Por que a periodização da História e contestada por alguns historiadores?

A noção de “história do tempo presente” remete a uma noção que é ao mesmo tempo banalizada, controversa e ainda instável. Ela implica em uma reflexão sobre o “Tempo”, que foi durante longa data o impensado da disciplina histórica, como afirmava Michel de Certeau (1987): “Sem dúvida, a objetivação do passado, há três séculos, tinha feito do tempo o impensado de uma disciplina que não cessava de utilizá-lo como um instrumento taxonômico”.

Na França, a noção remete a um laboratório de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), que possui esse nome e foi criado em 1978, o Instituto de História do Tempo Presente (IHTP). Seu primeiro diretor, François Bédarida (1978), o definiu como “a nova oficina de Clio”. Sua instituição, segundo François Bédarida, estava associada a uma verdadeira mudança epistemológica marcada pela ascensão da dimensão memorial, a busca ansiosa da identidade e a crise dos paradigmas utilizados nas Ciências Sociais, bem como uma crescente incerteza sobre o presente e o futuro. Em 1992, em um simpósio realizado em Paris, organizado pela IHTP com o tema “Escrever a história do tempo presente” (IHTP, 1993), René Rémond afirmava: “a batalha está ganha”. Mas se tratava ainda de uma afirmação de caráter performativo, pois a prática ainda permanece suspeita e ilegítima; ainda não considerada científica; confinada como um domínio separado, muito marcada por uma relação incestuosa com o jornalismo.

Neste ano de 2011 realizou-se um simpósio internacional, organizado também pelo IHTP, com o tema do tempo presente e a contemporaneidade.[2] Entre 1992 e 2011 foram produzidas diversas transformações significativas: por um lado, constatamos a ascensão de parte da história contemporânea e, por outro lado, verificamos o lugar crescente da memória e a sua conexão entre a noção de história do tempo presente. Esta relação, formalizada por François Hartog, na noção de regime de historicidade. Daí as perguntas sobre o presentismo e sobre o problema da não contemporaneidade do contemporâneo. Isso levanta a questão de saber se não teríamos entrado em um novo regime de historicidade caracterizada, entre outros, pelo presentismo. Enquanto em 1992 o fato que gerou polêmica foi a utilização de fontes orais, em 2011, o que está no cerne dos debates é o aumento das fontes imagéticas, dos recursos relativos a informática e a inflação arquivística que produz um excesso de documentos.

A história do tempo presente está na intersecção do presente e da longa duração. Esta coloca o problema de se saber como o presente é construído no tempo. Ela se diferencia, portanto, da história imediata porque impõe um dever de mediação. Alguns historiadores, porém, preferem utilizar a noção de história imediata, como é o caso de Jean-François Soulet, que coordena a revista Cadernos de história imediata, outros preferem a noção de história do muito contemporâneo, como é o caso de Pierre Laborie. Alguns são ainda mais críticos, como é o caso de Antoine Prost para o qual a história do tempo presente não é nada mais do que a história em si, que nada a singulariza e que é, por conseguinte, um “pseudoconceito sem conteúdo verdadeiro”.

Defenderei, de minha parte, a ideia de uma verdadeira singularidade da noção da história do tempo presente que reside na contemporaneidade do não contemporâneo, na espessura temporal do «espaço de experiência» e no presente do passado incorporado. Encontrei essa concepção nos estudos de Pierre Nora na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), em 1976, quando ele foi eleito para uma cátedra em “História do tempo presente”. Pierre Nora referia-se a história contemporânea como “o parente pobre dos estudos históricos; tomada de inferioridade em seu próprio princípio”.[3] O historiador norteava-se na revolução historiográfica em curso e inaugurada pelos Annales que colocou em questão o princípio intangível ao século XIX, de uma história como ciência do passado. Ele insistia em definir as ambições de sua disciplina sobre a noção de presente: “É lógico que a indagação do historiador expande naturalmente seu horizonte no tempo presente: um presente cuja espessura própria e a opacidade transparente apresentam ao estudo, no entanto, problemas de método singulares. Estas são as características originais desta nova consciência histórica que, por falta de meios, teríamos a intenção de esclarecer” (DOSSE, 2011). Esta orientação norteou a disciplina de história do tempo presente ministrada na EHESS e vai estar presente na elaboração dos Lugares de memória. Em seu seminário de 1978-79, Pierre Nora claramente vincula sua emergente problemática, a dos Lugares de memória, à problemática do presente. É assim que ele introduz uma inovação historiográfica que transgride a divisão tradicional entre os quatro períodos que distinguem a Antiguidade, a Idade Média, os Tempos Modernos e a Idade Contemporânea: “Apenas tudo remontando muito longe no tempo, podemos compreender que não vamos deixar o mais próximo. E que mesmo em se tratando da Idade Média, nós fazemos história contemporânea” (DOSSE, 2011). Definidos os lugares de memória como um meio-termo entre memória coletiva e História, o tempo presente corresponde a esse meio-termo também entre passado e presente ou o trabalho do passado no presente. O tempo presente não seria então um simples período adicional destacado da história contemporânea, ma uma nova concepção da operação historiográfica.

I - Uma novidade?

A história do tempo presente é realmente uma novidade? Se mergulharmos nos momentos de emergência da disciplina histórica, na Antiguidade, constatamos que esta abordagem já tem o peso de uma longa tradição. Assim, segundo Tucídides, que ouvia o relato das guerras do Peloponeso, não há outra história que a do tempo presente e é em seu nome e suas exigências que ele critica com veemência Heródoto, chamado de logógrafo e de mitólogo. O contrato de verdade, próprio ao discurso do historiador, pressupõe, segundo Tucídides, a testemunha ocular. O que ambicionamos restituir é, então, a historicização de uma experiência transversalizada: “O autor se pôs a trabalhar desde os primeiros sintomas da guerra”, escreveu Tucídides antes de se lançar na narrativa da guerra. Cortando assim da História qualquer pretensão de restaurar aquilo que precede o presente, Tucídides reduz a operação historiográfica a uma restituição do único tempo presente. Por outro lado, o pensador grego na referida narrativa privilegiou a testemunha ocular e a oralidade.

Quando a história se profissionalizou no século XIX com a escola metódica, os historiadores privilegiaram, ao contrário, as fontes escritas e insistiram na necessidade de uma objetivação que passou pelo estabelecimento de uma ruptura entre o passado e o presente. As fontes documentais disponíveis nos arquivos foram produzidas há mais de cinquenta anos, em função dos prazos de guarda da documentação permanente. Isso resulta em uma desqualificação da história imediata.

A partir dos anos 1930, um dos aspectos inovadores da escola dos Annales, instituída por Marc Bloch e Lucien Febvre, foi o de reintroduzir a história ao presente. Podemos então ler na revista Annales artigos sobre processos vigentes naquele momento: sobre Franklin Delano Roosevelt e sua política do New Deal; sobre a coletivização de terras na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Além disso, Marc Bloch definindo a metodologia da disciplina histórica insiste sobre o vai e vem constante entre o passado e o presente: “A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas não é talvez coisa menos vã consumirmo-nos a compreender o passado, se nada sabemos do presente” (BLOCH, 1949, p. 47). Daí o valor heurístico que Marc Bloch atribui ao presente que, segundo ele, deve induzir o historiador a uma abordagem recorrente “às avessas”, que parta do menos desconhecido para ir ao mais opaco. O historiador utilizou-se desse processo, que o levou a escrever sua obra-prima, Os Reis Taumaturgos, com base em uma reflexão sobre os boatos presentes no front, quando era capitão do exército francês durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), em um momento em que as redes estabelecidas de informação não funcionavam mais. Este fato o auxiliou a entender como na sociedade medieval pôde se espalhar a crença coletiva no poder de cura dos reis da França e da Inglaterra. Da mesma forma, para compreender as estruturas agrárias da Idade Média, Marc Bloch parte do que observou no presente, ou seja, a oposição entre os campos cercados e as pastagens comunais. O mesmo afirma Lucien Febvre (1953): “O homem não se lembra do passado, ele o reconstrói sempre... Ele parte do presente – e é por intermédio dele, sempre, que ele conhece, que ele interpreta o passado”. Entretanto, o desenvolvimento da escola dos Annales, durante e após a Segunda Guerra Mundial, incitou o discurso do historiador para o estudo de permanências, de invariantes do modelo estrutural e para a longa duração, como o definiu Fernand Braudel. Os estudos históricos se voltaram fortemente para a análise dos períodos medievais e modernos, deixando de lado a história do tempo presente. Isto se acentuou ainda mais entre os anos 1950 e 1970, pelo fato de passarmos da história quase imóvel de Braudel à “história imóvel”, tal como definiu Emmanuel Le Roy Ladurie (1978). O resultado foi um longo eclipse do tempo presente, reduzido à insignificância. É significativo que René Rémond, em 1957, defenda uma história contemporânea marginalizada, intitulando seu discurso: “Defesa de uma história negligenciada”.

II - Um “retorno” espetacular

Na contracorrente do processo descrito anteriormente, tínhamos nos anos 1950 e 1960, a produção de uma história do presente e de uma história política baseadas no contemporâneo no Instituto de Estudos Políticos de Paris (IEP) e no Departamento de História da Universidade de Paris 10 - Nanterre, onde encontrava René Rémond. Além disso, constatamos que um grande número de historiadores cristãos progressistas também afirmou o primado da história do tempo presente à contracorrente dos Analles. Para eles, “o conceito do presente toma um sentido muito forte de presença no mundo” (1993). Trata-se, entre outros, de René Rémond, François Bédarida, Jean-Pierre Rioux, Henri-Irénée Marrou, André Mandouze e Jacques Julliar. Esse presente, como fonte de significado, era o objeto de exploração histórica em resposta às solicitações e indignações do momento (em um meio alarmado e indignado com o uso da tortura pelo exército francês em nome dos ideais republicanos), em plena guerra na Argélia. Henri-Irénée Marrou insistiu nesse discurso maior do presente propondo uma equação que o expressava. Para o historiador, a História resulta de uma equação do passado sobre o presente (H = P/p), e não de uma restituição do passado, mais infelizmente uma pequena parte inevitável de presente (H = P+p), tal como a escola metódica, dita positivista, concebe-a: "Para eles (os positivistas), a História é algo do passado, objetivamente registrado, mais ainda (infelizmente!), uma intervenção inevitável do presente do historiador” (MARROU, 1954).

O filósofo Paul Ricoeur, desde 1952, enfatiza o caráter misto da epistemologia da História, onde se verifica a constante tensão entre passado e presente, subjetividade e objetividade. Para o autor, “A linguagem histórica é necessariamente equivocada” (RICOEUR, 1965). Em discrepância com o triunfo da história imóvel, Pierre Nora escreveu em 1972 – texto retomado em 1974 – sobre “o retorno do fato” (NORA, 1974). Em 1978, a obra A nova história, dirigida por Jacques Le Goff, dedicou um espaço substancial a um tema considerado naquele momento importante: “A história imediata” que foi confiado a Jean Lacouture. Este pesquisador simboliza bem essa identidade dupla da história imediata, simultaneamente histórica e jornalística, dessa modalidade da História. Jean Lacouture era, ao mesmo tempo, um dos grandes repórteres dos periódicos Le Monde e do Nouvel Observateur, autor de grandes biografias de contemporâneos, bem como, desde 1963, coordenador de uma coleção da Editora Seuil que se chama justamente “A história imediata”.

Na Europa, assistimos, nesses mesmos anos de 1970, a uma transformação de Institutos Nacionais criados após a Segunda Guerra Mundial. Na França, em 1978, o Comitê de História da Segunda Guerra Mundial se transformou em Instituto de História do Tempo Presente (IHTP), laboratório sob direção de François Bédarida. O mesmo ocorreu em outros países da Europa. Em 1945, por iniciativa do governo dos Países Baixos, foi criado em Amsterdã um Instituto (Institute for War, Holocaust and Genocide Studies) que abriga a documentação da guerra. As investigações sobre os acontecimentos de julho de 1995 – publicadas em 2002 – sobre o massacre de Srebrenica ficaram sob a guarda deste Instituto. De forma geral, assistimos a uma banalização da história do tempo presente na Europa. É também o caso da Grã-Bretanha em que o Journal of Contemporary History define seu campo de estudo, desde 1996, como o estudo da Europa no século XX. Na França, Jean-Pierre Rioux cria, em 1984, a revista Vingtième Siècle, que tem como objeto reflexões sobre o tempo presente.

III - A relação com o passado mudou nossa relação com o futuro: um novo regime de historicidade?

Até então temos vivido com a ideia de um futuro certo, de uma incerteza do presente e da opacidade do passado. É isto que está mudando diante de nossos olhos. Há uma presença marcante do passado no espaço público, que não é nova, mas que ganhou intensidade. Na atualidade, nós atravessamos uma grave crise de historicidade em função da crise da noção futuro. Noção de futuro que põe em questão a postura clássica do historiador como intermediário entre o passado e o devir. Essa mudança na nossa relação com o futuro, a crise de todas as escatologias e, assim, o colapso das teologias, tem o efeito de modificar nossa relação com o passado, abrindo-o sobre um presente exposto, em uma forma de presentismo. Esta situação é marcada pelo desaparecimento gradual de toda cronosofia que dá um sentido imanente à “flecha do tempo”. A busca por sentido deslocou a atenção para a ação no momento de sua realização. Isto colocou foco sobre o presente como detector de sentido relacionando-o com a memória, a comemoração, o patrimônio e a arquivização. A crise do futuro deixa cada vez mais indeterminado o que deve ser dignificado como histórico, gerando daí a indistinção daquilo que pode acionar o horizonte de expectativa.

A relação entre a história e a memória se tornou central na problematização da relação entre verdade e fidelidade. Isso remete ao necessário “trabalho de memória” para evitar as patologias memoriais: sobrecarga de memória aqui, insuficiência de memória lá, como observou Paul Ricoeur (2000). Como por exemplo: de ambos os lados da Cortina de Ferro, as lembranças oprimidas pelo punho de ferro dos partidos comunistas no poder; as páginas sombrias da história da França como aquela do regime de Vichy que colaborou com a Alemanha nazista; ou a guerra da Argélia... A dialética da História e da memória ajudou a incutir mais verdade na fidelidade, suscitando o necessário trabalho da memória e a construção de uma história social da memória coletiva. A ambição é ter sucesso com mais verdade, processo possibilitado pela História de construir uma memória compartilhada, isto é, mais “pacífica”.

Além disso, a história do presente ou a história no presente exige uma reflexão sobre o ato de escrever a História, sobre a equação subjetiva do historiador. Mais uma vez, encontramos as ideias iniciais de Pierre Nora (1987) de quando ele inventava nos anos 1980 um gênero novo, o da ego-história. Essa escritura do historiador, tendo em vista uma subjetividade publicamente assumida, encontrou muita resistência em um meio pouco habituado a escrever “a descoberto”. Mas consideramos que esse desvio é indispensável para a história do presente, ou seja, de conhecer o lugar de enunciação do historiador, a instituição necessária em função da qual ele conduz sua investigação e o momento preciso durante o qual ele escreve sua prática. Esse reconhecimento da subjetividade acompanha, então, a virada historiográfica da disciplina histórica como seu corolário inevitável, e não é anódino constatar que Pierre Nora começou na mesma época, em meados dos anos 1980, seu projeto de ego-história e a publicação dos primeiros volumes de seus Lugares de memória. O historiador deve, desse modo, renunciar a uma postura de domínio que era muitas vezes a sua e que o permitia acreditar que ele podia definitivamente “fechar” os registros históricos. Dessa mudança historiográfica resulta uma ampliação do conceito de “tempo presente” que não é mais considerado um simples período adicional mais próximo. O conceito remete em sua acepção extensiva ao que é do passado e nos é ainda contemporâneo, ou ainda, apresenta um sentido para nós do contemporâneo não contemporâneo. A noção de “tempo presente” se torna nesse contexto um meio de revisitação do passado e de suas possíveis certezas, como também as possíveis incertezas. A distância temporal que nos separa do passado se transforma, porque até então considerada uma desvantagem, ela se transforma em uma sedimentação de camadas sucessivas de sentido que expandem o seu alcance graças à maior profundidade.

Assim, esta “relação social com o tempo”, redefiniu na França a identidade da disciplina. A virada tomada pela escola dos Annales em 1988-89 confirma essa tendência que o comitê executivo da revista chamou de “o ponto crítico” (DELACROIX et al, 2007). O historiador é convidado a uma nova abordagem, este que tinha a tendência de rebaixar todos os fenômenos históricos nos sistemas de causa, vai de agora em diante ser mais atento não apenas a certa indeterminação dos fatos, mas à importância maior de seus traços. Passamos, como analisou Carlo Ginzburg (1989), do paradigma galileano ao paradigma indiciário; do causalismo à desfatalização; à busca dos vestígios.

Os historiadores se desfizeram, assim, de suas ilusões realistas sem cair no relativismo. Como afirma o psicanalista Jacques Lacan, “o real é o impossível”. Isso é verdade para o historiador que nunca será capaz de obter êxito com uma plena ressurreição do passado, ao contrário do sonho nutrido pelo historiador romântico Jules Michelet no século XIX. Certamente o contrato de verdade continua fundamental para a disciplina histórica e constitui uma boa parte de sua identidade e de sua função social, mas essa intenção de veracidade não é tudo na escrita histórica. Esta intenção se situa, segundo Paul Ricoeur, em sua fase documental e a este nível. Sendo assim a História se insere no âmbito de uma epistemologia popperiana, pois ela deve responder à verificabilidade de suas asserções e de suas falsificações.

Mas os historiadores que atualmente tomam consciência de um enxugamento necessário de suas explicações não pretendem mais restituir uma verdade total sobre a realidade tal como ela acontece, pois eles são mais conscientes que sua investigação é sempre mediada pelo discurso e deve, então, levar em conta todas as mediações que permitem restituir algo de real. A este nível, o conceito de Paul Ricoeur de “representância” é importante para lembrar que se a História é narração, discurso, escrita, ela carrega uma intencionalidade, que é aquela de seu horizonte veritativo. Uma vez que esse trabalho sobre a verdade documental é estabelecida por meio da tradicional crítica interna e externa das fontes, resta ao historiador a tarefa de construir uma História reflexiva que leva em conta a âncora discursiva. Um aspecto significativo do período atual é a tomada de consciência por um número crescente de historiadores de que a escrita histórica não é uma simples mimese do real, puramente passiva, mas que ela resulta de uma tensão entre, de um lado o desejo de perceber o que aconteceu, como aconteceu, como encorajava o historiador alemão no século XIX Leopold Ranke e, por outro lado, o questionamento que emana do presente do historiador. Este último deve viver esta tensão evitando dois obstáculos: por um lado se limitar a uma curiosidade antiquizante (o antiquário erudito, fechado no passado) e, por outro lado, ele deve evitar cair nas tentações de anacronismo que podem ter um grande interesse heurístico, mas que podem também ser a fonte de uma atitude indiferente à estranheza do passado e, como tal, marcaria o que Lucien Febvre denominou pecado imperdoável do historiador.

Hoje, o historiador é levado a explicitar de onde ele fala, a tornar mais transparente seu ofício, suas ferramentas, seu andaime, ou todas as mediações que lhe permitem a construção de sua trama. O desvio historiográfico é, nessas condições, indispensável. Ao contrário da memória que pode reivindicar uma relação direta com o seu objeto, a História é sempre um conhecimento feito de mediações, e se situa em um entre-dois, um entrelaçado. O historiador está ao mesmo tempo em posição de exterioridade em relação a seu objeto, devido a distância temporal, e em situação de inferioridade pela sua intencionalidade de conhecimento, que Paul Ricoeur denomina de seu eu de pesquisa. A História é inicialmente, como afirmava Lucien Febvre, do “construído”. Isso é verdade desde o primeiro estágio de sua construção, ou seja, no processo de armazenamento dos documentos. O historiador faz nesse estágio a opção de pôr de lado uma boa parte do arquivo de que dispõe, tendo por base seus juízos de importância e de seus planos de interpretação. No segundo estágio, o de explicar/compreender, a subjetividade histórica está vinculada ao tipo de ligação de causalidade que ele enfatiza e, finalmente, no terceiro estágio a subjetividade intervém, de maneira ativa, na relação estabelecida entre o mesmo e o outro, na necessária tradução da linguagem do passado para a linguagem do presente, no fato de nomear o que não é mais em termos contemporâneos. Ele se choca com a impossível adequação entre sua língua e seu objeto, o que requer um esforço para imaginar e traduzir o que pode ser o mais adequado para tornar inteligível o que não é mais. O quarto plano de intervenção da subjetividade é o caráter humano do conhecimento histórico. Trata-se, neste nível, do horizonte de reencontro do outro, para além da diferença temporal. Assim, a escrita histórica está em uma relação instável, presa entre o que lhe escapa, o que está sempre ausente e o desejo de tornar presente, ou ainda, de tornar visível o ter-sido.

Se é necessário partir do presente para fazer perguntas ao passado, é preciso, contudo, desconfiar de qualquer projeção do presente sobre o passado, pois ela é necessariamente ilusória. Como experimentou Michel de Certeau (1970): “Minha pesquisa me ensinou que, estudando Surin, eu me distingo dele”. A história não é um jogo de espelhos, é um jogo de lacunas em um entre-dois não estabilizado. Ao mesmo tempo, o historiador é de um lugar e de um tempo inscritos nas categorias de um “Aqui e Agora” que vão desempenhar um papel importante no tipo de relato histórico. É uma lição de modéstia, a qual convida Michel de Certeau: “A história nunca é certeza” (Certeau, 1970, p.7). A nova postura do historiador que renunciou ao domínio é uma postura que consiste em fazer perguntas às respostas dadas no passado e em destacar a caducidade das grades taxonômicas que pretendem dobrar o real às suas codificações. Michel de Certeau novamente dá um bom exemplo sobre a possessão de Loudun, ele, que é o maior especialista desse registro histórico, afirma: “O próprio historiador se iludiria se ele acreditasse estar livre dessa estranheza interna na história arrumando-a em algum lugar, fora dele, longe de nós, em um passado fechado” (CERTEAU, 1970, p. 327). O enigma sobrevive, portanto, na pesquisa.

IV- Problemas e desafios da História do Tempo Presente

Não podemos negar que se a história do tempo presente teve alguma dificuldade para ser reconhecida, isso se deve a certas deficiências que lhe são específicas. É, por exemplo, impossível para um historiador do tempo presente, ao contrário de qualquer outro historiador, proceder com uma retrospecção: “O drama da história do tempo presente é precisamente que ele não pode nunca passar da predição do futuro” (HOBSBAW, 1993). De sua parte, o filósofo Raymond Aron não está longe de pensar também que a história do tempo presente é impossível por não poder mensurar os efeitos dos acontecimentos, pois é em princípio cortada de todo futuro que permanece indeterminado. Aron defende, então, uma concepção tradicional da História construída tendo por base a partir da ruptura entre passado e presente: “O objeto da história é uma realidade que cessou de ser”. O historiador do tempo presente é também confrontado com o privilégio da “poeira” de arquivos recentes não hierarquizados, uma vez que não sabe, devido à falta de conhecimento do futuro, o que se revelará importante e o que só será acessório. Além disso, a História do tempo presente não permite destacar as regularidades, as continuidades e os riscos do factual que pode torná-la tributária dos “caprichos da mídia”. Desses problemas inegáveis, devemos concluir a impossibilidade da História do tempo presente? Não é o caso, pois ela também tem algumas “cartas” para jogar e gerou alguns bons avanços historiográficos.

Entre as realizações da História do tempo presente, devemos mencionar em primeiro lugar que os historiadores que trabalham com o presente têm a necessidade, para realizar com maior êxito suas pesquisas, de trabalhar com os cientistas políticos, jornalistas, sociólogos, geógrafos, psicanalistas, antropólogos e críticos literários. Isso resulta em uma abertura da prática histórica sobre outras práticas, que permite novos esclarecimentos graças a esses intercâmbios frutuosos entre diferentes disciplinas. Além disso, os historiadores do tempo presente são confrontados, mais do que outros, com a necessidade de uma prática consciente de si própria, o que impede qualquer ingenuidade frente à operação historiográfica que sabemos ser complexa. O historiador é necessariamente levado a pensar por si próprio.

A história do tempo presente na medida em que ela é confrontada com a opacidade total de um futuro desconhecido é uma bela escola de desfatalização que encontra a indeterminação do presente e que reflete sobre a abordagem do passado, ou seja, como o presente “deslizando”, ou ainda, como o presente continuado. O historiador, então, recebe uma nova tarefa que é a de encontrar a indeterminação do presente das sociedades passadas. Essa nova ambição leva a uma reavaliação da contingência, da pluralidade das possibilidades, da diversidade das escolhas possíveis dos atores.

A outra importante singularidade da História do tempo presente é a importância de testemunhas em sua construção, ainda mais se definirmos os limites dessa história como tendo que coincidir com a copresença de seus atores, isto é, com a duração da vida humana. Pelo fato de ainda existirem testemunhas vivas dos fatos relatados, a transmissão de testemunhos tem um valor matricial:

Ela cobre uma sequência histórica marcada por duas balizas móveis. No montante, essa sequência remonta aos limites da duração de uma vida humana, fazendo com que seja um campo marcado, sobretudo pela presença de testemunhas vivas, traço mais visível de uma história que virá a ser. A jusante, essa sequência é delimitada pela fronteira, muitas vezes difícil de localizar, entre o momento presente – a atualidade – e o instante passado (IHTP, 1991).

Assim, essa História é uma história “sob vigilância”, a de testemunhas que podem contestar os registros históricos nos quais não se reconhecem, o que torna ainda mais necessária uma estrita articulação entre História e memória. Outra grande conquista é que a História do tempo presente contribuiu com a superação da oposição radical estabelecida pelo sociólogo durkheimniano Maurice Halbwachs, nos anos 1920-1930, entre histórica-crítica e memória vivida. A distinção necessária entre essas duas dimensões deve-se a Halbwachs, porém o referido autor a absolutizou demais fazendo um corte intransponível a ponto de só existir História a partir do momento em que todo traço de memória vivida houvesse desaparecido. Halbwachs sistematizou de maneira binária a oposição entre uma memória que seria do lado do afetivo, do emocional, do privado, do individual e da mudança constante da dimensão histórica que seria do lado da razão, do conceito, do universal, do leigo. Esta oposição radical entre o considerado “quente” e o “frio” perdeu sua relevância especialmente porque a História perdeu suas certezas de disciplina puramente científica e a memória, por sua vez, tornou-se o objeto de um olhar de objetivação. Erigimos hoje a memória como objeto da História, como sua matriz (ROUSSO, 1987). Daí o fato de que os historiadores se interessam por novas fontes, as fontes orais, já que “a própria definição da história do tempo presente é ser a história de um passado que não está morto, de um passado que ainda se serve da palavra e da experiência de indivíduos vivos” (ROUSSO, 1998, p. 63). Não podemos afirmar que a História do tempo presente carece de arquivos, pelo contrário, eles são superabundantes (os testemunhos, as imagens, as entrevistas, a imprensa, a literatura científica não acessada pelo grande público e os arquivos privados). Entretanto, a História do tempo presente não é sinônimo de história oral tal como é considerada muitas vezes a Escola de Chicago. Não se trata de sacralizar a oralidade depois de ter sacralizado as fontes escritas em um movimento de pêndulo excessivo. Os historiadores do tempo presente recusam reduzir a operação historiográfica a uma simples extensão e expressão da memória.

Nos debates sobre as especificidades da História do tempo presente o problema de seus limites cronológicos é colocado em questão. Seria ela constituída pela “memória da última catástrofe”, como sugere o historiador alemão Ulrich Raulff. Isso remete a questão da periodização, ou seja, da delimitação temporal para saber a partir de quando podemos falar do tempo presente. Por um longo tempo, a ruptura dramática da Segunda Guerra Mundial foi dada como o nascimento desse tempo presente, mas na medida em que nós nos distanciamos desse período, o problema permanece. Daí a pergunta feita por Peter Lagrou no intuito de saber se o tempo presente não deve ser declinado ao passado. Segundo Peter Lagrou, não podemos mais falar em 2003 como Bédarida em 1980, quando este evocava um continuum entre os anos 1930 e os anos 1980, pois houve uma ruptura decisiva, o encerramento de 1989 com a queda do muro de Berlim e o colapso do sistema comunista que mandou para o passado tudo o que o precedeu. O tempo presente se reduziria, assim, de acordo com Lagrou, ao período que se estende de 1989 aos nossos dias. Essa definição em termos de periodização incide sobre a noção do tempo presente porque esse último pressupõe uma unidade temporal entre sujeito e objeto. A ideia de uma “matriz do tempo presente”, que consistiria na Segunda Guerra Mundial, seria hoje obsoleta. Por sua vez, Paul Ricoeur preconiza a distinção entre um tempo fechado, como se poderia dizer, do período entre 1939 e 1945, correspondente à Segunda Guerra Mundial, ou ainda, o período entre 1947 e 1989 que definiria o tempo de vida do sistema comunista pós-guerra e um tempo inacabado como o da crise que perdura no presente.

É necessário também contar com a inspiração psicanalítica que pode ser útil aos historiadores para pensar uma temporalidade que não é mais concebida como linear, mas um tempo compartimentado. Esta é a contribuição das reflexões sobre o tempo do psicanalista André Green (2000). A noção de après-coup (só-depois, a posteriori) de Freud é de fato útil para o historiador na sua reflexão sobre a pluralidade dos regimes de historicidade que implica uma heterocronia, um tempo não linear. O après-coup coloca em questão a abordagem genética e quebra o modelo temporal clássico. Freud mostra que o sentido não está simplesmente relacionado ao ser-evento (événementialité) em si, mas à maneira como se inscreve no corpo e no tempo, de modo que o sentido está intimamente relacionado com as múltiplas alterações dos traços memoriais. O après-coup pressupõe um depois e um complemento de sentido que só florescem mais tarde, daí uma causalidade diferida. Nessas condições, aquelas em que um evento posterior pode tudo mudar, não podemos saber o que será importante no futuro. O tratamento analítico visa à perlaboração. Tem por objetivo vincular, representar, contextualizar, diferir, mudar de forma para evoluir e evitar a compulsão de repetição que é o antitempo em que tudo deve voltar ao ponto de onde partiu. O resultado de uma análise de André Green não é um achado de inconsistência ou a inexistência da história, mas a descoberta de outra coerência histórica, e não a que se acreditava antes da análise. Há uma analogia com a História em sua relação com a memória. Não mais do que a memória, o tempo presente não sai intacto dessa retrospecção. O modelo memorial proposto por André Green para o psicanalista pressupõe alteração, durabilidade e ressurgimento: “Psicanaliticamente, podemos considerar presente tudo o que no psiquismo se relaciona com a experiência em curso e que é vivida” (GREEN, 2000, p.224).

A “pesada” categoria do espaço da experiência

As reflexões sobre o tempo presente estão inseridas em uma rica e longa tradição. Santo Agostinho já havia assentido uma prevalência à categoria do presente quando este, no Livro XI das Confissões, abordou a questão: — “O que é o tempo?”. Para respondê-la, o autor se voltou para um presente expandido, ou seja, para uma temporalidade que englobava a memória das coisas passadas e a espera das coisas futuras: “O presente do passado, é a memória, o presente do presente, é a visão, o presente do futuro, é a espera”, de onde surge um triplo presente que dá lugar a uma abordagem de um tempo íntimo, psicológico.

A fenomenologia de Husserl confirma essa insistência sobre o presente e sobre o tempo da consciência. Husserl não limita o “agora” a um instante fugidio. Ele o inscreve numa intencionalidade longitudinal segundo a qual é ao mesmo tempo a retenção do que acabou de se produzir e a protensão da fase a vir (HUSSERL, 1964).

Por seu lado, mais recentemente, a hermenêutica da consciência histórica com Paul Ricoeur integra todas as dimensões do agir e da prática, sob o regime da noção “de ser afetado pelo passado”. O autor se inspirou nas análises de Reinhart Koselleck para destacar duas categorias meta-históricas: o espaço de experiência e o horizonte de espera. O espaço de experiência não se reduz à persistência do passado no presente, pois “O termo do espaço evoca possibilidades de percursos dependendo de múltiplos itinerários, e, sobretudo, de agrupamento e de estratificação em uma estrutura em camadas que faz escapar o passado assim acumulado da simples cronologia” (RICOEUR, 1985, p. 376). Quanto à espera que é o futuro-tornado-passado, ela se virou para um não-ainda, e esses dois polos se condicionam mutuamente: “Sem expectativa, sem experiência; sem experiência, sem expectativa” (KOSELLECK, 1979, p. 309). Essa hermenêutica da consciência histórica inaugura uma ruptura radical com a concepção linear do tempo por essa integração da parte vivida pela cronologia. Assim, Koselleck pode apresentar uma concepção descontinuísta e plural da temporalidade:

Cronologicamente, a experiência examina atentamente secções inteiras de tempo, ela não cria qualquer continuidade no sentido de uma apresentação aditiva do passado. Ela é, antes, comparável à janela de uma máquina de lavar, atrás da qual aparece ocasionalmente um pedaço de roupa colorido contido na máquina (KOSELLECK, 1979, p. 312).

Nesse final do século XX e início do XXI teríamos entrado em um novo regime de historicidade? A ideia de um termo novo parece suspeita e relacionada à ilusão das origens. Além disso, a crise da ideia de progresso, a crise do que está para vir e do futuro, reflete sobre nosso espaço de experiência, por isso a nossa relação com o passado. Paul Ricoeur preconiza distinguir a tradição e o tradicionalismo, fazendo deste último item um transcendental (o tempo atravessado, como uma fusão de horizontes). O tradicionalismo significa que a distância temporal que nos separa do passado “não é um intervalo morto, mas uma transmissão geradora de sentido” (RICOEUR, 1985, p. 399). O passado nos questiona à medida que o questionamos. Quanto ao presente, ele é colocado sob a égide do conceito de iniciativa, de um fazer, ou ainda, de uma conexão. Uma História do tempo presente abriria, então, seus extremos a todo o espaço da experiência, em nome do futuro de um passado tornado fonte de um agir.

Reconfiguração do papel social do historiador: da cátedra à especialização

A História do tempo presente responde também a um aumento da demanda social, uma vez que o historiador que é cada vez mais solicitado. Neste sentido a responsabilidade do historiador, segundo François Bédarida, remete a três funções: a função crítica, a função cívica e a função ética. Isso induz duas “missões” contraditórias: de um lado, o discurso de desmistificação das crenças veiculadas pela memória coletiva para fazer valer um discurso racional. Por outro lado, o historiador é chamado a ajudar a formar a consciência histórica e a memória dos contemporâneos, bem como a construir uma cultura comum.

O exercício desta dupla responsabilidade pode ter sérias restrições e até mesmo momentos em que o historiador fica preso entre dois imperativos contraditórios. Mas, em todo caso, isso implica duas condições para o bom exercício da profissão do historiador. De um lado a independência, a exigência da liberdade do trabalho e de pesquisa que produzem uma reação às leis memoriais e a criação da associação “Liberdade para a História”, que pretende acabar com essa forma de santuarização de alguns assuntos históricos pelo Estado. Em segundo lugar, a pesquisa histórica pressupõe o respeito escrupuloso dos cânones da disciplina, de seu pacto de verdade, o que permite colocar um impedimento às teses fantásticas ou criminais, tal como, a dos negacionistas que fingem que as câmaras de gás não existiram.

Vemos atualmente um aumento da demanda por especialização. Em 1996, o ministro francês Jack Lang instituiu a “Comissão René Rémond” para produzir o Relatório sobre “O arquivo judeu” durante a guerra. No mesmo ano estourou o caso Karel Bartoseck, que publica Confissões dos arquivos, Praga-Paris 1948-1968 e inspira a reação de Alexandre Adler contra “a história no estômago” e, depois, a de Pierre Daix contra o questionamento de Artur London. Um texto dos contemporaneístas assinado “Por Bartoseck” fecha autoritariamente o debate. Em 1997, o caso Aubrac parte de um livro de Gérard Chauvy, Aubrac, Lyon, 1943. O autor denuncia o “jogo duplo” da parte do resistente Aubrac, que teria sido um agente soviético e, depois, trabalhado para a Gestapo. Isso provocou um clamor entre os historiadores. O jornal Libération organizou uma mesa redonda de historiadores especialistas do período que gerou problemas, demonstrando assim que podemos fazer a História do presente diretamente na Mídia. Em 1997, realizou-se o julgamento Papon e os historiadores especialistas do período foram chamados para depor: Jean-Pierre Azéma, Robert Paxton, Raymond Amouroux…Uma participação de especialistas da História de tal monta não se realizou sem levantar problemas e suscitou a recusa de testemunhar da parte de Henry Rousso, o então diretor do Instituto de História do Tempo Presente. De fato, o status do historiador frente à justiça nesse tipo de caso não é claro. Ele é chamado a depor como testemunha, sem ter sido, já que não viveu os fatos e é considerado expert, embora, ao contrário dos outros especialistas, ele não tenha acesso ao dossiê. O historiador pode inferir sobre a verdade histórica (que é sempre uma interpretação), mas não sobre toda a verdade.

Nós estaríamos no que Annette Wieviorka (1998) chama de “a era da testemunha”, período que remonta a 1961, no momento do julgamento de Eichmann durante o qual o promotor geral, Gédéon Hausner, ao contrário de Nuremberg, deslocou a atenção que tínhamos em 1945 sobre os executores, para a compaixão que sentimos pelas vítimas, pois se tratava de algo para enriquecer o futuro da “biblioteca da História”. É ao presente que se dirige o julgamento por meio de testemunhas, de modo que o promotor as fez passar por um tipo de casting para julgar aqueles que saberiam passar com mais emoção a sua mensagem.

Conclusão

Como podemos constatar, o presente não é mais visto em nosso tempo como um simples lugar de passagem contínua entre um antes e um depois, mas, tal como concebido por Hannah Arendt, como uma “lacuna” entre passado e futuro. Essa noção de “lacuna” pode traçar melhor o que o presente pode revelar de descontínuo, de ruptura e de início. Ela remete à noção geracional que permite estruturar a experiência do presente no plano coletivo. Segundo essa visão, o tempo não é um continuum, mas ele se interrompeu no ponto em que o ser humano se encontra e em que ele deve tomar uma posição contra passado e futuro juntos. O presente é para apreender como ausência (CERTEAU, 1993). Como afirma Paul Ricoeur (1993, p. 39): “A questão é de saber se, por ser histórica, a História do tempo presente não pressupõe um movimento semelhante de queda na ausência, ao fundo do qual o passado nos interpelaria com a força de um passado que foi uma vez presente”. A história do tempo presente deve ser guiada por uma pesquisa no sentido de não ser mais um Telos, mais um Kairos, não mais um sentido preestabelecido, mas um sentido que emerge do fato que lhe da origem.

Referências

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Notas

[1] A revisão da tradução do presente artigo foi realizada pela historiadora Silvia Maria Fávero Arend, professora do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade do Estado de Santa Catarina.

[2] Temps présent et contemporanéité, IHTP, 24 a 26 de março de 2011.

[3] Pierre Nora, notas preparatórias para seu curso do ano de 1978-1979, citadas em DOSSE, 2011, p. 290.

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