Como deverá ser Assistência de enfermagem ao paciente com transtorno mental?

“Acho que os sentimentos se perdem nas palavras. Todos deveriam ser transformados em ações, em ações que tragam resultados.” Florence Nightingale

Mas, afinal, qual o papel da Enfermagem na Saúde Mental?

Como deverá ser Assistência de enfermagem ao paciente com transtorno mental?

O ano de 2020 foi designado pela Assembleia Mundial de Saúde, ocorrida em 2019, junto com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) como sendo o Ano Internacional dos Profissionais de Enfermagem e Obstetrícia.

Esta celebração também reforça o elo entre a enfermagem e a saúde mental, que se dará durante todo este ano, reúne, além da OMS e da OPAS, outros parceiros como a Confederação Internacional de Parteiras, o Conselho Internacional de Enfermeiras, a campanha Nursing Now e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).

Este marco comemorativo tem por objetivo reconhecer o trabalho feito por Enfermeiras e Enfermeiros em todo o mundo, bem como defender mais investimentos para esses profissionais e também melhorar suas condições de trabalho, educação e desenvolvimento profissional,

Aproveitando esta iniciativa da OMS e da OPAS, este texto visa contribuir, mesmo que de forma breve, para a discussão do papel da Enfermeira e do Enfermeiro no cuidado e assistência na Saúde Mental e Psiquiatria, bem como dar uma maior visibilidade a estes profissionais.

Para tanto, apresentaremos um paralelo da história da loucura e o surgimento da Psiquiatria Clássica com o nascimento da Enfermagem em Saúde Mental e o papel desses profissionais em tempos de mudanças de paradigmas no cuidado em Saúde Mental à luz da Reforma Psiquiátrica e das ameaças que esta vem sofrendo nos últimos anos.

Breve história da “loucura”

A definição da “loucura’ como doença é uma produção relativamente recente da civilização ocidental, tornando-se uma verdade médica como doença a partir de um dado momento histórico.

De acordo com Foucault (1993), podemos dividir a história da loucura em três momentos:

1) um período de liberdade e de verdade, que inclui os últimos séculos do período medieval e o século XVI;

2) o período da chamada “grande internação”, que abrange os séculos XVII e XVIII;

3) a época contemporânea, após a Revolução Francesa, quando cabe à Psiquiatria cuidar dos loucos nos asilos.

No final do século XVIII, a concepção de loucura sofre uma transformação, surgindo um novo campo do saber: a Psiquiatria.

Por trás do chamado tratamento moral, a assistência psiquiátrica estruturou-se num regime rígido e disciplinador, muitas vezes indulgente frente às suas práticas obscuras e punitivas, violências veladas de ameaças e privações, tendo, na instituição asilar, o elemento de ordem, o papel de vigiar, julgar e punir.

Segundo Amarante (2007), com as reformas políticas e sociais ocorridas na França no final do século XVIII, os pobres, velhos e vagabundos são retirados do hospital, permanecendo os loucos, isolados na internação.

No século XX, começa a ganhar visibilidade o argumento de que as relações sociais, culturais e suas contradições são elementos constitutivos do processo de doença mental (Amarante, 2007).

Emergem, então, propostas diferenciadas de tratamento psiquiátrico. Tais espaços representam novas formas de organização institucional, substitutas dos asilos, baseadas em um saber psicodinâmico, na ideia de uma equipe multidisciplinar e no movimento cultural que visa organizar formas de recuperação, porém, não promovem uma modificação concreta na estrutura do tratamento psiquiátrico, pois o louco permanece excluído da sociedade, cercado por um “muro de proteção”.

Em 1971, Franco Basaglia iniciou uma mudança radical nas práticas até então utilizadas no Hospital Regional de Trieste, na Itália.

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Começava um movimento de desativação do manicômio, caracterizado pela prática da alta psiquiátrica, pela ausência de novas internações e pelo questionamento da neutralidade científica que sustentava os valores dominantes na psiquiatria científica, que oprimiam ao invés de libertar os pacientes.

Em continuidade ao processo, foram organizados e construídos centros de saúde mental, que funcionavam 24 horas por dia em regime aberto.

No entanto, a ideia de assepsia, de sociedade purificada, ainda não é eliminada com a quebra dos muros, pois a cultura manicomial ainda permanece (Amarante et al., 1995). Desviat (1999) aponta que foi em 1978, com a aprovação da Lei 180, é que teve início o processo desinstitucionalizador, com o fechamento dos manicômios e a criação de serviços alternativos na comunidade.

Enquanto isso, no Brasil…

Como deverá ser Assistência de enfermagem ao paciente com transtorno mental?

No Brasil, o “louco” emerge como problema social no século XIX, de maneira semelhante à Europa, como um elemento de desajuste à ordem social vigente, em meio a um contexto de desordem, mendicância e ociosidade.

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O crescimento deste grupo de indivíduos constituía uma ameaça para a paz social das cidades e da burguesia. Passam a ser levados, inicialmente, à reclusão em Santas Casas de Misericórdia, sendo jogados em porões, sem tratamento e entregues a guardas e carcereiros responsáveis pela sua tutela; os espancamentos e contenções em troncos eram as formas de controle usuais.

No início do século XX, assistiu-se uma reação às definições correntes de doença mental. Essa revolução, caracterizada pelo desenvolvimento da chamada “Psiquiatria Dinâmica”, contribuiu para a emergência de uma nova consciência coletiva, contraposta as ideias majoritárias.

Tal perspectiva visava o processo de desinstitucionalização e, consequentemente, o de humanização dos hospitais e instituições psiquiátricas; buscando-se assim, um cuidar e assistir mais dignos e sem preconceitos aos indivíduos que sofrem de problemas psíquicos.

Os últimos anos da década de setenta marcam o início do atual movimento de Reforma Psiquiátrica no Brasil, sendo delimitado mais concretamente a partir do processo de reforma sanitária e da redemocratização.

Foram sendo construídos espaços de luta política, referenciados na crítica ao Sistema Nacional de Saúde Mental e ao saber psiquiátrico e suas instituições.

O ano de 1978 marca o início efetivo do movimento social pelos direitos dos pacientes psiquiátricos no Brasil. Surge neste ano o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), formado por integrantes do movimento sanitário, associações de familiares, sindicalistas, membros de associações de profissionais e pessoas com longo histórico de internações psiquiátricas.

O Movimento passa a denunciar a violência dos manicômios, a mercantilização da loucura, a hegemonia da rede privada de assistência, além de construir, coletivamente, uma crítica ao chamado saber psiquiátrico e ao modelo hospitalocêntrico na assistência às pessoas portadoras de transtornos mentais (Brasil, Ministério da Saúde, 2005).

Em tempos de retrocessos, devemos lembrar que a discussão da desinstitucionalização se referencia legalmente através da Lei 10.216, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, de 06 de abril de 2001, que representa um esforço de incorporação do ideário dos direitos humanos nessa área.

Com quase dezenove anos de vigência, esta lei dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, criando um modelo diferenciado do ainda atual modelo hospitalocêntrico.

Da Enfermagem Psiquiátrica à Enfermagem em Saúde Mental

Como deverá ser Assistência de enfermagem ao paciente com transtorno mental?

No século XVIII a assistência de Enfermagem Psiquiátrica era centrada na repressão, na punição e na vigilância do indivíduo com transtorno mental.

Villela e Scatena (2004) apontam que as Enfermeiras e Enfermeiros eram os responsáveis por manter não só as condições de higiene, bem como outros cuidados físicos e observação de comportamentos, mantendo-os afastados do meio social, pois se entendia que esses pacientes ameaçavam a sociedade.

Porém, foi a partir da segunda metade do século XIX, com o início da história da Enfermagem profissional com a inglesa Florence Nightingale e a criação da primeira escola para formação de Enfermeiras em 1860 que, conforme descreve Barros (1996), as práticas de Enfermagem avançaram “de acordo com as mudanças que aconteciam na sociedade e nas ciências médicas.”.

Almeida & Rocha, 1986, apontam que antes desse período as ações de Enfermagem estavam voltadas para o “conforto da alma do doente” e foi a partir da criação dos hospitais, enquanto instituições e locais de cura, que houve a necessidade de profissionais com mais qualificação que “auxiliassem as ações médicas”.

Campos e Barros (2000) descrevem que a Enfermagem psiquiátrica, por conta da institucionalização da loucura, passou a executar, além de ações disciplinadoras, “procedimentos para tratamento”, tais como insulinoterapia, auxílio de psicocirurgias, entre outros.

Primeiros passos no Brasil

Aqui no Brasil, em 1890 é criada a primeira instituição para formação de Enfermeiras: Escola Profissional de Enfermeiras, no Rio de Janeiro no Hospício Nacional de Alienados, antes chamado de Hospício de Alienados Pedro II, primeiro hospital psiquiátrico brasileiro (e segundo da América Latina), com base nas ideias pinelianas.

Coincidentemente, a Escola Profissional de Enfermeiras foi a primeira tentativa de sistematização do ensino da Enfermagem no Brasil, tendo a área psiquiátrica como modelo para, de acordo com Barros (1996), o processo fundante da Enfermagem Psiquiátrica, seguindo o molde asilar e hospitalocêntrico.

Já na década de 50, Hildegard Peplau, Enfermeira norte americana, criou o primeiro modelo teórico sistematizado para a Enfermagem Psiquiátrica, introduzindo o relacionamento terapêutico entre Enfermeira (o) e paciente como sendo um dos principais instrumentos nessa área.

Para Peplau (1988), seu pressuposto teórico baseava-se no respeito mútuo entre o profissional e o paciente e “o processo de relacionamento terapêutico somente era considerado efetivo e com sucesso se ambos saíssem acrescidos dessa relação”.

A Enfermagem e seu papel na Saúde Mental pós Reforma Psiquiátrica

Como deverá ser Assistência de enfermagem ao paciente com transtorno mental?

Com o advento da Reforma Psiquiátrica no Brasil e mudanças ocorridas no paradigma do cuidado em saúde mental (hoje, ameaçadas por diversos retrocessos), partiu-se da Psiquiatria à Saúde Mental e Atenção Psicossocial e, conforme aponta Rocha (2019), passamos a pensar na “produção de vida, convivência, minimização e estabilização dos sintomas, ainda que graves”, de forma a viver e conviver na comunidade, em vez de pensarmos em “cura”.

Nesse sentido, surge a possibilidade de mudarmos nossa atuação em serviços asilares – que institucionalizam e somente patologizam a loucura – para serviços substitutivos tais como:

  • Centros de Atenção Psicossocial CAPS, Centros de Convivência;
  • Serviços Residenciais Terapêuticos-SRT;
  • Ambulatórios de Saúde Mental e Hospitais Gerais;
  • Entre outros da Rede de Atenção Psicossocial-RAPS) que acolhem o sofrimento e não segregam o indivíduo.

A Enfermagem reinventa seu papel e sua atuação na saúde mental ajudando o indivíduo a (re)construir sua rede comunitária de cuidados, auxiliando, não só nos cuidados gerais de manutenção da vida, mas também na divisão da assistência com outros profissionais (trabalho interdisciplinar), proporcionando “a escuta, o acolhimento, entrar em sintonia, estimular para a vida, para a autonomia, para a cidadania, inclusive na comunidade (Rocha, 2019, p. 43).

Além disso, o trabalho no campo da Saúde Mental se dá além das diversas formas já institucionalizadas: com reuniões de equipe, com os usuários, com os familiares destes e/ou com sua rede social comunitária, bem como por meio de oficinas, grupos e rodas de conversa, onde o foco principal é o indivíduo e a necessidade de dirimir seu sofrimento psíquico, além de manter seu protagonismo.

2020: Ano de Celebrações para a Enfermagem (e também para mim)!!!

Como deverá ser Assistência de enfermagem ao paciente com transtorno mental?

Gostaria de deixar registrado que, além do ano de 2020 ter sido escolhido para celebrar e dar mais visibilidade aos profissionais de Enfermagem e ser também o aniversário de 200 anos de nascimento do grande símbolo da Enfermagem Moderna, Florence Nightingale (em 12 de maio), também celebro 25 anos de formado na profissão de Enfermeiro em Saúde Mental e Psiquiatria.

Primeiro, quero agradecer aos mestres dessa área que me inspiraram e colaboraram com a formação do profissional que sou hoje: as queridas amigas e Professoras Ruth Rocha e Cristina Loyola, meu grande mestre e amigo, Professor Walcyr de Oliveira, apenas para citar alguns dos mais importantes, bem como colegas e grandes amigas e amigos (vocês sabem quem são) de profissão e da vida, que dividiram e dividem as dores e as delícias da profissão.

E, por fim, mas principalmente, gostaria de agradecer aos indivíduos que passaram (e ainda passarão) pela minha vida em algum momento de dificuldade e sofrimento psíquico nas suas e que me ensinaram o mais importante de tudo nessa profissão: cuidar do outro da forma como gostaríamos de ser cuidados.

Cuidar com respeito, com dignidade, sem pré-julgamentos, sem estigmas ou sem discriminações, mas, sobretudo, enaltecendo e incentivando seu protagonismo e sua voz. Como descreveu Leonardo Boff, citado por Loyola & Rocha (2000):

“Cuidar é entrar em sintonia com, auscultar-lhe o ritmo e afinar-se com ele. Este modo de ser no mundo, na forma de cuidado, permite ao ser humano viver a experiência fundamental do valor, daquilo que tem importância e definitivamente conta”. (p. 47)


Referências Bibliográficas

. ALMEIDA, MCP & ROCHA, JSY. O saber de Enfermagem e sua dimensão prática. São Paulo: Ed. Cortez. 1986.

. AMARANTE, P (Org.). Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Organizado por: Paulo Amarante. Rio de Janeiro: SDE/ENSP, 1995. 143 p.

. AMARANTE, P. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007. 120 p.

. BARROS, S. O louco, a loucura e a alienação institucional: o ensino de Enfermagem sub judice. São Paulo: USP (Tese de Doutorado), Escola de Enfermagem / Universidade de São Paulo (USP), 1996. 201 p.

. BOFF L. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petrópolis (RJ): Vozes; 1999.

. BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS: Brasília, DF, 2005.

. LOYOLA, CMD & ROCHA, RM. Compreensão e Crítica para uma clínica de Enfermagem Psiquiátrica. Cadernos IPUB (UFRJ), Rio de Janeiro, v. VI, n°.19, p. 7-10, 2000.

. DESVIAT, M. A Reforma Psiquiátrica. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: FIOCRUZ. 1999. 167 p.

. FOUCAULT, M. História da Loucura. 3ª ed., São Paulo: Perspectiva, 1993.

. MANN, CG. “É difícil falar sobre AIDS & sexualidade no cuidado em saúde mental?”: discursos e práticas profissionais em serviços no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz (Tese de Doutorado), Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca / Fundação Oswaldo Cruz, 2017. 129 p.

. OPAS, Organização Pan-Americana da Saúde, Brasil. OMS define 2020 como ano internacional dos profissionais de enfermagem e obstetrícia. 3 de jan. de 2020. Disponível em: <https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6092:oms-define-2020-como-ano-internacional-dos-profissionais-de-enfermagem-e-obstetricia&Itemid=844> Acesso em 16/01/2020.

. PEPLAU, HE. Interpersonal relations in Nursing In: BELCHER, JR; FISH, LJB. Hildegard E Peplau. New York; Springer Publishing, NY, 1988.

. ROCHA, RM. Enfermagem em Saúde Mental. 2ª ed. São Paulo: Editora SENAC, 2019.

. SILVA, MS; MACHADO, PAT; NASCIMENTO, RS et al. A enfermagem no campo da saúde mental: uma breve discussão teórica. Revista Amazônia Science & Health, v. 5, p. 40-46, abr/jun 2017.

. VILLELA SC & SCATENA, MCM. A enfermagem e o cuidar na área de saúde mental. Rev Bras Enferm;57(6):738-741, 2004.

Quais os cuidados de enfermagem com paciente com transtorno mental?

Além disso, é preciso que o enfermeiro esteja preparado para:.
Realizar avaliações biopsicossociais da saúde;.
Criar e implementar planos de cuidados para pacientes e familiares;.
Participar de atividades de gerenciamento de caso;.
Promover e manter a saúde mental;.
Fornecer cuidados diretos e indiretos;.

Qual a conduta do técnico de enfermagem ao atender um paciente portador de transtorno mental?

realizar imediatamente a contenção química, até a chegada de outros profissionais, evitando assim que o paciente se torne agressivo. agir respeitosamente, sem recriminações ou julgamentos, porém deixando claro que não concorda com o posicionamento do paciente.

Como atender um paciente com transtorno mental?

Uma abordagem calma, aberta, de aceitação e de não-julgamento é fundamental para facilitar a comunicação. Ouça com cordialidade. Trate com respeito. Empatia com as emoções.