Quais são as hipóteses de condutas de terrorismo segundo a legislação penal?

Caracterizando o crime de terrorismo
Em 16 de março de 2016 foi sancionada a Lei nº 13.260, também conhecida como Lei Antiterrorismo ou Lei de Terrorismo. A norma em apreço regulamenta o disposto no inciso XLIII do artigo 5º da Constituição de 1988, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista[1].

Quais são as hipóteses de condutas de terrorismo segundo a legislação penal?
Ataques em Brasília no dia da diplomação do presidente eleito Lula da Silva
Reprodução/Twitter

O artigo 2º da lei diz que o terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos de determinados atos[2], por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. A pena reservada para tais atitudes é de reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.

A Lei também ressalta que não configura terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei (artigo 2º, § 2º).

No plano internacional, a criação da lei está vinculada às determinações da Convenção Interamericana Contra o Terrorismo de 2002[3], a qual reafirma a necessidade de adotar no Sistema Interamericano medidas eficazes para prevenir, punir e eliminar o terrorismo mediante a mais ampla cooperação por parte dos Estados-Membros da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Do ponto de vista conceitual, o terrorismo consiste na imposição de uma vontade mediante o emprego sistemático de violência ou de técnicas de terror para fins políticos ou ideológicos, considerado o termo em seu sentido amplo (verbi gratia: prática de atentados objetivando desorganizar a sociedade existente para a subsequente tomada do poder). Sob o aspecto jurídico-penal, contudo, conforme expressamente delineado na lei brasileira, demanda-se que o ato violento envolva razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. Ademais, a conduta precisa ser materializada com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, vale dizer, o tipo penal exige um elemento subjetivo especial (ou tendência especial), sem o qual o crime não se perfaz.

Não há dúvidas, pois, que o crime de terrorismo traduz singular gravidade, tanto que o conteúdo de injusto desse delito envolve medo e pânico, sobretudo contra vítimas mediatas, que são aquelas não atingidas diretamente pela conduta perpetrada, mas que poderão o ser a qualquer momento diante da elevada probabilidade de reiteração de atos semelhantes, situação essa provocada pela publicidade que os autores fazem questão de conferir ao fato e às suas circunstâncias. Isso revela a existência de uma ameaça real de violência a um grupo de pessoas ou a uma população, além da coação moral exercida sobre um governo. Nessa direção, o mal do terrorismo está em que ele “envolve, assim como outros delitos comuns, a lesão ou morte intencional e insidiosa de pessoas, mas, distintamente de qualquer outra ação, o terrorismo é capaz de, concomitante e dolosamente, ameaçar ou coagir outras pessoas e lhes violar os direitos de liberdade e segurança”[4].

Atos praticados em várias partes do Brasil
Desde a divulgação oficial do resultado do segundo turno da eleição presidencial, em 30 de outubro de 2022, a mídia vem noticiando amplamente a ocorrência sistemática de atos violentos em diversas partes do Brasil, protagonizados por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), inconformados com a sua derrota para o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

As condutas (muitas delas ainda em curso), quase sempre fiadas no intento de solapar o desenho normativo em vigor no país, são basicamente as seguintes: obstrução de vias e rodovias, impedindo o livre trânsito de pessoas e automóveis; acampamentos em quarteis/batalhões do Exército brasileiro, em que os “manifestantes” imploram pelo retorno da ditadura militar, erguendo cartazes de teor golpista, a maioria com pedidos de fechamento do Congresso e de prisão de alguns ministros do STF; tentativas de invasão de prédios públicos; incêndios de imóveis, ônibus e carros; agressões físicas e psicológicas a pessoas com pensamento político diverso do bolsonarismo, dentre tantas outras[5].

Todas essas práticas ocorrem em momento delicado da vida nacional, marcado por profundas dissensões políticas e sociais, em que alguns grupos trabalham incessantemente para fazer germinar na sociedade a perniciosa semente do fascismo, disseminada na base de um pseudo patriotismo, que se cristaliza no lema "Deus, pátria, família e liberdade". Como se isso não bastasse, ousam encontrar guarida para tais atitudes — que em última análise visam à completa subversão da ordem democrática — na garantia constitucional da "liberdade de expressão", por se tratar, na deturpada visão dessas franjas mais radicais, de um movimento político legítimo.

Com efeito, essa questão vem sendo tratada pelo STF no âmbito do Inquérito nº 4.828, que investiga atos antidemocráticos, tendo ganhado expressão durante o julgamento da Ação Penal nº 1.044-DF, quando a Corte sacramentou que "não incide a liberdade de expressão ou de imunidade parlamentar (artigo 53, caput, da Constituição Federal/88) nas hipóteses de propagação de discursos de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado de Direito"[6]. Naquela ocasião, o plenário do STF reconheceu a existência do crime previsto no art. 23, IV, c/c o artigo 18, ambos da antiga Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83)[7], tendo em decisão histórica condenado um parlamentar federal a uma elevada pena de oito anos e nove meses de reclusão[8].

Identificação dos possíveis crimes
A chamada Lei de Segurança Nacional (LSN) foi inteiramente revogada pela Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021. A nova legislação acrescentou o Título XII na Parte Especial do Código Penal, relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito. Para além disso, acrescentou um parágrafo único ao art. 286 do CP (delito de incitação ao crime), punindo com a mesma pena do caput quem “incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade”.

Considerando o atual quadro institucional brasileiro, três outros tipos penais inseridos pela novidadeira lei no Código Penal merecem um especial destaque: o de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, encartado no artigo 359-L, o de golpe de estado, previsto no art. 359-M, e o de sabotagem, anotado no artigo 359-R[9].

O primeiro, punido com reclusão de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência, possui a seguinte redação: "Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais". Nesse sentido, basta a tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, o qual estabelece a divisão e a harmonia entre os poderes, debaixo de uma ordem jurídica que trata fielmente de competências e atribuições funcionais, dos órgãos e agentes estatais, inclusive, por óbvio, em relação às forças armadas, mercê do que se enquadram nesse perfil todas as condutas violentas que se dirijam a d’algum modo deslegitimar ou subverter a ordem constitucional vigente.

O segundo, "tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído", punido com reclusão de quatro a 12 anos, além da pena correspondente à violência, mira prevenir condutas de natureza golpista, punindo-se a mera tentativa de deposição de governo legitimamente constituído, o que significa tentar destituir do exercício do poder constitucional um governo com mandato outorgado pelo povo via eleições livres e diretas.

E o terceiro, por último, traz a proibição de "destruir ou inutilizar meios de comunicação ao público, estabelecimentos, instalações ou serviços destinados à defesa nacional, com o fim de abolir o Estado democrático de Direito", sendo a pena de reclusão de dois a oito anos. Aqui, a ação de sabotagem, consistente, por exemplo, na destruição ou inutilização de estabelecimentos públicos destinados à defesa nacional, deve ter como finalidade especial a abolição do Estado democrático de Direito enquanto valor-guia da institucionalidade nacional.

Conclusão
Atos violentos que não aceitam os fiéis resultados das urnas; que reivindicam o retorno da ditadura militar, com a assunção do poder político pelas forças armadas; que destroem patrimônios públicos e de particulares; que obstruem rodovias; que em síntese objetivam incendiar o país com versões distorcidas e mentirosas acerca do funcionamento dos poderes da república e das decisões tomadas por seus agentes, almejando uma ruptura institucional, indubitavelmente são criminosos e nessa perspectiva devem ser tratados com o devido rigor pelas autoridades do Estado brasileiro. Todavia, não há como identificar nas condutas até aqui praticadas o crime de terrorismo previsto no artigo 2º da Lei nº 13.260/16. Noutro norte, há que se atentar para o que descreve a Lei nº 14.197/21, notadamente para o possível cometimento, presente e/ou futuro, dentre outros, dos crimes previstos nos artigos 286, § único, 359-L, 359-M e 359-R, todos do CP.

 


[1] Além de alterar a Lei nº 7.960/89, incluindo a possibilidade de prisão temporária para os crimes nela encartados, e a Lei nº 12.850/13, tornando-a aplicável às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos.

[2] Os atos de terrorismo, previstos no § 1º, consistem em: I – usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa (...); IV – sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento; V – atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa.

[3] Documento disponível em: http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/a-66.htm. Acesso em: 16 dez. 2022.

[4] Cf.  GUIMARÃES, A. T. O que é terrorismo? Aproximação a um conceito de ato terrorista. Revista de Estudos Criminais, v. 76, 2020, p. 115.

[6] Na linha de que não existe direito com validade absoluta. Ora, se nem mesmo a vida tem valor absoluto, uma vez que em casos excepcionais a própria CF/88 admite a pena de morte (art. 5º, XLVII, “a”), o que dizer da liberdade de manifestação do pensamento!

[7] Art. 23 - Incitar: (...); IV - à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos. Art. 18 - Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados. Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.

[8] Confira-se o inteiro teor do voto do relator, min. Alexandre de Moraes, acompanhado pela maioria dos ministros: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/AP1044ementa.pdf. Acesso em: 17 dez. 2022. Conforme trecho da denúncia criminal apresentada pela PGR, o réu gravou e publicou um vídeo no dia 15-02-2021 no qual “não só há uma escalada em relação ao número de insultos, ameaças e impropérios dirigidos aos ministros do Supremo, mas também uma incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o Tribunal, quando o denunciado, fazendo alusão às nefastas consequências que advieram do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, entre as quais cita expressamente a cassação de Ministros do Supremo, instiga os membros da Corte a prenderem o general Eduardo Villas Boas, de modo a provocar uma ruptura institucional pelos “homenzinhos de botão dourado”, expressão que utiliza para aludir aos comandantes militares”. Veja-se a íntegra do vídeo em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/04/veja-video-que-levou-daniel-silveira-a-prisao-por-criticas-ao-stf.shtml. Acesso em: 17 dez. 2022.

[9] O art. 359-T, por seu turno, diz que “não constitui crime previsto neste Título a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”.

Emetério Silva de Oliveira Neto é advogado criminalista, pós-doutor em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), doutor em Direito Penal pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e professor de Direito Penal da Universidade Regional do Cariri (Urca).

Quais são as condutas consideradas terroristas pela lei penal especial?

§ 1º São atos de terrorismo: I - usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa; II – (VETADO); III - (VETADO);

São atos de terrorismo?

A redação aprovada considera terrorismo os atos violentos, ameaças ou simulações que “visem promover terror social ou generalizado”, expondo a perigo pessoas, o patrimônio público ou privado, a ordem pública e as representações diplomáticas.

Quais as formas de terrorismo explique?

Ações terroristas típicas incluem assassinatos, sequestros, explosões de bombas, matanças indiscriminadas, raptos, aparelhamento e linchamentos.

Não é penalmente típica a conduta de realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito?

QUESTÃO ERRADA: É penalmente típica a conduta de realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito. Essa hipótese configura um crime obstáculo que não se compraz, segundo a Lei 13.260/2016, com a resipiscência.