A mesma pessoa pode ser presidente de intitutos diferentes

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu 48,43% dos votos válidos no primeiro turno as eleições, contra 43,20% do presidente Jair Bolsonaro (PL). Os números das urnas contrastam com as pesquisas eleitorais divulgadas na véspera. Nesta quinta-feira (13), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pediu abertura de inquérito.

“Os institutos vão ter que ir pro divã porque parece que não estão conseguindo captar esse movimento da direita, principalmente no Sudeste”, avalia o cientista político Renato Dolci ao comentar essa diferença.

Presidencial (Lula x Bolsonaro)

Na véspera das eleições, Lula tinha 50% das intenções de votos válidos, enquanto Bolsonaro aparecia com 36%, segundo pesquisa Datafolha. No mesmo dia, pesquisa Globo/Ipec mostrou o petista com 51%, e o presidente, com 37%. Ambos os levantamentos tinham margem de erro de dois pontos percentuais.

A pesquisa Ipespe divulgada no sábado trazia Lula com 49%, e Bolsonaro, com 35%. A Genial/Quaest da mesma data indicava, respectivamente, 49% e 38%. O primeiro levantamento tinha margem de erro de três pontos percentuais; o segundo, de dois pontos.

A mesma pessoa pode ser presidente de intitutos diferentes
/ Arte CNN

Os institutos erraram as projeções mesmo considerando a margem de erro, especialmente em relação aos votos para Bolsonaro.

A cientista política Nara Pavão, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), diz que o contraste pode ser explicado pelo “voto útil”, conceito que explica a situação em que o eleitor vota de forma estratégica em um candidato que não necessariamente é a sua primeira opção.

Segundo ela, as pesquisas divergiram especialmente em relação aos percentuais de voto de Bolsonaro e Ciro. Ao contrário do atual chefe do Executivo, o pedetista recebeu menos votos do que as projeções apontavam.

“Uma coisa que chama atenção de todos é a desidratação de Ciro. É possível que essa transferência de voto que estava prevista para ocorrer no segundo turno já tenha ocorrido no primeiro turno”, diz.

A cientista política afirma que houve um realinhamento ao voto útil nos momentos que antecederam as eleições. “As pessoas migraram mais rápido para o Bolsonaro para sinalizar uma força maior. Quando saem essas pesquisas que apontam a possibilidade de vitória de Lula em primeiro turno, isso acirra a campanha e antecipa a lógica do segundo turno”, aponta.

O cientista político Renato Dolci sugere que a divergência pode ter ocorrido por fatores de metodologia. Ele diz que as bases de dados dos institutos são diferentes para a faixa entre dois a cinco salários mínimos, o que impacta nas projeções.

“Existe um peso maior na proporcionalidade dessa faixa, o que tende a gerar mais votos para Lula porque ele agrega mais esse perfil de eleitorado”, explica.

Dolci cita que o fato do Censo, realizado a cada dez anos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não ter ocorrido em 2020 também dificulta as métricas atualizadas pelas projeções. “Podemos estar considerando mais gente do que de fato temos em uma faixa de renda menor, mais alinhada com a esquerda”, diz o cientista político.

Além disso, o alto índice de abstenção ― de 20,9%, número similar ao observado em 2018 ― também pode ter prejudicado o ex-presidente.

“Tendo em vista que as indicações convergem para a colocação de Lula à frente de Bolsonaro, de maneira efetiva, a abstenção é algo que preocupa mais esta campanha que a do presidente da República”, disse o cientista político Creomar de Souza à CNN.

A CNN contatou o Institutos Datafolha, Ipec, Quaest, Ipespe, Paraná, MDA, Atlas e PoderData para que comentassem o tema. 

Andrei Roman, CEO da Atlas, disse considerar o desempenho do instituto nas pesquisas como “excelente”, afirmando ser o que “mais chegou perto na eleição presidencial”, obtendo a “melhor previsão da diferença entre Lula e Bolsonaro no âmbito de estado por estado”. 

Já o Ipec disse reforçar o “compromisso de buscar soluções que eventualmente possam ser agregadas ou consideradas em conjunto com a sua metodologia e procedimentos operacionais”, mas que esse processo “ requer tempo” e cita o desafio de divulgar dados “de uma eleição onde a divisão do país representa uma maior dificuldade em se fazer estimativas”.

Por meio de nota, ao ser procurado pela reportagem, o Datafolha se manifestou.

“O Datafolha entende que as pesquisas não podem ser lidas como uma previsão do resultado da votação, mas sim retratar as preferências eleitorais no momento em
que são feitas. Diferentes abordagens de diferentes institutos mostraram as mesmas tendências ao longo das semanas que antecederam a votação”, explicou o instituto no documento, que continua.

“O Datafolha mostrou durante a disputa presidencial que Lula [PT] sempre esteve na frente, e que seu adversário mais próximo sempre foi Jair Bolsonaro [PL]. Esses dois
candidatos sempre tiveram, também, os votos mais cristalizados, enquanto Ciro Gomes (PDT), por exemplo, tinha 41% de eleitores que poderiam mudar de voto até
o dia da eleição. Nas últimas três pesquisas antes do 1º turno, o Datafolha já vinha apontando a perde de votos de Ciro Gomes – o voto útil, neste caso, beneficiou mais
o atual presidente do que seu adversário”, afirmou o Datafolha, que acrescentou.

“A candidatura de Simone Tebet [MDB], também com menos votos consolidados, registrou percentual dois pontos abaixo do que o projetado pelo Datafolha na véspera. Esses movimentos ocorreram entre a véspera da eleição e o dia da votação, e não puderam ser captados por pesquisas realizadas entre sexta [30] e sábado [1]. A votação final do candidato do PT [48,4%dos votos válidos] se mostrou alinhada ao resultado projetado na véspera [50%] devido ao fator já citado, a consolidação na preferência pela candidatura de Lula. As pesquisas do Datafolha também sempre apontaram, corretamente, a clivagem de gênero, religião e renda ao longo da disputa, e os resultados regionais oficiaismrefletiram essa divisão”, esclaresceu o institutio, que concluiu.

“Desde o início da campanha, o Datafolha realizou sete pesquisas sobre a disputa presidencial, e o conjunto de informações trazidas porelas são coerentes, sólidas e ajudaram a população a se informar sobre o processo eleitoral. As movimentações do eleitorado nos momentos finais da eleição são tomadas também por causa dessas informações, entre várias outras fontes que fortalecem e legitimam a escolha do eleitor no momento da votação. Diante desses resultados, reafirmamos o caráter de diagnóstico das pesquisas, e não de prognóstico, e a total imparcialidade e transparência do Instituto Datafolha e sua equipe nas fases de captação e divulgação das opiniões e preferências dos eleitores brasileiros”.

Os demais institutos ainda não responderam. 

Ministério da Justiça pede investigação contra institutos de pesquisa

Nesta quinta-feira (13), o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), determinou a instauração de um inquérito administrativo contra institutos de pesquisa. Entre os pontos apontados pelo Cade está a publicação de notícias apontando “erros em série nos levantamentos dos institutos de pesquisa sobre as intenções de voto no primeiro turno das eleições de 2022”.

Contrastes nos estados

O cientista político Renato Dolci diz que, especificamente no Sudeste, há aspectos “menos metodológicos” que as pesquisas não vêm captando nos últimos pleitos. Ele observa que a maior surpresa ocorreu em São Paulo, onde houve inversão na ordem de candidatos e não apenas imprecisão de percentuais.

“No geral, as pesquisas acertaram mais no Nordeste do que no Sudeste. Existe uma onda conservadora no Sudeste que os institutos não conseguiram pegar”, pontua.

Em São Paulo, com 100% das urnas apuradas, Tarcísio de Freitas (Republicanos) recebeu 42,32% dos votos; Fernando Haddad (PT), 35,70%. Já o atual governador, Rodrigo Garcia (PSDB), ficou com 18,4%.

Pesquisa Datafolha para o governo de São Paulo divulgada no último sábado mostrava Haddad à frente, com 39% dos votos válidos, seguido por Tarcísio, com 31%, e Rodrigo Garcia, com 23%. O levantamento tinha margem de dois pontos percentuais.

A mesma pessoa pode ser presidente de intitutos diferentes
Comparação entre resultado das eleições para o governo de São Paulo e as pesquisas das vésperas / Arte CNN

Cláudio Castro é subestimado pelas pesquisas

Ainda no Sudeste, o governador Cláudio Castro (PL) foi reeleito no primeiro turno das eleições, com 58,66% dos votos; na sequência apareceu Marcelo Freixo (PSB), com 28%.

Pesquisa Globo/Ipec para o governo do Rio de Janeiro mostrava o governador Castro à frente, com 47% dos votos válidos. Marcelo Freixo (PSB) estava com 28%. Mais uma vez, a margem de erro era de dois pontos percentuais.

A mesma pessoa pode ser presidente de intitutos diferentes
Comparação entre resultado das eleições para o governo de Rio de Janeiro e as pesquisas das vésperas / Arte CNN

Surpresa na Bahia

Já nos estados do Nordeste, a maior surpresa se deu na Bahia. Jerônimo Rodrigues (PT) ficou próximo de vencer já no primeiro turno, com 49,45%. ACM Neto (União Brasil) recebeu 40,80%.

Em 1º de outubro, o Ipec apontava 40% das intenções de votos válidos para Jerônimo, e o Datafolha, 38%. Os dois institutos indicavam 51% das intenções para ACM Neto – ambos com dois pontos percentuais de margem de erro.

Nos estados, os resultados para o Senado também apresentaram contrastes entre o que apontavam as pesquisas. Dolci explica que as imprecisões para esse cargo são mais recorrentes.

“No Senado, sempre é mais difícil acertar. Existe uma granularidade maior e muitos eleitores acabam decidindo de última hora. De fato, os institutos erraram muito para esse cargo”, comenta.

Diferenças no Rio Grande do Sul

Para o governo do Rio Grande do Sul, a pesquisa Ipec do dia 30  de setembro apontava Onyx Lorenzoni 30% dos votos válidos, Eduardo Leite aparecia com 40%. Nas urnas, no entanto, Onyx registrou 37,50% – Leite ficou com 26,81%. A margem de erro em ambas era de 2 pontos percentuais. Com isso, a diferença da pesquisa para as urnas foi de -13,19% para Onyx e 7,50%.

Já na disputa ao Senado pelo Rio Grande do Sul, o vice-presidente Hamilton Mourão ficou com 44,11% dos votos neste domingo. Olívio Dutra, 37,85%. A pesquisa Ipec do dia 30 apontava Mourão com 28% dos votos válidos e Dutra com 36% – a diferente entre as urnas e a pesquisa ficou em 16,11% para Mourão, e -1,85% para Dutra.