapolíticadeintegraçãosociala nívelnacional,nãotemosoutraescolhasenãomencionaraspolíticasdispersas relativasàintegraçãosocialcomosendo“políticadeintegraçãosocial”entre aspas. Após o choque Lehman Brothers, no entanto, houve certa mudança de posicionamento por parte do Governo, dando a impressão de que estão começandoasemovimentardeformaconcretaemdireçãoaoestabelecimento de uma política de integração social. Exemplos disso podem ser percebidos na criação do Departamento de Apoio aos Estrangeiros Residentes e do Comitê de Promoção das Medidas Voltadas aos Estrangeiros Residentes, bem como do ProjetoArco-Íris, do Projeto de estágio para a capacitação profissionaleoanúnciodosPontosdaPolíticadoMEXT.Seriainteressante questionar os motivos que levaram a esta transformação. Emprimeirolugar,acreditoqueasautoridadesdogovernojaponêsestão começandoapensarsobreasituaçãoatualemqueosestrangeirosresidentes se encontram: caindo cada vez mais de posição no extrato social, além do aumento da disparidade de renda na sociedade japonesa como um todo, fatoestesimbolizadopela“viladosterceirizados”15 ,ademaisdatendênciade transformação da população de baixa renda em subclasses, poderá colocar em risco a integração social, caso o governo não tome providências. Emsegundo,crescimentodapercepçãodequeaindiferençaemrelação à questão da inclusão social dos estrangeiros bem como a falta de apoio à auto-suficiênciadapopulaçãoestrangeirapoderáacarretaremaumentogeral dos custos sociais, tais como aumento nas despesas de assistência social, aumento das despesas de contenção da criminalidade e dos atritos sociais, entre outros. Em terceiro, e em particular sobre os nikkeis, constatou-se que mesmo emmeioàsituaçãodifícilemqueestavam,emdecorrênciadacrisemundial, a maioria decidiu permanecer no Japão. Em 1990, quando a Lei de Imigração foi reformada, imaginou-se que os nikkeis seriam simples “dekasseguis”, sem o estabelecimento de política de integração social adequado. O país foi recebendo essas pessoas uma após as outras, sem 15 “Vila dos Terceirizados”, ou “Haken-Mura” – acampamentos de desempregados sem-teto, em parques públicos do país, formado principalmente de trabalhadores terceirizados que foram os primeiros a serem demitidos das grandes empresas. Tornou-se um símbolo visível da crise pós-Lehman Brothers que assolou o Japão.
  38. 38. 39 20 ANOS DA IMIGRAÇÃO BRASILEIRA NA ÓTICA DE UM EX-PREFEITO DE HAMAMATSU qualquerpreocupação,esomenteagora,acredito,estãocomeçandoaadmitir os erros das políticas adotadas na época. Por esta razão, mesmo que tardia, estão começando a elaborar as medidas necessárias. Contudo, existem movimentos no sentido de endurecer o sistema de entrada e permanência de estrangeiros no país, como forma de corrigir os erros decorrentes da reforma da Lei de Imigração, mas estas medidas poderão prejudicarosdireitosdosnikkeisqueresidemnoJapão,podendoatémesmo resultar em políticas injustas e ameaçar o seu cotidiano. Será necessário muito cuidado com essas questões. Com base no exposto, acredito que poderíamos dizer que o governo do Japão está a um passo de uma política que deverá acarretar “mudanças de paradigmas”, tal como a mudança do formato atual da política sobre os estrangeirosparaumapolíticadeimigraçãoaseralicerçadaporduashastes: aPolíticadeImigraçãoeaPolíticadeIntegraçãoSocial.Quandoistoocorrer, seránecessárioalterarosentidodapalavra“imigrante”,quandoutilizadono estabelecimento de políticas afins, restrito às pessoas residentes, para um universomaisamploqueincluimigrantescommaisdeumanoderesidência no país. Com isto, a verdadeira composição da sociedade ficará mais clara, de modo a facilitar as discussões relativas ao estabelecimento de políticas adequadas. Conclusão Finalizando, em meio à crise pós-Lehman Brothers, quais seriam as perspectivas da imigração brasileira no Japão? O governo do Japão deverá aceitar, de forma humilde, a contradição inerente na reforma da Lei de Imigração, de 1990, que tentou resolver a questão da falta de mão-de-obra a partir da recepção de nikkeis neste país. Deverá rever a forma de recepção dos nikkeis, com o entendimento de que se trata da recepção de seres humanos, alterando o processo para algo mais racional. Para isso, mesmo que mantenha o sistema até a terceira geração dos descendentes de japoneses (“Nikkei Sansei”), deverá tomar medidas em separado, uma para brasileiros que já residem no Japão e outra para os brasileiros que aspirem vir para cá. O fato de os brasileiros residentes no Japão estarem sofrendo em decorrência da crise econômica mundial, perdendo os seus empregos e moradias,ésinaldeinsuficiêncianapolíticadeintegraçãosocial,quedeverá
  39. 39. YASUYUKI KITAWAKI 40 incluirquestõestaiscomoensinodalínguajaponesa,educaçãodascrianças, capacitaçãoprofissionaleoportunidadesdeemprego.Assim,paraapromoção daindependênciadosbrasileirosresidentesnoJapãobemcomoasuainclusão social, será necessário fortalecer as políticas de integração social. Por outro lado, com relação aos nikkeis brasileiros que ainda pretendem vir para cá, acredito que será necessário exigir, no momento de sua chegada, certo nível de conhecimento da língua japonesa, bem como de conhecimento básico geral sobre o Japão, itens fundamentais para sua integração social. Ou seja, será necessário haver conexão entre a política de controle de entrada e permanêncianopaíscomapolíticadeintegraçãosocial.Evidentementeque em se tratando de ingressos com caráter humanitário, tais como reunião de familiares, a entrada no país deverá ser admitida. Se o Japão tem a intenção de manter as atividades econômicas e sociais emumdeterminadonível,nestemomentoemqueavançadeformaconcreta areduçãodanatalidadeeoenvelhecimentodapopulação,alémdoprocesso de globalização, deverá ir abrindo as portas do país para o mundo, sob todos osaspectos,incluindopessoas,produtos,dinheiroeinformações.Naúltima Copa do Mundo, o sucesso do jogador de futebol Túlio Marcos Tanaka deixou forte impressão para a população japonesa. Para o Túlio, foi exatamente a decisão de vir para o Japão que criou a oportunidade de elevar sua capacidade, que o levou para os campos da Copa do Mundo de Futebol, e ao mesmo tempo, o Japão teve o privilégio de receber este indivíduo tão precioso.Osmeusvotosfinaissãodequenúmerosaindamaioresdebrasileiros residentes no Japão possam, da mesma forma, desenvolver ao máximo as suas capacidades, obtendo muito sucesso, e que através destes tipos de sucessos a sociedade japonesa se torne mais rica e diversificada. Muitoobrigadopelaaudiência.
  40. 40. 41 Introdução Agradeço esta oportunidade de participar como palestrante neste semináriodecomemoraçãodos20anosdaemigraçãobrasileiraparaoJapão. Simultaneamente,sintomuitaresponsabilidadeemfalarsobreumtemacomo a educação, que tem sido motivo de grandes preocupações para ambos os governos e comunidades. Necessitamos de uma reflexão profunda neste momento e de pensar em medidas concretas em conjunto para oferecer perspectivas de futuro que melhorem o quadro atual.Aeducação será, sem dúvida,umdosmaioresdesafiosparaacomunidadebrasileiranoarquipélago japonês nos próximos 10 anos. Gostaria de fazer uma breve auto-apresentação do meu envolvimento com a educação de crianças brasileiras. Desde os 15 anos, até vir para o Japão em 1993, ensinava japonês para crianças descendentes de japoneses nosfinsdesemananoRiodeJaneiro.Oqueocasionouaminhavindaparao Japão foi a mudança de duas irmãs, alunas minha, para o Japão com seus pais.Apreocupação era grande depois da minha experiência de ter vindo estudarevividoporumanoem1989comobolsistadoMinistériodaEducação japonês, ainda como estudante da graduação. DepoisdetervoltadoparaterminaraminhagraduaçãonoBrasil,fiquei interessada em saber como crianças brasileiras como as minhas alunas A educação de crianças brasileiras no Japão - desafios para os próximos 10 anos Lilian Terumi Hatano
  41. 41. LILIAN TERUMI HATANO 42 aprenderiam a língua japonesa do ponto de vista lingüístico e como se adaptariam as escolas japonesas. Acabei tendo a oportunidade de vir novamente com outra bolsa do governo japonês, em 1993. O objetivo era pesquisar a questão da educação de brasileiros no Japão. E desde então, alémdedesenvolverpesquisasrelacionadas,venhodesenvolvendoatividades dentrodacomunidadebrasileira,principalmentenaProvínciadeShiga,dando aulas de japonês para brasileiros, português para japoneses, e atualmente ensinando português semanalmente para crianças nascidas no Japão que freqüentam as escolas japonesas em um grupo que ajudei a fundar em 1999. Tenho um texto escrito disponível no site do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, intitulado Brasileiros no Mundo. Como o tempo é limitado, gostaria de fazer uma breve panorâmica da situação das crianças brasileiras no Japão e de me concentrar onde se localizam os maiores problemas, destacar as boas iniciativas adotadas e principalmente de fazer sugestões pensando nos próximos 10 anos. 2. Dados gerais Primeiro,gostariadeanalisarosdadosquetemosdisponíveisparaverificar o quadro atual em números. O Ministério da Justiça publica anualmente o número de estrangeiros que fazem o registro da carteira de estrangeiros por idade, tipo de visto etc. Os dados mais recentes, publicados em julho de 2009, são referentes a dezembro de 2009.A“Estatística dos estrangeiros registrados no Japão”1 , deverá ser publicada em breve pelo Ministério da Justiça e mostrará que nossa comunidade no Japão diminuiu consideravelmente. Em dezembro de 2009, sabemos que éramos 267.456 brasileiros,demonstrandoasfortesmarcasdacrise,secomparadoaosdados doanoanteriorabaixo,porémnãoesquecendoquehábrasileiroscomdupla nacionalidadeequevemaumentandoasnaturalizações,assimcomooaumento decasamentosinternacionaiscomjaponeses,fazendocomqueosfilhosnão necessitem fazer o registro de estrangeiro. Mas gostaria de me basear no relatório publicado detalhado disponível nomomento.Ototaldeestrangeiros,emdezembrode2008,erade2.217.426 1 Esta estatística baseia-se no número de estrangeiros que fazem o registro de estrangeiros e possuem a carteira de registro de estrangeiros. É possível saber o número de estrangeiros detalhado por nacionalidade, tipo de visto de entrada, idade, província de residência, etc.
  42. 42. 43 A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS BRASILEIRAS NO JAPÃO - DESAFIOS DOS PRÓXIMOS 10 ANOS procedentes de 190 nacionalidades e os brasileiros eram 312.582 (14.1%), terceira maior comunidade estrangeira. O número de crianças brasileiras, de 0 a 4 anos, 18.472 (5.9%), 5 a 9 anos 18.917 (6.0%), 10 a 14 anos 16.013 (5.1%) e de 15 a 19 anos 14.657 (4.7%). De qualquer forma, as crianças e jovens de 0 a 19 anos correspondiam a 22% da população brasileira no Japão. De cada cinco brasileiros, um tinha idade entre 0 a 19 anos. Isto deixa claro a razão da educação sempre ter sido um tema importante e objeto de muita discussão na nossa comunidade. Em comparação, no caso do Japão, de cada 5 japoneses, um tem mais de 65 anos. Os 4 tipos de dados disponíveis referentes ao número de crianças estrangeiras no Japão: (1) Censo educacional básico: são dados detalhados sobre as escolas, osalunos,porsérie,porprovíncia,queincluitotaldeestrangeirosnasescolas japonesas públicas e particulares. Problema:Apresenta um número total único de crianças de todas as nacionalidades juntas, que são cerca de 70 mil, em maio de 2008. Não é possível saber o número de brasileiros, nem por série, ou província, como é possível saber os detalhes a respeito dos nacionais que retornam de outros países. (2) Censo referente ao número de crianças estrangeiras que necessitam educação da língua japonesa, isto é, que têm dificuldade na língua. O dado referente a setembro de 2008, é de 28.575 estrangeiros, destes, os falantes de português foi de 11.386 crianças (39,8%) em primeiro, 5.831 crianças falantes de chinês em segundo (20.4%), e espanhol 3.634 (12.7%) crianças. Essas três línguas correspondem a 70% do total das crianças que tem dificuldade em japonês. Problema: Não existe um padrão único para saber o grau de dificuldade de japonês considerado. Fica a cargo de cada professor que faz o levantamento, se a criança vai ser incluída nos dados ou não. Não é o número total de crianças estrangeiras. (3) Dados do registro da carteira de estrangeiro. Mesmo considerando que há várias diferenças de datas, da idade escolar, o total de crianças brasileiras registradas de 5 a 15 anos em dezembro de 2008 era de 34.930, e as crianças falantes de português com dificuldade na língua japonesa era de 11.386 em maio de 2008. Há uma discrepância grande de mais de 20 mil crianças.
  43. 43. LILIAN TERUMI HATANO 44 Problema: Necessidade de verificar o número exato de crianças para se saber o verdadeiro estado delas e suas necessidades. Não há um número totaldisponível. (4) Dados de crianças em escolas estrangeiras Há dados de crianças em escolas estrangeiras, mas somente o total de crianças em escolas miscelâneas. Não há dados oficiais sobre as escolas brasileiras,masnomomento,aAssociaçãodasEscolasBrasileirasnoJapão, aAEBJ,periodicamentevemfazendolevantamentosmasonúmerotambém é parcial e muito instável , justamente por causa do tipo de contratação dos pais.Atualmentesão12escolasmiscelâneasbrasileirasreconhecidaseexistem 78 escolas brasileiras em julho de 2010 de acordo com aAEBJ. Resumindo, gostaria de enfatizar que no momento só podemos fazer suposições, tais como a) muitas crianças devem falar japonês, b) muitas crianças estão nas escolas brasileiras, c) talvez muitas não moram mais no Japão e d) poucas estão fora das escolas. É um problema muito sério desconhecerouniversototaldecriançasestrangeiras,pelaausênciadedados, pois conhecer a necessidade delas é fundamental para se tomar medidas sérias e efetivas. Precisamos saber quantas são, onde estão e como estão. 3. Que tipos de crianças existem? Podemos dizer que as crianças brasileiras em idade escolar no Japão podem ser classificadas em três grupos: as que freqüentam as escolas japonesas, as que freqüentam as escolas brasileiras e as que não estão freqüentando qualquer escola e que, portanto, devem se encontrar em casa. Podemostambémdizerquehápelomenosduasgeraçõesdiferentes.Aquelas que nasceram e receberam parte da educação no Brasil ou em outros países e a geração de crianças que nasceu aqui no Japão ou que vieram ainda muito novas. Cada grupo enfrenta realidades e problemas distintos. Hoje não terei tempo para discorrer sobre todas elas mas gostaria de falar sobre uma parte dessas crianças, baseado na experiência de um grupo voluntário de apoio às crianças que ajudei a formar em 1999, na Província de Shiga. Os primeiros a integrarem o grupo eram crianças e jovens que enfrentavam problemas sérios de adaptação nas escolas japonesas, seus professores não conseguiam responder a suas necessidades e expectativas, e houve até casos sérios de discriminação. Sentimos de perto que as crianças e jovens tinham suas razões para se afastarem das escolas
  44. 44. 45 A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS BRASILEIRAS NO JAPÃO - DESAFIOS DOS PRÓXIMOS 10 ANOS japonesas. Não conseguimos convencê-las a voltar para as escolas, como também não conseguimos sensibilizar os professores para que mudassem a atitude para com elas.Algumas começaram a trabalhar antes dos 15 anos, o que é proibido no Japão, outras tiveram filhos muito jovens, mas eles se juntam aos milhares de jovens adultos, muitos deles pais que gostariam de ter novas e outras chances, de melhorar de vida. Precisamos resgatar essa geração, fornecendo mais oportunidades a esses jovens que interromperam seus estudos. Osupletivoéumainiciativamuitoboa,mastodosnóssabemosquenão é fácil estudar sozinho, educação de jovens e adultos é fundamental e seria importantíssimo também organizar cursos de capacitação para jovens que malterminaramofundamental.Temosumageraçãodejovensdesorientados, que ao mesmo tempo têm de lidar com responsabilidades de adultos. Não basta apenas pequenas iniciativas, há necessidade de decisões políticas e necessidades de profissionais que possam orientar esses jovens para mudar este quadro grave. Outro grupo que temos recebido muito são os brasileiros nascidos aqui. Tentamos fazer com que eles aprendam a língua dos pais, já que a maioria dos pais se comunica melhor em português e a dificuldade de comunicação dentro da família é grande, já que os filhos, muitas vezes, só conseguem se expressaremjaponês.Sentimosqueograudedificuldadecomacomunicação compromete o elo entre pais e filhos. Gostaria de enfatizar que essa situação não é só responsabilidade dos pais e responsáveis e que não adianta só criticá-los. Também não é verdade que os pais brasileiros não estão preocupados com a educação dos filhos. Muitasvezes,atuandocomointérpretevoluntárianasescolas,inúmeras vezesouviprofessoresenfatizaremqueospaisutilizassemalínguajaponesa em casa, mesmo aqueles que tinham conhecimento precário do idioma. Os 20anosdenossacomunidadenoJapãodiversificoumuitooquadrodenossas crianças e jovens e, ao mesmo tempo, agravou o quadro. E quanto ao último grupo, das crianças fora das escolas, precisamos juntos tomar atitudes para que não permitamos essa situação da forma que está acontecendo. Gostaria de frisar minha opinião de que se as escolas brasileirasnãoexistissememterritóriojaponês,oquadrodecriançasociosas seria muito maior.As escolas vêm desempenhando sua função, apesar de reconhecermos que a qualidade delas precisa melhorar. No meu entender, a maioriadessasescolasfoisurgindojustamenteondehaviaumanecessidade
  45. 45. LILIAN TERUMI HATANO 46 dospaisedacomunidade.Umlugarquecuidassedascriançasdesdemanhã até o final da tarde, cumprindo um papel de creche. Mas não há dúvidas de que não podemos brincar com educação, pois escola não é um depósito de crianças. 4. Como garantir o Direito das crianças à educação? Educação é um Direito da criança, independente da nacionalidade e do país onde ela resida ou nasça. E na qualidade de adultos, independentes de termos filhos ou não, temos a obrigação e a responsabilidade de garantir esse direito à educação e a zelar pelo bem delas. Bom, para que o direito dascriançassejagarantido,alguémprecisaarcarcomessaresponsabilidade, isto é, tem o dever de garantir esse direito. Pelas leis japonesas, os pais japoneses são obrigados a matricular as crianças na escola para que o direito das crianças japonesas seja garantido. Sempre há a discussão sobre o posicionamento do governo japonês em relação a obrigatoriedade das crianças estrangeiras freqüentarem a escola. Os pais estrangeiros podem escolher em que tipo de escola quer matricular o seu filho, mas não deve ter a opção de não matricular em nenhuma escola, como parece acontecer atualmente. Como checar se o direito da criança à educação está sendo garantido e verificar se os pais estão cumprindo com o seu dever de matricular os seus filhosemidadeescolar?Arespostaéumasó.Énecessáriofazerolevantamento seelasestãoounãomatriculadas.Nesseprocesso,ambosgovernosprecisam trabalharmaisemconjunto,embuscadesoluçõesconcretas. 5. Iniciativas que poderão trazer mudanças no futuro Gostaria de destacar, para finalizar, que aos poucos há melhoras consideráveis. Há boas iniciativas que poderão trazer mudanças no quadro atual.Primeirovoumencionaralgumasiniciativasadotadaspeloladojaponês. (1)MedidasdoMinistériodaEducação,Cultura,Esporte,Ciência e Tecnologia do Japão, anunciadas em maio de 2010 Finalmente o anúncio deste plano de medidas relacionadas à educação de crianças estrangeiras pelo MEXT marca uma nova etapa e baseou-se nos
  46. 46. 47 A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS BRASILEIRAS NO JAPÃO - DESAFIOS DOS PRÓXIMOS 10 ANOS resultados das reuniões para formular as medidas necessárias. Gostaria de destacaralgumasdasdiretrizesbásicasqueforamincluídas: a) Planos de aperfeiçoamento do ensino da língua japonesa b) Facilitar o ingresso nas escolas japonesas -Apoio na adaptação -Apoio voltado à continuidade dos estudos nos níveis posteriores -Apoio ao trabalho c) Incentivar as escolas estrangeiras a se tornarem escolas miscelâneas e semi-entidades escolares Neste plano, sinto que há um empenho mais claro do governo japonês, principalmentenoensinodalínguajaponesa.Eéimportantemencionarque as medidas também levam em consideração os jovens que já passaram da idade escolar e que necessitam orientações para continuarem vivendo no Japão. LogicamenteoProjetoArco-Iriséumaboainiciativaparaensinarjaponês, voltado principalmente para as crianças que estão fora das escolas, mas precisa estar conectada a alguma escola, seja japonesa ou brasileira, se pensarmos na continuidade dos estudos. Acho que o ensino do japonês poderia se mais amplamente difundido para que as crianças em escolas brasileiras possam aprender a língua do país onde vivem. (2) Iniciativas do lado brasileiro a) Aorganização e implantação dos exames Supletivo (ENCCEJA) no Japão,há11anos,permitemaosjovensbrasileirosresidentesnoarquipélago a chance de adquirir os certificados de conclusão escolar no níveis Médio e Fundamental e a possibilidade de dar continuidade aos estudos no Brasil e deconseguirmelhoresoportunidadesdecarreirasprofissionaisnofuturo; b) O curso de pedagogia à distância desenvolvido pela UFMT, em parceria com a UniversidadeTokai. O Prof. Daisuke ONUKI leciona nesta Universidade e foi um dos mentores deste curso. Gostaria de enfatizar que nãoésomenteumcursodepedagogiaemsi.Agrandeexpectativaestátambém na formação de uma rede de professores e profissionais para trabalhar nas escolasbrasileiras,queatéhojenãoexistia.Professoresdeescolasjaponesas, brasileiraseoutrasinstituições,quetrabalhavamcomeducaçãodediferentes formas e não tinham nenhum elo, agora estão unidos no curso de pedagogia da UFMT/Tokai. E essas pessoas estão trocando idéias e experiências diariamente no decorrer do curso e essa interação poderá beneficiar as
  47. 47. LILIAN TERUMI HATANO 48 crianças como um todo.Aformação de professores contribuirá para melhor educar as crianças, em qualquer ambiente escolar. c) Criação do Setor de Educação no Consulado-Geral em Nagóia.A iniciativa, por parte do MEC, de homologar as escolas brasileiras no Japão foibem-vinda,maséprecisoreconhecerqueprecisamosmelhoraraqualidade dasescolasparagarantirummelhorambienteescolar,assimcomosegurança e saúde para nossas crianças e jovens. E esse Setor de Educação, daqui por diante, parece que começará a fiscalizar e a orientar as escolas, verificar in locoaqualidadedeensinoacadêmicoedeinfra-estrutura,oqueinfelizmente não vem acontecendo. Com um setor especializado na educação, as escolas poderão ser melhor orientadas e como resultado haverá mudanças que só beneficiarãonossascrianças,tranqüilizandotambémospaiseresponsáveis. 6. Conclusões Temos obviamente exemplos felizes de jovens que conseguiram ter sucesso.Masissofoipossívelgraçasaoapoiofamiliar,muitoesforçopróprio investido, sorte em ter encontrado um bom ambiente escolar, entre outros fatores.Muitosjáconseguiramcontinuarseusestudos,ingressareseformar em faculdades e já ingressaram no mercado de trabalho. Jápodemosencontrarjovensfazendopósgraduação.Mashámuitooque fazer para que não sejam casos raros e excepcionais em nossa comunidade. Nãopodemosdeixaramercêdasorteemuitomenosacharquebastaoesforço individual.Precisamostereoferecercondiçõessociaismaisjustasparaqueos paistambémpossamdesempenharseuspapéisdepaisresponsáveis. Sinto que o mais importante no momento para mudar o quadro das crianças estrangeiras é fazer com que elas sejam incluídas no Censo Escolar Básico das escolas japonesas, realizada todos os anos pelo MEXT. Chamo aatenção,noentanto,paraanecessidadedesefazeressaestatísticaseparada por nacionalidade, por série e por província, como é feito para os nacionais japoneses. Elas precisam ser incluídas na lista das crianças em idade escolar obrigatória e não somente ser incluídas como um número total único.As crianças com alto índice de ausência escolar devem ser incluídas e deve-se buscar o motivo das faltas, a exemplo do que é feito anualmente para os nacionais.Ademais,torna-senecessárioumcuidadoespecialdecomoresolver o caso das crianças que freqüentam as escolas brasileiras que não são miscelâneas.

Porque as pessoas migram para o Japão?

Hoje no Japão vivem pelo menos 300.000 mil brasileiros descendentes de japoneses que muitas vezes acompanhados dos cônjuges migram para o Japão com intuito de trabalhar nas indústrias em grande parte dos casos.

Qual foi o motivo da vinda dos japoneses para o Brasil?

A vinda de imigrantes japoneses para o Brasil foi motivada por interesses dos dois países: o Brasil necessitava de mão-de-obra para trabalhar nas fazendas de café, principalmente em São Paulo e no norte do Paraná, e o Japão precisava aliviar a tensão social no país, causada por seu alto índice demográfico.

O que são os dekasseguis?

O termo dekassegui em japonês é formado por dois ideogramas (kanji), deru ( – sair) e kassegu ( – trabalhar para ganhar a vida), sendo aplicado a qualquer pessoa que deixa sua terra natal para trabalhar, temporariamente, em outra região.

Como funciona a política de imigração no Japão?

O Japão aprovou no sábado (8) uma lei que abrirá o país à entrada de trabalhadores estrangeiros com baixa qualificação. A expectativa é que ao menos 345 mil imigrantes sejam aceitos nos próximos cinco anos.