Diferença da democracia grega e atual

A democracia passou por vários processos de adaptação dentro das sociedades, vivendo em diversos contextos históricos, até chegar à conformação que tem nos dias de hoje. Mas, para melhor compreendermos, iremos expor desde onde a democracia nasceu e em que perspectiva ela era baseada e o que dela ainda sobreviveu (na sua conformação originária) e que ainda nos influencia como cidadãos.

Robert Dahl, em seu livro, ‘A democracia de seus críticos’, faz uma explanação fundamental sobre o que é democracia e o porquê de sua importância, procurando examinar e pôr à prova, diante das questões suscitadas pelos próprios críticos da democracia, os pressupostos mais básicos da teoria democrática. Assim, o autor faz uma interpretação da teoria e prática democráticas, inclusive dos limites e possibilidades da democracia, pois relaciona a democracia com a realidade social, estabelecendo a democracia enquanto processo democrático, que pode ser avaliado de acordo com os critérios de inclusão e competição.[2]

Segundo o autor supramencionado, o processo político está ligado a uma liberdade pessoal, pelo fato de a democracia ser o sistema que mais se aproximou do melhor sistema político viável para o povo, do que comparado com os demais regimes, a saber, pelo fato de se pautar: no direito a voto, na liberdade de expressão, na organização política da sociedade civil, no poder se opor ao governo vigente, tornando-se um instrumento de alcance para a liberdade. Dentro dessa perspectiva, o conceito de democracia, a democracia real que é a Poliarquia, definida por Dahl como um governo que assegurava os direitos, liberdades e oportunidades para uma efetiva participação e influência sobre as decisões políticas.[3]

Para melhor explicação sobre onde nasceu à democracia, o capítulo 1 do livro citado anteriormente, fala sobre “A primeira transformação: a cidade-Estado democrática”, nesse capítulo Dahl inicia sua discussão sobre o surgimento do Estado analisando a sua forma primordial, surgida há 2.500 em Roma e Grécia, dentro de uma perspectiva histórica de que a democracia aparece em diversos contextos que nem sempre se correlacionam, sendo que  na democracia grega foi possível detectar ocorrências de avanços mais significativos para a história da democracia. Mostrando que no século V a.C ocorreu uma transformação nas ideias e instituições políticas entre os gregos e romanos que foram tão significativas a ponto de influenciar as democracias modernas.[4]

  Desta forma apresenta-se o modelo grego, no qual a democracia era formada por diversas cidades-Estado, que até então não eram democráticas, começaram a se organizar em sistemas, o que possibilitou a entrada de um número substancial de pessoas livres para que pudessem participar diretamente do governo. Consequência dessa transformação, surgiu uma nova visão de sistema político, em que havia a possibilidade do povo se governa e também o de ter todos os recursos e instituições necessários para fazê-lo. Dahl ao referir-se a “uma perspectiva grega” de democracia, afirma que, antes mesmo de o termo democracia se tornar o que se tornou, sempre houve na Grécia tendências de igualdade em seu sistema político, como por exemplo, a isonomia que era igualdade perante a lei e igualdade de falar na Assembleia, ganhando assim o povo espaço no sistema político.[5]  

   Nesse sentido, o conceito de demokratia, que surge em Atenas, significa demo, o povo, e kratos, governar, onde os cidadãos atenienses eram cada vez mais aceitos, como única autoridade legítima no governo, ou seja, o governo do povo ganhava terreno para se auto governar e a palavra democracia a mais apropriada para o novo sistema.[6]

Sobre a natureza da polís na Grécia, a polís (cidade) como espaço para a existência humana, a participação na política, que só é possível quando o cidadão supera suas necessidades básicas de sobrevivência (equivalente ao estado de natureza hobbesiano), como Hegel já dizia: o homem se torna livre quando sai do reino das necessidades, porém eram subjugados outros, os excluídos da vida da polís – mulheres, crianças e escravos – que permaneciam na vida privada/familiar/oikos. Uma boa polís é aquela que produz bons cidadãos promovendo sua felicidade e os encoraja agir de forma correta, assim esses fins são harmoniosos, pois de acordo com Dahl o homem virtuoso será feliz e ninguém pode ser verdadeiramente feliz a não ser que seja virtuoso. E assim também ocorre com a justiça, uma vez que a justiça é o que tende a promover o interesse comum, pois uma cidade justa deve ter por objetivo desenvolver cidadãos que busquem o bem comum, ou seja, um cidadão bom é aquele que, nos assuntos públicos, sempre busca o bem da polís.[7]  

Assim, a vida da polís é um aprendizado, onde a harmonia entre os cidadãos, a política como construção coletiva, a homogeneidade da população (bem comum), uma escala reduzida, a participação direta e a autonomia da cidade são características para garantir uma boa cidade e isso é garantindo com cidadãos virtuosos, justos e felizes.[8]

Nesse sentido, a natureza da democracia grega é ter uma boa polís, numa cidade onde todos os cidadãos podiam se reunir em assembleia e agir como governantes da cidade, o que levaria a todos se conhecerem, pois, para haver a efetividade da homogeneidade o demos não poderia ser composto de muitos cidadãos pelo fato de não se encaixar na democracia grega que prezava pela participação direta. Porém numa polís democrática nem sempre o que é o bem para um não vai ser o bem do outro, pois no Estado moderno a realidade é bem diferente da que foi relatada por Dahl pelo ateniense hipotético que trazia uma visão grandiosa sobre a democracia.[9]

A democracia ateniense tinha perspectiva de ordem social ideal, pois na visão grega da democracia, o cidadão é uma pessoa íntegra, para quem a política é uma atividade social, natural, não separada nitidamente do resta da vida, e para quem o governo e a polís não são entidades distantes de si, mas sim o contrário, a participação na vida política para o cidadão grego era uma extensão de sua própria vida, onde os valores não eram fragmentados, mas coesos. No entanto a realidade da vida política grega não deve ser confundida com o ideal almejado, mas não se pode julgar a importância dessa visão para o mundo moderno.[10]

Diante disso na visão grega em termos de consolidação de sua democracia, uma ordem democrática teria de satisfazer pelo menos seis condições: 1. Os cidadãos devem ser harmoniosos em seus interesses para com os demais; 2. Os gregos devem ser homogêneos no que tange as suas características: recursos econômicos, na qualidade de tempo livre de que dispõe, na religião, na educação, ou se forem de raças ou culturas diferentes; 3. O corpo de cidadãos deve ser bem pequeno, para evitar heterogeneidade, desarmonia, para permanecer a religião vigente e a etnia; 4. Os cidadãos devem ser capazes de reunir e decidir, de forma direta sobre as leis e os cursos de ação políticas; 5. A participação dos cidadãos não se limitava ás reuniões da Assembleia, que incluía uma participação ativa na administração da cidade; e por último, 6. A cidade-Estado deve, ao menos idealmente, permanecer completamente autônoma. Entretanto essas condições estavam fora da realidade de todas as democracias modernas que não possuíam harmonia, havia conflitos políticos; o governo representativo; profissionalização da política; subordinação dos elementos a um sistema maior, no nosso caso o Estado, ou seja, a realidade traz limites e possibilidades bem diferentes do tipo ideal, no sentido weberiano, da visão grega de democracia.[11]

Na perspectiva democrática moderna, a visão grega implicava limites práticos, pelos abismos entre o ideal e a realidade da vida política, numa realidade que nem ao menos sabemos como chegar diante de indícios fragmentados. Os limites se concentravam na teoria que não se encaixa com a prática do bem comum que a democracia pretendia; a igualdade jurídica dos cidadãos, pois na realidade a virtude cívica era fragilizada; o equilíbrio de interesses como o bem público, que havia exigências de laços de parentescos e afeto que sucumbiam ao bem comum; a cidadania que era mais exclusiva que inclusiva, uma cidadania que era um privilégio hereditário; a liberdade que era atributo da participação na vida política.

Nesse sentido, podemos perceber que a democracia está atrelada ao conceito de liberdade, segundo Benjamin Constant em seu livro “Da liberdade dos antigos compara à dos modernos”, já nos mostrava que existem duas formas de liberdade: uma liberdade antiga que almejava a participação direta na política; e outra, a liberdade dos modernos cujo sentido é útil individualmente. Assim a dualidade entre essas duas liberdades é atribuída a determinado momento histórico. Quando o autor se refere à liberdade dos modernos, ele leva em consideração o conceito de liberdade das grandes nações do capitalismo da época — a França, os Estados Unidos da América e a Inglaterra — e quando se refere à liberdade dos antigos ele cita Esparta, Atenas, Roma, dentre outros.[12]

Analisando essas diferenças, quando se fala em democracia grega, estamos falando de uma democracia específica, pois era uma democracia com participação direta, voltada para o cidadão grego que carregava uma soberania nacional que tinha uma influência real, diferentemente da dos modernos que consiste em uma suposição abstrata. A democracia grega era de fato uma democracia, pois os gregos não reconheciam a existência de pretensões universais à liberdade, como conhecemos hoje, à igualdade ou aos direitos, fossem eles direitos políticos ou, de maneira mais ampla, direitos humanos.  

REFERÊNCIAS

DAHL, Robert A. A democracia e seus críticos. Tradução Patrícia de Freitas Ribeiro; revisão da tradução Anibal Mari. São Paulo: editora WMF Martins Fontes, 2012.

DAHL, Robert A. Poliarquia: participação e oposição. Tradução Celso Mauro Paciornik. São Paulo: editora EDUSP, 1997.

HEGEL, G.W.F. Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

CONSTANT, Benjamin. Da Liberdade dos Antigos comparada à dos Modernos. Editora: LPM. 2008.


[1] Graduada em Bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí e mestranda em Ciência Política pela mesma.

[2] Cf. DAHL, Robert. A Democracia e seus Críticos. passim.

[3] Cf. DAHL, Robert. Poliarquia: participação e oposição. passim.

[4] Cf. DAHL, Robert. A Democracia e seus Críticos. passim.

[5] Idem. Ibidem.

[6] Idem. Ibidem.

[7] Idem. Ibidem.

[8] Idem. Ibidem.

[9] Idem. Ibidem.

[10] Idem. Ibidem.

[11] Idem. Ibidem.

[12] Cf. CONSTANT, Benjamin. Da Liberdade dos Antigos comparada à dos Modernos. passim.

Qual a diferença entre a democracia grega e atual?

Diferenças entre a Democracia Grega e Democracia Atual Além disso, na democracia ateniense, os cidadãos tinham uma participação direta na aprovação das leis e nos órgãos políticos da polis, enquanto na democracia atual (democracia representativa) os cidadãos elegem um representante.

Qual a diferença entre a democracia grega e atual no Brasil?

A principal diferença é que na democracia brasileira todos são considerados cidadãos, já lá em Atenas não apenas homens maiores de 21 anos, filho de pai e mãe ateniense e nascido em Atenas, as mulheres, os estrangeiros, menores de 21 anos e escravos não eram considerados cidadãos.

Qual a diferença entre democracia antiga e a atual?

Por democracia antiga, compreende-se aquela praticada em cidades-estado gregas na antiguidade clássica. Por democracia atual, compreende-se a democracia republicana em vigor na maior parte dos países do mundo ocidental contemporâneo.

Qual a diferença entre a Grécia antiga e atual?

O mundo grego antigo estendia-se por uma área muito maior do que o território grego atual. Além disso, há outra diferença básica. Hoje, a Grécia constitui um Estado, cujo nome oficial é "República Helênica". Já a Grécia Antiga nunca foi um Estado unificado com governo único.