Como a compreensão a respeito dos indígenas americanos contribuiu para a conquista?

E colocando-se nessa posição podemos determinar quem somos, construção individual que passa a ser coletiva se quisermos definir o povo que compõe uma nacionalidade.

No caso brasileiro, portanto, é fundamental pensar a nossa nação a partir da população indígena, os nativos sobre os quais nos ajudam a refletir o trabalho do etnólogo Claude Lévi-Strauss, o escritor Mário de Andrade, o rapper Rincon Sapiência e o grupo de rap indígena Brô MCs.

Há ainda a se considerar a obra de Tzvetan Todorov em A Conquista da América – A Questão do Outro como ponto de partida para se definir a alteridade, uma vez que o autor usa a posição de Cristóvão Colombo perante os povos indígenas para debater o conceito colocado por ele como baseado no egocentrismo, já que é a partir do contato com o outro que podemos experimentar a identificação ou a diferença.

“Colombo descobriu a América, mas não os americanos”, afirma Todorov (2010, P. 69) ao dizer que Colombo via os índios ora como seus iguais ora como diferentes.

Entretanto, a visão empregada por ele era de que, ao enxergar o nativo como seu semelhante, Colombo imprimia no indígena os seus próprios valores. Logo, acreditava que eles tinham o nobre direito de ser evangelizados.

Por outro lado, quando não projetava a sua própria identidade sobre os demais, negando que eles também pudessem ter a própria, Colombo via o índio por meio da diferença, o colocando como alguém ou superior ou inferior.

E, claro, nesse caso o índio jamais seria visto por Colombo como alguém superior. É o que fez com que fossem vistos como “bons selvagens” ou como alguém que serviria para ser escravizado ou, ainda, levado para a Espanha como amostra. É isso que nos apresenta Todorov por meio dos diários do descobridor que relata em 12/11/1492 que “Eles me trouxeram sete cabeças de mulheres, jovens e adultas, e três crianças”. Por isso, Todorov revela que para Colombo “Ser índio, e ainda por cima mulher, significa ser posto, automaticamente, no mesmo nível que o gado” ( 2010, p. 66).

Mas se a visão perante o outro trazida por Colombo é baseada na oposição, a de Lévi-Strauss é a da semelhança. É o que se mostra por meio da sua vinda ao Brasil que resultou na obra Tristes Trópicos, que entre diversos aspectos oriundos do contato com os povos indígenas resultou também em um episódio peculiar no qual a alteridade pode ser vista de maneira prática.

Considerado como um dos fundadores da antropologia estruturalista e um dos maiores intelectuais do século XX, o belga Claude Lévi-Strauss veio ao Brasil em 1935 para fazer parte do corpo docente da USP, que acabara de ser fundada. O jovem de 27 anos, entretanto, aproveitou sua estadia para realizar viagens etnográficas junto aos índios caingangue, cadiueu e bororo.

O resultado dessas pesquisas foi apresentado em Paris e lhe rendeu uma bolsa do governo parisiense para retornar ao Brasil em 1938 e finalizar seu estudo junto aos nambiquara e tupi-cavaíba, o que pode ser conhecido pelo público somente em 1955, quando Tristes Trópicos foi lançado na França.

“Bandeiras européias na terra finca / Era uma vez Astecas, Mais, Incas / As América sofreu um trauma / Os padres diziam que os índios não tinham alma / Dizimados, perseguidos, torturados / Com certeza eram muito mais evoluídos / Astrologia, magia, medicina / Se perderam numa católica chacina / Perseguidos os que restaram / Fazendeiros querem terras, história nunca respeitaram / E os conflitos são comuns / O vermelho na pele nem sempre é urucum” Rincon Sapiência – Donos da Mata.

E é aqui no Paraná onde o contato de Lévi-Strauss e os índios caingangue nos revela um exemplo de alteridade.

Isso ocorre porque os habitantes que ocupavam as duas margens do rio Tibagi, embora tivessem bastante contato com o homem branco por conta da intervenção governamental, ainda mantinham o hábito de comer as larvas que saiam dos troncos das árvores.

Os corós eram motivo de vergonha para os índios, zombados pelos brancos, mas para Lévi-Strauss era uma chance de experimentar a sua particularidade e se colocar-se em posição de cumplicidade perante eles:

“Uma machadada revela milhares de canais furados bem no fundo da madeira. Em cada um deles, um bicho grande, de cor creme, bastante parecido com o bicho-da-seda. Agora, precisamos nos decidir. Diante do olhar impassível do índio, decapito minha caça; do corpo escapa uma gordura esbranquiçada, que eu provo, não sem vacilar: tem a consistência e a delicadeza da manteiga, e o sabor do leite de coco” (LÉVI-STRAUSS, 1996, p. 170).

Alteridade semelhante a do belga no Brasil pode ser vista na atitude de um brasileiro no Peru. É o que se revela em O Turista Aprendiz, obra que reúne as crônicas de Mário de Andrade sobre a sua viagem realizada em 1927 “pelo Amazonas até o Peru, pelo Madeira até a Bolívia, por Marajó até dizer chega” e em 1928 por Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba.

Nos relatos referentes à primeira parte da obra, e que estão mais próximos de uma viagem de turismo do que de estudo, como é a segunda parte, Mário de Andrade faz uso de uma linguagem bastante irônica e humorística. E entre um desses episódios está presente aquele no qual o escritor tenta, sem sucesso, adquirir coca em um povoado peruano.

Novamente se vê a tentativa de experimentar aquilo que faz do outro o outro, sanar as diferenças e colocar-se no lugar de outrem. Entretanto, apesar da tentativa, o indígena se recusa a dar coca ao autor.

E se podem haver dúvidas se o relato tenha de fato acontecido, e há diversos motivos para isso por conta do tom cômico e tendendo à ficcionalização, o que realmente importa é a alteridade proporcionada por meio da literatura. É por meio dela que o escritor irá usar a figura do índio para proporcionar uma reflexão e colocar a si mesmo como um inferior diante dele, diferentemente de Colombo, disposto a aprender os seus ensinamentos, mostrando, por exemplo, que o dinheiro não é capaz de comprar tudo.

Mas se a reflexão sobre a população indígena pode ser encontrada em Lévi-Strauss e Mário de Andrade durante as décadas de 1920 e 1930, ela pode também ser vista no rap do século XXI por meio das vozes de Rincon Sapiência e do grupo Brô MCs.

Presente na mixtape Coligações Expressivas vol. 3 (2015), do DJ Caíque, a música “Donos da Mata”, de Rincon Sapiência, se dedica à questão indígena e olha para uma população que sofre durante anos, se dedicando ao próximo enquanto o rap parece olhar cada vez mais para o próprio ego.

E é justamente se dedicando ao massacre do povo indígena que Rincon Sapiência imprime o estilo crítico do rap em uma reflexão que passa por diversas tribos brasileiras mas, assim como Mário de Andrade e Todorov, também a coloca dentro do contexto de toda a América.

Qual era a visão dos europeus em relação aos povos nativos da América?

Os europeus que colonizaram a América, se reconhecendo como superiores entenderam que os nativos estavam muito aquém da civilização, não apenas técnico-científicamente, mas também espiritualmente – sem fé, sem lei e sem rei.

Qual é a visão que os indígenas têm sobre a colonização?

O apoio indígena foi decisivo para o triunfo da colonização portuguesa. Com este apoio, entretanto, as lideranças indígenas tinham seus próprios objetivos: lutar contra seus inimigos tradicionais, que, por sua vez, também se aliavam aos inimigos dos portugueses (franceses e holandeses) por idênticas razões.