Quais são as características da China socialista no processo de abertura econômica?

Giovana Gia Yucing

Resumo

Com a morte do ex-líder comunista Mao Tsé-Tung e com a ocupação da presidência da República Popular da China por Deng Xiaoping, no final da década de 1980, houve o início da realização de várias reformas econômicas no país, entre elas, a abertura do mercado chinês ao mercado externo. Entre as consequências dessas reformas, é possível destacar o rápido crescimento econômico do país, a redução da desigualdade social da população chinesa e o aumento de investimentos chineses em diversos países.

Introdução

O dinamismo da economia chinesa nas últimas décadas e o aumento da sua importância no sistema internacional têm atraído cada vez mais a atenção do resto do mundo, principalmente devido à sustentação de seu crescimento em um período em que a maior parte do mundo tem vivenciado um crescimento econômico mediano (GUIMARÃES, 2009). Atualmente, a China continua sendo uma das maiores economias do mundo,  permanecendo na segunda posição do ranking mundial da economia, com o PIB estimado em  US$ 9, 020 trilhões (50 MAIORES ECONOMIAS…, s.d.).

As reformas econômicas,  iniciadas em 1978 e conhecidas como “Políticas de Portas Abertas”, fizeram com que o país vivenciasse um processo econômico formidável, nunca antes visto, evidenciado pelas altas taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e do PIB per capita. De  1980 a 2004, o PIB do país registrou uma média de crescimento real de 9,5%, tornando-se a sexta maior economia do mundo  em 2004. Isto se deve principalmente ao seu rápido crescimento na área do comércio internacional, cuja participação total nesta área passou de 1% em 1980 para quase 6% em 2003 (O CRESCIMENTO ECONÔMICO…, s.d.).

No entanto,  a economia chinesa nas duas fases do comunismo, se diverge quanto ao seu posicionamento perante o mercado externo, seus planejamentos econômicos e pelas características sócio-econômicas de sua população. A primeira fase, que durou entre 1949-1978, sob o governo de Mao Tsé-Tung,foi caracterizada pelo isolamento do país do mundo dito ocidental, em comércio e relações políticas; por uma população predominantemente rural e empobrecida; pela existência de um planejamento centralizado das atividades econômicas; pelo controle estatal dos meios de produção e pela adoção de planos quinquenais que, por sua vez, deram ênfase ao desenvolvimento dos setores base da atividade econômica, como a extração mineiral, siderurgia, petroquímica e agricultura (DIAS, 2004).

Na segunda fase, iniciada em 1978, houve mudanças sócio-econômicas com a ascensão de Deng Xiaoping ao poder presidencial. Alguns anos após a aprovação de um novo plano de reforma do sistema econômico chinês,proposto pelo novo presidente durante a reunião da 3ª Sessão Plenária do XI Comitê Central do Partido Comunista Chinês, o país deu um salto econômico significativo, se compararmos com a fase anterior, gerando efeitos positivos e negativosdentro e fora do país (OLIVEIRA, 2005).

As bases para o crescimento econômico

O salto econômico chinês não ocorreu por acaso. Vários fatores foram responsáveis pelo sucesso da economia chinesa. Contudo, apesar da colaboração de diversos fatores para o crescimento do país, nenhum deles pode ser apontado como o principal. Segundo Nonnenberg (2010), o que houve, na verdade, foi “uma coincidência de fatores geográficos, históricos, políticos e econômicos, que não podem ser replicados em outros países ou outras ocasiões.”

A orientação base para as reformas econômicas foi a da construção e modernização socialista por meio do “Programa das 4 modernizações” (agricultura, indústria, defesa nacional e tecnologia) que, por sua vez, visava a completa transformação da estrutura econômica do país e a tentativa de recuperar as décadas de atraso. Além disso, essas reformas possuíam dois objetivos fundamentais. O primeiro dizia respeito à criação de uma economia de mercado com características socialistas, visando a  obtenção de lucros e sua maximização, mas mantendo a propriedade estatal dos meios de produção. O segundo, por sua vez, buscava atingir o crescimento econômico,  especialmente por meio do investimento direto estrangeiro e da assistência técnica (DIAS, 2004).

Entre alguns dos fatores que propiciaram o crescimento econômico chinês, é possível destacar, em primeiro lugar, o processo de liberalização do sistema de formação de preços[i], que teve o seu início em 1979 no setor rural. Além disso, a liberalização do comércio exterior também foi um fator importante para o crescimento econômico do país, tendo as medidas de liberalização do comércio aceleradas após o ingresso do país na Organização Mundial do Comércio em 2001 (NONNENBERG, 2010).

Outra base para a evolução do crescimento chinês foi a criação de Zonas Econômicas Especiais (ZEE)[ii]. Essas Zonas possuem como objetivos principais: atrair investimentos estrangeiros, desenvolver a produção tecnológica do país e absorver as inovações tecnológicas desenvolvidas nos países mais avançados.Junto a esses fatores, é possível acrescentar o gigantesco tamanho da população da China que favoreceu a existência de economias de escala na maior parte das indústrias. Um exemplo que ilustra o tamanho do mercado e da escala de produção diz respeito à produção anual de aço bruto: a China produz cerca de 420 milhões de toneladas, enquanto o Brasil produz 31 milhões (NONNENBERG, 2010).

Os Investimentos Diretos Externos (IDE) também foram essenciais para o salto econômico chinês que, entre 1981 a 2007, pularam de US$ 265 milhões para US$ 138 bilhões. Por fim, as políticas de incentivo governamentais à inovação e à transferência e geração de ciência e tecnologia, intimamente ligados aos incentivos dos investidores estrangeiros, também contribuíram significativamente para o crescimento econômico da China (NONNENBERG, 2010).

Os efeitos sócio-econômicos das reformas econômicas dentro e fora do país

As reformas econômicas na China geraram consequências dentro e fora de seu território. Em relação à situação interna do país, as reformas deram origem a um amplo mercado de trabalho, como os donos de comércio, prestadores de serviços privados, empresários urbanos e rurais, gerando um maior consumo e investimentos no país. Ancorando-se nas exportações, essas reformas retiraram 30% da população de Pequim de uma situação de miséria entre 1981 e 2010, produzindo empregos em massa nas indústrias voltadas para os mercados têxtil, atacadista e de plástico (MORENA, 2013). Além disso, atualmente, a China possui a 2ª maior economia do mundo, atrás apenas dos EUA. Em 2013, o PIB chinês foi calculado em US$ 9, 020 trilhões, enquanto o dos EUA em US$ 16, 237 trilhões (50 MAIORES ECONOMIAS…, s.d.).

Apesar desse salto econômico, as reformas econômicas beneficiaram de forma  desigual a população chinesa. Um estudo realizado pelo Centro de Estudos da Universidade de Pequim neste ano, revelou que a sociedade chinesa está mais desigual, diferentemente do que as estatísticas oficiais divulgam. A pesquisa mostrou que os 5% mais ricos do país detêm 23% da riqueza nacional, enquanto que os 0,5% mais pobres contam com apenas 0,1% de toda a renda. Este estudo atribuiu ao país um coeficiente de Gini [iii]de 0,49, aproximando-o ao de países onde há grandes índices de desigualdade, como os da África Subsaariana e da América Latina (MORENA, 2013).No entanto, é importante destacar que esse rápido crescimento econômico, associado com o aumento da desigualdade social, não é um fenômeno presente somente na China, pois também pode ser observado em outros países, como o Brasil.

Outro aspecto negativo, é sobre as condições de trabalho em algumas empresas chinesas e estrangeiras. Um relatório que estudou essas condições de trabalho na Foxconn, empresa chinesa que emprega quase um milhão de funcionários, mostrou que, mesmo com a existência uma legislação trabalhista, os chineses trabalham a duras jornadas de trabalho, sem nenhum descanso semanal; possuem salários baixos e insuficientes, e  estão submetidos a gerenciamento rígido que proíbe o funcionário de se movimentar durante o período de trabalho para evitar desconcentração (ROZALES, 2011). Neste sentido, é possível dizer que as reformas econômicas não geraram, de forma geral, melhores condições de trabalho aos chineses.

Por outro lado, alguns dos efeitos econômicos que essas reformas geraram no âmbito internacional, incluem a ampliação da atuação da China em vários tipos de mercados, buscando a cooperação econômica de vários países, com o intuito de aumentar as suas exportações – consideradas suas principais fontes de rendas; obter matérias-primas e equipamentos para suas produções industriais; alimentos para sua população de mais de 1,3 bilhões de pessoas, além de adquirir produtos tecnológicos (DIAS, 2004). Essas demandas chinesas por matérias-primas, alimentos e produtos tecnológicos propiciaram, por sua vez, uma maior renda para os países exportadores com os quais a China possui relações econômicas, como exemplos, o Reino Unido, a Rússia e o Brasil (PRINCIPAIS PARCEIROS COMERCIAIS, 2012).

No entanto, a atual realidade da China gerou um aumento da demanda de energia no país. Isto se deve principalmente à instalação de várias indústrias pesadas que requerem grandes quantidades de energia para seu funcionamento, transformando o país em um grande emissor de CO2 do planeta. Além disso, os investimentos chineses em suas indústrias pesadas, causaram uma enorme pressão sobre os preços de commodities no mundo que, junto ao crescente consumo e importação de alimentos, pressionaram o aumento de preços destes itens no mercado internacional (DIAS, 2004).

Ainda segundo Dias (2004) , a China é uma grande economia, e sua maior participação no mundo após as reformas econômicas de Deng Xiaoping, promoveu mudanças no mundo, uma vez que uma população de mais de 1,3 bilhões de pessoas passaram a integrar o sistema mundial de produção e consumo. Neste sentido, é possível afirmar que o retorno da China ao sistema econômico e político mundial após 1978, fez com que o cenário internacional  adquirisse uma dimensão bem maior, junto com suas consequências, como as emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa.

Considerações Finais

Desde as reformas econômicas realizadas por Deng Xiaoping na China no final da década de 1980,  a economia do país cresceu de forma significante. Nos últimos anos, houve um aumento do PIB do país, responsável pela posição do país como a segunda maior economia do mundo e pelo aumento de renda de parte de sua população. No entanto, apesar desse crescimento ter gerado efeitos positivos dentro do país, não se pode dizer que estes efeitos impactaram toda a população chinesa de forma igualitária, pois ainda é possível observar um desequilíbrio sócio-econômico entre os chineses, apesar deter ocorrido uma redução dessas desigualdades em relação ao governo de Mao-Tsé Tung. Além disso, as condições de trabalho dos chineses, na maioria das empresas nacionais e estrangeiras, são precárias.

Sobre o cenário externo, estas reformas foram benéficas para vários países, uma vez que a abertura do mercado chinês ajudou estes países a terem acesso ao maior mercado consumidor do mundo, além de ter fornecido locais produtivos para que suas empresas pudessem crescer e se expandir, utilizando-se da mão de obra barata do país e aproveitando-se dos impostos baixos. Entretanto, apesar desses impactos positivos gerados pelas reformas, houve consequências negativas no mundo, como o fato do país ter se tornado o maior emissor de gases-estufa do mundo, superando os EUA (POLUIÇÃO DERRUBOU EXPECTATIVA…, 2013), e o aumento dos preços de commodities no mercado internacional.

Por fim, é importante destacar que o ex-presidente Deng Xiaoping promoveu essas reformas econômicas, mas sem grandes mudanças no sistema político. Ainda não houve mudanças no papel dirigista dado ao Partido Comunista Chinês, garantindo a manutençãodo regime de partido único no país. O aparelho de repressão proporcionado pelo governo mantém-se,  e as críticas feitas pelos países ocidentais ao governo chinês, devido às suas violações constantes aos direitos humanos, continuam.

Referências Bibliográficas

 50 MAIORES ECONOMIAS do mundo. Terra, s.d. Disponível em: <http://www.terra.com.br/economia/infograficos/pib-mundial/>. Acesso em: 03 set. 2013.

 DIAS, Margarida Maria Pinheiro Godinho. A China no Séc. XXI: a evolução do sistema bancário e o futuro das reformas econômicas. Disponível em: <https://www.repository.utl.pt/handle/10400.5/1272>. Acesso em: 17 agosto. 2013.

GUIMARÃES, Alexandre Queiroz. A Economia Política do Modelo Econômico Chinês: o Estado, o mercado e os principais desafios. Disponível em: <http://www.eg.fjp.mg.gov.br/index.php/publicacoes/textos-para-discussao/139-textos-publicados-em-2009/981-a-economia-politica-do-modelo-economico-chines-o-estado-o-mercado-e-os-principais-desafios>. Acesso em: 20 agosto. 2013.

MORENA, Fernanda. Estudo chinês contesta governo e diz que desigualdade é maior. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/08/130731_china_desigual_fm.shtml&gt;. Acesso em: 16 agosto. 2013.

NONNENBERG, Marcelo José Braga. China: Estabilidade e Crescimento Econômico. Revista de Economia Política, vol. 30, nº 2 (118), pp. 201-218, abril-junho/2010.

O CRESCIMENTO ECONÔMICO da China. Federal Reserve Bank of Atlanta, s.d. Disponível em:<http://www.frbatlanta.org/pubs/econsouth/05q2portugues_o_crescimento_economico_da_china.cfm>. Acesso em: 03 set. 2013.

 OLIVEIRA, Carlos Alonso Barbosa de. Reformas Econômicas na China. Disponível em: <www.eco.unicamp.br/docprod/downarq.php?id=73&tp=a>. Acesso em: 15 agosto. 2013.

POLUIÇÃO DERRUBOU EXPECTATIVA de vida em região da China, diz estudo. G1, 2013. Disponível em: <http://m.g1.globo.com/natureza/noticia/2013/07/poluicao-derrubou-expectativa-de-vida-em-regiao-da-china-diz-estudo.html>. Acesso em: 15 agosto. 2013.

PRINCIPAIS PARCEIROS COMERCIAIS. Conselho Empresarial Brasil-China, 2012. Disponível em: <http://www.cebc.org.br/pt-br/dados-e-estatisticas/china-comercio-exterior/principais-parceiros-comerciais>. Acesso em: 03 set. 2013.

ROZALES, Suelen Sperb. As relações de trabalho na China após a abertura econômica. Disponívelem: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/34803/000784306.pdf?sequence=1>. Acesso em: 03 set. 2013.

[i]Neste processo, o governo central fixava a cota de produção que cada comunidade deveria entregar a um preço predeterminado, e o restante da produção poderia ser negociado livremente no mercado. Como consequência, houve uma elevação na produtividade rural e reflexos sobre a renda e o emprego (NONNENBERG, 2010).

 [ii] As Zonas Econômicas Especiais, como as cidades de Shenzhen, Zhuhai, Shantou e Xiamen, estão localizadas principalmente ao longo do litoral da China. Possuem indústrias diversificadas e voltadas especialmente para as exportações. Os países estrangeiros que desejam investir nessas áreas, são atraídos pela mão de obra barata e abundante, apesar de sua baixa qualificação; pela isenção de impostos e pelo gigantesco mercado consumidor chinês. Devido aos bons resultados gerados nas ZEE, o governo chinês criou em 1984, outras 14 ZEEs ao longo do litoral e, na década seguinte, alcançaram o interior do país (NONNENBERG, 2010).

 [iii] O coeficiente de Gini mede o grau de desigualdade na distribuição da renda familiar per capita e vai de zero a um. Quanto mais perto o coeficiente estiver de zero, menos desigual o país é ( MORENA, 2013).

Quais as características do processo de abertura da economia chinesa?

A China caracteriza-se como uma “economia socialista de mercado”, ou seja, um sistema político estatal controlado pelos líderes do Partido Comunista, os quais assumem a posição de defensores dos interesses da nação e, ao mesmo tempo, exercem práticas capitalistas de mercado.

Quais as principais características do socialismo de mercado chinês?

A economia de mercado socialista é o modelo econômico empregado pela República Popular da China. É baseado em empresas estatais e uma economia de mercado, e teve suas origens na política de Deng Xiaoping que chamou o seu sistema econômico de socialismo com características chinesas.

O que foi a abertura econômica chinesa?

A abertura econômica do país asiático aconteceu em 1978. A partir de então, o sistema fechado chinês passou a se abrir gradativamente. O responsável por começar esse processo foi Deng Xiaoping, que recebeu a missão de transformar a economia chinesa de majoritariamente agrária para potencialmente industrial.

Como foi a abertura econômica da China a partir de 1980?

Desde as reformas econômicas realizadas por Deng Xiaoping na China no final da década de 1980, a economia do país cresceu de forma significante. Nos últimos anos, houve um aumento do PIB do país, responsável pela posição do país como a segunda maior economia do mundo e pelo aumento de renda de parte de sua população.