Quando o filho vai estudar fora

Quando o filho vai estudar fora

*artigo publicado originalmente na revista ACTIVA nº346 (setembro 2019)

Falta de média para entrar numa universidade portuguesa, vontade de partir à aventura, ou simplesmente porque está na moda: são estas as razões que levam os jovens portugueses a optar por estudar noutro país. E nem sempre esperam até à licenciatura: há quem tenha tal sede de ver o mundo que nem esperou pela universidade para largar a vida que conhecia.

Para Teresa Louro, 18 anos, o ‘estrangeiro’ foi muito longe: com apenas 16 anos, foi estudar para a China. É certo que a escola é internacional e fala-se inglês, mas não deixa de ser a 20 minutos de Shangai, ou seja, do outro lado da Terra… Em 2017, Teresa soube da existência dos United World Colleges, uma rede de colégios internacionais que promove o encontro de culturas e religiões. Então candidatou-se para o ano 2018. O processo de candidatura foi fácil: os próprios colégios têm um site e os estudantes candidatam-se através do comité português, que organiza tudo. “O único problema é que eles têm 18 colégios em todo o mundo, e nunca sabemos onde vamos parar”, lembra Teresa. Em Abril ligaram-lhe a dizer que tinha sido aceite na China, e foi um choque: mas os pais apoiaram-na sempre.

E quanto custa estudar numa escola chinesa? “Qualquer pessoa pode lá estudar, porque há um grande acesso a bolsas. Há bolsas de 100% a 20%. Eu tenho uma bolsa de cerca de 80%, dada pela escola.” Como se preparou: durante 4 meses viu imensos vídeos sobre a escola, falou com uma portuguesa que já lá estava, e manteve-se em contacto com o comité nacional. “Mas só conheci mesmo a escola quando lá cheguei em agosto. Ao vivo parecia maior e mais intimidante do que eu imaginava.”

Achou o ensino um pouco mais difícil que em Portugal mas, conta, “é um programa acessível a toda a gente, não é preciso ser um génio para estudar neste colégio”. As saudades não ajudaram. “Principalmente quando aperta o stresse académico e quando o tempo fica pior.” (risos) Mas tem sido uma experiência muitíssimo positiva e não me arrependo de nada.”

Vou-lhe, além da independência, a aceitação da diversidade cultural: “Quando vivemos com tanta gente, percebe-se que estamos literalmente todos no mesmo barco. Isso quebra muitas barreiras e estereótipos, e acho que é cada vez mais importante no mundo.” Só lhe falta um ano e os seus planos próximos são… estudar em Abu Dhabi.

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Portugueses no Reino Unido

Nem sempre o espírito de aventura nos leva ao outro lado do mundo: na grande maioria das vezes, quem escolhe estudar lá fora prefere um país mais perto de casa e onde se fale uma língua conhecida. O Reino Unido continua a liderar o top das preferências: segundo o jornal ‘The Portugal News’, em 2018 havia 4.700 estudantes portugueses em universidades britânicas, um aumento de 72% em relação ao ano anterior. Este entusiasmo não mostra sinais de diminuir, segundo a OK Estudante, uma empresa que coloca alunos portugueses em universidades do Reino Unido. “Em 10 anos encaminhámos 4500 alunos, e é um número que tem vindo a crescer: no ano passado foram 1500, este ano 1600”, conta Maria de Castro, diretora geral da Ok Estudante. E nem o Brexit assusta: “O que sabemos é que o financiamento das propinas vai-se manter inalterado até 2020”, explica Maria de Castro. A procura do Reino Unido explica-se por várias razões: além da proximidade e da língua, o estado britânico financia as propinas a 100% através de um sistema de empréstimo. “O Estado paga diretamente à Universidade, e o aluno só começa a pagar quando estiver empregado e a ganhar determinado valor, que difere de país para país. Se ficar no Reino Unido, é a partir de 25.700 libras por ano. Se voltar para Portugal, tem de ganhar o equivalente a 22.500 euros, por 12 meses.” Os alunos são incentivados a trabalhar em part-time, o que ajuda a financiar o alojamento.

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Preparar-se com antecedência

A OK Estudante tem uma parceria com quase 60 universidades e facilita todo o processo de candidatura. “A primeira fase é acompanhar o aluno na escolha dos cursos e das universidades”, explica Maria de Castro. “Depois indicamos que documentos têm de entregar, que tipo de exames é preciso fazer, algum teste para apurar o nível de inglês ou aulas extra. Fazemos todo o intercâmbio entre a universidade e o aluno.”

As médias fracas não costumam ser problema: “Trabalhamos com tantas universidades que algumas, às vezes, até aceitam alunos com nível 10.” A entrada é quase sempre certa, mas mesmo assim não é 100% garantida: “Já tivemos alunos com médias de 20 que não entraram, porque não são só as notas que contam. Há universidades que exigem entrevistas e um exame próprio, que exige mais preparação.”

A antecedência com que o estudante se deve dirigir à OK depende do curso e da universidade: “O deadline para as universidades de topo é 15 de outubro. Para as outras, aconselhamos a fazer a candidatura até 15 de janeiro. O último deadline é a 30 de junho, e algumas universidades ainda aceitam alunos até ao fim de agosto. Mas é preferível que venham com mais antecedência. Até porque aconselhamos a que o aluno fique nas residências da universidade, as vagas são limitadas, e quanto mais cedo se concorrer, melhor.”

No top dos cursos mais procurados está gestão, ciências informáticas e turismo. Mas também se escolhe muito ciências biomédicas, design, moda, psicologia, artes e teatro. A variedade de cursos é outra das razões apontadas pelos alunos: “O Reino Unido tem uma oferta de mais de 50 mil cursos, alguns já muito específicos e muito voltados para o mercado do trabalho e a indústria, principalmente as engenharias. Estão a crescer cursos como marketing e publicidade, cinema e gaming, por exemplo.” Por todo este serviço de acompanhamento, a Ok Estudante não quis adiantar um valor, mas sabe-se que cobram à volta de 600 euros.

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Da Dinamarca à Austrália

O Reino Unido também é o país mais escolhido por quem procura a Information Planet, mas a agência coloca muitos portugueses na Dinamarca e Holanda. “E curiosamente o Brexit até acabou por funcionar como publicidade”, explica o diretor, Miguel Covas. “Fala-se tanto em Inglaterra que toda a gente quer ir para lá. Agora é a última oportunidade. E quem estuda no Reino Unido fica automaticamente qualificado para trabalhar nos países que mais mão-de-obra absorvem, os da Commonwealth.”

O papel da agência é identificar o perfil do estudante e orientá-lo para a universidade que melhor lhe responde. “Em cada ano, conseguimos pôr alunos nas universidades do Russell Group, as melhores do Reino Unido. Mas há alunos que acabam por escolher opções que não existem nestas universidades. Desde setembro pusemos mais de 600 estudantes no Reino Unido: isto acaba por passar de boca em boca e há cada vez mais estudantes a querer ir. Acaba por estar na moda.”

Quanto à Dinamarca, é também dos países que mais recebe alunos portugueses: “Eles ajustam anualmente a oferta ao mercado de trabalho, e lecionam em inglês para receberem alunos internacionais”, explica Miguel Covas. “Além disso, estudar na Dinamarca é gratuito.” Gratuito, excetuando o alojamento, claro.”

Mas nem toda a gente se fica pela Europa: este ano já trataram de 100 processos para a Austrália: “Tem garantia total de emprego uma vez acabado o curso, mas facilmente pagará propinas anuais de 30 mil euros. E os cursos profissionais são muito escolhidos. Aqui são as profissões em que ninguém pega, como canalizador ou serralheiro. Mas na Austrália há emprego garantido.”

O curso mais original que já viu alguém escolher: “Um rapaz escolheu make-up no Reino Unido. E era uma licenciatura… Queria trabalhar em cinema.”
A colocação é garantida porque se organizam várias candidaturas de maneira a haver um plano B e C. Pelo serviço a Information Planet cobra entre €295 e €795.

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Sobreviver ao frio

Mesmo que haja de facto mais facilidade em arranjar emprego lá fora, um emprego no estrangeiro será sempre uma vida longe de casa. E a maioria não regressa a Portugal.

Foi o caso de Joaquim Ventosa, 24 anos, que acabou agora mesmo o curso de medicina na Universidade de Kosice, na Eslováquia, e já recebeu uma proposta de emprego que muito provavelmente vai aceitar. Mas diz que lhe custará muitíssimo ficar longe da família, que adora, principalmente dos avós.

Kosice fica no extremo leste da Europa, quase ao pé da Ucrânia. E porque foi para tão longe de casa? Pela razão principal de quem vai estudar para o estrangeiro: não tinha média para entrar no curso que queria em Portugal. “Foi uma decisão não muito pensada, mas eu queria mesmo seguir medicina e não queria ficar um ano a repetir exames”, recorda Joaquim. “Então, eu e o meu pai decidimos ver que universidades ainda tinham acesso aberto: já eram poucas. Pensei: vou experimentar e ver se gosto. Nunca tinha estado na Eslováquia, nem sequer sabia qual era a capital! (risos) Mas tinha vontade de viver uma aventura.”

Em agosto, pai e filho meteram-se ao caminho e foram visitar algumas universidades. “Fomos a Praga, Budapeste, Bratislava e Kosice. Escolhemos a última porque gostei do ambiente, achei uma cidade acolhedora.” Fez o processo de candidatura sozinho e com facilidade: “Eles são muito organizados: já têm agentes que tratam dos assuntos mais burocráticos para os alunos estrangeiros. Fiquei numa residência de estudantes para alunos internacionais de medicina, o que ajudou imenso: tive colegas portugueses que me orientaram e me trataram muito bem.”

O mais difícil foi o longo inverno eslovaco: chega a 15 graus negativos, e a um português de Loulé isso custa horrores. “Concentrei-me em aguentar os meses de inverno. A certa altura pensei mesmo desistir, mas os meus pais e os meus avós falaram comigo e aguentaram-me lá. Vinha a casa no verão e no natal, e o percurso entre Loulé e Kosice era muito atribulado, fazia quase a Europa inteira em escalas.”

Uma fortuna em propinas

O primeiro ano foi difícil. “O ensino é feito em inglês, os pacientes é que são eslovacos. (risos) Mas aquilo está bem preparado para estrangeiros: nos dois primeiros anos ensinam o suficiente de eslovaco para nos entendermos com as pessoas.” A universidade de medicina tem à volta de 4 mil estudantes, com mais ou menos 1500 internacionais e muitos alunos portugueses, e Joaquim concentrou-se em dar o seu melhor: “No primeiro ano parecia um robot, estava sempre a estudar. Achava que devia isso aos meus pais, e além disso queria mesmo valorizar aquela oportunidade. Depois relaxei um pouco mais.” Passar de ano é uma meta que ninguém quer falhar quando se paga uma fortuna pelas propinas: “Pago 10.500 euros por ano. Recebemos bolsas de estudo quando somos bons alunos, mas continua sempre a ser caro. De alojamento, pago 260 euros por um quarto partilhado na residência.”

O que aconselharia a quem vai estudar fora: “Estar aberto a novas oportunidades e sobretudo aprender o quanto antes a língua local. E esforcem-se a estudar o mais que possam no primeiro ano, porque a partir daí as coisas tornam-se um pouco mais fáceis.”

Se tivesse média, teria ficado cá? “Talvez tivesse de qualquer maneira saído de Portugal, porque queria correr mundo. E se os meus pais me dessem essa oportunidade, mesmo sem precisar dela, acho que a teria aproveitado. Não me arrependo de ter saído, acho que foi uma experiência que me fez adulto.”

Quando o filho vai estudar fora

Uma decisão em família

Ir lá para fora nem sempre corre bem. No ano passado, João Pedro foi estudar numa universidade inglesa. A mãe, Maria Santos, viu o curso de informática nuns folhetos da FIL Estudante e João ficou muito entusiasmado. Maria recorreu à OK Estudante e não poupa elogios à agência. “Foram de uma organização impecável, não nos preocupámos com nada. Claro que se pode fazer aquilo sozinha, mas dá outra segurança ter alguém a supervisionar.” Também foi a um encontro de pais e estudantes organizado pela agência: “Os miúdos criam logo uma ligação com aqueles que vão para as mesmas universidades.”

João teve todo o apoio da agência e dos pais: a mãe foi levá-lo e ajudá-lo a instalar-se, “a comprar tachos e panelas”, e pagou 7.500 euros, só de alojamento. Adaptou-se com bastante facilidade, mas o curso não lhe correu bem. Achou difícil e não conseguiu ter boas notas. Mesmo assim, a mãe vai dar-lhe um segundo ano de tolerância.

Em qualquer caso, estudar no estrangeiro depende de muitas variáveis. Vantagens: estudar em algumas das melhores universidades, ter emprego no país onde se estudou, tornar-se independente, ter a experiência de morar noutro país. Desvantagens: preço da estada e propinas, ficar longe da família (às vezes para sempre). Além disso, nem sempre se encontra emprego no país onde se estuda e nem sempre se é colocado nas melhores universidades. Mas seja qual for a escola, um aluno esforçado terá sucesso em qualquer universidade do mundo. O segredo é só um: estudar.