Quais os impactos do trabalho com os novos letramentos na sua atuação como profissional da diretoria de ensino?

Introdução

O cenário educacional contemporâneo se caracteriza por uma forte tendência: a retomada e o desenvolvimento da Educação a Distância (EaD) sob novas perspectivas. Com o desenvolvimento atual das tecnologias, principalmente com a possibilidade de comunicação propiciada pela rede mundial, a internet, em que computadores estão conectados em diferentes localidades, a EaD ganha novos horizontes, possibilidades e desafios.

Outro fator que impulsionou a expansão da EaD foi a crescente demanda pela inclusão educacional, uma exigência do modelo social, econômico e do movimento da globalização. No Brasil, a democratização do acesso à educação, principalmente à Educação Superior, ainda se constitui em um grande desafio. Espera-se que a EaD possa se efetivar como uma das alternativas para responder a tal desafio.

O Censo da Educação Superior (2012) mostra que, em 2009, somando-se a graduação presencial e à distância, somente em Pedagogia estavam matriculados 573.898 alunos, correspondendo a 9,6% do total de 5.954.021 graduandos em toda a Educação Superior no Brasil. A Pedagogia era o quinto curso em demanda de matrículas, abrangendo 287.127 alunos na modalidade presencial, enquanto que ocupava o primeiro lugar na oferta da modalidade EaD, com 228.771 matrículas. Isso corresponde, respectivamente, a 34,2% das 838.1234 matrículas da Educação Superior em EaD (BRASIL, 2012).

Constata-se que de 2011 a 2012 a EaD no Brasil obteve um crescimento de matrículas maior que o ensino presencial, ou seja, estudar virtualmente tem se tornado uma possibilidade para muitos. Em um ano, houve um aumento de 12,2% nas matrículas nessa modalidade, enquanto a educação presencial teve um aumento de 3,1%. Apesar do crescimento, a EaD ainda representa 15,8% das matrículas.

Nessa perspectiva, o Censo da Educação Superior revelou que, no período 2012-2013, a matrícula na graduação cresceu 3,9% nos cursos presenciais e 3,6% nos cursos EaD. Os cursos a distância já contam com uma participação superior a 15% na matrícula de graduação. Atualmente, as universidades são responsáveis por 90% da oferta, o que representa 71% das matrículas nessa modalidade de ensino.

Sobre as licenciaturas, o Censo da Educação Superior (2015) mostra que nos últimos dez anos houve aumento acima de 50%, um crescimento médio de 4,5% ao ano. Constata-se que, anualmente, mais de 200 mil alunos concluem cursos de licenciatura. O Curso de Pedagogia corresponde a 44,5% do total de matrículas e está entre os cursos mais procurados.

Neste contexto, em que a possibilidade de cursar uma graduação a distância é crescente, torna-se importante considerar que as tecnologias mudam o cenário dos ambientes de aprendizagem para os cursos oferecidos nesta modalidade. É diante de tal contexto que surge uma preocupação formal quanto às condições de formação do pedagogo. É relevante, também, retomar este conjunto de conceitos e refletir sobre a formação docente e sua atuação no contexto escolar mediado pelas Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC’s).

Além disso, o cenário contemporâneo midiático demanda um pedagogo criativo, competente e comprometido com o advento das tecnologias digitais, capaz de interagir em meio à sociedade do conhecimento. Para isso, é necessário tanto repensar a educação quanto buscar os fundamentos para o uso das tecnologias e das novas linguagens que causam grande impacto na educação e determinam uma nova cultura na sociedade.

Assim, neste trabalho, pretende-se discutir o letramento digital, considerando a formação e a prática docente de alunos do Curso de Pedagogia EaD. Para atender a tal propósito, este artigo está organizado da seguinte forma: primeiramente são apresentados os desafios para a formação do pedagogo em cursos presenciais e EaD. Na segunda seção, é apresentada a metodologia que subjaz à pesquisa. Na terceira seção, são apresentadas as reflexões teóricas sobre letramento digital e formação de professores. Em seguida, tem-se a análise e discussão dos dados. Por último, as considerações finais e as referências que serviram de base para a elaboração do artigo.

Os desafios da formação do pedagogo nas modalidades presencial e EaD

A criação do Curso de Pedagogia, na modalidade EaD, é resultado de um processo histórico que teve sua origem na promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/1996), que coloca a formação de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental e da Educação Infantil como uma prioridade nacional (BRASIL, 1996).

Com o objetivo de regulamentar o Art. 80 da LDB 9394/96, o Executivo Federal baixou o Decreto n. 2.494/98, em 10 de fevereiro de 1998, que possibilitou a concessão de incentivos do poder público para que os cursos pudessem ter atuação em todos os níveis e modalidade de ensino. Esse decreto dá um norte à EaD, fixando diretrizes gerais para sua implantação, instituindo também a validade nacional dos diplomas e certificados desses cursos a distância, ou seja, um diploma de um curso de EaD passa a ter o mesmo valor que um diploma de curso presencial (BRASIL, 1998).

Com base no Parecer CNE/CES n. 5, de 13 de dezembro de 2005, que deu origem às atuais Diretrizes Curriculares Nacionais de Pedagogia (DCNs), pode-se concluir que o curso é destinado a formar profissionais cujas competências pressupõem sólida base teórica e capacidades pedagógicas compatíveis com a responsabilidade social que lhes é confiada (BRASIL, 2005).

Posteriormente, o Decreto n. 5.622, de 20 de dezembro de 2005 (BRASIL, 2005), e o Decreto n. 6.303, 12 de dezembro de 2007 (BRASIL, 2007), voltam a regulamentar o Art. 80 da LDB 9394/1996 de forma concreta e detalhada, estabelecendo normas para a EaD; tratam, principalmente, do credenciamento de instituições e reconhecimento de cursos destinados a essa modalidade de ensino. Esses decretos detalham, também, as exigências para os processos de renovação do reconhecimento de cursos, de identificação de problemas e irregularidades e suas devidas ações corretivas, de formação de parcerias, convênios e acordos, entre outros.

No entanto, a Resolução CNE/CP n. 1, de 15 de maio de 2006 (BRASIL, 2006), provoca inquietações, ao definir uma carga horária mínima de 3.200 horas, sendo que destas, 300 horas são destinadas ao cumprimento de estágio obrigatório e 100 horas a atividades teórico-práticas de aprofundamento, divididas com outras atividades formativas que subtraem do graduando um tempo de estudo necessário para suprir lacunas de sua formação.

Torna-se importante lembrar que a obrigatoriedade do diploma de graduação para o exercício da docência na primeira etapa do Ensino Fundamental é bastante recente no Brasil e faz parte do conjunto de reformas educacionais promovidas pela LDB 9394/1996 (BRASIL, 1996). Tais reformas são resultantes dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no início da década de 1990, orientadas pela ótica da reconstrução do campo educativo em função da lógica do campo econômico.

Libâneo (2006), em seus estudos sobre a formação do pedagogo, afirma que o Curso de Pedagogia será destinado à formação de profissionais interessados em estudos do campo teórico-investigativo da educação, e, no exercício técnico-profissional, como pedagogo no sistema de ensino, nas escolas e em outras instituições educacionais, inclusive não escolares.

Nesse cenário, a atuação do pedagogo também se modifica e sua profissão ganha destaque, pois cada vez mais se abrem os espaços de atuação. Torna-se relevante que o pedagogo adquira um perfil com saberes que lhe subsidiem o fazer pedagógico. Para Pimenta (2008), a construção desse perfil caracteriza-se por um processo dinâmico e complexo que envolve o pessoal, o profissional, a interação com as situações da profissão e pela abrangência da concepção do docente como sujeito do conhecimento, hábil a construir saberes e habilidades profissionais.

Para tanto, neste artigo defende-se um processo de formação capaz de despertar no pedagogo a capacidade de investigação, o uso das tecnologias digitais, que podem contribuir para a formação global e o desempenho profissional, em conformidade com as diretrizes que apontam para o fortalecimento da identidade dos cursos de formação de professores, tendo a docência como base comum de formação, a teoria e a prática como unidades indissociáveis na formação docente para o Ensino Fundamental e a Educação Infantil.

Metodologia da pesquisa

Para a realização deste estudo, optou-se pela pesquisa de campo de abordagem qualitativa, associada à pesquisa documental e bibliográfica. Os sujeitos da pesquisa são alunos do Curso de Pedagogia EaD, situados em um dos nove polos denominado Polo Paulo Freire1, que funcionou em parceria com o sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), a cargo da Diretoria de EaD do MEC, subsidiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

À época da pesquisa, o curso contava, no Polo, com um coordenador; uma secretária; duas tutoras locais, responsáveis pelo acompanhamento presencial dos alunos; um tutor a distância, auxiliar no processo educacional da plataforma moodle; e uma professora formadora, profissional esta responsável pelo planejamento, desenvolvimento e avaliação das atividades do curso pelos trinta e seis alunos sujeitos da pesquisa. Os instrumentos utilizados para coleta de dados foram o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA); a observação de alunos nos Encontros Presenciais; questionários respondidos pelos alunos; e entrevista semiestruturada aplicada a dez alunas que, na época da pesquisa, atuavam como professoras na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Para este artigo, focalizou-se a análise de respostas do questionário e da entrevista sobre os seguintes pontos: contexto de uso e de apropriação das TDIC’s; impactos das TDIC’s na vida pessoal e profissional; influência do Curso de Pedagogia EaD no processo de letramento digital; e, finalmente, o uso pedagógico das TDIC’s nas práticas docentes.

Com essa pesquisa, pretendeu-se investigar o processo de letramento digital dos alunos no Curso de Pedagogia EaD, identificando as habilidades e competências desenvolvidas por eles. Nesse sentido, foram levantadas as seguintes questões: Como se dá o processo de letramento digital no Curso de Pedagogia EaD? Que tipo de influência as TDIC’s exercem na formação docente? Quais as repercussões dessa formação na prática docente? Os cursos de licenciatura estão formando professores para o uso pedagógico das TDIC’s na Educação Básica?

O quadro teórico de referência fundamenta-se em estudos e pesquisas sobre letramento digital, formação de professores, articulado ao uso pedagógico das TDIC’s, nos Cursos de Pedagogia e Licenciaturas na modalidade presencial e a distância (BARRETO; GATTI, 2009; RIBEIRO; COSCARELLI, 2010; JORGE; ANTONINE, 2011; GOMES, 2012; 2013; BEHAR, et al. 2013; MORÉS, 2014; SABOIA et al. 2014; GATTI, 2014). Considera-se o pressuposto de que formar para o uso das TDIC’s é dar ao futuro professor condições de ir além da técnica e refletir criticamente sobre a sua atuação num dado contexto social. Trata-se de formá-lo no e pelo trabalho com as TDIC’s.

Buscou-se também uma fundamentação teórico-metodológica na abordagem sociohistórica, especialmente as contribuições de Bakhtin. Essa opção implicou considerar os sujeitos, o contexto e os fenômenos, a partir da dimensão histórica e social em que estes se inserem. Bakhtin considera que o objeto de estudo das Ciências Humanas é o ser expressivo e falante, “esse nunca coincide consigo mesmo e por isso é inesgotável em seu sentido e significado”. (BAKHTIN, 1952-53/2003, p. 395).

No contexto específico da esfera das tecnologias digitais, a abordagem bakhtiniana auxilia na compreensão das suas características. Para Bakhtin (1952-53/2003), a linguagem é um fenômeno eminentemente social, que se processa na e pela interação entre dois ou mais interlocutores, e o que se pode fazer no contexto digital é interagir com o outro via linguagem. Assim, nessa pesquisa, foi importante retomar alguns de seus conceitos, como: interação verbal, dialogismo, compreensão responsivo ativa e alteridade, a fim de compreender o contexto da EaD.

Enfoques teóricos norteadores sobre Letramento Digital

O crescente aumento na utilização das ferramentas tecnológicas na vida social tem exigido dos cidadãos a aprendizagem de comportamentos e raciocínios específicos. Por essa razão, alguns estudiosos investigam uma modalidade de letramento, denominada letramento digital.

Ser letrado digital pressupõe assumir mudanças nos modos de ler e escrever os códigos e sinais verbais e não verbais. Buzato (2007) e Freitas (2010) defendem o uso do termo no plural. Para a autora, “letramentos digitais constituem formas diversas de prática social que emergem, evoluem, transformam-se em novas práticas e, em alguns casos, desaparecem substituídas por outras” (FREITAS, 2010, p. 339).

Assim, pode-se afirmar que os conceitos relacionados aos letramentos digitais partem dos estudos dos letramentos, relacionando-os às praticas sociais de leitura e escrita que se desenvolvem num contexto cultural. Nesse sentido, letramentos digitais são conjuntos de letramentos, práticas sociais que designam a habilidade de compreender e utilizar a informação de múltiplos formatos a partir de uma gama de fontes. Isso significa dizer que ser letrado digital vai além de simplesmente ser capaz de ler; que sempre significou a capacidade de ler com sentido e significado, ou seja, revelar domínio da compreensão responsiva ativa (BAKHTIN, 1952-53/2003).

Coerente com esta perspectiva, letramento digital pode ser entendido como uma capacidade de compreender e utilizar informações na tela, seja ela de computador, jogos eletrônicos, videogame, mp4, celular, tablets e ipods, etc. Também pode ser entendido como a ampliação do repertório de possibilidades com a escrita, em ambientes digitais, tanto para ler quanto para escrever. Trata-se de um conceito amplamente referenciado em função das crescentes demandas em relação ao desenvolvimento de competências e habilidades de leitura e escrita em novos suportes tecnológicos. (RIBEIRO; COSCARELLI, 2010; BEHAR, 2013; SABOIA et al. 2014).

Ribeiro e Coscarelli (2010) e Saboia et al. (2014) são exemplos de autores que abordam competências e habilidades necessárias para o letramento digital. De acordo com Behar (2013), as competências que compõem o letramento digital são: computacional, comunicacional, informacional e multimídia. Já Freitas (2010), em seus estudos sobre letramento digital, destaca quatro competências necessárias na formação de professores: a capacidade de realizar avaliação crítica de conteúdos, a capacidade de ler utilizando o modelo hipertextual; a capacidade de associar as informações por meio de diferentes fontes e a capacidade de realizar busca em ambientes virtuais.

Na era digital, o professor é desafiado a rever sua prática pedagógica, para acompanhar essa nova geração de internautas e conhecedores das tecnologias digitais. Uma das mudanças que o professor necessita experimentar é a prática de usar o computador de modo pedagógico, mais precisamente a Internet e o AVA. Assim, o letramento digital pode ser entendido como um processo de capacitação para a aquisição de novas práticas de leitura e escrita mediadas pelas tecnologias.

Nessa perspectiva, torna-se importante destacar que, além de conhecimentos tecnológicos sobre as ferramentas digitais e recursos do computador, o professor também precisará dominar os fundamentos básicos e pedagógicos da EaD, adquirindo habilidades e competências para atuar em contextos que diferem do tradicional.

O uso das tecnologias na formação de professores tem sido um ponto referencial para que também eles venham a oferecer uma educação de qualidade. Acredita-se que, capacitados para o uso das TDIC’s, eles também analisem sua prática, pois não pode ocorrer apenas a simples transposição do impresso para o digital. Espera-se que a opção por trabalhar com as TDIC’s influencie o planejamento e o modo de organizar o trabalho pedagógico.

Desse modo, pensar em letramento digital no âmbito escolar é pensar em como o uso das TDIC’s pode influenciar o processo ensino-aprendizagem, pois a escola ainda é uma das principais agências de letramento. Coerente com essa perspectiva, as demandas apresentadas pela inserção das TDIC’s no contexto da Educação Básica, por meio das ações das políticas públicas governamentais, demandam que a formação inicial de professores, em destaque o Curso de Pedagogia, desenvolva competências e habilidades para integração das TDIC’s nas salas de aula, garantindo ganhos significativos ao processo de construção do conhecimento.

Análises e discussões dos dados

A análise dos dados à luz da perspectiva de letramento digital possibilitou identificar impactos na vida pessoal e profissional dos alunos professores. Identificou-se pluralidade quanto ao contexto de uso e apropriação. Alguns se apropriaram dos recursos tecnológicos, principalmente na vida pessoal. Outros se apropriaram desses recursos no campo profissional, no que se refere à capacitação docente ou no uso das TDIC’s na preparação das aulas. Identificou-se pequena apropriação das tecnologias no âmbito da sala de aula, o que decorreu, segundo a maioria, da falta de equipamentos ou mesmo de incentivo por parte das instituições públicas em que elas atuavam.

No que diz respeito à vida pessoal, os maiores impactos incidiram em decisões práticas: 68% realizaram investimento na compra de computadores, assinatura de serviços prestados por provedores de internet e utilização de meios de comunicação síncrona e assíncrona via internet; 32% dos alunos dependiam, para realização do curso, do uso dos computadores do Polo ou, ainda, recorriam à família ou amigos para acessarem o equipamento.

Na vida profissional, observou-se que 65% dos participantes da pesquisa que só utilizavam o computador e a internet na vida pessoal passaram a utilizá-los profissionalmente na preparação de aulas, na busca de atividades e textos para serem inseridos em suas atividades e avaliações. No entanto, apenas 25% envolveram seus alunos em atividades utilizando tecnologias. Além disso, por meio da entrevista, identificou-se que o uso de recursos tecnológicos mostrou-se mais presente no discurso do que nas ações dos alunos professores, devido a várias situações, entre elas, a inexistência de laboratórios nas escolas, a ausência de internet banda larga, o número reduzido de computadores nos laboratórios das escolas. E ainda, 10% declararam não utilizar o computador e a internet no ambiente profissional.

Para Coscarelli e Ribeiro (2005), é fundamental o uso das TDIC’s em sala de aula. Essas autoras fornecem exemplos de projetos que podem ser implementados com os alunos, alguns deles utilizando a internet. Para a 2ª Fase do Ensino Fundamental, por exemplo, a criação de blogs, fanfics, fanzines, homepages e webfólios desperta e estimula a aprendizagem. Já na Educação Infantil, é recomendada a exploração do lúdico por meio do uso de sequências didáticas, articulando mídias digitais e o brincar (GOMES, 2015).

Quanto ao impacto no processo de letramento digital, identificou-se que 87% dos participantes afirmaram que o curso teve influência significativa no processo de letramento digital. No questionário aplicado no início do curso, eles afirmaram utilizar o computador apenas para editar textos e a internet apenas para entrar em sites de relacionamento. Ao final do curso, observou-se que eles foram capazes de realizar as atividades propostas no AVA (BEHAR, 2013; SABOIA, et al. 2014).

O impacto foi moderado para 9% dos participantes. Foi identificado avanço no uso diversificado de recursos que passaram a ser utilizados no final do curso. Para 4%, o curso teve influência pequena no processo de letramento digital porque as mesmas competências informadas por eles, no início do curso, foram identificadas, com pequenas alterações no final do curso. Os dados também revelaram o impacto positivo da formação obtida no curso de Pedagogia EaD, no processo de letramento digital das alunas. As palavras de uma aluna ilustram esse impacto:

Este curso foi muito importante para mim. Ele foi a oportunidade que tive de realizar um curso superior. Eu cresci muito e sei que posso desenvolver mais ainda e atuar na escola. Eu descobri a minha identidade docente. Quero ser professora e ensinar muita coisa para as crianças. (SANDRA, Pedagogia EaD).

Quanto ao contexto de uso e de apropriação, 35% se apropriaram das TDIC’s na vida pessoal, 46% se apropriaram na vida profissional, especificamente na preparação das aulas, 9% passaram a utilizar esses recursos no âmbito da sala de aula, o que decorreu do incentivo e reconhecimento das instituições em que atuavam. Esse dado atesta o baixo índice de utilização pedagógica das TDIC’s na prática docente.

Evidenciou-se, no discurso dos alunos professores, que o curso a distância foi uma oportunidade para alcançar a realização do curso superior, ou seja, esta foi a única opção de formação inicial compatível com suas condições de vida. Assim, pode-se afirmar também que as alunas utilizam a modalidade presencial para avaliar o curso à distância. Essa postura é natural, pois cursaram a Educação Básica nessa modalidade. Desse modo, a EaD é vista como uma opção de ensino, uma alternativa. Se pudessem escolher, optariam pelo curso presencial.

Também na visão dos participantes, a EaD tem uma metodologia diferenciada. O aluno é incentivado a reconstruir seu conhecimento, utilizando diversas ferramentas. No entanto, alguns declararam sentir falta da presença do professor, principalmente antes das avaliações. É o que se pode ver no depoimento de uma das alunas,

Olha, tem hora que faz muita falta, viu? Você ter o professor ali, explicando a matéria. Dá mais segurança nas avaliações. Por isso que a vídeo-aula é importante. Você assiste uma, duas vezes. Se precisar assiste de novo. (ESTER, Pedagogia EaD).

Como se pode observar, os depoimentos dos alunos chamam a atenção para um aspecto importante – o papel mediador do professor no processo ensino-aprendizagem. Trata-se de uma contribuição fundamental, insubstituível. Como mediador, cabe ao professor instigar o aluno, provocar reflexões sobre o objeto de ensino, promover contextos favoráveis à aprendizagem, seja ela a distância ou presencial.

Entendida como atitude enunciativa, a mediação pedagógica no contexto das tecnologias favorece o surgimento de novas práticas de imersão digital. Trata-se de um importante ponto da competência didática, uma vez que a utilização do AVA tem se apresentado, cada vez mais, nos processos educacionais, seja como apoio à educação presencial seja na esfera da educação online (NEVES, 2011).

Na análise dos dados, verificou-se que os alunos da modalidade EaD reconhecem que, ao longo da sua formação, desenvolveram habilidades e competências, criaram vínculos com a instituição e por isso eles se manifestaram extremamente gratos pela experiência vivida. Revelaram, também, que se tornar pedagogo foi a realização de um sonho que exigiu muito empenho e dedicação (FREITAS, 2010; BEHAR, 2013; SABOIA et al. 2014).

Uma aluna descreve assim a sua conquista,

Era um sonho que eu tinha. Sempre gostei da escola. Na minha infância eu brincava de aulinha. Eu falava com todo mundo que eu queria ser professora. E agora estou aqui. Antes de concluir o curso passei no concurso público e já estou lecionando na rede particular de manhã e, à tarde, na rede pública. (VILMA, Curso Pedagogia EaD).

E outra aluna lembra que,

Quando decidi ser pedagoga eu sabia que não ia ser fácil. Já tinha mais de 10 anos que eu tinha terminado o Ensino Médio. Demorei esse tempo todo porque eu não podia pagar uma faculdade particular. Eu queria dar aula e trabalhar na escola, mesmo com todos os desafios que a gente sabe que tem. Mas eu fui e consegui. Quem faz Pedagogia a Distância tem que dedicar muito [...] (INÊS, Curso Pedagogia EaD).

Os depoimentos chamam a atenção para questões identificadas na implantação da EaD em muitas localidades no Brasil. A EaD foi assumida pela rede particular e, em muitos casos, a proposta de capacitação docente não tinha caráter formativo, o que, por esse motivo, desqualificou o professor em exercício, consistindo numa forma de aligeirar e baratear a formação. A expansão de cursos e o crescente envolvimento das IES com EaD, sobretudo na formação de professores, atesta que essa modalidade de ensino ganha nova dimensão no país e passa a adquirir importância crescente nas políticas públicas educacionais.

A análise das respostas das participantes sobre o uso pedagógico das TDIC’s na prática docente revelou que a inserção das tecnologias nas práticas pedagógicas é ainda bastante tímida, restringindo-se, quase sempre, em pesquisas online. Sendo assim, não foi observada uma prática diferenciada, mas pequenas iniciativas pontuais. Sobre esse aspecto, vale destacar a importância da formação inicial, contemplar esse desafio a fim de que o professor em formação seja capaz de pensar a inserção das tecnologias no contexto escolar de modo reflexivo e inovador, a fim de se atingirem objetivos pedagógicos mais efetivos.

Considerações finais

Este artigo apresenta resultados de um estudo que investigou o processo de letramento digital em um Curso de Pedagogia EaD, identificando as habilidades e competências desenvolvidas nesse contexto. É parte constitutiva de uma pesquisa que investiga a formação do pedagogo presencial e a distância para atuação na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e o uso pedagógico das TDIC’s nesse contexto.

A análise qualitativa apresentada neste artigo buscou ampliar as discussões sobre letramento digital e formação de professores, por meio dos dados coletados na observação participante, questionários e entrevistas. Assim, este artigo aborda a dimensão teórico-prática do processo de inserção das TDIC’s no contexto formativo, identificando impactos na formação de professores, especificamente de pedagogos, em cursos EaD.

No contexto contemporâneo da educação brasileira, em que vigoram políticas públicas de fomento à utilização das tecnologias na formação inicial de professores, este debate torna-se importante para que se imprimam ações convergentes em prol de uma proposta de formação significativa (ZUIN, 2010; DOURADO e SANTOS, 2011).

Advoga-se uma formação de professores, seja no curso de Pedagogia, ou nas demais licenciaturas presencial e à distância, pautada na construção da autonomia do professor, protagonista do processo educativo. Em face da relevância das ações de formação, compete às instituições formadoras o desafio de criar contextos que promovam uma abordagem crítica e propositiva das tecnologias, incluindo o uso pedagógico das TDIC’s no contexto escolar.

Sendo assim, a urgência motivacional dos sujeitos para se apropriar do letramento digital o quanto antes não é uma simples adequação às demandas econômicas do capitalismo, nem tampouco uma concessão resignada aos apelos políticos dos países emergentes. A aquisição do letramento digital se apresenta como uma demanda educacional e social.

Coerente com essa perspectiva, torna-se relevante um projeto de formação inicial que desenvolva procedimentos pedagógicos em seus variados espaços educacionais, sala de aula e laboratórios de informática, por exemplo, para enfrentar os desafios que estão colocados: letrar digitalmente o professor, preparando-o para o uso pedagógico das tecnologias digitais no processo de ensino-aprendizagem nas escolas (RIBEIRO; COSCARELLI, 2010; GOMES, 2012; ROJO, 2013).

Compreende-se também que, amparada por uma legislação específica, a EaD vem se consolidando no país enquanto modalidade de ensino, embora marcada por uma enorme desconfiança sobre suas possibilidades no contexto educacional, principalmente pelo fato de a mesma não se caracterizar como algo novo na história da educação brasileira. Apesar das críticas, é importante reconhecer os benefícios que a EaD pode promover no contexto educacional: ela pode contribuir para o surgimento de um novo aluno, de um novo professor e de uma nova escola. Por tudo isso, o futuro da EaD não está exclusivamente nas tecnologias utilizadas, mas no processo de formação dos profissionais que pretendem atuar nesse contexto.

Reconhece-se que educar é um processo complexo, que exige mudanças significativas, investimento na formação de professores para o domínio dos processos de comunicação na relação pedagógica e o domínio das TDIC’s. Nessa direção, defende-se, também, uma apropriação crítica das tecnologias no cotidiano escolar, pois a meta do processo de inclusão deve ser a sua utilidade social, aspecto central do letramento digital.

Defende-se, portanto, mudanças no modo de lidar com as tecnologias, entendendo-as não apenas como um instrumento, mas como um conjunto de ações integradas e abrangentes, capazes de permitir uma apropriação crítica, mediadora e inclusiva, que permita promover o seu uso pedagógico e inovador.

Concluindo, espera-se que esta pesquisa possa oferecer alguns indicadores para novas reflexões sobre a EaD, letramento digital e formação de professores. E mais, espera-se que estes resultados possam subsidiar o fortalecimento de uma modalidade híbrida, semipresencial, na qual os futuros professores realizem atividades presenciais e a distância, consolidando uma aprendizagem interativa.

Finalmente, espera-se que os aspectos positivos aqui identificados possam servir de subsídios para a mudança no planejamento, gestão e avaliação de cursos de Pedagogia EaD e, além disso, que seja uma oportunidade de promover maior articulação e parceria com os cursos de Pedagogia presenciais.

Referências

BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes. (1952-53/2003). 417 p.

BARRETO, E. S ; GATTI, B.A. (Orgs.). Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: Unesco, 2009. 294 p.

BEHAR, P. A. et. al. (Orgs.). Competências em educação a distância. Porto Alegre: Penso, 2013.

BRASIL. Lei n. 9.394, 20 de dezembro de 1996. Brasília: Casa Civil da Presidência da República Federativa do Brasil/Subsecretaria para Assuntos Jurídicos. Disponível em: . Acesso em: 14 fev. 2011.

______. Ministério de Educação. Decreto n. 2.494/98. Brasília, 1998. Disponível em : . Acesso em: 15 fev. 2011.

______. Ministério de Educação. Decreto 5.622. Brasília: D.O.U. de 19/12/2005. Disponível em: . Acesso em: 15 fev. 2011.

______. Parecer CNE/CP n. 5/2005, de 13/12/2005. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia. Brasília: D.O.U. de 15/05/2006. Disponível em: . Acesso em: 10 marc. 2011.

______. Resolução CNE/CP n.1, de 15/05/2006. Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Pedagogia, Licenciatura. Brasília: D.O.U de 16.05.2006. Disponível em: . Acesso em: 08 fev. 2011.

______. Ministério de Educação. Decreto n. 6.303. Brasília: D.O.U. de 12/12/2007. Disponível em: . Acesso em: 15 fev. 2011.

______. Censo EAD.BR: relatório analítico da aprendizagem a distância no Brasil 2011. – São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2012. ABED – Associação Brasileira de Educação a Distância. Disponível em: < http://www.abed.org.br/censoead/censo2012.pdf >. Acesso em: 10 mai. 2012.

______. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo da educação superior 2010: resumo técnico. Brasília: INEP, 2012. p. 85. Disponível em: . Acesso em: 18 jan. 2014.

______. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo da educação superior 2012: resumo técnico. Brasília: INEP, 2014. Disponível em: . Acesso em: 22 jan. 2014.

______. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Censo da educação superior 2015: resumo técnico. Brasília: INEP, 2015. p. 80. Disponível em: . Acesso em: 29 jan. 2016.

BUZATO, M. E. K. Desafios empírico-metodológicos para à Pesquisa em letramentos Digitais. Trab. linguista. apl. [online]. jan/jun. 2007, v. 46, n. 1, p. 45-62. Disponível em: . Acesso em: 29 nov. 2010.

COSCARELLI, C. V.; RIBEIRO, A.E. (Orgs.). Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

DOURADO, L. F. ; SANTOS, C. A. A educação a distância no contexto atual e o PNE 2011-2020: avaliação e perspectivas. In: DOURADO, L. F. (Org.). Plano Nacional de Educação (2011-2020): avaliação e perspectivas. Goiânia: Ed. UFG; Belo Horizonte: Autêntica, 2011, p. 155-192.

FREITAS, M. T. Letramento Digital e Formação de Professores. Educ. rev. [online]. 2010, v. 26, n. 3, p. 335-352. Disponível em: . Acesso em: fev. 2011.

GATTI, B.A. Formação inicial de professor para a Educação Básica: Pesquisas e Políticas Educacionais. Est. Aval. Educac., São Paulo, v. 25, n. 57, p. 24-54, jan./abr. 2014. Disponível em: . Acesso em: 12 maio 2014

GOMES, S. S. Formação de Professores e Letramento Digital. In: Núcleo Pr@xis. Anais Ciclo de Palestras: Construindo Redes, Educação e Tecnologia. Relatório Prodocência UFMG/CAPES, 2012, p. 1-10.

______. Brincar em Tempos Digitais. In: Revista Presença Pedagógica - Diálogo entre Universidade e Educação Básica para Formação do Professor. Sessão Presença Infantil. Belo Horizonte, 2013, n. 113, p. 44-51.

______. Brincando e aprendendo com tecnologias digitais na escola: construindo sequência didática com o tablete na educação infantil. In: Anais do Congresso Nacional Universidade, EaD e Software Livre. Conferência de Encerramento, v. 1, n. 6, 2015. Disponível em: . Acesso em: 29 jun. 2015.

JORGE, G.; ANTONINI, E. Articulações e tensões na tutoria em cursos de EaD: o curso de Pedagogia do CEAD/UFOP. In: Vertentes, São João Del Rei, UFSJ, v. 19, n. 1, p. 129-140, jan./jun. 2011. Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2012.

LIBÂNEO, J.C. Diretrizes Curriculares da Pedagogia: Imprecisões teóricas e concepção estreita da formação profissional de educadores. In: Educ. Soc., Campinas, v. 27, n. 96 - Especial, p. 843-876, out. 2006. Disponível em: . Acesso em: 02 jun. 2007.

MORÉS, A. Cursos de Pedagogia EaD: superando desafios – construindo inovações. Educação (UFSM), Santa Maria, v. 39, n. 2, p. 367-378, maio/ago. 2014. Disponível em: . Acesso em: 10 dez. 2014.

NEVES, B. C. Formação e orientação: aspectos da mediação no universo da inclusão digital. Inc. Soc., Brasília, DF, v. 5 n. 1, p. 44-57, jul./dez. 2011. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2012.

PIMENTA, S. G. (Org.). Estágio e Docência. São Paulo: Cortez, 2008. 296 p.

RIBEIRO, A. E.; COSCARELLI, C. V. O Que dizem como MATRIZes de Habilidades Sobre a Leitura em Ambientes Digitais. Educ. rev. [online]. 2010, v. 26, n. 3, p. 317-334.Disponível em: . Acesso em: fev. 2011.

ROJO, R. (Org.). Escol@ conectada: os multiletramentos e as TICs. 1. ed. São Paulo: Parábola, 2013. 215 p.

SABOIA, J. et al. Habilidades para Letramento Digital: Um Estudo Comparativo entre alunos de Curso Oferecido nas Modalidades à Distância e Presencial. In: Anais do 3º Congresso Brasileiro de Informática na Educação (CBIE 2014), p. 208 -217. Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2015.

ZUIN, A. O Plano Nacional de Educação e as Tecnologias da Informação e Comunicação. Educ. Soc. Campinas, v. 31, n. 112, p. 961-80, jul.-set. 2010. Disponível em: . Acesso em: 17 out. 2010.

Notas

1 Adoção de nomes fictícios para a instituição e participantes na pesquisa a fim de preservar–lhes a identidade.

Autor notes

Correspondência Suzana dos Santos Gomes – Universidade Federal de Minas Gerais. Avenida Antônio Carlos, 6627 - Campus Pampulha, CEP: 31270-901 – Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

Quais os impactos do trabalho com os novos letramentos?

Como mencionado, o letramento digital ajuda na adaptação das pessoas, principalmente as crianças, para a modernidade. Com o desenvolvimento de habilidades importantes e a capacidade de leitura do mundo contemporâneo, é possível estimular a adaptação à sociedade atual e à futura.

Quais as decorrências do trabalho com os novos letramentos para as escolas de educação básica?

O letramento digital na escola proporciona um papel ativo ao aluno, que desenvolve autonomia no processo de ensino aprendizagem. Estimulado, o estudante é levado a ter o controle dos dispositivos tecnológicos, desenvolve a habilidade de criar com os recursos digitais a partir do raciocínio lógico e da sua criatividade.

Quais os impactos desse compromisso com a alfabetização e o letramento na sua prática profissional?

A alfabetização e letramento são palavras chave para o mundo social, pois é por meio da alfabetização e do letramento que o sujeito passa a participar diretamente do mundo no exercício de suas funções sociais, buscando tornar-se um cidadão consciente, com domínio do código convencional da leitura e da escrita em suas ...

Qual o papel do educador ao lidar com as novas gerações?

Portanto, o papel do professor diante das novas tecnologias é buscar qualificação, entender das inovações e utilizar os recursos disponíveis ao seu favor, consciente do seu compromisso com o educando e com a sociedade.