O que são os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador?

Resumo: Este trabalho objetiva analisar os princípios aplicáveis ao processo administrativo sancionador.

Palavra-chave: Processo Administrativo Sancionador. Princípios.Devido Processo Legal. Proporcionalidade. Legalidade. Tipicidade.

Sumário: 1. Introdução. 2. Apontamentos sobre os princípios aplicáveis ao Processo Administrativo Sancionador.3. Conclusão.4. Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

O Poder da Administração Pública de sancionar funda-se no poder-dever de punir do Estado. Nas palavras de Miguel Reale Júnior, “o Estado soberano caracteriza-se pela imposição de suas decisões em prol do interesse geral, e esse poder de decidir afirma-se e consolida-se no dizer e aplicar o direito, mesmo porque o Estado (moderno) existe na medida em que dita o Direito e se põe como pessoa jurídica”[1].

O Poder Administrativo Sancionador é que confere eficácia às normas administrativas. Ele tem origem no Poder Hierárquico, na Supremacia do Interesse Público e no Poder de Polícia.

No entanto, o exercício deste poder (ius puniendi) está sujeito a certos limites, que se constituem como garantia do cidadão. Um dos fundamentos desse poder está na outorga do Poder de Polícia, tendo em vista que o descumprimento das normas pode resultar na aplicação de sanções.

José dos Santos Carvalho Filho conceitua o poder de polícia como a prerrogativa de direito público que, calcada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade[2].

A Constituição Federal de 1988 reconhece o poder sancionador, tendo em vista que o § 3º do artigo 225, que trata da proteção do meio ambiente, prevê a aplicação de sanções administrativas às condutas lesivas ao meio ambiente cometidas por pessoas físicas ou jurídicas.

Este poder não objetiva apenas punir, mas também prevenir a ocorrência de infrações administrativas. 

De acordo com o professor Celso Antônio Bandeira de Melo[3], a infração administrativa “é o descumprimento voluntário de uma norma administrativa para o qual se prevê sanção cuja imposição é decidida por uma autoridade no exercício de função administrativa ainda que não necessariamente aplicada nesta esfera”.

Já a sanção administrativa é conceituada, por José dos Santos Carvalho Filho[4], comoo ato punitivo que o ordenamento jurídico prevê como resultado de uma infração administrativa, suscetível de ser aplicado por órgãos da Administração, e infração administrativa como o comportamento típico, antijurídico e reprovável idôneo a ensejar a aplicação de sanção administrativa, no desempenho de função administrativa.

A sanção pode ser entendida como relação jurídica entre o detentor de um direito subjetivo violado e o ofensor desse direito, por força do acontecimento de um evento jurídico ilícito (conduta irregular).

O ordenamento jurídico é composto por princípios e regras jurídicas. Enquanto os princípios são sempre normas gerais, as regras podem ou não ser gerais.

Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico[5].

Como já explicitado, oius puniendi estatal é limitado pelas normas constitucionais,que se constituem como garantia do cidadão. O Estado de Direito é um princípio fundamental previsto na Constituição Federal.

Desse modo, é importante analisar os princípios aplicáveis ao Processo Administrativo Sancionador.

2. APONTAMENTOS SOBRE OSPRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR.

Em decorrência da opção constitucional pelo Estado de Direito, diversos princípios são aplicáveis ao ordenamento jurídico pátrio. Em se tratando de princípios fundamentais, se aplicam a toda ordem jurídica, englobando o poder punitivo estatal. No que se refere ao tema, Rafael Munhoz de Mello[6] afirma que:

Ocorre que tais princípios do regime jurídico punitivo decorrem da opção constitucional por um Estado de Direito. São corolários do princípio do Estado de Direito, uma das “decisões políticas estruturais do Estado”, segundo Luís Roberto Barroso. Tratando-se de princípio constitucional fundamental, seus efeitos incidem sobre toda a ordem jurídica – o que inclui o regime jurídico que disciplina a imposição de sanções retributivas pela Administração Pública. Não se trata, portanto, de princípios de direito penal, mas sim de princípios que regem toda manifestação do poder punitivo estatal, seja penal ou administrativa. Tampouco se trata de aplicar no campo do direito administrativo sancionador os princípios que são próprios do direito penal, mas apenas os que são comuns a ambos os ramos jurídicos, corolários da opção constitucional por um Estado de Direito.

Parte da doutrina defende a ideia de que não há diferenças substanciais entre as normas penais e as normas administrativas sancionadoras. No entanto, os regimes jurídicos das diversas manifestações do jus puniendi estatal são distintos.

Os princípios aplicáveis ao direito penal e ao direito administrativo sancionador não se confundem porque os regimes jurídicos são diferentes. Essa posição é defendida por Fábio Osório Medina[7]:

A interpretação penal é distinta da interpretação administrativa, pode-se constatar, em face de toda uma tradição hermenêutica que busca a garantia de direitos individuais contra o poder do Estado. No entanto, essa não é a tendência atual, eis que o Direito Penal começa a ganhar contornos funcionalistas, é pragmático e enfrenta com extremo rigor determinadas formas de criminalidade de alto impacto social. A interpretação do Direito Administrativo Sancionador, por seu turno, ganhou novos ares, renovou-se, aproximando-se do ideário humanista que contagiou toda a evolução das Ciências Penais e da dogmática penal. (...)

Distintos são os princípios que presidem uma e outra política repressiva, tendo em conta a radicalidade maior do direito penal, que possui a potencialidade de privar o ser humano de sua liberdade. O princípio da intervenção mínima é mais acentuado no direito penal. O interesse público possui um alcance e uma importância radicalmente maior no Direito Administrativo do que no direito penal. (...)

(...)

A regra, enfim, é a existência de diferenças, não de identidades entre o direito penal e administrativo sancionador, como também no interior desses modelos se reproduz a mesma lógica das diferenciações intensas. Nesse ponto, cabe lembrar que a existência de diferenças, em grau acentuado, justifica a invocação de regimes jurídicos distintos para realidades distintas, mas não se pode ignorar a possibilidade dos chamados “núcleos duros” aos quais determinadas realidades normativas devem reportar-se, aí residindo eventual sentido de uma perspectiva unitária ou hierarquizada.

Ocorre que o Direito Penal e o Direito Administrativo Sancionador, muito embora pertençam a regimes jurídicos distintos, possuem núcleos estruturantes dos direitos fundamentais dos acusados em geral, de forma que se submetem às cláusulas do devido processo legal e do Estado de Direito.

Fábio Osório Medina defende que o Direito Punitivo encontra um núcleo básico na Constituição Federal, núcleo normativo do qual emanam direitos constitucionais de conteúdos variáveis, embora com pontos mínimos em comum[8].

Portanto, existem cláusulas constitucionais que se aplicam tanto ao Direito Penal como ao Direito Administrativo Sancionador, e que veiculam conteúdos mínimos obrigatórios, a fim de assegurar as garantias básicas dos acusados em geral.

Segundo Alejandro Nieto, já não se discute “se” os princípios penais devem ou não ser aplicados ao procedimento administrativo sancionador, mas sim quais princípios e em que amplitude[9].

O regime jurídico punitivo deve obediência aos princípios da legalidade, tipicidade, irretroatividade, culpabilidade, non bis in idem e o devido processo legal. No entanto, como os regimes jurídicos são distintos, os princípios aplicáveis não são idênticos[10].

Um dos princípios mais importantes do Direito Administrativo Sancionador é o do Devido Processo Legal, que está expresso na Constituição Federal. Esse princípio é fonte de direitos individuais, difusos e coletivos. Aplicam-se, também, as garantias constitucionais, especialmente o contraditório e a ampla defesa.

A atividade do Estado também está submetida ao princípio da proporcionalidade, já que o Estado de Direito está fundado na dignidade da pessoa humana e na cidadania, que impõe a defesa dos direitos fundamentais.

Outro princípio de peso é o princípio da legalidade. O estudo desse princípio envolve, necessariamente, dois aspectos: a supremacia da lei e a reserva legal.

A supremacia da lei confere máxima eficácia às leis. Nesse sentido, a atividade da Administração Pública fica submetida às leis, o que confere eficácia máxima à sua aplicação. A legalidade, portanto, limita a atividade administrativa.

Já a reserva legal significa que certos atos estatais com conteúdo específico, só estarão em conformidade com o Direito quando forem editados sobre a base de uma lei (existência de uma base legal para a atividade administrativa).

No âmbito Privado, o princípio da legalidade estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, nos termos do inciso II do art. 5º da Constituição Federal. Já na esfera da Administração Pública, a lei limita a atividade do Estado, na medida em que, ao Administrador cabe atuar nos limites determinados pelo legislador. A legalidade, portanto, restringe a atuação da Administração.

Dessa forma, os atos praticados pela Administração, no exercício da função administrativa, devem ser expressamente autorizados pela lei formal.

O princípio da legalidade, insculpido no art. 5º, II, da Constituição Federal de 1988, garante aos indivíduos que os ilícitos administrativos serão criados por lei em sentido formal. De acordo com esse princípio, apenas a lei pode limitar a liberdade dos particulares.

Quanto ao princípio da legalidade e aos regulamentos administrativos, Rafael Munhoz de Mello[11] explicita que:

O regulamento administrativo não inova a ordem jurídica de modo primário, eficácia reservada à lei formal no sistema constitucional brasileiro, de acordo com o inciso II do art. 5º da Constituição Federal. Reza o princípio da legalidade que apenas a lei formal pode criar direitos e obrigações com caráter original, inovando a ordem jurídica de modo primário. “Inovar originariamente na ordem jurídica consiste em matéria reservada à lei”, na lição de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Ao regulamento cabe desenvolver os preceitos legais, garantindo “sua fiel execução”, nos termos do inciso IV do art. 84 do texto constitucional. Trata-se de regulamento de execução, que não pode criar obrigações e direitos que não tenham sido previstos previamente pelo legislador. (...) 

Em complemento, o autor afirma que, muito embora o regulamento administrativo não possa criar direitos e obrigações de modo primário, isso não significa que nenhuma inovação advenha do exercício da competência regulamentar. Na visão do autor, entender que o regulamento deva simplesmente reproduzir as disposições legais significa relegar tal figura à absoluta inutilidade, tornando inexplicável a razão pela qual o legislador constituinte outorgou ao Presidente da República competência para editá-los[12].

De acordo com Caio Tácito, “regulamentar não é somente reproduzir analiticamente a lei, mas ampliá-la e completá-la, segundo o seu espírito e o seu conteúdo[13]”.

O papel dos regulamentos é complementar a lei e diminuir a discricionariedade do administrador. O legislador pode optar por não disciplinar totalmente a matéria, deixando um espaço que deverá ser tratado pelo administrador. O regulamento se ocupará de aclarar a extensão da lei e de complementar seu sentido.

Como visto, o princípio da legalidade impõe que a infração administrativa e a respectiva sanção devem ter previsão expressa em lei formal. Analisando o tema, Rafael Munhoz de Mello salienta que:

Tampouco basta à satisfação do princípio da legalidade a criação apenas do ilícito administrativo por lei formal, deixando-se a escolha da sanção à Administração Pública. E vice-versa: não basta a previsão legal da sanção, sem que seja descrita na lei a situação de fato que fundamenta sua aplicação. Tanto a infração como a sanção administrativa devem ter previsão legal, segundo o princípio da legalidade[14].

No campo jurisprudencial, os tribunais pátrios têm adotado posicionamento no sentido de reconhecer a impossibilidade de criação de ilícitos e sanções administrativas por meio de regulamento[15]. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal – STF concedeu liminar em ação direta de inconstitucionalidade para sustar os efeitos de portaria editada pelo Instituto Brasileiro do meio Ambiente – IBAMA que havia criado infração administrativa em ofensa ao princípio da legalidade estrita, que disciplina o direito de punir[16].

Celso Antônio Bandeira de Mello entende que o princípio da legalidade deve ser aplicado ao Direito Administrativo Sancionador com rigor máximo. O referido autor elege quatro tópicos que devem ser considerados. São eles: (a) o da “suficiência” de suas caracterizações, para que não haja fraude ao princípio da legalidade; (b) o da necessária proporcionalidade das sanções à gravidade da infração; (c) o da aplicação da lei no tempo à infração correspondente e à correspondente sanção; e (d) o devido processo para imposição de sanções. Contudo, ressalta que, muito embora não caiba à Administração precisar o comportamento infracional, em casos peculiares nos quais é inarredável uma qualificação técnica é que a Administração pode concorrer para tanto[17]. Assim, nas hipóteses que envolverem aspectos eminentemente técnicos, a lei necessita remeter a qualificação da figura infracional à Administração.

No entanto, o referido autor, ao tratar do princípio da legalidade no direito administrativo sancionador, argumentando que “tanto infrações administrativas como suas correspondentes sanções têm que ser instituídas em lei”, ressalva “as hipóteses atinentes à chamada ‘supremacia especial’[18]”.

Por outro lado, é preciso reconhecer que a legalidade no âmbito do Direito Administrativo Sancionador possui certa flexibilidade em relação ao Direito Penal, já que essas normas foram tratadas, historicamente, no bojo do poder de polícia, que tem como característica a discricionariedade. No tocante a essa flexibilidade, Fábio Medida Osório[19] explicita que:

(...) Com efeito, os tipos do Direito Administrativo Sancionador são, em regra, mais elásticos que os tipos penais, dada a utilização da dinâmica própria do terreno administrativo e a permanente inspiração dos interesses públicos e gerais a orientar feitura e aplicação das normas. As leis administrativas mudam com grande rapidez, tendem a proteger bens jurídicos mais expostos à velocidade dos acontecimentos e transformações sociais, econômicas, culturais, de modo que o Direito Administrativo Sancionador acompanha essa realidade e é, por natureza, mais dinâmico do que o Direito Penal, cuja estabilidade normativa já resulta da própria estrita competência da União Federal. Eis um panorama possível de ser descrito.

Nesse passo, a legalidade das infrações e das sanções é composta, no mais das vezes, por conceitos ou termos jurídicos altamente indeterminados, cláusulas gerais, princípios e descrição de valores superiores que outorgam amplo espaço à autoridade julgadora, seja ela administrativa ou judicial. (...) Não é de hoje esse relacionamento de mão dupla. Na perspectiva administrativa, que depois influencia a penal, os regulamentos, os atos administrativos, os contratos públicos e outras manifestações, unilaterais ou não, das autoridades administrativas, costumam integrar o núcleo das proibições vazadas pelo Direito Administrativo Sancionador, de tal sorte que resulta comum falar-se em “normas em branco” no campo desse ramo jurídico, embora essa técnica também pertença ao Direito Penal e até mesmo a outros ramos jurídicos, sempre que haja uma norma que remeta o intérprete a outras de categoria inferior, inclusive normas administrativas, atos administrativos, permitindo-se uma dinâmica própria e altamente veloz no interior do próprio sistema repressivo.

Muito embora alguns defendam que o princípio da legalidade no âmbito do direito administrativo sancionador deva ser interpretado de forma semelhante a da área penal, Alejandro Nieto entende que há uma diferença substancial na aplicação do princípio. Para o autor espanhol, o princípio da legalidade na esfera administrativa, com inspiração constitucional, significaria, mais restritamente, a impossibilidade de que normas de hierarquia inferior contrariassem normas superiores, a irretroatividade das normas sancionadoras desfavoráveis, o mandado de tipificação e a proibição do bis in idem[20].

Vale destacar ainda que os princípios constitucionais terão alcances diferentes quando se tratar de infração administrativa praticada por agente submetido a relações de especial sujeição com o Estado. Existem diversas relações jurídicas diferenciadas que envolvem peculiaridades normativas que devem ser consideradas e que trazem repercussões relevantes. A situação de sujeição especial atinge os particulares que mantêm uma relação específica com o Estado.

No tocante a essas relações jurídicas diferenciadas, Fábio Medida Osório preleciona que:

Necessário, sem embargo, tanto no Direito Penal quanto no Direito Administrativo Sancionador, embora em medidas distintas, observar o respeito ao princípio da tipicidade, formal e material, de modo a não ser possível que o legislador outorgue, de forma total e completa, a competência tipificante à autoridade administrativa, pois assim estaria esvaziando o princípio da legalidade. Esta limitação sofrerá cortes importantes no campo das relações de especial sujeição, marcadamente nas sujeições especialíssimas, onde as delegações são encaradas com naturalidade e dentro de uma funcionalidade pertinente às peculiaridades dessas relações. Se uma relação estritamente especial permite, com razoabilidade, ao infrator o conhecimento das proibições, na velocidade exigível do Estado, não se pode pretender o engessamento dessas relações, a partir do transplante inadequado e imprudente dos princípios penalísticos.

No mesmo viés, Rafael Munhoz de Mello[21] ensina que:

No âmbito das relações de especial sujeição, a Administração Pública deve dispor de poderes normativos mais extensos de que aqueles de que dispõe no campo das relações de sujeição geral. Ocorre que o legislador não tem condições de prever e regular todas as obrigações que o ente administrativo poderá ser levado a impor aos particulares que ingressam na seara das relações de especial sujeição. (...)

Assim, tratando-se de relação de especial sujeição, pode a Administração Pública dispor com maior liberdade acerca dos direitos e obrigações dos particulares envolvidos, através de normas regulamentares internas, que se aplicam e são exigíveis tão-somente no campo de relação de especial sujeição existente.

Mesmo na relação de especial sujeição, o princípio da legalidade é aplicável. Nesse caso, para que a Administração possa editar normas com o objetivo de disciplinar a conduta dos indivíduos com quem mantém relação de especial sujeição, é necessária a autorização legal.

Como esclarece Rafael Munhoz de Mello:

“Em suma, o princípio da legalidade aplica-se tanto às relações de sujeição geral como às de sujeição especial. Porém, no campo das relações de sujeição especial a previsão legal exaustiva das obrigações que podem ser impostas aos particulares é impossível. Em tais casos admite-se que a própria Administração Pública estabeleça obrigações que não tenham expressa previsão na lei formal, desde que o legislador lhe tenha outorgado tal competência”[22].

Daniel Ferreira, do mesmo modo, entende que para os regimes de sujeição especial há de se reconhecer uma solução mais flexível, com previsão em lei das possíveis sanções e autorização genérica na lei para estatuição das infrações[23].

Esse posicionamento também é compartilhado por Celso Antônio Bandeira de Mello[24], que, ao tratar do princípio da legalidade no direito administrativo sancionador, argumentando que “tanto infrações administrativas como suas correspondentes sanções têm que ser instituídas em lei”, ressalva “as hipóteses atinentes à chamada ‘supremacia especial’”.

No regime de sujeição especial não se afasta a exigência de tipicidade, muito embora haja uma flexibilização do princípio da legalidade. Portanto, a infração administrativa deve estar prevista, de modo claro e preciso, em sede de regulamento.

Outro princípio de suma importância é o da tipicidade. Esse princípio determina que as condutas proibidas, bem como as respectivas sanções, sejam descritas de forma clara e precisa. Nas palavras de Fábio Osório Medina, “os tipos devem ser claros, suficientemente densos, dotados de um mínimo de previsibilidade quanto ao seu conteúdo”[25].

O princípio da tipicidade pode ser considerado como um desdobramento do princípio da legalidade. Ele confere densidade suficiente à norma sancionadora. Esse detalhamento traz segurança jurídica e exerce função pedagógica e preventiva.

Ensina Celso Antônio Bandeira de Mello que “o pressuposto inafastável das sanções implicadas nas infrações administrativas é o de que exista a possibilidade de os sujeitos saberem previamente qual a conduta que não devem adotar”[26].

Caso essa garantia não existisse, os cidadãos estariam expostos ao risco de arbitrariedades e desmandos do Poder Público.

Vale mencionar que não há vedação à utilização de conceitos jurídicos indeterminados na descrição da infração administrativa, até porque o legislador não tem como detalhar a infração sem utilizar conceitos abertos. Todavia, o tipo deve ser compreendido pelos indivíduos.

Rafael Munhoz de Mello ressalta que mesmo no direito penal não há vedação ao uso de conceitos jurídicos indeterminados na construção dos tipos penais[27]. De outro lado, isso não afasta a exigência de tipicidade.

Do mesmo modo, não há impedimento à utilização de normas em branco, que são aquelas que necessitam de complementação através de outra norma jurídica. Esse artifício também é utilizado na seara penal.

Na visão de Rafael Munhoz de Mello, não há razão para obstar à complementação, por regulamento administrativo, das infrações veiculadas em leis em branco[28]. Contudo, assevera o autor que o regulamento não pode criar a proibição, mas apenas complementar com algum aspecto acessório.

No tocante ao assunto, Fábio Osório Medina[29] assinala que:

(...) Há que se reconhecer limites a essas técnicas de atuação, mesmo que se admitam como ferramentas inafastáveis da gestão pública contemporânea.

Sem dúvida, o tipo sancionador deve conter grau mínimo de certeza e previsibilidade acerca da conduta reprovada, o que exige do intérprete uma movimentação racional pautada por critérios de razoabilidade e proporcionalidade na definição do conteúdo proibitivo da norma jurídica. Tampouco cabe uma deslegalização completa em matéria sancionadora, de modo que a lei possa abrir espaço para uma atuação administrativa inferior arbitrária, ilimitada e descontrolada, sem o necessário status para restringir liberdades individuais. A processualização das decisões públicas, dentro de cânones de razoabilidade e celeridade, é um instrumento de progresso nos controles e na gestão qualificada, em busca de uma tutela equilibrada dos direitos em jogo.

Veja-se que, na definição de Eduardo García de Entería, “la técnica de la deslegalización se limita a un plano formal de manipulación sobre el rango de la ley”. (...) “Una ley de deslegalización opera como contrarius actus de la ley anterior de regulación material, pero no para innovar directamente esta regulación, sino pra degradar formalmente el rango de la misma de modo que pueda ser modificada en adelante por simples reglamentos”.

Nem as chamadas normas em branco podem dispor arbitrariamente de suas próprias competências. Não é possível uma lei sancionadora delegar, em sua totalidade, a função tipificatória à autoridade administrativa, pois isso equivaleria a uma insuportável deterioração da normatividade legal sancionadora, violentando-se a garantia da legalidade.

Ainda sobre as “normas em branco”, o referido autor, em nota explicativa, argumenta que:

(...) Diferentemente seria a hipótese de o legislador utilizar a técnica das “normas em branco”, técnica francamente admitida no sistema brasileiro e inclusive nos sistemas de direito comparado. Oocrre que tais normas devem conter uma mínima explicitação da conduta proibida, um núcleo básico inviolável pela autoridade administrativa. O certo é que o conteúdo da disposição inferior deve ser indentificável ou previsível a partir da norma habilitante,pois do contrário ocorre uma deslegalização inadimissível. Aliás, cumpre lembrar que o campo dos ilícitos de criculação ou de  trânsito não se presta a uma relativização maior do princípio da legalidade, porque se trata de garantia fundamental de pessoas que não se rncontram debaixo de relações de especial sujeição com o Estado. (...)[30]

As exigências mínimas oriundas dos princípios da legalidade e tipicidade devem ser observadas.

3. CONCLUSÃO.

Como visto, o exercício deste poder (ius puniendi) está sujeito a certos limites, que se constituem como garantia do cidadão.

Em decorrência da opção constitucional pelo Estado de Direito, diversos princípios são aplicáveis ao ordenamento jurídico pátrio. Em se tratando de princípios fundamentais, se aplicam a toda ordem jurídica, englobando o poder punitivo estatal.

Os princípios aplicáveis ao direito penal e ao direito administrativo sancionador não se confundem porque os regimes jurídicos são diferentes.

O Direito Penal e o Direito Administrativo Sancionador, muito embora pertençam a regimes jurídicos distintos, possuem núcleos estruturantes dos direitos fundamentais dos acusados em geral, de forma que se submetem às cláusulas do devido processo legal e do Estado de Direito.

O regime jurídico punitivo deve obediência aos princípios do Devido Processo Legal, Proporcionalidade, Legalidade, Tipicidade, Irretroatividade, Culpabilidade, eNon bis in idem.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, São Paulo, Editora Atlas, 2013.

FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas.

MEDINA, Fábio Osório. Direito Administrativo Sancionador. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, 29ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2011.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O princípio da legalidade e algumas de suas consequências para o direito administrativo sancionador. In Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Nº 1 – jan/jun. 2003.

MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador. As sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.

NIETO GARCIA, Alejandro. Derecho administrativo sancionador. Madrid: Tecnos, 2012.

REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal – Parte Geral.

TÁCITO, Caio, “As delegações legislativas e o poder regulamentar”, in Temas de direito público (estudos e pareceres), vol. 1.

NOTAS:

[1]REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal – Parte Geral. p. 14.

[2]CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, São Paulo, Editora Atlas, 2013, p. 77.

[3]Op. cit., p. 863.

[4]CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo – 23ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 101.

[5]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, 29ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2011. p. 974-975.

[6]MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador. As sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 105.

[7]MEDINA, Fábio Osório. Direito Administrativo Sancionador. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 125-126.

[8]Op.cit., p. 132.

[9]NIETO GARCIA, Alejandro. Derecho administrativo sancionador. Madrid: Tecnos, 2012, p. 132.

[10]A título ilustrativo, verifica-se que não é razoável aplicar o princípio da retroatividade da norma mais favorável no processo administrativo sancionador, aplicável no direito penal. Com efeito, é mais consentânea a aplicação do princípio geral do direito do tempus regit actum, que prega que deve ser aplicada a norma vigente à época da infração. A disposição do art. 5º, inc. XL da Constituição é específica para a lei penal. É a posição de Rafael Munhoz de Mello: “Com respeito devido aos autores que entendem de outra forma, parece acertada a posição defendida por Fabio Medina Osório. A regra é a irretroatividade das normas jurídicas, sendo certo que as leis são editadas para regular situações futuras. O dispositivo constitucional que estabelece a retroatividade da lei penal mais benéfica funda-se em peculiaridades únicas do direito penal, inexistentes no direito administrativo sancionador. Com efeito, a retroatividade da lei penal mais benéfica tem por fundamento razões humanitárias, relacionadas diretamente à liberdade do criminoso, bem jurídico diretamente atingido pela pena criminal. Como ensinam Carlos Enrico Paliero e Aldo Travi, é o princípio do favor libertatis que justifica a retroatividade da lei penal mais benigna, considerando-se a gravidade da pena de prisão e os efeitos que tal medida produz sobre o condenado, só superados pelos efeitos da pena de morte. No direito administrativo sancionador não há espaço para o argumento, sendo certo que a sanção administrativa não pode consistir em pena de prisão. (...) Por tais fundamentos, não se pode transportar para o direito administrativo sancionador a norma penal da retroatividade da lei que extingue a infração ou torna mais amena a sanção punitiva. No direito administrativo sancionador aplica-se ao infrator a lei vigente a época da adoção do comportamento ilícito, ainda que mais grave que lei posteriormente editada. Diversamente do que ocorre no direito penal, assim, não há no direito administrativo sancionador o princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao infrator.” (DE MELLO, Rafael Munoz. In Temas de Direito Administrativo, vol. 17, “Princípios Constitucionais do Direito Sancionador”. Editora Malheiros, 2007. p. 153-156).

Vale destacar que existem julgados no sentido aqui defendido: TRF 3ª Região, Ac 304086-SP, 96030132543, DJU 10/09/2007; TRF 3ª Região, AMS 34500-SP, 90030271224, DJU 24/05/2007; TRF 4ª Região, AC, 9604670131, DJU 07/04/1999). Os julgados se baseiam na ausência de norma que autorize a retroatividade benéfica para as normas de direito administrativo sancionador, como ocorre no direito penal e no direito tributário sancionador.

[11]MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador. As sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p.115-116.

[12]Ob. Cit., p. 117.

[13]TÁCITO, Caio, “As delegações legislativas e o poder regulamentar”, in Temas de direito público (estudos e pareceres), vol. 1, p. 510.

[14]Op. Cit., p. 122.

[15]REsp 324.181-RS, DJU 12.5.2003, P.250.; REO 1997.39.00.005603-4-PA, DJU 2.8.2002. V., ainda: TRF-1ª R., Ap. 1998.01.00.057890-8-BA, DJU 17.3.2000; TRF-2ª R., Ap. 97.02.213479-ES, DJU 17.9.2002; TRF-4ª R., Ap. 1999.04.010740656, DJU 15.12.1999.

[16]ADI 1.823-DF, RTJ 179/1.004. v., AINDA, rtj 111/1.307 e 115/1.439.

[17]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O princípio da legalidade e algumas de suas consequências para o direito administrativo sancionador. In Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Nº 1 – jan/jun. 2003, p. 65-66.

[18]Op. cit., p. 867.

[19]OP. Cit. P. 208-209.

[20]NIETO GARCIA, Alejandro. Derecho administrativo sancionador. Madrid : Tecnos, 2012, p. 170.

[21]Op cit. p. 163.

[22]Ob cit p. 164-165.

[23]FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas, p. 91.

[24]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed., p. 867.

[25]Op. Cit. p.214

[26]Op. cit., p. 869.

[27]Op. Cit. p. 141.

[28]Op. Cit. p. 147.

[29]Op cit. p. 222-223.

[30]Op. cit., p. 223.

Quais os princípios do direito administrativo sancionador?

Um dos princípios mais importantes do Direito Administrativo Sancionador é o do Devido Processo Legal, que está expresso na Constituição Federal. Esse princípio é fonte de direitos individuais, difusos e coletivos. Aplicam-se, também, as garantias constitucionais, especialmente o contraditório e a ampla defesa.

Quais são os princípios constitucionais?

Resumo sobre os princípios fundamentais Estado Democrático de Direito, Soberania Popular, Soberania, Cidadania, Dignidade da Pessoa Humana, Valorização do Trabalho, Livre iniciativa e Pluralismo Político. Eis os pilares que sustentam todos os demais direitos constitucionais.

O que é o Direito Administrativo sancionador?

O Direito Administrativo Sancionador (DAS) pode ser tradicionalmente definido como "a expressão do efetivo poder de punir estatal, que se direciona a movimentar a prerrogativa punitiva do Estado, efetivada por meio da Administração Pública e em face do particular ou administrado" [1].

O que são princípios do Direito administrativo?

Os princípios são o início de tudo, proposições anteriores e superiores às normas, que traçam vetores direcionais para os atos do legislador, do administrador e do aplicador da lei ao caso concreto.