Que tipo de interesses tanto os liberais como os conservadores tinham em comum?

A saída de Dom Pedro I do governo imperial representou uma nova fase para a história política brasileira. Não tendo condições mínimas para assumir o trono, Dom Pedro II deveria aguardar a sua maioridade até alcançar a idade exigida para tornar-se rei. Nesse meio tempo, os agentes políticos daquela época disputaram o poder entre si no chamado Período Regencial, que vai de 1831 até 1840.

Sendo fruto da Constituição de 1824, os grupos políticos existentes ficavam restritos aos grandes proprietários de terra, comerciantes e algumas pequenas parcelas das classes médias urbanas. Em meio às reuniões e debates que aconteceriam para a organização da ordem regencial, temos o aparecimento de três grupos políticos mais importantes: os liberais moderados, os liberais exaltados e os conservadores.

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Os moderados representavam os setores mais conservadores que defendiam irrestritamente o poder monárquico e a manutenção da estrutura política centralizada. Já os exaltados acreditavam que a ordem política deveria ser revisada no sentido de dar maior autonomia às províncias. Alguns outros integrantes desse mesmo grupo chegavam a cogitar a adoção do sistema republicano. Por fim, havia os restauradores, que acreditavam no retorno de Dom Pedro I ao poder.

Com a morte de Dom Pedro I, o cenário político reduziu-se às agitações dos moderados e exaltados. Mesmo sendo transitória, a regência acabou sendo marcada por vários levantes e rebeliões que evidenciavam a precária hegemonia do Estado brasileiro. No ano de 1834, tentando aplacar o grande volume de revoltas, os liberais conseguiram aprovar o Ato Adicional de 1834, que concedia maiores liberdades às províncias.

Outra medida importante foi o estabelecimento da Guarda Nacional, novo destacamento militar que deveria manter a ordem vigente. Sendo controlada e integrada por membros da elite, a Guarda Nacional acabou tendo seu poder de fogo monitorado por grandes proprietários de terra que legitimavam o desmando e a exclusão social, política e econômica que marcaram tal contexto.

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Entre as maiores revoltas da regência podemos destacar a Cabanagem (PA), a Balaiada (MA), a Revolta dos Malês e a Sabinada (BA), e a Guerra dos Farrapos (RS/SC). Na maioria dos casos, todos estes eventos denunciavam a insatisfação geral para com o desmando e a miséria que tomavam a nação. Vale destacar entre esses eventos a participação exclusiva dos escravos na Revolta dos Malês e o papel das elites locais na organização da Guerra dos Farrapos.

A forte instabilidade do período regencial acabou instigando o desenvolvimento de dois outros importantes eventos. O primeiro deles foi a aprovação da Lei Interpretativa do Ato Adicional, de maio de 1840, que retirava a autonomia concedida às províncias. Dois meses depois, os exaltados conseguiram se aproveitar dos vários conflitos para que o Golpe da Maioridade antecedesse a chegada de Dom Pedro II ao poder, colocando um fim à Regência.

O liberalismo é um conjunto de pensamentos que surgiu no século XVII e ganhou destaque na Europa do século XVIII. O seu apogeu ocorreu após a Revolução Industrial, no início do século XIX. Basicamente, a visão liberal de mundo consiste em enxergar que todos os seres humanos são dotados de capacidades para o trabalho e intelectuais e que todos têm direitos naturais a exercer a sua capacidade.

Dessa maneira, o Estado não tem o direito de interferir na vida e nas liberdades individuais dos cidadãos, a menos que esses atentem contra a ordem vigente. Esse pensamento liberal norteou eventos como a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, criando um Estado de Direito liberal na modernidade, que visava assegurar os direitos dos cidadãos e acabar com o despotismo.

Leia também: Estado laico – o que é, importância, exemplos

Características do liberalismo

Que tipo de interesses tanto os liberais como os conservadores tinham em comum?
John Locke, filósofo inglês considerado um dos “pais” do liberalismo. [1]

O liberalismo, como um todo, visava a acabar com a opressão do chamado Antigo Regime (as monarquias absolutistas que dominaram, durante muito tempo, as potências europeias). Para os liberais, o ser humano era dotado de direitos naturais (pensamento herdado do filósofo inglês John Locke) que assegurariam o direito de todos os cidadãos de participar da política e da economia, de trabalhar, acumular riquezas e adquirir uma propriedade privada. Do mesmo modo, eram direitos naturais à vida e à liberdade, sendo vedado ao Estado qualquer forma autoritária e injustificada de restrição da liberdade ou assassinato dos cidadãos.

Para os teóricos liberais modernos, não havia qualquer justificativa para o controle da vida, do governo e da economia por parte dos monarcas. Isso porque a monarquia absolutista estava assentada no ideal do direito divino, ou seja, os governantes eram pessoas eleitas por Deus para guiar o povo. O pensamento moderno, já altamente racional, rejeitava essa noção.

Para os modernos, era a razão, distribuída entre as pessoas, a responsável por criar um projeto de mundo capaz de impulsionar a sociedade e os indivíduos ao crescimento. Esses ideais, que constituíam o Iluminismo, geraram o centro do pensamento liberal: a capacidade individual de trabalhar, criar e evoluir.

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Tipos de liberalismo

O liberalismo clássico pode ser dividido em liberalismo político e liberalismo econômico. Chamamos de liberalismo clássico aquele que surgiu dos ideais de filósofos liberais do século XVII e XVII contra o Antigo Regime e a favor da livre iniciativa individual na economia. Em contraposição, existe o neoliberalismo, que é uma doutrina econômica do século XX que resgatou elementos do liberalismo, adaptando-os à realidade econômica do mundo globalizado e do capitalismo altamente desenvolvido.

  • Liberalismo político

O pensamento liberal, em geral, visava a acabar com a opressão estatal sobre a vida das pessoas em seus aspectos políticos e econômicos. Para tanto, era necessário abandonar a visão medieval de governo, baseada no poder absoluto e irrestrito de um governante e no severo controle da economia por parte do Estado (como ocorreu no mercantilismo, em que os governos promoviam as ações da economia, baseadas no comércio e na exploração de colônias, controlando absolutamente tudo).

Ao abandonar a visão antiga de governo e economia, os liberais modernos adotaram uma visão política baseada no republicanismo ou no parlamentarismo. Esses sistemas políticos permitiam a divisão dos poderes, retirando das mãos de um monarca o poder absoluto.

O filósofo francês Charles de Montesquieu, um dos pensadores que influenciaram o liberalismo e a Revolução Industrial, defendeu a divisão dos poderes estatais em três partes: o Poder Legislativo (formado por um corpo de legisladores, que criarão as leis); o Poder Executivo (formado por um corpo de governo responsável por executar as leis e governar a cidade ou o país); e o Poder Judiciário, que atua quando algum cidadão infringe as leis estabelecidas ou entra em conflito de interesses com outros cidadãos ou com o Estado.

  • Liberalismo econômico

No campo econômico, foram as ideias do filósofo e economista inglês Adam Smith que predominaram para estabelecer as diretrizes desse novo pensamento econômico. O liberalismo econômico consiste no entendimento de que o Estado não deve interferir na economia, pois essa deve ser feita a partir da livre iniciativa dos cidadãos, que devem ser livres para produzir e fazer comércio, sendo responsáveis por si mesmos.

A meritocracia e a valorização do esforço individual são marcantes no pensamento liberal, que coloca como responsável pela riqueza e pelo sucesso, unicamente, o indivíduo. Para Smith, haveria uma espécie de “mão invisível” que faria com que a economia se desenvolvesse autonomamente no poder da iniciativa privada, sem necessitar do Estado, pois esse colocava um entrave no crescimento econômico ao querer reivindicar a sua parte nos lucros sem nada oferecer em troca.

História do liberalismo

As primeiras insurgências liberais começaram já no fim do século XVII, com um pensamento burguês que desafiava a ordem vigente do absolutismo. Na Inglaterra, esse fator ocorreu com a Revolução Gloriosa, que acabou de vez com o absolutismo inglês e implantou um regime parlamentar no país que manteve a monarquia, mas abriu um Parlamento com a possibilidade de participação política de pessoas que não pertenciam à nobreza.

O pensamento liberal começou a se espalhar pela Europa, destacando-se personalidades como o filósofo inglês John Locke, o filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham, além dos filósofos políticos franceses pertencentes ao Iluminismo, como Voltaire, Montesquieu e Diderot.

Que tipo de interesses tanto os liberais como os conservadores tinham em comum?
Charles de Montesquieu, um dos filósofos iluministas franceses. [2]

Em razão da influência do pensamento iluminista, que valorizava a razão e a racionalidade em detrimento da antiga concepção religiosa que tomava conta da vida política durante a Idade Média, as pessoas atentaram-se para o fato de que a vida pública deve ser regida pela racionalidade, e não pela religião.

Também foi fundamental a percepção de que existem direitos básicos que devem ser garantidos, o que John Locke chamou de naturais e que os iluministas franceses chamaram de direitos do homem e do cidadão. Dentre tais direitos, destacam-se a liberdade, a igualdade (no caso, não a igualdade socioeconômica, mas a extinção de um sistema de nobreza que privilegia as castas nobres na política) e o direito à propriedade (nos regimes absolutistas, a maior parte da propriedade concentrava-se nas mãos da nobreza e do clero).

Outro fator que impulsionou o pensamento liberal foi a Revolução Industrial e o desenvolvimento do capitalismo industrial. A burguesia queria expandir os seus negócios, produzir mais, lucrar mais e expandir a propriedade privada. Com os entraves colocados pelos governos autoritários, os burgueses viam-se incapacitados de lucrar como queriam. Daí, as ideias liberais fizeram nascer um pensamento liberal no campo econômico para permitir o desenvolvimento econômico baseado apenas nos esforços da burguesia, sem interferência estatal.

Veja também: Direitos humanos: os direitos básicos em favor da existência humana

Neoliberalismo e liberalismo

O liberalismo clássico mostrou-se ineficaz no início do século XX, após o advento de crises, como a Grande Depressão de 1929, em que a Bolsa de Valores de Nova Iorque quebrou. O cenário era de desemprego geral e péssimas condições de vida e trabalho para a classe operária europeia e estadunidense (principalmente), mas também para as classes operárias de outros países fora dos grandes eixos industriais.

O socialismo havia inspirado a formação de organizações sindicais, que organizavam grandes greves contra a exploração dos trabalhadores por parte da burguesia, algo comum e necessário dentro da doutrina liberal. O cenário do século XX fez com que governantes e economistas revissem o liberalismo clássico.

Um dos economistas que apresentaram uma proposta diferente foi o inglês John Maynard Keynes, formulando uma doutrina conhecida posteriormente como keynesianismo. Essa teoria trouxe uma forma de pensar a economia capitalista como um misto de lucro para a iniciativa privada, mas com uma regulação estatal que assegurasse boas condições de vida para toda a população, e não somente para uma classe privilegiada.

As formas de governar que surgiram a partir dessas ideias ficaram conhecidas como social-democracia, sendo aplicadas nos Estados Unidos por Franklin Delano Roosevelt e por países nórdicos europeus, como a Finlândia. A educação, a saúde, a segurança, o pleno emprego e a dignidade da vida deveriam ser promovidos pelo Estado quando a iniciativa privada não conseguisse atingir a todos com os seus benefícios, o que fez surgir um Estado de bem-estar social, que tornaria mais digna a vida humana e permitiria o acesso ao consumo por parte das classes trabalhadoras.

Como resposta a esse tipo de política econômica, o economista da Escola Austríaca de Economia, Ludwig von Mises formulou uma doutrina político-econômica que resgatava os elementos do liberalismo clássico e adaptava-os à realidade do capitalismo globalizado e altamente desenvolvido do século XX.

Que tipo de interesses tanto os liberais como os conservadores tinham em comum?
Ludwig von Mises, economista da Escola Austríaca que fundamentou as primeiras teorias neoliberais. [3]

A nova realidade não permitiria uma completa e total separação entre a economia e o Estado, mas permitiria ajustes que os neoliberais consideravam necessários. Esses ajustes visavam, em geral, à ampliação da iniciativa privada na oferta de serviços básicos e a supressão quase total das empresas, órgãos e funcionários públicos, a fim de, como dizem os neoliberais, desinflar a máquina estatal. Por essa lógica, o papel do Estado na economia seria quase nulo, a cobrança de impostos abaixaria muito e os serviços básicos seriam, em sua maioria, cobrados.

Críticos dessa vertente econômica dizem que esse tipo de política econômica tende a manter uma classe privilegiada no poder econômico, assim como acontecia no liberalismo clássico, além de precarizar a vida do trabalhador, que precisa trabalhar mais e perde muitos dos seus direitos trabalhistas.

Leia também: Totalitarismo: regime político que visa ao controle total da vida pública e privada

Resumo

  • Doutrina política e econômica que surgiu entre os séculos XVII e XVIII;

  • Visava a acabar com os governos absolutistas, estabelecendo um quadro de igualdade e de defesa da liberdade;

  • Perdeu força com a ascensão da burguesia industrial;

  • Foi reformulado a fim de atender às demandas pós-crise de 1929;

  • O neoliberalismo defende que a iniciativa privada deve tocar a economia livremente, sem a interferência do Estado.

Créditos das imagens

[1] Godfrey Kneller (Domínio público)/Commons

[2] Maarten van Vliet (Domínio público)/Commons

[3] Ludwig von Mises Institute/ Commons 

Quais eram os interesses dos partidos Liberal e Conservador?

Os conservadores apostavam num poder central forte, enquanto os liberais defendiam a autonomia das províncias e valorizavam a representação nacional (deputados eleitos).

Quais eram as diferenças entre conservadores e liberais no Império?

Conservadores eram partidários de uma grande centralização do poder nas mãos do imperador, enquanto os liberais defendiam uma maior autonomia local para as províncias.

Qual foi a estratégia utilizada pelos liberais contra as reformas dos conservadores?

Visando tomar o lugar dos conservadores, os liberais passaram a organizar um movimento que defendia a imediata antecipação da maioridade do futuro imperador Dom Pedro II. No ano de 1840, fundaram o Clube da Maioridade e passaram a disseminar a chegada de D.

O que foram os liberais?

Os Liberais radicais foram um grupo político formado durante o período de regência de D. Pedro I. Com D. João VI de volta a Portugal, as Cortes desejavam recolonizar o Brasil, evitar intervenção dos ingleses na economia e finalizar com a autonomia administrativa adquirida pelo Brasil.