Livros para quem é de direita

A cientista política Camila Rocha indica livros que elucidam a expansão do extremismo de direita nos contextos políticos do Brasil e dos Estados Unidos

Até agora muita tinta já foi gasta para tentar explicar a ascensão de políticos de extrema direita. Parte expressiva da literatura sobre o tema, ao concentrar seu olhar apenas nas instituições político-partidárias, argumenta que tais fenômenos seriam frutos de uma espécie de pane do sistema: populismos gestados em meio a máquinas de desinformação que vingaram em meio a processos eleitorais disruptivos. Outra parte apela para explicações exógenas, como guerras híbridas, revoluções coloridas e manipulação de massas, ou procura ainda apontar uma “fascistização” de parte expressiva da população, que teria passado a se mobilizar exclusivamente por discursos de ódio e ignorância.

No entanto, ainda são raros os esforços no sentido de compreender em profundidade a extrema direita sem recorrer a noções concebidas para explicar realidades de outros tempos e contextos, ou teorizações abstratas e carentes de empiria cuidadosamente reunida. Diante disso, apresento aqui cinco livros que, a partir de disciplinas e olhares díspares, procuram compreender de forma profunda e crítica a emergência da extrema direita nos Estados Unidos e no Brasil, esforço este que, muitas vezes, também se entrelaça com a compreensão crítica de seus antagonistas e da própria institucionalidade democrática contra a qual a extrema direita se insurge.

Strangers in Their Own Land: Anger and Mourning on the American Right

Arlie Russell Hochschild (New Press, 2018)

Neste livro, a autora, uma acadêmica experiente e reconhecida em sua área de atuação, a sociologia das emoções, relata em detalhes uma etnografia realizada durante anos a fio no estado da Louisiana, nos Estados Unidos, junto a apoiadores do movimento Tea Party. Professora da Universidade de Berkeley, Hochschild tem como missão escutar ativamente o que dizem as pessoas do movimento e traduzir motivações e anseios naquilo que chama de “deep stories”, histórias emocionais profundas que permeiam as percepções e escolhas políticas das pessoas.

Kill All Normies: Online Culture Wars from 4chan and Tumblr to Trump and the Alt-Right

Angela Nagle (Zero Books, 2017)

Em “Kill All Normies”, Angela Nagle, escritora de esquerda de 37 anos, investiga as origens dos discursos da chamada “alt-right” nos Estados Unidos examinando conteúdos que trafegavam em fóruns digitais como 4chan, à direita, e Tumblr, à esquerda. Nagle procura compreender como foi possível que discursos de direita se investissem de uma tônica irreverente, transgressora e disruptiva, paralelamente à emergência de uma subcultura que passou a utilizar termos como “gatilho” (trigger) e “espaço seguro” (safe space), apontando como tais dinâmicas online acompanhavam tensões que permeavam boa parte dos campi universitários do país.

Guerra pela eternidade: O retorno do Tradicionalismo e a ascensão da direita populista

Benjamin Teitelbaum (Trad. Cynthia Costa, Unicamp, 2021)

O etnógrafo e professor de etnomusicologia da Universidade do Colorado acompanhou de perto os movimentos de um dos principais intelectuais tradicionalistas, o norte-americano Steve Bannon, que atuou como estrategista-chefe da Casa Branca no início do governo Trump. A partir de Bannon, Teitelbaum acaba se deparando com outros dois defensores do tradicionalismo, o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho e o cientista político russo Aleksandr Dugin, e procura apontar como cada um dos três intelectuais se filia de forma peculiar a essa corrente filosófica e espiritualista antimoderna que, até pouco tempo atrás, circulava apenas em circuitos alternativos.

Eles em nós: Retórica e antagonismo político no Brasil no século 21

Idelber Avelar (Record, 2021)

Especialista em teoria literária e professor da Universidade de Tulane, nos Estados Unidos, o brasileiro Idelber Avelar procura combinar neste livro uma análise política do período recente com base em uma refinada análise de discurso que abrange momentos-chave da história política brasileira. Crítico do que chama de literatura petista e parapetista, Avelar procura compreender como, a partir de uma série de operações discursivas que foram sendo realizadas ao longo dos anos no cenário social e político brasileiro, se deu a emergência do bolsonarismo.

Solução de dois Estados

Michel Laub (Companhia das Letras, 2020)

Neste livro de ficção, o premiado escritor porto-alegrense Michel Laub expõe de forma visceral e violenta os ressentimentos familiares de um casal de irmãos que conta suas histórias de vida a uma documentarista alemã traumatizada pela morte violenta do marido. Neste romance, a história política recente do Brasil, do Plano Collor à ascensão da extrema direita, aparece entrelaçada às memórias afetivas das personagens que narram, a partir de suas próprias perspectivas, episódios de ódio, mágoa e barbárie que os marcaram.

Camila Rocha nasceu em São Paulo em 1984. É cientista política e em 2019 concluiu seu doutorado na USP (Universidade de São Paulo) sobre a emergência da nova direita brasileira. Recebeu os prêmios de melhor tese de doutorado da Associação Brasileira de Ciência Política e Tese Destaque USP. Em agosto de 2021, lançou pela editora Todavia o livro “Menos Marx, mais Mises: O liberalismo e a nova direita no Brasil”, e publicou, pela editora Springer, em conjunto com os sociólogos Esther Solano e Jonas Medeiros, o livro “The Bolsonaro Paradox - The Public Sphere and Right-Wing Counterpublicity in Contemporary Brazil”. Atualmente trabalha como assessora parlamentar na Assembleia Legislativa de São Paulo e coordena pesquisas qualitativas sobre comportamento político.

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