Por que o desmatamento pode contribuir para o aumento do teor de gás carbônico na atmosfera

  • Fernanda
  • há 3 anos
  • Biologia
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Por que o desmatamento pode contribuir para o aumento do teor de gás carbônico na atmosfera e para o aumento do efeito estufa​


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O desmatamento de florestas vai provocar um aquecimento do clima global muito mais intenso do que o estimado originalmente, devido às alterações nas emissões de compostos orgânicos voláteis e às coemissões de dióxido de carbono com gases reativos e gases de efeito estufa de meia-vida curta. Um time internacional de pesquisadores, com a participação de cientistas do Instituto de Física (IF) da USP e da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), campus Diadema, calculou a força radiativa do desmatamento, levando em conta não somente o CO2 emitido, mas também o metano, o black carbon (carbono na forma de material particulado), a alteração no albedo (a fração da radiação refletida de volta ao espaço) de superfície e todos os efeitos radiativos conhecidos. O resultado final aponta que a temperatura vai subir mais do que o previsto anteriormente.

A pesquisa foi publicada recentemente na revista Nature Communications e utilizou detalhados modelos climáticos globais acoplados à química de gases e partículas em alta resolução. Descobriu-se que as emissões de florestas que resfriam o clima (compostos orgânicos voláteis biogênicos, os BVOCs) ficarão menores, implicando que o desflorestamento pode levar a temperaturas mais altas do que o considerado em estudos anteriores.

O físico Paulo Artaxo, do IF, um dos autores do estudo, explica que os BVOCs são gases emitidos naturalmente pelas plantas como parte de seu metabolismo. “Eles se transformam, em parte, em partículas. Na Amazônia, a maior parte das partículas em suspensão na atmosfera são provenientes da oxidação destes BVOCs. As partículas que são associadas com os BVOCs resfriam o clima do planeta, sendo mais um serviço ambiental que as florestas realizam”, descreve o físico. Ele também afirma que a maior parte dos estudos dos impactos climáticos do desmatamento publicados anteriormente focou somente as emissões de CO2.

Por que o desmatamento pode contribuir para o aumento do teor de gás carbônico na atmosfera
Estudos de impactos climáticos do desmatamento anteriores focaram as emissões de CO2. Agora, descobriu-se que as emissões de florestas que resfriam o clima ficarão menores, o que pode levar a temperaturas mais altas do que o considerado nas primeiras pesquisas – Foto: Marizilda Cruppe – Divulgação/Greenpeace

“Neste novo estudo, levamos em conta a redução das emissões de BVOCs, a emissão de black carbon, metano e os demais gases de efeito estufa de vida curta”, explica. Os BVOCs participam de complexas reações químicas e podem produzir ozônio e metano, ambos gases de efeito estufa de meia-vida curta, isto é, com eliminação em menor tempo.

“O estudo considerou todos esses fatores conjuntamente, além das mudanças no albedo de superfície, quando derrubamos uma floresta e a trocamos para pastagem ou plantações”, acrescenta. Os gases de efeito estufa de meia-vida curta (do inglês Short Lived Climate Pollutants – SLCP) consistem em metano (CH4) e precursores de ozônio que aquecem a atmosfera e têm meia-vida muito mais curta do que a do CO2. Estes gases são emitidos conjuntamente com o CO2 no processo de desmatamento e queimadas, como ocorre na Amazônia. Seu efeito no clima é forte, pois são mais potentes que o CO2 para fazerem efeito estufa.

Regulação de temperatura

Levando em conta todos esses fatores, observou-se que as emissões das florestas que esfriam o clima têm um papel enorme na regulação da temperatura do planeta. “Derrubando as florestas, acabamos com este efeito esfriador, e aumentamos o aquecimento global.” Artaxo coloca que o efeito global é de um aquecimento adicional de 0.8 °C, em um cenário de desmatamento total. “Isso é um valor alto, comparável ao atual aquecimento médio global (cerca de 1.2 °C) ocorrido com todas as emissões antropogênicas desde 1850”, diz o físico.

A figura abaixo mostra que esse aquecimento é desigual, sendo maior nos trópicos, onde foi previsto um aquecimento de cerca de 2 graus na Amazônia: 

Por que o desmatamento pode contribuir para o aumento do teor de gás carbônico na atmosfera
Imagem: Divulgação/IF

Luciana Rizzo, professora da Unifesp, outra coautora do estudo, salienta que, nos trópicos, o efeito atual das emissões de VOCs resfriando o clima é mais forte do que em florestas temperadas. “Portanto, o desmatamento nos trópicos tem um efeito mais importante no clima global”, conclui.

O artigo na revista Nature Communications, Impact on short-lived climate forcers increases projected warming due to deforestation, pode ser acessado livremente neste link.

Da Assessoria de Comunicação do Instituto de Física (IF) da USP

Mais informações: (11) 3091-7016, e-mail , com o professor Paulo Artaxo

Um aumento de 50% nos níveis de gás carbônico (CO2) na atmosfera pode ter um efeito na diminuição das chuvas na Amazônia similar ou até maior ao da substituição de 100% da mata por pastagens. A elevação do CO2 pode causar uma queda no vapor d’água emitido pela floresta que levaria a uma redução anual de 12% no volume de chuvas, enquanto o desmatamento total diminuiria a precipitação em 9%.

A estimativa foi apresentada em estudo publicado na revista Biogeosciences por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Técnica de Munique e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“Como o CO2 é um insumo básico da fotossíntese, quando ele aumenta na atmosfera há um impacto na fisiologia das plantas, o que pode ter um efeito cascata sobre a transferência de umidade das árvores para a atmosfera [transpiração], formação de chuvas na região, biomassa da floresta e uma série de outros processos”, explica David Montenegro Lapola, professor do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp, que liderou o estudo.

O pesquisador coordena um projeto financiado no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG). O trabalho integra ainda projeto apoiado pela Fundação na modalidade Temático e contou com bolsa de pós-doutorado.

Os pesquisadores queriam saber qual seria a influência no regime de chuvas apenas do efeito fisiológico causado nas plantas pelo aumento do CO2 na atmosfera. É sabido que uma maior disponibilidade do gás faz com que as plantas transpirem menos, emitindo menos umidade para a atmosfera e, consequentemente, gerando menos chuvas.

Normalmente, porém, previsões sobre o aumento do dióxido de carbono na atmosfera não dissociam o efeito fisiológico da elevação do CO2 do efeito que o aumento desse gás tem sobre o balanço de radiação na atmosfera. Nesse segundo caso, o gás impede que parte do calor escape da atmosfera, causando o fenômeno conhecido como efeito estufa.

Projeções apresentadas no último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU), levando em conta mudanças no balanço de radiação atmosférica, mais o efeito fisiológico nas plantas, já haviam mostrado uma possível redução de até 20% no volume anual de chuvas na Amazônia, evidenciando que grande parte das alterações no regime de chuvas na região será controlada pela resposta fisiológica da floresta ao aumento de CO2.

Para o estudo atual, os pesquisadores realizaram simulações no supercomputador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Inpe, em Cachoeira Paulista. Foram projetados cenários de um aumento de 50% na concentração atmosférica de CO2 e seus impactos sobre a fisiologia da floresta ao longo de cem anos de simulação. Outra simulação deu conta de prever o efeito da substituição de 100% da floresta por pastagens. “Para a nossa surpresa, apenas o efeito fisiológico nas folhas da floresta geraria uma diminuição anual de 12% nas chuvas [252 milímetros a menos por ano], enquanto o desmatamento total levaria a uma redução de 9% [183 milímetros a menos por ano]. São valores muito acima da variação natural de 5% da precipitação na Amazônia entre um ano e outro”, diz Lapola.

Os resultados chamam atenção para a necessidade tanto de ações locais – para reduzir o desmatamento nos nove países que abrigam a Amazônia – quanto globais, de forma a reduzir a emissão de CO2 na atmosfera pela atividade industrial, transporte e geração de energia, por exemplo.

Lapola é um dos coordenadores do experimento AmazonFACE (Free-Air Carbon Dioxide Enrichment, na sigla em inglês). Instalado ao norte de Manaus, ele vai aumentar a concentração de gás carbônico em pequenas parcelas de floresta, a fim de verificar as mudanças fisiológicas e atmosféricas causadas pelo aumento do dióxido de carbono. O experimento pode antecipar o cenário climático previsto para este século (leia mais em: agencia.fapesp.br/32279/ e agencia.fapesp.br/31140/).

Transpiração da floresta e do pasto

Nos dois cenários projetados pelas simulações computacionais, a redução das chuvas seria causada por uma queda de aproximadamente 20% da transpiração pelas folhas. As razões para essa diminuição, porém, são diferentes em cada uma das situações.

As folhas possuem em sua superfície aberturas microscópicas, chamadas de estômatos. Para captar o CO2 para a fotossíntese, os estômatos se abrem e captam a quantidade necessária do gás, ao mesmo tempo em que emitem vapor d’água. No cenário com mais dióxido de carbono no ar, as folhas ficam menos tempo com os estômatos abertos. Com isso, emitem menos vapor e diminuem a formação de nuvens e, portanto, de chuvas.

Outra razão se dá pela redução da área total de folhas. Numa eventual substituição de 100% da mata por pastagens, haveria uma redução de 66% dessa área. Isso ocorre porque, enquanto um metro quadrado de pasto tem uma área foliar um pouco maior do que esse mesmo metro quadrado, na floresta, com várias camadas de folhas sobrepostas nas árvores, a chamada área foliar pode ser superior a seis metros quadrados para cada metro quadrado de chão. Por fim, tanto o aumento de dióxido de carbono quanto o desmatamento influenciam ainda os ventos e massas de ar, que têm papel fundamental no regime de chuvas.

“O dossel da floresta tem árvores altas, baixas, folhas, galhos, que trazem uma complexidade para a superfície, a chamada rugosidade. O vento bate nesses locais e gera redemoinhos, os vórtices, que por sua vez geram instabilidade e estão na origem da convecção responsável pelas chuvas equatoriais. A pastagem, por sua vez, é uma superfície lisa, em que o vento flui sempre em frente e, sem a floresta, não forma esses redemoinhos. Isso causa um aumento do vento, que leva boa parte da precipitação para o oeste, enquanto grande parte da Amazônia Leste e Central, a área brasileira, fica com menos chuva”, informa Lapola.

A diminuição da transpiração causada pelo aumento do CO2, por sua vez, aumenta a temperatura média em até dois graus, uma vez que há menos gotículas de água para amenizar o calor. Esse fator inicia uma cascata de fenômenos que resulta na inibição da formação da chamada convecção profunda (nuvens de chuva muito altas e carregadas de vapor d’água), diminuindo as chuvas.

“Um próximo passo seria testar outros modelos computacionais para comparar os resultados com o que encontramos. Além disso, é fundamental a realização de experimentos como o FACE, pois apenas eles podem fornecer dados para verificar e aprimorar simulações de modelagem como as que fizemos”, encerra o pesquisador.

O artigo CO2 physiological effect can cause rainfall decrease as strong as large-scale deforestation in the Amazon, de Gilvan Sampaio, Marília H. Shimizu, Carlos A. Guimarães-Júnior, Felipe Alexandre, Marcelo Guatura, Manoel Cardoso, Tomas F. Domingues, Anja Rammig, Celso von Randow, Luiz F. C. Rezende e David M. Lapola, pode ser lido em https://bg.copernicus.org/articles/18/2511/2021/ .

Matéria original publicada no site da Agência Fapesp.