O menino maluquinho não conseguiu segurar o tempo por quê

Em sua deliciosa narrativa, Ziraldo fala, no clássico "O menino maluquinho", sobre o implacável passar dos dias, dizendo que o pequeno protagonista – e grande goleiro – só não conseguiu segurar uma coisa: o tempo. Inspiração para autores de diversas expressões culturais, a infância é normalmente um tema carregado de nostalgia e belas lembranças. Para celebrar este Dia das Crianças, a Tribuna conversou com alguns artistas locais, constatando que, apesar da inevitabilidade do correr do tempo, é possível viver o frescor e a vitalidade da infância por meio da convivência com pequenos maluquinhos, como o carismático personagem do escritor mineiro.

Diretora do Fórum da Cultura e atriz do Divulgação, Márcia Falabella agradece pela sorte de sempre ter tido por perto os sobrinhos Marcella (15), Matheus (13) e Rafael (5), além da afilhada Aimée (15). "Esse convívio com eles desde que nasceram não me deixa perder a conexão com a infância. Isso para um ator é fundamental, porque teatro é jogo. É preciso ter o descomprometimento infantil para criar. Principalmente quando fazemos peças para crianças. Não dá para fazer uma personagem retardada, pensando que essa é a linguagem deles, porque não é. Além disso, eles acabam por me atualizar em relação ao gosto e à linguagem da geração deles."

A atriz conta que, apesar de nunca ter se inspirado nos sobrinhos para compor um personagem, algum gesto ou olhar sempre acaba sendo incorporado. Ainda segundo a atriz, o prestígio deles na plateia é um norte para seu trabalho. "São uma referência, meu público especial. Interpreto muito para eles e creio que curtem bastante. Principalmente quando pequenos, têm um olhar de encantamento com o teatro. Aos poucos, eles começam a pensar que a tia deles não é muito boa da cabeça!", brinca.

A chegada de Julieta, hoje com 7 anos, transformou completamente o trabalho da mãe Priscilla de Paula, professora da UFJF e artista plástica e visual. "Num primeiro momento, muito diretamente, voltei-me à produção de artigos e imagens para a infância: livros, ilustrações e até um site pra crianças, todo ilustrado por mim, chamava- se ‘Sbodibompi, o planeta de brinquedo’."

Por causa de Julieta, Priscilla também passou a incluir elementos do artesanato em suas obras. "Fiz muitas coisas de costura e crochê, tudo para ela, para decoração. Mas depois esses fazeres foram incorporados ao meu trabalho pessoal, mais maduro. Uso o crochê para a construção de estruturas e instalações e também nas performances." Priscilla acredita, ainda, que o olhar infantil é mais livre, sem os preceitos e preconceitos a que o mundo adulto é submetido em termos de produtividade e funcionalidade. "A criança produz de uma forma mais holística, tem uma visão total do processo de criação e não tem vergonha de expor o que faz. Sem falar que têm um prazer enorme em realizar tarefas artísticas e poéticas."

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‘Não há arte sem um retorno à infância’

Para o músico Dudu Costa, desde o nascimento de Elis, de 2 anos e 9 meses, os temas da infância, da passagem do tempo e da relação entre pais e filhos passaram a ser recorrentes em algumas de suas composições, como "Nossa canção", de Dudu e Daniel Lovisi, da qual a pequena com nome de estrela participa; "Quintal de flor", parceria com o compositor Cacáudio, que fala de um lugar onde as crianças não crescem porque o tempo não passa, "como muitas vezes nós pais sonhamos"; e "Folia no quintal", também com Cacáudio, sobre a importância de um pai saber observar o crescimento do filho e dialogar com isso.

Dudu também conta que a vida ao lado da filha abriu novas possibilidades criativas. "Quando estou com Elis, procuro mergulhar profundamente no seu universo. Vivemos histórias, construímos cabanas em cima da cama, fugimos de dinossauros, subimos em um barco e entramos em alto-mar. Todo artista precisa do lúdico – matéria-prima de uma infância saudável – para criar. Não há arte sem um retorno aos elementos que constituem a infância."

O diretor de fotografia Mauro Pianta teve, em diferentes momentos da vida, a possibilidade de exercitar este retorno com os filhos Guido, de 21 anos, e Benito, de 1 ano e 5 meses. Segundo Pianta, foi através deles que teve a possibilidade de compreender o mundo adulto na visão das crianças. "Como fotógrafo de imagens em movimento, tenho que ficar atento às percepções da história que está sendo contada para conseguir transformá-la em informação visual. Conviver com crianças leva o olhar para os detalhes que normalmente passam despercebidos pelos adultos. Isso me inspira, no meu modo de analisar uma ideia para imagens ou para um roteiro", observa.

Escritora e professora da UFJF, Leila Barbosa também reviveu a infância em diferentes etapas, ao lado dos filhos e netos e se prepara para uma nova experiência: o primeiro bisneto. "Conviver com a infância de diferentes gerações é algo extremamente importante em minha vida pessoal e profissional. As crianças permitem que nos renovemos e estão sempre nos dando alento para nossas criações, nossos encantamentos, nossa vontade de continuar produzindo para mostrar-lhes tudo aquilo que elas nos ensinam por meio de seu deslumbramento em contato com o mundo", conta a mãe de Rodrigo, Gisela e Gustavo e avó de Luísa, Daniel, Lígia, Beatriz e Cael, que aguarda a chegada de Antônio, filho de Luísa.

Para Leila, é gratificante ver que a troca de conhecimento entre pequenos e adultos resulta em bons frutos e aprendizado mútuo. "Isso aconteceu com minhas "crianças": Rodrigo escreve romance, Gisela, livros infanto-juvenis, e Gustavo produz CDs com compositores e letristas de nossa cidade. Estou aguardando os netos – que prometem! – e o bisneto!", diz Leila, "coruja" de todas as gerações.