Quais as dificuldades encontradas pelos professores para ensinar ciências?

AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM NA ÁREA DE CIÊNCIAS: UMA ABORDAGEM ATRAVÉS DE ATIVIDADES LÚDICAS

Henrique João Breuckmann

[1]

Dinamar Lemos Reynaldo [2]

Marlene Salete Koch Lins [3]

Resumo

    Procurou-se, através desta pesquisa, uma alternativa de trabalho interativo com os professores de Ciências, na busca de solução para os problemas de aprendizagem, através de atividades lúdicas, tendo como amostras 2as e 3as séries do Ensino Fundamental. No primeiro momento, foi efetuada uma intervenção junto aos professores daquelas séries, onde uma nova modalidade de ação docente, com a utilização de jogos para o diagnóstico dos problemas, foi apresentada e executada. O segundo momento foi definido pela observação participante, nas salas de aula dos professores investigados, caracterizado pela interação com os professores, por um lado e, por outro, a verificação do comportamento dos alunos nas tarefas solicitadas. Os dados foram coletados através de questionários semi-estruturados, fichas de anotação, fotografias, entrevistas com professores e alunos e observação direta. Os resultados apresentados indicam para a direção dos jogos como uma possibilidade real de superação dos problemas encontrados.

Abstract

    This research intends to investigate the possibility of an interactive work with Science Teachers, in the search of solving learning problems, through several games, based on samples collected from second and third grade Students. In the first phase of the process, a new way of educational practice with the use of games for the diagnosis of multiple learning problems was presented and executed, in cooperation with the Teachers. In the second phase, participant observation to investigate Teacher�s classroom was made, based on the interaction with Teachers on the one hand, and verification of Student�s behavior on the other. The data were collected through semi-structured questionnaires, annotation records, pictures, interviews with Teachers and Students and direct observation. Results provide Science Teachers with new direction and perspectives for the pedagogical practice to overcome classic teaching and learning problems.

Introdução

    Um dos elementos que estão situados de maneira mais próxima do cotidiano do trabalho docente, é a convivência com as dificuldades no processo ensino-aprendizagem, diante das quais as reações dos integrantes da comunidade escolar podem ser as mais variadas possíveis. São raras as oportunidades em que, de maneira coesa e decidida, são acertadas medidas destinadas ao diagnóstico, ao equacionamento e à tomada de decisões quanto às ações que, EFETIVAMENTE, podem e devem ser tomadas pela totalidade da comunidade educacional, para encarar frontalmente o problema e tomar o rumo das soluções exequíveis, mesmo quando distantes das ideais.

    A presente pesquisa constituiu, para os professores envolvidos, o desafio de, em primeiro lugar, reconhecer a problemática das dificuldades no ensino-aprendizagem como parte integrante do cotidiano escolar. Em seguida, reconhecer a responsabilidade de todos os segmentos da comunidade escolar, na sua resolução. Assim também, assumir a necessidade da pesquisa, do estudo, da busca de alternativas oferecidas pelas teorias hoje reconhecidas, nesta área, fugindo das soluções baseadas única e exclusivamente nos processos de tentativa-e-erro. Finalmente, a crença de que, uma vez que a aprendizagem não se processa de forma linear e compartimentalizada, a busca de soluções para o problema também deve ser feita de forma interdisciplinar, aproveitando todos os recursos possíveis, em todas as áreas do conhecimento e da atividade humana, inclusiva, as atividades lúdicas.

    É neste sentido que o jogo é aqui considerado. Insere-se no processo educacional não como um mero passa-tempo, ou um conjunto de atividades que se desenvolvem esporadicamente, de forma aleatória e sem repercussões, em relação ao mesmo. Pelo contrário, há que inseri-las na educação formal de forma objetiva, planejada (mesmo quando se a queira espontânea), integrante do currículo, de forma que seja possível trabalhar com o lúdico aproveitando todo o seu potencial de observação, avaliação, aquisição de conhecimento, incentivo às relações interpessoais, desenvolvimento da criatividade, respeito às decisões coletivas, etc., que elas podem propiciar. Neste trabalho, em particular, estas atividades são utilizadas como fontes de informação para o diagnóstico de possíveis causas para eventuais dificuldades na aprendizagem, independentemente de componente curricular, turma ou série de ensino, de tal forma que estas informações possam constituir-se em um acervo objetivo para que professores, Direção, especialistas e demais interessados, possam tomar as providências cabíveis.

    Através das conversas informais, durante o intervalo entre as aulas, ou no decorrer das reuniões pedagógicas, percebe-se que os professores (em particular, os que trabalham nas séries iniciais) têm uma visão muito peculiar sobre a questão das dificuldades de aprendizagem, ou sobre a avaliação dos erros cometidos pelos alunos, no desenvolvimento das atividades que eles propõe. Na maioria das vezes, trata-se de descrições, de constatações, de apresentação de fatos. Quando são discutidas possíveis causas, apelam-se para fatores de caráter econômico, psicológico, cultural ou até genético, dentre outros.

    Entretanto, quando se acompanha mais de perto o que acontece em sala de aula, verifica-se que os "problemas" colocados ao aluno, e que ele é solicitado a "resolver", particularmente na área de Ciências, resumem-se, na sua quase generalidade, a: efetuar uma série de operações, simples ou conjugadas; utilizar fórmulas e algoritmos; utilizar macetes para encontrar respostas ou memorizar caminhos que levem às mesmas; habilitar-se à repetiçã de atividades do tipo "siga o exemplo", através das quais consiga, quiçá, numa "prova" , repetir a atividade, quando modificados alguns coeficientes; ou nem mesmo isso, quando se trata de testes sem consulta em que, de uma bateria de exercícios efetuados em aula, alguns são escolhidos para "cair" no dito teste.

    Quanto às questões, há que salientar-se: geralmente, primam pelo artificialismo ou ingenuidade, quando não atingem as raias do absurdo, quer pela temática escolhida, quer pelos valores numéricos utilizados, quer pelo contexto em que são colocadas; são pré-fabricadas e pouco ou nada têm a ver com o cotidiano do aluno; seguem uma seqüência de conteúdo que induz à "resolução": por exemplo, questões sobre a cidade na qual o aluno reside, apresentados logo após o desenvolvimento de um capítulo sobre a mesma, ou "problemas" em cuja solução se utiliza a divisão, em seguida a uma unidade inteira sobre este assunto; tanto o caminho, o método que se deve usar para a solução, quanto a resposta, são considerados únicos: fora disso, a solução do problema "está errada", não existindo uma preocupação com o processo de utilização das funções mentais superiores, a atividade mental em si.

    Esta situação se encontra embutida em uma problemática mais geral, que caracteriza o comum do ensino normalmente ministrado em nossas escolas; alguns itens devem ser mencionados, a título de ilustração: o excessivo apego ao livro-texto; a metodologia utilizada nas aulas; uso inadequado de salas-ambiente; a própria sistemática burocrático-administrativa; a não-utilização ou utilização equivocada dos recursos da moderna tecnologia educacional. Ora, diante deste quadro, a definição do que seja, de forma efetiva, uma dificuldade de aprendizagem, se torna particularmente difícil e, destarte, especialmente oportuna. Onde residem as causas das dificuldades? Inúmeras podem ser as causas apontadas, suscitadas por enfoques de orientação ideológica, pedagógica, política, etc., absolutamente diferenciadas. Da mesma forma, uma vez definidas as causas, as soluções eventualmente apontadas seguem critérios e orientações de diferentes origens.

    Assim sendo, colocou-se como situação-problema para este trabalho a possibilidade de efetuar diagnósticos válidos a respeito de dificuldades de aprendizagem, a partir de situações relacionadas com atividades lúdicas relacionadas com conteúdos da área de Ciências, caracterizáveis em termos dos fatores que as determinam e das providências que possam ser tomadas a respeito pelos respectivos docentes. Objetivou-se a experimentação de processos avaliativos, com relação às dificuldades de aprendizagem dos estudantes, tendo como referencial atividades de natureza lúdica. Os referenciais teóricos utilizados quanto ao papel da atividade lúdica no desenvolvimento infantil remetem a L. S. Vygotsky e um de seus principais colaboradores, A. N. Leontiev, dentre outros.

Fundamentação teórica

    É possível caracterizar uma determinada dificuldade, ou considerar os "erros" cometidos pelos participantes de uma dada atividade relacionada com o processo ensino-aprendizagem, sob um tríplice aspecto, em que cada um dos elementos está, inextricavelmente, relacionado com os demais:

CONTEÚDO

METODOLOGIA                  MEDIAÇÃO

Figura 1 � Fluxo da ação no processo ensino-aprendizagem

    Mesmo para os mais desatentos, algumas características que permeiam o cotidiano educacional chamam à atenção, devido às conseqüências que podem ter sobre os resultados desejados. Dentre as mesmas, podem ser citadas: um entrave que está ligado à capacitação do professor (legalmente habilitado ou não): o desconhecimento ou domínio limitado de conteúdos, levando os professores a evitar situações desconhecidas ou inusitadas, que uma proposta educacional baseada em problematização, em projetos, em jogos, inevitavelmente provoca; é crônica na escola a "falta de ...", a deficiência quantitativa, a desatualização, a obsolescência ou a inadequação para o uso, no que tange ao material instrucional (bibliografia, material de consumo, equipamentos e similares), para que possam ser aprofundadas as questões levantadas no decorrer das atividades didáticas, qualquer que seja a categoria metodológica em que possam ser inseridas; existe o temor de que os estudantes abordem temas que são polêmicos que a Escola evita discutir abertamente; dentre os aspectos curriculares que participam do desenvolvimento curricular, há que destacar-se a ausência de maior integração interdisciplinar, que favoreceria uma visão mais globalizada e menos compartimentalizada dos problemas e, consequentemente, de sua solução;determinado tipo de atividades, de procedimentos didáticos, ainda são, infelizmente, considerados exclusivos, "propriedade", de determinadas disciplinas. Para os alunos, algumas aulas são "sérias", porque se exige conteúdo, outras ficam mais para o lado da "brincadeirinha", porque não existem cobranças sobre o que se está trabalhando. Percebe-se a inexistência de exploração do lado prazeroso da aquisição do conhecimento, por exemplo, na Matemática, quando se considera que a utilização do jogo do baralho, através do qual podem ser trabalhadas todas as propriedades de uma estrutura de grupo, em todos os níveis da escolarização. Reconhecem-se, com certeza, os aspectos dificultosos, tais como a necessidade de disciplina de trabalho, persistência, paciência, humildade para reconhecer os erros, etc. Porém, este reconhecimento não implica no descarte dos aspectos positivos, provocados pela emoção de enfrentar um desafio, o prazer na obtenção de um resultado satisfatório, o prazer de um "chute" executado de maneira correta, principalmente quando as atividades envolvem a probabilidade, a possibilidade de opções, a percepção do comportamento do todo, para além das evidências manifestas por um evento individual, como é o caso das "avaliações quantitativas" , por exemplo; e finalmente, mas nem por isso em menor ordem de importância, a linearidade dos programas, que não acompanham, na seqüência de seu desenvolvimento, os princípios da psicologia infantil nem tampouco seguem o ponto de vista de sua construção histórica.

A atuação através do lúdico

    O lúdico ocupa um papel de suma importância na obra de Vygotsky e seus colaboradores. Dentre outros aspectos, cabe ressaltar seu lugar no desenvolvimento das funções mentais superiores. Há controvérsias, entretanto, sobre a sua utilização no processo ensino-aprendizagem e no desenvolvimento. Para Negrine (1994), "Apesar de pontos de vista diferentes sobre a natureza e classificação dos jogos, parece haver uma convergência em relação ao seu valor. Portanto, muitos autores, embora partindo de referenciais diferentes, atribuem aos jogos infantis valor inestimável no desenvolvimento infantil" (p.11). A respeito deste assunto, recomenda-se a tabela apresentada pelo mesmo autor, quanto às concepções de Wallon, Piaget e Vygotsky (Negrine, 1994, p. 53).

    Neste trabalho, o jogo ocupa um espaço peculiar. Por um lado, salienta-se a necessidade de manter a abertura para as possibilidades alternativas de utilização das regras (quando se trata de jogos tradicionais, como o dominó, as diversas modalidades de baralho, a "paciência" e o xadrez, por exemplo), a agilidade na adoção e rejeição de normas e, mesmo, a possibilidade de supressão das mesmas; por outro, coloca-se a capacidade de "brincar" com as regras como objetivo do jogo neste processo, com todas as perspectivas que esta "brincadeira" pode oferecer no sentido da construção da cidadania, da importância do trabalho em grupo, da necessidade de consenso (com os avanços e recuos de todas as partes envolvidas), para que se chegue a um denominador comum. Assume-se, por princípio, que ele deve levar à construção do conhecimento, seja numa área específica (como é o caso nesta pesquisa), seja na aquisição de habilidades e comportamentos que contribuem como suporte para tal construção.

    Chama-se a atenção para o fato de que muitas outras alternativas podem ser utilizadas, e de que há pesquisas relevantes elucidando como estas atividades podem ser aproveitadas, por exemplo, para detectar problemas de aprendizagem e qual o procedimento adequado para resolvê-los da forma mais conveniente para todas as partes envolvidas. Neste caso, podem ser utilizados: quebra-cabeças, jogo dos erros, palavras-cruzadas, enigmas, dominó, etc., cada um com a sua finalidade específica e no momento adequado do processo ensino-aprendizagem.

    Um dos aspectos mais importantes no trabalho com os jogos, é a questão do relacionamento interpessoal. Para Leontiev (1988), "... durante o desenvolvimento desses jogos, a relação humana incluída em seu próprio conteúdo objetivo surge ainda mais claramente neles. O maquinista do trem não apenas "atua com um trem", mas é obrigado, ao mesmo tempo, a estabelecer certas relações com outras pessoas, com o condutor, os passageiros etc. Portanto, em estágios relativamente precoces do desenvolvimento da atividade lúdica, uma criança descobre no objeto não apenas as relações do homem com esse objeto, como também as relações das pessoas entre si". (p. 135). Então, assim como nas outras atividades contempladas nesta proposta educacional, o jogo valoriza o trabalho cooperativo, em comum, de grupo. Pode-se, até, fazê-lo individualmente, como quando se joga "paciência" no computador. As instâncias alcançadas pelo jogo social, entretanto, são diferentes, e contemplam a diversidade, o diálogo, as possibilidades de confronto e de consenso, que caracterizam o "ser social", a "obscenie" vygotskyana. A atuação sobre os objetos passa, através do afloramento do ser social, para a reconstrução socialmente organizada dos objetos.

Metodologia

    As Escolas-alvo (os alunos participantes as frequentam, de forma regular) que integram este estudo, são escolas da rede pública municipal de ensino das cidades de Imbituba e Tubarão, na região Sul do Estado de SC. O universo amostral foi determinado intencionalmente, constando de quatro turmas do Ensino Fundamental (2as e 3as séries), num total de 165 alunos. Ambas as cidades se encontram numa região, direta ou indiretamente, atingida pela exploração do carvão e derivados, tendo uma parcela significativa de suas economias atingida pelos altos e baixos deste mercado.

    Os estudantes da rede pública municipal são, em geral, de classe economicamente menos privilegiada, muitos de origem portuguesa, em diversos casos tendo as famílias ligadas à atividade pesqueira, já que as duas cidades se situam na região do complexo lagunar (Lagoa do Imaruí e sua ligação com o mar). As escolas da rede não dispõe de maiores recursos educacionais (principalmente materiais e equipamentos), mesmo aqueles considerados mais comuns, como retro-projetor; computadores à disposição dos alunos, principalmente para o desenvolvimento de projetos (quer dizer, providos de "sofwares" e acessórios adequados), não estão disponíveis.

    O desenvolvimento das atividades seguiu os passos indicados pela metodologia científica, relativos à execução de projetos na área da pesquisa educacional. Cabe destacar alguns pontos, para melhor compreensão dos resultados apresentados posteriormente:

  • Elaboração de um elenco de atividades lúdicas que poderiam ser trabalhadas com os alunos, independentemente de área ou disciplina, e que fossem, de alguma forma, do seu domínio de conhecimento, quer dizer, já tivessem, a respeito, alguma informação ou experiência, através de revistas infantis, jornais, etc. Esta lista incluía: dominós, palavras-cruzadas, jogo dos botões, labirinto, crucigrama, jogo dos sentidos, quebra-cabeças, jogo da corrida, jogo das diferenças, avaliações quantitativas, jogo do baralho, atividades com os blocos lógicos. Com esta seleção, buscava-se dispor de jogos que envolvessem diferentes habilidades, que exigissem, por parte do praticante, capacidades diferenciadas, e que pudessem ser executadas, algumas vezes em grupo, outras vezes, de forma individual, na suposição de que aquelas habilidades e aquelas capacidades se expressassem de maneira específica, em cada caso, de acordo com a orientação teórica adotada.
  • Seleção das escolas para o desenvolvimento da pesquisa, tendo a preocupação de que fossem, inicialmente, escolas de rede pública municipal, mesmo tendo a intenção de, posteriormente, estendê-la a outras redes. A escolha de algumas dentre as diversas séries iniciais, em detrimento das demais, pode ser justificada: no início do processo de alfabetização, um maior ou menor domínio da linguagem poderia interferir na compreensão e execução da atividade, o que seria não desejável; ao mesmo tempo, ainda de acordo com o referencial teórico, os alunos que freqüentam estas séries, normalmente, estão em pleno processo de passagem dos pseudo-conceitos para os conceitos e, neste caso, vale analisar os processos mentais utilizados para levar a cabo, de maneira exitosa, uma determinada atividade. Aceita-se o pressuposto de que o resultado pode ser o mesmo, mas que os processos são diferentes, conforme o caso.
  • Entendimento com as professoras das turmas selecionadas, quanto à aplicação das atividades. Acordou-se que as mesmas orientariam os alunos quanto a sua execução; observou-se o desempenho tanto das professoras quanto dos alunos, durante todas as fases da atividade. Esta parte é considerada crítica, uma vez que a professora precisa aceitar desenvolver a atividade e submeter-se à avaliação externa, mesmo quando, em muitos casos, nunca tenha realizado aquela atividade com seus alunos e não tenha idéia da reação dos mesmos. Acertou-se com as professoras, não interferir, diretamente, com os alunos, qualquer que fosse a circunstância (indisciplina, não compreensão da atividade proposta, etc.). As observações foram anotadas em fichas, para posterior discussão com todos os elementos envolvidos no trabalho.
Análise e discussão dos resultados

    Para uma melhor visualização dos elementos observados em cada jogo, os mesmos foram aglutinados na tabela abaixo, passando-se, em seguida, para análise de aspectos mais gerais.
 

Título do jogo Finalidades Itens para avaliação dos alunos Dificuldades demonstradas pelos alunos Aspectos apresentados pelo professor
1. JOGO DA CORRIDA Capacidade de problematização do cotidiano Capacidade de seguir uma seqüência lógica; Efetuar juízo de valor; Identificar, graduar situações problema; Administrar conflitos de interesse  Diagnóstico de situações-problema; Habilidades motoras; Capacidade de trabalho em equipe Detentor do saber; Induz o aluno a escrever separadamente no "papelzinho" com medo de "errar"; Preocupação com o "certinho" e "vitorioso"; Passa somente idéia de "bom", pois "ruim" atrapalha
2. QUEBRA-CABEÇA  Capacidade de associar elementos figurativos Habilidade de montagem das peças; Persistência em usar as possibilidades de combinações de peças Habilidade motora para a montagem; Capacidade de visualizar a posição de cada peça Determina os passos para a formação de grupo; Não admite aluno fora do lugar, exige que todos fiquem sentados; Insegurança transferida ao aluno
3. JOGO DAS DIFERENÇAS Identificar diferenças existentes em duas figuras Tempo utilizado para descobrir todas as diferenças; Identificação das diferenças efetivamente existente Associação entre detalhes iguais/

Diferentes; Dificuldade de distinguir variações de cores (quando for o caso)

Controlador; Induz o aluno nas respostas; Tolhe a criatividade; Inibe o aluno perante a turma; Transmite o conteúdo pronto e acabado; Pouca clareza e interpretação da atividade; Negatividade ao referir-se: "eles não conseguirão"
4. DOMINÓ Encaixar de forma longitudinal ou transversal peças com as características idênticas Rapidez nas associações; Planejamento prévio das ações futuras Tempo decorrente entre uma jogada e outra; Uso inadequado de peças considerando a possibilidade de seqüência Preocupação exagerada com a "bagunça, papel no chão, atenção, cuidado com o material"
5. BLOCOS LÓGICOS Formar associações entre figuras com características bem definidas (forma, tamanho, cor e espessura) Rapidez nas associações; Planejamento estratégico prévio das associações futuras Tempo decorrente entre uma jogada e outra; Utilização das peças mais adequadas para possibilitar continuidade Dificuldade em compreender o jogo, para explicá-lo aos alunos; Impaciência em esperar que o aluno pense na peça adequada, quer sugerir para que o jogo "ande"; Não vê relação com algum conteúdo ou habilidade úteis para a "matéria"; Em alguns casos, sem saber das regras do jogo, explica: "nós já trabalhamos com isso!"
6. BARALHO Descobrir a teoria geral das regras que regem o jogo Associar ocorrências particulares com aspectos gerais Como as regras não são dadas em ordem, dificuldade em fazer as associações Acham que é muito difícil para os alunos, mesmo quando feito em duas etapas: primeiro somente números, depois com os naipes; Não relacionam com outras estruturas matemáticas, nem com o que seja uma "estrutura" em geral; Irritam-se com a demora no desenrolar do jogo e a "bagunça" que ocorre na sala
7. AVALIA-ÇÕES QUANTITA-TIVAS Estabelecer relações quantitativas entre recipientes e elemento com os quais possam ser preenchidos, sendo de diferentes espécies e tamanhos. Comparar as suposições: iniciais e as posteriores Precisão nas previsões iniciais; Aproximação das previsões com a contagem efetiva; Estabelecimento de relações proporcionais entre o tamanho do objeto utilizado (grão), e a quantidade que cabem num recipiente Disparidades entre os "chutes" iniciais; Previsão das médias dos "chutes� para as previsões posteriores; Consenso entre os membros do grupo O professor entende que só ele domina e sabe tudo; Tradicional na explicação quando não proporciona ao aluno a descoberta de conceitos; Dominação e controle das atividades
8. JOGO DOS BOTÕES Estabelecer os princípios básicos da taxonomia Número de subconjuntos formados; Escolha da melhor seqüência para formação dos subconjuntos Escolha das opções para a formação dos subconjuntos; Caracterização e identificação das semelhanças e diferenças "Porque não começar logo com a classificação dos animais ou dos vegetais?"; Não há associação com outros jogos, como o dos blocos lógicos; Muita preocupação com o "controle" da turma
9. LABIRINTO Testar a capacidade de seguir uma determinada rota sem tocar nas linhas marginais; Traçar a rota do percurso desejado com o menor numero possível de falhas (idas e vindas desnecessárias)  Quantidade de toques laterais; Precisão na determinação do caminho correto Firmeza no traçado; Capacidade de visualizar o caminho anterior ao traçado É considerado relativamente fácil, porque já é conhecido dos alunos; Recomendam aos alunos que "apaguem" ou passem corretivo, quando erram, ao invés de avaliar o nível de desenvolvimento real, em função dos erros (encostar nas margens, errar o caminho); Assim como em outros casos, não há a preocupação em orientar para a estratégia do jogo ("pensar" visualmente) antes de efetuar o traçado, mas simplesmente em dizer "como é que se faz". Em alguns casos, esta postura tem resultado positivo (o aluno descobre a estratégia), mas isso acontece, em geral para os alunos que já dominam outros jogos em que esta estratégia anterior é fundamental
10. Crucigrama Descobrir a palavra chave a partir das definições dos demais itens Tempo utilizado para resolução; Correção das respostas Desconhecimento e/ou dificuldade para encontrar as respostas; Desconhecimento da técnica; Associação entre as respostas já encontradas e aquelas que ainda não foram descobertas Foi considerado fácil; Entretanto, quando se deixa em aberto (sem numeração) as linhas ou colunas para preenchimento, as observações são as mesmas: os alunos perdem muito tempo, eles não vão conseguir; como exemplo, apresentam os crucigramas dos livros, onde existe a numeração ou a ordenação, quando, então, o nível de acerto e a rapidez são maiores
11. Jogo dos Sentidos Verificar a existência de diferenças significativas quanto à sensibilidade aos diferentes sentidos  Número de acertos e erros em cada caso (sentido); Tempo necessário para fazer as distinções; Estabelecimento das relações com outras atividades desenvolvidas pelo aluno (profissionais, desportistas, etc...) Nível de psicomotricidade em seus diversos graus; Grau de desenvolvimentos prévio nas diferentes modalidades Para alguns, não deveria ser considerado "jogo"; As maiores dificuldades acontecem quando se trata de verificar as pontuações (proporção de erros e acertos), e associar os resultados com as contingências do cotidiano (possíveis causas dos mesmos); em algamas turmas, o número de intervenções é tão grande, e de tamanha pertinência, que o professor se sente "perdido" diante da verdadeira avalanche de informações que recebe e de interrogações às quais precisa responder, sem estar preparado
12. Palavras Cruzadas Montagem feita pelo próprio aluno, de tal forma que o grau de dificuldade varie pela natureza do conteúdo; A atividade deve ser desenvolvida com relação ao conteúdo ou área específica ou ainda, temas gerais; O aspecto principal é que o aluno determine a freqüência de cada letra, palavra, etc...  Quantidade de peças utilizadas; Complexidade da terminologia usada; Utilização otimizada das peças, ao se aproximar das laterais do tabuleiro Estabelecimento da relação estatística, e o valor relativo no jogo; Compreensão das regras de funcionamento; Domínio do conteúdo proposto pelo professor; Visualização do jogo como um sistema complexo, onde cada jogada esta relacionada com as outras possibilidades do jogo  Pouca preocupação demonstrada no momento da atividade; Determina que apenas uma única explicação seria passada; É considerado um jogo muito difícil, chato, que não motiva os alunos, e que "não leva a lugar algum"

    Dentre os resultados possíveis de verificação, há que distinguir-se aqueles referentes às professoras e aqueles referentes aos alunos. No primeiro caso, verifica-se uma dificuldade acentuada em lidar com situações sobre as quais não se tem o domínio comumente existente, em sala de aula. Com as atividades propostas, tanto os caminhos quanto os resultados, podem ser diferenciados, não havendo uma resposta única (data, soma, produto, etc.), a partir do qual se possa avaliar o aluno com um "certo" ou "errado". Isso causa, para o professor, mesmo aquele considerado experiente, porque tem muitos anos de magistério, um certo desconforto. Há uma preocupação generalizada quanto ao controle da atividade dos alunos, para que atinjam o resultado esperado. O "erro" é considerado deletério, e não é utilizado como parte do processo de aprendizagem. Não se discute, sequer, o que pode ser considerado certo (ou não), quanto mais as causas do evento, em cada caso. Daí, uma preocupação excessiva com o direcionamento da atividade: para os professores, é mais importante "brincar segundo as regras" do que "brincar com as regras". Em algumas oportunidades, verificou-se a preocupação com a ortografia e a gramática. Em nenhum caso, a objetivação das causas, das origens, dos processos mentais, que levavam à determinados comportamentos e consequentes resultados. A indução aos resultados esperados, em detrimento do incentivo à criatividade, tem sido a regra. Trata-se, na concepção dos autores, de um aspecto puntual dentro de uma consideração mais generalizada, que compreende a subestimação das capacidades mentais do aluno, em particular, quando se trata do aluno da escola pública. Num mundo em que a informática e a "hight-technology" predominam, não é possível que o desenvolvimento de determinadas capacidades, necessárias para a competição no mercado de trabalho, por exemplo, sejam ignoradas pela educação formal. Sabe-se que nos planos de aula, de unidade, etc., estes elementos estão sempre presentes: "formação de um cidadão crítico" é lugar comum nestes planos. Porém, na prática, a diretividade, a linearidade, a preocupação com a conformidade ao "status quo", é que se fazem presentes no cotidiano escolar.

    Há que destacar-se, entretanto, algumas percepções que os próprios professores possuem a respeito das dificuldades apresentadas pelos alunos: capacidade de problematização ou da visualização de situações-problema: estabelecidas as regras de um jogo, esta capacidade determinará, em muitos casos, o equilíbrio com o fator "sorte", eventualmente envolvido; problemas com as habilidades motoras em geral, principalmente na área da psicomotricidade fina: em muitos jogos, é necessário o manuseio de peças ou a realização de traçados, cujo maior ou menor domínio pode revelar determinado grau de dificuldade, nesta área. É interessante que nenhum professor tenha associado esta dificuldade com problemas semelhantes encontrados, por exemplo, em atividades experimentais na área de Ciências, o que leva a crer que elas não sejam realizadas, ou não sejam objeto de apreciação, pelo professor; estabelecimento de relações, em diversas dimensões (linear, bidimensional, tridimensional), ou entre diferentes resultados, numéricos ou não. Esta habilidade envolve a percepção de que muitas vezes os jogos incluem sistemas complexos, de forma que um certo resultado está intimamente ligado aos anteriores ou determina os seguintes, dentro das leis das probabilidades, ligadas ao elemento aleatoriedade do fenômeno. Em alguns casos, trata-se de relações estatísticas, sejam elas feitas nos termos técnicos estatísticos, quer seja a partir de inferências pessoais dos jogadores; no caso da capacidade de trabalho em equipe, há muitos equívocos relacionados com as diferentes formas de trabalho em grupo, sendo que, muitas vezes se trata da simples aglutinação de trabalhos feitos individualmente, e poucas vezes de um trabalho efetivamente cooperativo. No caso de alguns jogos, a cooperação simplesmente deve existir, sob pena de que o mesmo não possa ser desenvolvido; dificuldades no controle do tempo, que pode ou deve ser estabelecido de acordo com as exigências do jogo, como no xadrez, ou pode servir como elemento de avaliação, por parte do professor, quanto ao exercício de outras habilidades, como a rapidez na seleção dos termos científicos ou no cálculo mental, por exemplo; há problemas na capacidade de efetuar avaliações fundamentadas em dados não numéricos ou previsões a respeito de eventos posteriores, a partir de elementos presentes no momento, base para os "chutes" efetuados com critérios científicas. A capacidade de efetuar estes "chutes", tão comuns no cotidiano de alguns profissionais, na Escola tem sido relegada a segundo plano, principalmente quando associadas com a capacidade de estabelecer relações, e não contribui para a aproximação com a hipótese científica; obstáculos no domínio de conteúdo específico, termos e conceitos a eles associados, ou operações numéricas simples, relacionados com as exigências do jogo. Acrescente-se a isso a dificuldade de buscar subsídios, quer nos dados já fornecidos pelas atividades cotidianas, quer através da "pesquisa" utilizada em outras oportunidades da vida escolar (dificuldade de estabelecer relações); dificuldade de compreensão das próprias regras de um jogo: qualquer jogo contém na seqüência das regras uma certa lógica, que permite um encadeamento das ações, independentemente do fator sorte. O domínio desta lógica, em alguns casos, é fator determinante para o sucesso ou o fracasso numa certa jogada, ou mesmo no jogo inteiro.

    Cabem mais duas observações, respeitantes aos professores. Em primeiro lugar, muitas das dificuldades observadas no decorrer dos jogos (explicação, domínio de classe, compreensão por parte dos alunos, e outras que já foram mencionadas), se devem simplesmente ao fato de que o próprio professor não se apropriou das regras, da lógica, da seqüência, das interelações existentes no contexto do jogo ou entre diversos jogos. E os professores não se sentem à vontade, às vezes até mesmo constrangidos, em conversar sobre este aspecto. Por outro lado, mesmo quando são capazes de detectar as dificuldades apresentadas no decorrer da atividade, fica-se basicamente no nível da constatação, sem que se tente aprofundar as causas técnicas, sociais, afetivas, psicomotoras, envolvidas naquela dificuldade. Menos ainda, tentar encontrar formas de reverter o quadro, ou seja, sanar aquelas dificuldades, mesmo sabendo que elas interferem em diversos outros aspectos da aprendizagem, nas diversas áreas do conhecimento.

    Acompanhando o processo de resolução de problemas, durante o desenvolvimento dos jogos e/ou brincadeiras propostos, por parte dos estudantes, é possível perceber semelhanças e diferenças que podem ser relacionadas a uma série de fatores que intervém no mesmo. Em se tratando das diferenças, alguns fatores se ressaltam: idade, nível de escolarização, nível de "rendimento escolar", gênero. Em cada um, podem ser destacados pontos de interesse. O fator idade se revela de particular importância quando se analisa o processo em alunos que estão defasados na escolarização: por exemplo, um aluno de 3a. Série com 14 anos. Ora, em determinados aspectos, o seu desenvolvimento pode ser considerado adiantado em relação ao de seus colegas, de modo particular, o desenvolvimento físico e as características sexuais secundárias. Entretanto, verificando-se o seu passado escolar, muitas vezes é possível verificar uma série de percalços, como entrada tardia na escola e/ou sucessivas reprovações, o que, segundo certas interpretações, caracterizaria baixo nível de desenvolvimento intelectual. Qual é, via de regra, o comportamento deste tipo de aluno diante de uma situação-problema, como a montagem de um quebra-cabeça? Veja-se um caso. PSF é considerado, ele mesmo, um "problema": desatento, com episódios de indisciplina e "falta de educação" para com os professores, família desestruturada, indesejado na formação de grupos de trabalho, cobiçado pelas meninas mais velhas da turma. Sua participação tem sido exemplar: Corta, recorta, auxilia os demais colegas na montagem dos trabalhos, e ainda comenta: "Pena que a gente não tem mais aulas assim!" Segundo outros observadores, seu comportamento teve alteração significativa já durante o desenvolvimento do trabalho, quer no aspecto sociabilidade, quer na atenção aos conteúdos "normais" de sala de aula. Reporte-se ao que já se acenou anteriormente: o engajamento numa atividade que representa um desafio, colocado, porém, de forma a propiciar a exteriorização de suas capacidades, num ambiente em que elas se tornam importantes para o grupo (ser o "mais capaz" numa determinada circunstância), contribui para o crescimento da auto-estima e da auto-confiança, levando, consequentemente, ao alcance de resultados que se revelam profícuos, e não mais uma experiência "desastrada". Não se pode esquecer o aspecto básico fomentador deste processo: não há um crescimento "per se" , há um crescimento "com" e "por causa" da relação com o outro - lembre-se o sentido inter ® intrapsicológico do mesmo. Com certeza, desta constatação, se não pode ser generalizada, pode-se dizer que se repete em outras turmas e com outros alunos nas mesmas circunstâncias.

    A questão da variável "rendimento escolar" também é interessante. Já se mencionou a maneira linear como, comumente, se classificam os alunos, neste particular, nos conselhos de classe: fortes, médios e fracos. Ora, parece importante analisar os critérios a partir dos quais estes rótulos são impingidos aos estudantes. Evidentemente, o parâmetro mais imediato é a nota obtida em provas, exercícios e trabalhos. Tomando-se como regra geral a descrição já feita sobre o cotidiano das aulas, pode-se ter uma idéia sobre o pequeno alcance destes instrumentos para aquilatar o nível de desenvolvimento intelectual do aluno, mesmo que limitado ao passado, na visão vygotskyana. Se a aula é meramente expositiva, seguida de exercícios de "fixação" e de uma prova composta de X perguntas selecionadas entre nX, propostas anteriormente, infere-se que a boa memorização é a única capacidade de que o aluno deve efetivamente dispor. Com raras exceções, é sobre esta seqüência que se faz a classificação acima mencionada. Não se deve esquecer, entretanto, de um outro componente importante na nota final, que é o "comportamento": em outras palavras, um aluno intelectualmente menos dotado, mas "comportado", isto é, que não causa problemas disciplinares, não incomoda, sempre terá oportunidade de uma chance, de levar alguns "pontinhos a mais", se comparado a outro que é agitado, critica, responde, deve ser freqüentemente repreendido ou, até deve ser enviado à Direção, para que esta tome as providências cabíveis: mesmo que o seu desempenho, diante do conteúdo assim apresentado, não seja dos mais medíocres, terá como punição o decréscimo dos mesmos "pontinhos".

    Ora, a situação se manifesta alterada significativamente num processo de solução de problemas baseada em jogos, como aquele aqui proposto. A disciplina, a metodologia de trabalho, a distribuição do tempo, a atribuição de responsabilidades, acontecem de forma absolutamente diferentes. A pura memorização é relegada a um segundo plano, priorizando-se a criatividade, a iniciativa, a originalidade, a "paixão", a capacidade de busca de informações, a seletividade de métodos alternativos, a abrangência do produto. Em aproximadamente 75 % da população estudada, até onde possível classificar os estudantes com os mesmos rótulos que aqueles usados tradicionalmente, porém baseando-se no modelo proposto, esta classificação não coincide, ou seja, os alunos que tiram as melhores notas não são os que se saem melhor nos jogos. Destarte, cabe distinguir os três tipos de grupos que se salientam como extremos, mesmo admitindo que, entre eles, possam ser intercaladas inúmeras variações intermediárias.

    No primeiro tipo de grupo, reúnem-se alunos considerados "fortes" dentro dos parâmetros convencionais, na maioria dos casos, somente meninas; somente meninos, em menor número, e raros grupos mistos. São grupos que avançam razoavelmente bem nos aspectos teóricos da atividade proposta, porém, via de regra, tropeçam quando da realização de atividades práticas (por exemplo, o quebra-cabeça). Manifestam falta de iniciativa e de habilidades manuais necessárias. Em geral, tem melhor condição econômica e, consequentemente, melhor condições de estudo, em casa (computador, vídeo, enciclopédias, acesso a bibliotecas). Predomina o individualismo em detrimento da colaboração.

    Num segundo tipo, reúnem-se alunos considerados "fracos", em geral compostos só por meninos ou só por meninas, havendo também poucos grupos mistos. São grupos que não tem um bom domínio dos aspectos teóricos da situação em estudo, mas têm desempenho razoável nas atividades práticas: saem-se bem quando se trata de construir, medir, recortar, montar, porém tem dificuldades no estabelecimento de relações mais sólidas e consistentes entre os resultados de cada atividade e os respectivos fundamentos teóricos. Muitas vezes, pertencem a famílias de menor condição econômica, sendo que alguns alunos participam na renda familiar através do seu trabalho, mormente na área de serviços. Não são incomuns manifestações de individualismo e de concorrência entre os componentes, além de discussões motivadas por assuntos alheios ao trabalho.

    Nas comunidades escolares em estudo, destaca-se um terceiro tipo de grupo, que constitui a minoria, composto por elementos de ambos os sexos e de alunos classificados em mais de uma das categorias mencionadas: fortes, médios e fracos. Em geral, contam com uma liderança definida. Há uma nítida divisão de trabalho, mas os laços de colaboração são mais estreitos que nos outros casos. Em outras palavras: o grupo aproveita ao máximo as capacidades de cada um, sem maiores preconceitos quanto à importância maior ou menor do tipo de participação. No desenvolvimento das atividades propostas, constituem os grupos que atingem os melhores resultados, isso é, apresentam a melhor resolução, em termos de tempo despendido e qualidade do trabalho apresentado. Vale lembrar que este comportamento é mais nítido, acontece de maneira mais acentuada, quando os grupos são formados espontaneamente, sem a interferência do professor. Esta interferência, mesmo quando objetiva a formação de grupos com estas características, acaba sendo contraproducente. De qualquer maneira, a constituição ideal dos grupos é um problema a ser resolvido a médio e longo prazo, isso é, não é no decorrer de um ou dois anos letivos que se pode ter a pretensão de criar uma consciência generalizada sobre as vantagens do trabalho com tal tipo de grupo e com tal tipo de comportamento. Cabe ao professor, ao menos, discuti-lo com os alunos, fundamentando os argumentos naquilo que se observa no decorrer e ao final do trabalho. De qualquer forma, o último tipo de grupo citado, se apresenta como aquele em que o trabalho na ZDP acontece explicitamente: não só a interferência do mais capaz por princípio (o professor), mas a do mais capaz dos pares, cada um o "mais" em sua especialidade e naquela circunstância, contribui para o desenvolvimento individual de todos, bem acima do que se poderia esperar com o trabalho individual. Ou seja, o problema tem a sua solução otimizada, em todas as suas etapas, em função desta contribuição. O reconhecimento das capacidades específicas e as vantagens da sua agregação ao trabalho comum, por parte dos alunos envolvidos, ultrapassa, muitas vezes, os resultados da avaliação do próprio professor. É o caso de sugerir que a escola invista mais nesta modalidade de trabalho (e de avaliação), para que todos os benefícios presentes nesta vertente teórica possam ser explorados no cotidiano escolar.

    Veja-se agora o caso da influência da variável "nível de escolarização". Associada à idade, ela se apresenta como uma das mais importantes para explicar as diferenças de comportamento na resolução de problemas entre as crianças e os jovens. Donde decorre esta importância? De acordo com o que Vygotsky propõe sobre o desenvolvimento dos conceitos, os alunos que, no Brasil, freqüentam o Ensino Fundamental, em condições normais, estão num período típico de transição entre a fase dos pseudoconceitos e os conceitos propriamente ditos, conforme já mencionado. Ora, na fase dos pseudoconceitos, a semelhança com os conceitos é apenas fenotípica, sendo substancialmente distintos os mecanismos envolvidos. Esta transitoriedade, esta distinção básica, também se manifesta no desenvolvimento dos jogos. Não se está afirmando que o fenômeno é geral, tanto no sentido de que há estudantes de 2a. S. que já atingiram uma situação mais avançada no desenvolvimento de alguns conceitos e há estudantes de 3a. S. que ainda manifestam comportamentos próprios da fase pseudoconceitual, tanto no sentido de que a passagem de uma fase para outra não abarca, uniformemente, todo o espectro de "conteúdo científico" com que o aluno. Assim sendo, cabe destacar aqui alguns casos em que esta diferenciação se manifesta de maneira mais acentuada.

    Para tanto, uma primeira providência é arrolar quais sejam as supostas semelhanças na utilização de estratégias para "ganhar" um jogo, por exemplo, verificando em que termos elas podem ser expressas. Em seguida, cabe explicitar as diferenças, distinguindo aquelas que são meramente casuais e aquelas que se referem à estrutura, ao tipo de operações envolvidas. O que se pretende, é estabelecer um paralelo entre o que Vygotsky caracteriza como pseudoconceito e como conceito propriamente dito, e as estratégias criadas pelo aluno, para que possa "ganhar", resolver com maior rapidez, adquirir maior número de pontos, etc. Ora, se no caso dos conceitos, as distinções se dão no nível genotípico, enquanto no nível fenotípico não se percebe diferenciação, pode-se esperar que, na definição destas estratégias, dada a sua íntima relação com o desenvolvimento dos conceitos, esta distinção também aconteça, e no mesmo nível. Assim sendo, a questão primordial se situa em detectar, nos diversos procedimentos ligados ao "como" desenvolver o jogo, a existência de semelhanças (fenotípicas) e diferenças (genotípicas), estas caracterizadas pelos mesmos elementos que caracterizavam os pseudoconceitos e os conceitos propriamente ditos. Em última análise, há que se responder à interrogação: assim como existem pseudoconceitos e conceitos, existem pseudo-estratégias e estratégias propriamente ditas? A resposta a esta interrogação pressuporia uma análise: a) das semelhanças existentes nas estratégias utilizadas por alunos das diferentes séries, especialmente nas atividades que respeitam ao mesmo assunto e propõe mesma metodologia; b) das diferenças manifestadas, desde que intrínsecas ao processo de resolução e alheias a fatores devidos ao arsenal de ferramentas disponíveis para tanto; c) de elementos complementares e de outros parâmetros, como tipo de assunto, metodologia de abordagem, resultados esperados, propostas de ação, que podem ser avocados para iluminar aspectos menos esclarecidos nos dois itens anteriores.

Conclusões

    Verifica-se que, de acordo com o que foi aventado inicialmente, as atividades lúdicas são um excelente recurso para a detecção de problemas de aprendizagem ou de comportamento, caracterizá-los e dar ao professor os subsídios necessários para orientar a ação docente, visando a reversão do quadro levantado. Aliás, as espectativas foram superadas na medida em que estes procedimentos, quando não realizados de forma única, ou seja, quando são desenvolvidos vários jogos, de características diferenciadas (individuais e em grupo, por exemplo), permitem estabelecer relações entre diferentes dificuldades, o que otimiza o trabalho de resolução.

    Por outro lado, a pesquisa mostrou oportunidade de que, através deste tipo de atividade, sejam detectadas as dificuldades decorrentes da ação docente, sendo possível, da mesma forma, caracterizá-las e subsidiar o seu relacionamento com os demais educadores atuantes na escola. Esta constatação é válida para diferentes grupos de professores, desde os mais experientes, ou de maior habilitação, até para aqueles que apenas estão se iniciando no exercício da docência. Esta afirmativa é corroborada por observações feitas para além dos limites e instrumentos estabelecidos para esta pesquisa, uma vez que ocorreram em cursos de diversos níveis, desenvolvidos pelos autores. Em muitos casos, vislumbraram-se possibilidades de utilização de outros jogos e até brincadeiras comumente apreciadas pelas crianças; noutros, possibilidades de utilização mais intensa em disciplinas específicas, como Ciências e Matemática, em que a apropriação do conhecimento, tradicionalmente, é considerado um processo, pelo menos, enfadonho; noutros, ainda, uma das alternativas para o incremento da interdisciplinaridade; e ainda, finalmente, como possibilidade para o aprofundamento de conteúdos em disciplinas nas quais os alunos não se envolvem de maneira mais "aplicada", em relação às demais.

Perspectivas de continuidade

    Esta é uma pesquisa que, na realidade, nunca estará efetivamente concluída, mas sempre fase de realização, uma vez que, a cada novo jogo, cada nova turma, cada outro professor, os resultados vão se sobrepondo e novas possibilidades vão sendo vislumbradas. Cabe salientar que os indícios até aqui obtidos, em termos das possibilidades de desenvolvimento, apontam para inúmeras alternativas e indicam estar-se em mãos, de um instrumento fidedigno para acompanhar, diagnosticar, sugerir ações, quando os professores se defrontam com dificuldades de aprendizagem, no Ensino Fundamental.

    Na continuidade deste trabalho, estão previstas atividades que permitem categorizar as dificuldades encontradas (por exemplo: se um aluno é ágil na montagem de um quebra-cabeça, mas se manifesta inepto no jogo do baralho), quais são as estratégias que o professor deve desenvolver para que aquelas capacidades que tornam o aluno o "mais capaz" numa das atividades, possam auxiliar no sentido do desenvolvimento daquelas em que ele se encontra inferiorizado, diante da "média" esperada para a turma, a série, a idade, etc. Em alguns casos, como foi possível perceber nas atividades até aqui realizadas, este encontro resultou em abertura de perspectivas profissionais, aumento da auto-estima, mudança na perspectiva de vida, por parte de inúmeros jovens e adolescentes envolvidos nas atividades desenvolvidas por este projeto. Assim sendo, propõe-se a sua aplicação em outras circunstâncias (séries, tipologia de estabelecimento, disciplina, área do conhecimento, etc.), em outros níveis de ensino, como instrumento capaz de efetuar o diagnóstico, estabelecer o equacionamento e apontar para ações factíveis diante dos problemas de ensino-aprendizagem com os quais o professor se defronta, no seu dia-a-dia.

Bibliografia

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___. (1991c) A Formação Social da Mente. SP: M. Fontes. 4a. ed.

___. (1991) Obras escogidas vol. I e II. Madrid : CP del MEC & Visor D.

___ .(1996). Teoria e método em Psicologia. SP : Martins Fontes.
 

[1]  Doutor em Ensino de Ciências Naturais (UFSC); Professor/Pesquisador do Mestrado em Educação (FURB)
[2]  Mestre em Educação (UNISUL); Professora da Rede Estadual de Ensino de SC
[3]  Mestre em Engenharia Ambiental (FURB); Professora da Rede Estadual de Ensino de SC

Quais as dificuldades encontradas pelos professores para ensinar ciências?

Quais são os principais desafios enfrentados por professores no ensino de ciências?

No caso das aulas práticas, o problema é a falta de infraestrutura: a escola em que trabalha, por exemplo, não possui laboratório. No caso das aulas calcadas na realização de leituras de textos, elaboração de hipóteses e discussões – foco de suas pesquisas – o maior desafio é a cultura escolar.

Quais os principais problemas que surgiram nos cursos de formação de professores de ciências nos anos 1960 até o início dos anos 1980?

Nos cursos de formação de professores de ciências, a tendência tecnicista predominante de meados dos anos 1960 até o início dos anos 1980 reforçou problemas já existentes como o tratamento neutro, universal e estritamente científico dos componentes curriculares; a dicotomia teoria/prática; a fragmentação das ...

Quais os desafios do professor em realizar experiências na escola sem laboratório de ciências?

Mesmo sem laboratório, é possível, por exemplo, criar maquetes e analisar alguns materiais, tais como folhas, flores e frutos em aulas de Botânica. Nas aulas de anatomia comparada, o mesmo processo pode ser feito para analisar órgãos de animais, como fígado, rim, pulmão e coração de suínos ou de bovinos.

Porque alguns professores não realizam atividades experimentais no ensino de ciências quais as justificativas?

Os principais motivos indicados pelos professores são a inexistência de laboratórios, ou mesmo a presença deles na ausência de recursos para manutenção, além da falta de tempo para preparação das aulas (GONÇALVES, 2005).