É consequência automática da condenação criminal transitada em julgado?

É consequência automática da condenação criminal transitada em julgado?

12 de Julho de 1998

Condenação criminal, suspensão dos direitos políticos e perda do mandato eletivo

O cidadão pode ser privado, definitiva ou temporariamente, de seus direitos políticos, em face de hipóteses taxativamente previstas no texto constitucional, pois como afirmava Pimenta Bueno, ao analisar a mesma matéria prevista no art. 8º, inc. II, da Constituição do Império e ressaltando a necessidade de previsão constitucional, "o gozo dos direitos políticos, a participação ou intervenção no governo ou regime político do Estado é tão importante, que a lei não devia deixar de prever as circunstâncias em que ele deve ser interrompido em benefício da segurança social"(1).

A proximidade do período eleitoral traz à discussão a questão sobre condenação criminal transitada em julgado e a suspensão dos direitos políticos, inclusive com eventual perda de mandato eletivo(2), pois o art. 15, III, da Constituição Federal prevê, como efeito desta, a suspensão dos direitos políticos até que ocorra a extinção da punibilidade, independentemente de reabilitação ou de prova de reparação de danos (Súmula 9 do TSE).

Trata-se de norma constitucional auto-aplicável, sendo conseqüência direta e imediata da decisão condenatória transitada em julgado(3), não havendo necessidade de manifestação expressa a respeito de sua incidência na decisão condenatória(4) e prescindindo-se de quaisquer formalidades(5). Assim, a condenação criminal transitada em julgado, independentemente da infração penal cometida(6), quer seja por crime doloso ou culposo(7), quer seja por contravenção penal(8), acarreta a suspensão de direitos políticos pelo tempo em que durarem seus efeitos, pois a ratio do citado dispositivo é permitir que os cargos públicos eletivos sejam reservados somente para os cidadãos insuspeitos, preservando-se a dignidade da representação democrática(9).

Importantíssimo também destacar que, como regra geral, a suspensão dos direitos políticos em face de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos, engloba a perda do mandato eletivo, determinando, portanto, imediata cessação de seu exercício(10), pois necessária é a existência de controles em relação aos mandatos políticos, como forma de respeito à participação popular no poder estatal e garantia da permanência das liberdades civis, como nos ensinam Norberto Bobbio(11) e Roscoe Pound(12).

Conforme destacado pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, no Acórdão nº 116.444, "impõe-se o cancelamento do alistamento e da filiação partidária dos condenados, ex vi do art. 71, inc. II, do Código Eleitoral e art. 69, inc. II, da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, por período igual ao da pena aplicada, aqui incluído o prazo do sursis, perdendo os eleitos, por igual razão, os respectivos mandatos"(13).

Dessa maneira, em relação aos parlamentares estaduais, distritais ou municipais, ou detentores de mandatos executivos federal, estadual, distrital ou municipal, a condenação criminal transitada em julgado, ao acarretar a suspensão dos direitos políticos, igualmente, acarreta a imediata cessação do exercício do mandato. Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao proclamar a cassação de diploma de candidato eleito vereador, porque fora ele condenado, com trânsito em julgado, por crime eleitoral contra a honra, estando em curso a suspensão condicional da pena(14).

O art. 15, III, da Constituição Federal somente não se aplicará em sua inteireza aos parlamentares federais, em virtude da existência de norma especial(15) disposta no art. 55, VI e § 2º, que prevê a necessidade da perda do mandato do deputado federal ou senador, que for condenado criminalmente com trânsito em julgado, ser decidida pela Câmara ou pelo Senado, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

Dessa forma, em relação aos congressistas condenados criminalmente, com trânsito em julgado, não será automática a perda do mandato, pois a própria Constituição estabelecendo que "a perda será decidida", exigiu a ocorrênca de um ato político e discricionário da respectiva Casa Legislativa Federal, absolutamente independente à decisão judicial. Contudo, os parlamentares que se encontrarem nessa situação não poderão disputar novas eleições enquanto durarem os efeitos da decisão condenatória transitada em julgado(16).

Nesse sentido, importante lição nos traz o ministro Moreira Alves, relator do já citado Recurso Extraordinário nº 179.502-6/SP, em cuja decisão o Supremo Tribunal Federal pacificou o assunto (leading case): "Assim sendo, tem-se que, por esse critério de especialidade — sem retirar a eficácia de qualquer das normas em choque, o que só se faz em último caso, pelo princípio dominante do direito moderno, de que se deve dar a máxima eficácia possível às normas constitucionais —, o problema se resolve excepcionando-se da abrangência da generalidade do art. 15, III, os parlamentares referidos no art. 55, para os quais, enquanto no exercício do mandato, a condenação criminal por si só, e ainda quando transitada em julgado, não implica a suspensão dos direitos políticos, só ocorrendo tal se a perda do mandato vier a ser decretada pela Casa a que ele pertencer"(17).

Em conclusão, a condenação criminal com trânsito em julgado acarreta a suspensão dos direitos políticos e a perda do mandato dos parlamentares estaduais, distritais e municipais, bem como dos mandatos executivos federal, estadual e municipal. A perda do mandato, porém, somente não se aplica de forma automática aos deputados federais e senadores, em virtude da existência da norma especial prevista no art. 55, VI, e § 2º, da CF, que prevê procedimento diverso.

Notas

(1) Bueno, Pimenta, "Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império", Rio de Janeiro, Departamento de Imprensa Nacional, 1958, p. 474.

(2) Conferir extenso estudo doutrinário e jurisprudencial em Moraes, Alexandre, "Direito Constitucional", 3ª ed., São Paulo, Atlas, 1998, pp. 229-237.

(3) STF, Pleno, RE nº 0.179.950/SP, Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 08.09.95, p. 28.389.

(4) TRE/SP, Tribunal Pleno, Acórdão nº 125.688, Processo nº 10.572, Classe Segunda, rel. des. Djalma Lofrano, 31.08.96.

(5) No mesmo sentido: Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo, Tribunal Pleno, Acórdão nº 112.985, Processo nº 9.477, Classe Sétima, Rel. juiz A. C. Mathias Coltro, 02.07.92.

(6) TSE, Pleno, MS nº 2.471/PR, Acórdão nº 2.471 (11.09.96), Rel. Min. Eduardo Ribeiro.

(7) STF, Pleno, RE nº 179.502-6/SP, Rel. Min. Moreira Alves, Ementário nº 1.799-09; TSE, Pleno, Recurso nº 9.900/RS, Acórdão nº 12.731, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 24.09.92. Na hipótese tratava-se de suspensão dos direitos políticos em virtude de condenação transitada em julgado por lesões corporais culposas.

(8) TSE, Pleno, REsp. nº 0.013.293/BG, Rel. Min. Eduardo Andrade Ribeiro de Oliveira, 07.11.96.

(9) Voto do ministro Celso de Mello - STF, Pleno, RE nº 179.502-6/SP, Rel. Min. Moreira Alves, Ementário nº 1.799-09. No mesmo sentido: Miranda, Pontes de. "Comentários à Constituição de 1946", São Paulo, Henrique Cahen Editor, 1947, v. III, p. 133.

(10) STF, 1ª Turma, EDcl em EDcl em AgRg em AgI nº 177.313/MG, Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 05.11.96, p. 44.488, Ementário STF, 1.850/1.900; TSE, Pleno, Agravo Regimental na Medida Cautelar nº 33/RO, Acórdão nº 33 (26.08.96), Rel. Min. Marco Aurélio; Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo, Tribunal Pleno, Acórdão nº 112.985, Processo nº 9.477, Classe Sétima, Rel. juiz A. C. Mathias Coltro, 02.07.92.

(11) Bobbio, Norberto. "Igualdad y Libertad", Barcelona, Paidós, 1993, p. 117.

(12) Pound, Roscoe. "Liberdades e Garantias Constitucionais", 2ª ed., São Paulo, Ibrasa, 1987, p. 05.

(13) Tribunal Pleno, Acórdão nº 116.444, Processo nº 22/89, Classe Quarta, Rel. juiz Sebastião Oscar Feltrin, 29.10.92.

(14) STF, Pleno, RE nº 179.502-6/SP, Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, 08.08.95, p. 28.389.

(15) Cf. voto do Min. Moreira Alves, STF, Pleno, RE nº 179.502-6/SP, Ementário nº 1.799-09.

(16) TSE, Pleno, Recurso Especial Eleitoral nº 13.324/BA, Acórdão nº 13.324 (11.03.97), Rel. Min. Ilmar Galvão.

(17) Trecho do voto do Min. Moreira Alves, STF, Pleno, RE nº 179.502-6/SP, Ementário nº 1.799-09.

Alexandre de Moraes
Promotor de justiça em São Paulo e professor de Direito Constitucional.