Como o Brasil contribui para o aquecimento global

No Acordo de Paris, 195 países se comprometeram a manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, com esforços para limitar esse aumento em 1,5°C e, assim, evitar as mudanças climáticas. Para isso, esses países precisam reduzir a quantidade de gases de efeito estufa (GEE) que liberam na atmosfera. Esses gases, que são emitidos, por exemplo, nas chaminés de fábricas, no desmatamento de florestas ou nos escapamentos de veículos, absorvem e retêm calor e alteram as temperaturas do planeta.

Cada nação tem sua própria trajetória, história e economia, e cada uma emite uma quantidade diferente desses gases. Isso leva a perguntas sobre quem emite mais, qual país é o maior responsável pelo aquecimento global, ou qual nação está mais apta a descarbonizar sua economia. Para responder a essas perguntas, é natural que surjam listas e ranking dos maiores emissores.

Aproveitando uma ferramenta que permite a visualização de gráficos interativos, o World Resources Institute (WRI) elaborou dois gráficos mostrando a trajetória de emissão de gases de efeito estufa dos países que mais contribuíram no passado e dos que mais contribuem hoje para as mudanças climáticas globais. Os gráficos tornam fácil de visualizar a trajetória dos maiores emissores, especialmente dos países ocidentais industrializados, como Estados Unidos e países europeus. Também é possível observar o crescimento econômico – e consequentemente das emissões – da China. E o ranking apresenta algumas informações relevantes para o Brasil, que aparece em um dos gráficos, mas não no outro.

Entenda o que significam esses rankings nos gráficos abaixo. Os dados usados são do Climate Watch, uma plataforma online gerenciada pelo WRI que apresenta dados climáticos, visualizações e recursos para ajudar na construção de políticas climáticas eficientes.

Gases de efeito estufa, ano após ano

O gráfico abaixo começa em 1850 e vai até 2016. Ele mostra que o mundo viveu um aumento constante nas emissões de gases de efeito estufa ao longo desse período, apenas com algumas interrupções em momentos históricos importantes, como a Grande Depressão dos Estados Unidos, em 1930, e o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Os números representam o quanto cada país emitiu em cada ano.

Desde o meio do século 19, os Estados Unidos se mantiveram como o país que mais emite gases de efeito estufa por ano. Essa realidade só mudou em 2005, quando a China, movida por uma forte industrialização baseada na queima do carvão, ultrapassa os americanos. Rússia (e a antiga União Soviética), Índia, Alemanha e Japão também são países que aparecem entre os maiores emissores.

O Brasil aparece no ranking apenas no final do gráfico, quando se torna um dos maiores emissores, no final da década de 1980. Em 2016, o último ano da série histórica coberta pelo gráfico, o Brasil figura como o sexto maior emissor anual, mostrando a importância e a necessidade de o país adotar políticas de baixo carbono. Nos cálculos mais atuais, considerando os anos mais recentes, que não entraram no gráfico, o Brasil passa a ser o sétimo maior emissor.

O Acumulado das emissões de gases de efeito estufa

O segundo gráfico também percorre os anos de 1850 a 2016, porém com uma diferença importante. Cada ano soma as emissões dos anos anteriores, mostrando o quanto cada país acumula de emissões ao longo do tempo.

Essa abordagem considera que os gases de efeito estufa não desaparecem da atmosfera ano a ano. Eles persistem. Segundo a Nasa, a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera no início do século 20 estava em menos de 300 ppm (partes por milhão). A atualização dos dados em fevereiro de 2019 mostra uma concentração de 411 ppm.

O gráfico de emissões acumuladas mostra quem são os maiores responsáveis pelo aumento da concentração de carbono e, consequentemente, pelas mudanças climáticas. Nesse gráfico, a posição dos Estados Unidos é indiscutível como a de maior emissor historicamente, seguido pela China, que aparece nos anos mais recentes, e pela Rússia, que aumentou suas emissões após a forte industrialização promovida pela União Soviética.

O Brasil não aparece entre os dez maiores emissores nesse gráfico, mas isso não significa que ficamos isentos de responsabilidade. O próprio Acordo de Paris considera que todos os países têm responsabilidade em atuar para controlar as mudanças climáticas, levando em conta as diferentes realidades de cada sociedade.

Todo ranking tem suas limitações

Apesar dos gráficos acima apresentarem uma interessante forma de organizar países, mostrando as responsabilidades anuais e acumuladas de cada nação, é importante ter em mente que todo o ranking tem suas limitações, e que há formas diferentes de apresentar as informações, ressaltando um dado ou outro.

Nos gráficos acima, por exemplo, usamos como métrica a quantidade absoluta de emissões de gases de efeito estufa por cada país. Mas se quisermos saber quanto um cidadão de cada país proporcionalmente emite – um ranking de emissões per capita – teremos um gráfico diferente. Países pequenos e muito intensivos em petróleo, como o Catar, Bahrein e Kuwait, pulariam para as primeiras posições, enquanto os países mais populosos, como China e Índia, sequer entrariam nos dez maiores emissores. Os dados do Banco Mundial mostram como uma métrica diferente muda a percepção do problema.

Uma limitação relevante dos gráficos interativos para a realidade brasileira é que eles não consideram um setor importante de emissões: o da mudança do uso da terra. Quando o desmatamento entra na conta, as emissões do Brasil aumentam. Uma parte significativa das emissões de gases de efeito estufa do Brasil são provenientes do desmatamento das nossas florestas – segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, quase a metade das emissões brasileiras veio do desmatamento das nossas florestas em 2017. O SEEG usa a metodologia oficial do governo federal, o 3º Inventário Brasileiro de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases do Efeito Estufa.

Para o Brasil se colocar na trajetória de uma economia de baixo carbono, precisará resolver o problema do desmatamento, investir em energia renovável e técnicas para agropecuária de baixo carbono. Os dados do Climate Watch apresentam o panorama de emissões aos tomadores de decisão do Brasil e de outros países que, por sua vez, necessitam buscar melhores estratégias para desenvolverem suas economias, buscando energias e atividades menos intensivas em carbono, gerando um resultado positivo para todo o planeta.

Irreversível: essa é a palavra que chama a atenção na mais recente avaliação sobre o clima vinda do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sobre os impactos do aquecimento global.   

O relatório divulgado em fevereiro passado mostra que eventos climáticos extremos ligados às mudanças climáticas – como enchentes e ondas de calor – estão atingindo seres humanos de forma muito mais dura do que avaliações anteriores indicavam. 

Como o Brasil contribui para o aquecimento global

Alguns impactos desse desequilíbrio climático já podem ser notados no Brasil. A região Sudeste e parte do Nordeste sofrem com chuvas intensas, que deixam mortos e desabrigados. No Sul, secas históricas causam desabastecimento de água em centenas de municípios. No Norte, a bacia amazônica tem enchentes históricas e o processo de savanização da floresta pode aumentar as temperaturas a níveis fatais.

Fora o custo humano que o aquecimento global cobra, as alterações no clima também atingem setores econômicos importantes para o desenvolvimento do país. A crise hídrica de 2021, por exemplo, afetou diretamente a geração de energia pela falta de água nos rios que abastecem as principais hidrelétricas do sistema elétrico nacional.

Além disso, eventos climáticos extremos prolongados afetaram as lavouras, o que fez disparar o preço de alimentos como o café e a laranja – dois dos principais produtos de exportação brasileiros.

Mudanças climáticas: o fenômeno já se sente por todo o Brasil

O evento extremo mais recente aconteceu há cerca de um mês, na cidade de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. Apenas no dia 15 de fevereiro, o acumulado de chuvas superou a média histórica para todo o mês, causando alagamentos, deslizamentos de terra e enxurradas.

Segundo o último balanço da prefeitura, de 15 de março, as tempestades deixaram 233 mortos, quatro desaparecidos e 685 desabrigados – além de um prejuízo de R$ 665 mi, segundo pesquisa da Firjan. 

“Essa precipitação em específico chama a atenção porque foi muito intensa, muito pontual e aconteceu em um curto período de tempo, muito fora do esperado para o período e para a região”, disse Mozar de Araújo Salvador, meteorologista do Instituto Nacional de Meteorologia, em entrevista à National Geographic.

O que aconteceu em Petrópolis, porém, não é um episódio isolado no Brasil. E esse é o alerta. Na virada para este ano, chuvas devastadoras atingiram municípios do sul da Bahia e, desde então, o interior de São Paulo e o centro de Minas Gerais. 

Por um lado, o fenômeno da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) ajuda a explicar a ocorrência de chuvas intensas nessas regiões. “As ZCAS podem ser observadas em uma faixa de nuvens e nebulosidade que vem lá da Amazônia, trazendo umidade até o Sudeste", disse Tercio Ambrizzi, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo, em entrevista à reportagem. "Em geral, essa faixa oscila entre o norte de São Paulo e o sul de Minas; dessa vez, no entanto, ela migrou. Foi para o norte de Minas e sul da Bahia no final de 2021, e depois para o norte do Rio de Janeiro." 

Mas a intensidade e o potencial destrutivo das precipitações têm mais fatores por trás, como o aumento da temperatura média da atmosfera.

Padrão de chuvas no Brasil está mudando

Vários estudos têm observado o aumento da frequência de extremos de chuva nos últimos anos em todo o Brasil, segundo José Marengo, climatologista, meteorologista e coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

“Principalmente nas regiões Sul e Sudeste”, disse ele em entrevista à reportagem. "Esses extremos de chuva são os que geram mais desastres naturais, causando mortes e outros danos, e estão diretamente ligados ao aquecimento global.” 

Uma pesquisa publicada no International Journal of Climatology em 2016 já indicava que as mudanças climáticas estão alterando o padrão de chuvas no Brasil, particularmente no Sudeste, apontando um aumento médio tanto no volume de água quanto na média de dias em que chove no estado de São Paulo.

Usando mais de 70 anos de dados meteorológicos, o estudo também indicou que, no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, a estimativa era de redução no volume médio da precipitação para os próximos anos, mas com concentração em menos dias e ocorrência de mais eventos extremos, como o que atingiu Petrópolis.

Há também o problema da falta de chuvas. Dados do Cemaden indicam que quase 80% dos municípios brasileiros enfrentavam algum grau de estiagem em setembro de 2021, último mês da estação seca na maior parte do país.

Pela duração e intensidade, especialistas a classificaram como a pior seca desde que o fenômeno começou a ser medido no país, em 1910. 

Neste ano, a região Sul registra a maior estiagem dos últimos 70 anos, de acordo com monitoramento da Agência Nacional de Águas. No Rio Grande do Sul, mais de 400 municípios decretaram estado de emergência devido à seca, segundo a Defesa Civil do estado. 

Por outro lado, em junho do ano passado, o rio Negro atingiu seu maior nível no porto de Manaus, no Amazonas, desde o início das medições, há 119 anos, atingindo uma cota de inundação severa acima dos 30 metros, segundo alertou o  Serviço Geológico do Brasil.

De acordo com a Defesa Civil do Amazonas, 450 mil pessoas foram afetadas pelas cheias, o equivalente a 10% da população do estado.

[Saiba como os rios voadores da Amazônia levam água para o resto do Brasil]

Geadas: outra consequência do aquecimento global

Também em 2021, a tempestade subtropical Raoni, associada a um severo vórtice polar e a um ciclone extratropical, levaram neve à região sul do Brasil e geada em áreas do Centro-Oeste e Sudeste, além de queda de temperatura em quase todos os estados brasileiros no mês de julho. O raro fenômeno prolongado não era registrado desde 2000 no Sul.

A previsão é de que eventos como esses tendem a piorar. Segundo Marengo, as mudanças climáticas ocasionadas pelo aquecimento global, ao aumentar a temperatura média da atmosfera, alteram o comportamento do clima e propiciam a ocorrência de eventos climáticos cada vez mais intensos. 

“Temos observado um aumento de extremos de clima, tanto meteorológicos, como chuvas intensas e seca, quanto ondas de calor e frio mais intensas em todo o mundo, principalmente nos últimos 50, 60 anos”, diz Marengo. “E isso está associado a um aumento da temperatura média na atmosfera, em função da concentração dos gases de efeito estufa.”

Uma atmosfera cada vez mais quente

O Sexto Relatório de Avaliação do IPCC, divulgado em agosto de 2021, mostra que a temperatura do planeta já aumentou 1,09ºC em comparação aos níveis pré-industriais.

Depois da Revolução Industrial, entre 1850 e 1900, a queima de combustíveis fósseis se intensificou. “A influência humana aqueceu o clima a uma taxa que não tem precedentes pelo menos nos últimos dois mil anos”, alertam os cientistas no documento.

Estudos de paleoclimatologia revelam que a concentração de CO2 presente na atmosfera em 2019 era superior a de qualquer período dos últimos dois milhões de anos.

A quantidade de outros gases que contribuem para o efeito estufa, como metano e óxido nitroso, é maior hoje do que nos últimos 800 mil anos. No ritmo atual, a expectativa é que a temperatura média do planeta cresça em 1,5ºC – ou até exceda esse limite – nas próximas duas décadas.

O impacto das mudanças climáticas na saúde

Além de desastres naturais, eventos de clima extremo são responsáveis por diversos impactos negativos na vida das pessoas. O relatório de fevereiro do IPCC afirma que o aumento da temperatura global trará consequências diretas e severas para a saúde humana e ainda devem piorar as desigualdades sociais.

No momento, um terço da população mundial já está exposta ao estresse térmico – quando a temperatura do ambiente é tão alta que o corpo não consegue compensá-la. Dependendo das ações que são tomadas para limitar as emissões, isso pode aumentar para 48 a 76% da população global até 2100. 

Um estudo realizado por pesquisadores brasileiros e publicado no Communications Earth & Environment, revista científica segmentada da Nature, fez uma simulação que mostra como o aumento de temperatura e o desmatamento podem afetar a população da região amazônica. 

Segundo Beatriz Fátima Alves de Oliveira, uma das pesquisadoras do estudo e especialista em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz de Teresina, Piauí, não só a temperatura média local iria aumentar consideravelmente, como ondas de calor extremo seriam mais comuns, sendo normal ter dias em que os termômetros alcançam 46ºC. 

Até 2100, mais de 11 milhões de pessoas estarão expostas ao estresse térmico na região. Segundo Alves de Olivera e seus colegas, essa mudança na climatologia local poderia desencadear ondas migratórias protagonizadas por refugiados do clima que buscam escapar do calor intenso.

Em seus relatórios, o IPCC enfatiza que os mais atingidos pelos impactos ambientais são justamente os que menos contribuíram para as mudanças climáticas – indivíduos de baixa renda e em situações de vulnerabilidade social. 

A exposição ambiental a condições extremas de temperatura pode exceder a capacidade do corpo humano em manter a termorregulação, provocando diversos efeitos nocivos na saúde, como desidratação, exaustão, cãibras e, em casos graves, quadros irreversíveis de hipertermia que podem levar à morte, segundo Alves de Oliveira.

Alterações de humor, distúrbios psicológicos e redução de habilidades físicas e mentais também são consequências de uma exposição constante a níveis elevados de calor. “O nível de stress térmico nos afeta como se fosse um gatilho no nosso psicológico, nos fazendo sentir mais cansados, nervosos e menos dispostos, por exemplo”, diz a pesquisadora. 

Comida e energia mais caras, as outras consequências das mudanças climáticas

Outro impacto da alta frequência de eventos extremos seria no setor energético brasileiro, que atualmente depende da geração de eletricidade em usinas hidrelétricas. As mudanças na intensidade e distribuição de chuvas durante o ano podem afetar o equilíbrio entre o fornecimento e a demanda por eletricidade.

A seca histórica do ano passado afetou diretamente os reservatórios de hidrelétricas, forçando o país a utilizar usinas termelétricas para evitar o risco de apagões ou racionamento.

De acordo com Ana Ávila, pesquisadora do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura, da Universidade Estadual de Campinas, a produção de alimentos também é um setor muito afetado pelo desequilíbrio climático. 

“Cada cultura precisa de uma determinada característica climática para prosperar, sobretudo com relação à chuva e à temperatura. A chuva precisa cair na hora e na quantidade certa para que haja uma boa produtividade, não só na questão de quantidade, como de qualidade do produto também”, diz ela. “Para o consumidor, um dos impactos diretos é no aumento do preço dos alimentos.” 

Como exemplo disso, eventos de secas e geadas prolongadas do ano passado afetaram as culturas de café e laranja, fazendo com que o preço desses alimentos disparasse. Dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, um dos indicadores oficiais da inflação no Brasil, apontou alta de 56,87% no preço do café para o consumidor no acumulado de 12 meses até janeiro.

“Em um cenário de insegurança alimentar como vemos no Brasil hoje", prossegue Ávila, "é muito importante que o setor de produção de alimentos também se preocupe com as mudanças climáticas e invista em ações de preservação ambiental para garantir um futuro menos extremo.”