Quem é nossa senhora aparecida na macumba

O sentido espiritual e divino da água carrega consigo imagens de deusas e lendas cultuadas ao longo do tempo na cultura brasileira.

Camila Eduarda, Glenna Franciele, Leonardo Santos, Mariana Silva, Pedro Vinícius, Renata Cunha, Victória Cavalcante, especial para o LabF5

“Mar, misterioso mar
Que vem do horizonte
É o berço das sereias
Lendário e fascinante

Ela mora no mar
Ela brinca na areia
No balanço das ondas
A paz, ela semeia’’ (Lendas das Sereias — Clara Nunes)

Assim como na canção interpretada por Clara Nunes, Lenda das Sereias, o divino feminino e sua ligação com a água é tema muito comum no repertório popular de diversos povos, mas há muitos significados sobre as divindades da água que vão além de suas referências em letras de música.

Desde o primórdio dos tempos, a imagem da mulher é associada a origem da vida, o sagrado feminino que flui na natureza humana. Para muitas culturas, a água tem ligação direta com o existir dos seres vivos: gerando, modificando e abrigando o fator essencial para a subsistência de todos.

Elementos presentes em diversas mitologias formadas ao longo da história estão ligados à água e ao feminino. A chuva, por exemplo, sempre trouxe em sua simbologia a representação da fecundidade, fertilidade e a regência da vida na natureza. Assim como um ventre, tudo em volta da água transforma-se em vida.

Na Grécia Antiga temos presentes o mito das náiades, ninfas do rio que tinham conexão com a natureza e poder de cura. Na cultura pagã dos celtas, acreditava-se que a forma de atingir o divino era através da mulher.

Para a professora do departamento de história da Universidade Federal do Amazonas, Patrícia de Melo Sampaio, o ser humano tende a criar respostas para questões essenciais da sua existência como: Por que estamos aqui? O que estamos fazendo? Qual é o sentido da vida? Por que um dia atrás do outro? Quem é que cuida de nós durante a vida?

Diante dessas questões, ela compreende que: “A resposta que a humanidade tem encontrado é criar deuses e deusas que representam algo que é fora do mundo real — fora do mundo humano — e que opera poderosamente por meio de forças que são extra-humanas. Os deuses são criações humanas e as religiões, por via de consequência, são criações humanas”.

As deusas da água e lendas ao redor do mundo

Iemanjá, Iara e Nossa Senhora Aparecida

No Brasil, as divindades da água também são popularmente cultuadas e habitam o imaginário do povo. Iemanjá, em religiões de matriz africana mas amplamente cultuadas no Brasil como o Candomblé e a Umbanda, Iara (Mãe D’Água), popular lenda do folclore brasileiro, e Nossa Senhora Aparecida, a santa padroeira do país. As três possuem na água o fio condutor de suas histórias e todo o repertório espiritual e divino nelas encarnados.

O quê dizem aqueles que creem nessas divindades?

O estudante de pedagogia, Henrique Barbosa é seguidor do candomblé, religião que cultua as força da natureza através dos orixás (deuses africanos) e, para ele, Iemanjá representa tudo em sua vida, o estudante acredita que ela possui o poder de cuidar do equilíbrio de nossas cabeças sejam nos transtornos ou nos momentos de paz:

“Ela é a mãe de todos os orixás, aquela que acolhe e afaga os que são abandonados. Iemanjá representa a mãe e é tão grande quanto o mar pois a representatividade da força na natureza é o mar”

Dentre as cerimônias de homenagem a Iemanjá, o estudante destaca o ritual realizado no dia 2 de fevereiro de cada ano, quando as principais casas de candomblé no Brasil comemoram o dia da deusa: “Como oferenda a Iemanjá, os seguidores da mãe de todos os orixás levam balaios com flores, perfumes, comidas e oferecem ao mar como gratidão por todos os bens oferecidos” declara Henrique.

A artista visual e umbandista, Kerolayne Kemblim, conta em vídeo um pouco sobre sua exposição chamada “Para cada vela, um pedido” que traz à tona a sua vivência com a umbanda e discute temas como a intolerância religiosa, além de expressar a sua profunda relação com Iemanjá.

Para conferir a entrevista em áudio, basta você clicar no player logo abaixo:

Para aqueles que nasceram ouvindo lendas do folclore amazônico, como a lenda da Iara, é habitual, em determinados momento de suas vidas, relacionar alguns causos à existência da Mãe D’Água.

A dona de casa Dolores Batista, natural de Parintins, ainda nova se mudou para Barreirinha, interior do Amazonas, e como sempre morou as margens do rio, cresceu ouvindo lendas.

Casada com um pescador, Dolores lembra de uma noite em que seu marido, acompanhado por alguns primos, saiu para pescar. Como bom pescador que era, ele partiu com uma garrafa de pinga na mão:

“Naquela noite os primos de Raimundo chegaram tarde, todos molhados e bêbados. Assustados, eles diziam que havia uma mulher de cabelos longos que os cercava durante a pesca, eu ri pensando que era uma brincadeira e perguntei pelo meu esposo, os rapazes disseram que ele havia ficado na canoa nas margens do rio”,relembra Dolores.

Preocupada, pois sabia que o marido também estava bêbado, ela chegou ao local indicado e avistou somente a canoa, sem Raimundo. Ela ri ao relembrar do desespero que sentiu ao não o encontrar, imaginando que o pior tinha lhe acontecido e colocando a culpa, imediatamente, nas “águas amaldiçoadas” e na história da mulher dos cabelos longos que passou a vida acreditando. Com 89 anos, depois de muito refletir dona Dolores revela:

“Raimundo só tinha caído no rio por conta da bebida e isso foi motivo suficiente para seus primos afirmarem com tanta certeza sobre o que achavam que tinham visto”.

A união do significado divino da água com o catolicismo remete a Nossa Senhora Aparecida, com milhões de fiéis espalhados pelo Brasil não é difícil encontrar alguém que possa falar sobre a fé na santa. Desde 2007, a técnica em química Neuci Assis segue os ensinamentos de Nossa Senhora e acompanha as novenas a cada terça-feira, sem falta.

Ela revela que influencia seus amigos a frequentarem a novena de Nossa Senhora Aparecida e afirma que se sente em paz quando vai ao encontro da santa. Neuci coleciona relatos milagrosos de conhecidos ao longo dos 11 anos de vivência nas novenas, e garante que conseguiu comprar seu novo apartamento graças à padroeira:

“Meu grande sonho sempre foi comprar um apartamento, rezei algumas vezes para que Nossa Senhora Aparecida me guiasse e prometi que se conseguisse faria o máximo possível para que minha família passasse a acompanhar as novenas juntos comigo. Passou exatamente dois meses e eis que consegui o valor necessário para a compra. Digo que foi um milagre de Deus em união a Nossa Senhora Aparecida, os dois me ajudaram nessa caminhada, hoje estou imensamente feliz.”, alega a técnica.

A fé e a crença nas divindades e nas personagens da mitologia ligadas a água, como visto, permeiam o existir do ser humano. Mesmo com o passar do tempo, o sagrado feminino e a sua relação com água continuam constituindo o significado de geração e proteção da vida dos seres vivos.

Os que acreditam nesse poder primordial levam para as suas vidas todo o respeito e adoração que passa a reger e impactar o modo de se comportar e interagir com as decisões que as rodeiam ao longo tempo.

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