A importância da relação indissociável da educação com os direitos humanos

Educa��o em Direitos Humanos:
 de que se trata?*

Maria Victoria Benevides**

A Educa��o em Direitos Humanos parte de tr�s pontos essenciais: primeiro, � uma educa��o de natureza permanente, continuada e global. Segundo, � uma educa��o necessariamente voltada para a mudan�a, e terceiro, � uma inculca��o de valores, para atingir cora��es e mentes e n�o apenas instru��o, meramente transmissora de conhecimentos. Acrescente-se, ainda, e n�o menos importante, que ou esta educa��o � compartilhada por aqueles que est�o envolvidos no processo educacional � os educadores e os educandos - ou ela n�o ser� educa��o e muito menos educa��o em direitos humanos. Tais pontos s�o premissas: a educa��o continuada, a educa��o para a mudan�a e a educa��o compreensiva, no sentido de ser compartilhada e de atingir tanto a raz�o quanto a emo��o.

O que significa dizer que queremos trabalhar com Educa��o em Direitos Humanos? A Educa��o em Direitos Humanos � essencialmente a forma��o de uma cultura de respeito � dignidade humana atrav�s da promo��o e da viv�ncia dos valores da liberdade, da justi�a, da igualdade, da solidariedade, da coopera��o, da toler�ncia e da paz. Portanto, a forma��o desta cultura significa criar, influenciar, compartilhar e consolidar mentalidades, costumes, atitudes, h�bitos e comportamentos que decorrem, todos, daqueles valores essenciais citados � os quais devem se transformar em pr�ticas.

Quando falamos em cultura, � importante deixar claro que n�o estamos nos limitando a uma vis�o tradicional de cultura como conserva��o: dos costumes, das tradi��es, das cren�as e dos valores. Pelo contr�rio, quando falamos em forma��o de uma cultura de respeito aos direitos humanos, � dignidade humana, estamos enfatizando, sobretudo no caso brasileiro, uma necessidade radical de mudan�a. Assim, falamos em cultura nos termos da mudan�a cultural, uma mudan�a que possa realmente mexer com o que est� mais enraizado nas mentalidades, muitas vezes marcadas por preconceitos, por discrimina��o, pela n�o aceita��o dos direitos de todos, pela n�o aceita��o da diferen�a. Trata-se, portanto, de uma mudan�a cultural especialmente importante no Brasil, pois implica a derrocada de valores e costumes arraigados entre n�s, decorrentes de v�rios fatores historicamente definidos: nosso longo per�odo de escravid�o, que significou exatamente a viola��o de todos os princ�pios de respeito � dignidade da pessoa humana, a come�ar pelo direito � vida; nossa pol�tica olig�rquica e patrimonial; nosso sistema de ensino autorit�rio, elitista, e com uma preocupa��o muito mais voltada para a moral privada do que para a �tica p�blica; nossa complac�ncia com a corrup��o, dos governantes e das elites, assim como em rela��o aos privil�gios concedidos aos cidad�os ditos de primeira classe ou acima de qualquer suspeita; nosso descaso com a viol�ncia, quando ela � exercida exclusivamente contra os pobres e os socialmente discriminados; nossas pr�ticas religiosas essencialmente ligadas ao valor da caridade em detrimento do valor da justi�a; nosso sistema familiar patriarcal e machista; nossa sociedade racista e preconceituosa contra todos os considerados diferentes; nosso desinteresse pela participa��o cidad� e pelo associativismo solid�rio; nosso individualismo consumista, decorrente de uma falsa id�ia de �modernidade�.

A mudan�a cultural necess�ria deve levar ao enfrentamento de tal heran�a e ainda ser instrumento de rea��o a duas grandes deturpa��es que fermentam em nosso meio social - como parte de uma certa �cultura pol�tica�- em rela��o ao entendimento do que sejam direitos humanos. A primeira delas, muito comentada atualmente e bastante difundida na sociedade, inclusive entre as classes populares, refere-se � identifica��o entre direitos humanos e direitos da marginalidade, ou seja, s�o vistos como �direitos dos bandidos contra os direitos das pessoas de bem�. Essa deturpa��o decorre certamente da ignor�ncia e da desinforma��o mas tamb�m de uma perversa e eficiente manipula��o, sobretudo nos meios de comunica��o de massa, como ocorre com certos programas de r�dio e televis�o, voltados para a explora��o sensacionalista da viol�ncia e da mis�ria humana. A segunda deturpa��o, evidente nos meios de maior n�vel de instru��o (meio acad�mico, mas tamb�m de pol�ticos e empres�rios), refere-se � cren�a de que direitos humanos se reduzem essencialmente �s liberdades individuais do liberalismo cl�ssico e, portanto, n�o se consideram como direitos fundamentais os direitos sociais, os direitos de solidariedade universal. Nesse sentido, os liberais adeptos dessa cren�a aceitam a defesa dos direitos humanos como direitos civis e pol�ticos, direitos individuais � seguran�a e � propriedade; mas n�o aceitam a legitimidade da reivindica��o, em nome dos direitos humanos, dos direitos econ�micos e sociais, a serem usufru�dos individual ou coletivamente, ou seja, aqueles vinculados ao mundo do trabalho, � educa��o, � sa�de, � previd�ncia e seguridade social etc.

Com tal quadro hist�rico e com tais deturpa��es - muitas vezes conscientes e deliberadas, de grupos ou pessoas interessadas em desmoralizar a luta pelos direitos humanos, porque querem manter seus privil�gios ou porque querem controlar e usar a viol�ncia, sobretudo a institucional, apenas contra os pobres, contra aqueles considerados �classes perigosas�- reafirmamos que uma educa��o em direitos humanos s� pode ser uma educa��o para a mudan�a, e n�o para a conserva��o. Embora insistamos na id�ia de cultura, trata-se da cria��o de uma nova cultura de respeito � dignidade humana; portanto, o termo cultura s� tem sentido como mudan�a cultural.

Esse quadro bastante negativo sobre a realidade hist�rica e contempor�nea do Brasil n�o deve ser um empecilho para o nosso trabalho; pelo contr�rio, deve ser incentivo para procurar mudar. Podemos ser razoavelmente otimistas, pois j� existem v�rias iniciativas de grupos de defesa de direitos humanos, no sistema de ensino p�blico e privado, nos movimentos sociais e nas ONGs em geral � inclusive a Rede Brasileira de Educa��o em Direitos Humanos que patrocina este encontro � al�m dos �rg�os oficiais, como no caso da Secretaria de Justi�a e Defesa da Cidadania no Estado de S�o Paulo. Portanto, ser a favor de uma educa��o que significa a forma��o de uma cultura de respeito � dignidade da pessoa humana, significa querer uma mudan�a cultural, que se dar� atrav�s de um processo educativo. Significa essencialmente que queremos outra sociedade, que n�o estamos satisfeitos com os valores que embasam esta sociedade e queremos outros.

Como a minha fala � introdut�ria a este Semin�rio, cumpre lembrar o que s�o direitos humanos. S�o aqueles direitos considerados fundamentais a todos os seres humanos, sem quaisquer distin��es de sexo, nacionalidade, etnia, cor da pele, faixa et�ria, classe social, profiss�o, condi��o de sa�de f�sica e mental, opini�o pol�tica, religi�o, n�vel de instru��o e julgamento moral.

Uma compreens�o hist�rica de direitos humanos traz como eixo principal e �bvio o reconhecimento do direito � vida, sem o qual todos os demais direitos perdem o sentido. Costuma-se falar, apenas por uma quest�o did�tica, em gera��es de direitos humanos; n�o se trata de gera��es no sentido biol�gico, do que nasce, cresce e morre, mas no sentido hist�rico, de uma supera��o com complementaridade, e que pode tamb�m ser entendida como uma dimens�o. A primeira gera��o, contempor�nea das revolu��es burguesas do final do s�culo 18 e de todo o s�culo 19, � a dos direitos civis e das liberdades individuais, liberdades consagradas pelo liberalismo, quando o direito do cidad�o dirige-se contra a opress�o do Estado ou de poderes arbitr�rios, contra as persegui��es pol�ticas e religiosas, a liberdade de viver sem medo. Dessa important�ssima primeira gera��o, ou dimens�o, s�o os direitos de locomo��o, de propriedade, de seguran�a e integridade f�sica, de justi�a, express�o e opini�o. Tais liberdades surgem oficialmente nas Declara��es de Direitos, documentos das revolu��es burguesas do final do s�culo 18 ( na Fran�a e nos Estados Unidos) e foram acolhidas em diversas Constitui��es do s�culo 19. A segunda gera��o, que n�o abrange apenas os indiv�duos, mas os grupos sociais, surge no in�cio do s�culo 20 na esteira das lutas oper�rias e do pensamento socialista na Europa Ocidental, explicitando-se, na pr�tica, nas experi�ncias da social-democracia, para consolidar-se, ao longo do s�culo, nas formas do Estado do Bem Estar Social. Refere-se ao conjunto dos direitos sociais, econ�micos e culturais: os de car�ter trabalhista, como sal�rio justo, f�rias, previd�ncia e seguridade social e os de car�ter social mais geral, independentemente de v�nculo empregat�cio, como sa�de, educa��o, habita��o, acesso aos bens culturais etc. Em complemento �s duas gera��es, a terceira dimens�o inclui os direitos coletivos da humanidade, como direito � paz, ao desenvolvimento, � autodetermina��o dos povos, ao patrim�nio cient�fico, tecnol�gico e cultural da humanidade, ao meio ambiente ecologicamente preservado; s�o os direitos ditos de solidariedade planet�ria. Tais gera��es mostram como continua viva a bandeira da revolu��o francesa: a liberdade, a igualdade e a solidariedade. A liberdade nos primeiros direitos civis e individuais, a igualdade nos direitos sociais, a solidariedade como responsabilidade social pelos mais fracos e em rela��o aos direitos da humanidade.

Direitos humanos s�o fundamentais porque s�o indispens�veis para a vida com dignidade. Quando insistimos nessa quest�o da dignidade, muitas vezes esbarramos numa certa incompreens�o, como se o termo fosse indefin�vel e tratasse de algo extremamente abstrato em rela��o � concretude do ser humano. Portanto, � importante tentar esclarecer o que entendemos por dignidade da pessoa humana. Sabemos, sem d�vida, identificar um comportamento indigno; por exemplo, omiss�o de socorro nos hospitais, abandono dos idosos na fila do INPS, desprezo pelos direitos dos mendigos, das crian�as de rua, dos desempregados, dos exclu�dos de toda sorte, s�o indignidades.

Mas de onde vem esta id�ia de dignidade? Porque ela � central no nosso processo educativo?

Durante muito tempo o fundamento da concep��o de dignidade podia ser buscado na esfera sobrenatural da revela��o religiosa, da cria��o divina � o ser humano criado � imagem e semelhan�a do Criador. Ou, ent�o, numa abstra��o metaf�sica sobre aquilo que seria pr�prio da natureza humana, o que sempre levou a discuss�es filos�ficas sobre a ess�ncia da natureza humana. Independentemente dessas pol�micas, aqueles que s�o religiosos ou espiritualistas t�m um motivo a mais para se preocupar com a dignidade da pessoa humana, se acreditam na cria��o divina, na afirma��o de que todos somos irm�os, nessa fraternidade que vem da religi�o, como no caso, dentre outros, do cristianismo. Hoje, numa vis�o mais contempor�nea, percebemos como todos os textos nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos explicam a dignidade pela pr�pria transcend�ncia do ser humano, ou seja, foi o homem que criou ele mesmo o Direito. Ele mesmo criou as formas da id�ia de dignidade em grandes textos normativos que podem ser sintetizados no artigo 1� da Declara��o Internacional de Direitos Humanos de 1948: �todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos�. Esta formula��o decorre da pr�pria reflex�o do ser humano que � ela chegou de uma maneira que � historicamente dada.

Foi uma grande revolu��o no pensamento e na hist�ria da humanidade chegar � reflex�o conclusiva de que todos os seres humanos det�m a mesma dignidade. � evidente que nos regimes que praticam a escravid�o, ou qualquer tipo de discrimina��o por motivos sociais, pol�ticos, religiosos e �tnicos n�o vigora tal compreens�o da dignidade universal, pois neles a dignidade � entendida como um atributo de apenas alguns, aqueles que perten�am a um determinado grupo.

A dignidade do ser humano n�o repousa apenas na racionalidade; no processo educativo procuramos atingir a raz�o, mas tamb�m a emo��o, isto �, cora��es e mentes � pois o homem n�o � apenas um ser que pensa e raciocina, mas que chora e que ri, que � capaz de amar e de odiar, que � capaz de sentir indigna��o e enternecimento, que � capaz da cria��o est�tica. Unamuno dizia que o que mais nos diferencia dos outros animais � o sentimento, e n�o a racionalidade. O homem � um ser essencialmente moral, ou seja, o seu comportamento racional estar� sempre sujeito a ju�zos sobre o bem e o mal. Nenhum outro ser no mundo pode ser assim apreciado em termos de dever ser, da sua bondade ou da sua maldade. Portanto, o ser humano tem a sua dignidade explicitada atrav�s de caracter�sticas que s�o �nicas e exclusivas da pessoa humana; al�m da liberdade como fonte da vida �tica, s� o ser humano � dotado de vontade, de prefer�ncias valorativas, de autonomia, de auto-consci�ncia como o oposto da aliena��o. S� o ser humano tem a mem�ria e a consci�ncia de sua pr�pria subjetividade, de sua pr�pria hist�ria no tempo e no espa�o e se enxerga como um sujeito no mundo, vivente e mortal. S� o ser humano tem sociabilidade, somente ele pode desenvolver suas virtualidades no sentido da cultura e do auto-aperfei�oamento vivendo em sociedade e expressando-se atrav�s daquelas qualidades eminentes do ser humano como o amor, a raz�o e a cria��o est�tica, que s�o essencialmente comunicativas. � o �nico ser hist�rico, pois � o �nico que vive em perp�tua transforma��o pela mem�ria do passado e pelo projeto do futuro. Sua unidade existencial significa que o ser humano � �nico e insubstitu�vel. Como dizia Kant, � o �nico ser cuja exist�ncia � um valor absoluto, � um fim em si e n�o um meio para outras coisas.

Os direitos humanos s�o naturais e universais, pois est�o profundamente ligados � ess�ncia do ser humano, independentemente de qualquer ato normativo, e valem para todos ; s�o interdependentes e indivis�veis, pois n�o podemos separ�-los, aceitando apenas os direitos individuais, ou s� os sociais, ou s� os de defesa ambiental.

Essa indivisibilidade � importante porque temos exemplos hist�ricos, tamb�m no s�culo XX, de regimes pol�ticos que valorizaram exclusivamente os direitos sociais, como o regime sovi�tico, em detrimento da liberdade; assim como temos v�rios regimes liberais que pregam a liberdade mas descartam a obrigatoriedade dos direitos sociais.

Direitos humanos s�o hist�ricos, pois foram sendo reconhecidos e consagrados em determinados momentos hist�ricos, e � poss�vel pensarmos que novos direitos ainda podem ser identificados e consolidados. A hist�ria da humanidade comprova a evolu��o da consci�ncia dos direitos; na B�blia, por exemplo, lemos casos de aceita��o de sacrif�cios humanos e de escravid�o. Os liberais da Am�rica, do Norte e dos Sul, conviviam com a posse de escravos, embora defendessem a liberdade e a igualdade de todos diante da lei. Direitos humanos s�o hist�ricos na medida em que v�o crescendo em abrang�ncia e em profundidade, at� que se consolidem na consci�ncia universal. Hoje, por exemplo, reconhecemos que existe consci�ncia universal de que a escravid�o, seja por que motivo for, � uma viola��o radical dos direitos humanos, assim como a explora��o do trabalho infantil, a domina��o sobre as mulheres, as formas variadas de racismo e de discrimina��o por motivos religiosos, pol�ticos, �tnicos, sexuais etc. Os casos ainda existentes de escravid�o, racismo e discrimina��o s�o veementemente condenados pelas entidades mundiais de defesa dos direitos humanos.

Quando falamos em educa��o em direitos humanos falamos tamb�m em educa��o para a cidadania. � preciso entender aqui que as duas propostas andam muito juntas, mas n�o s�o sin�nimos. Basta lembrar, por exemplo, que todos os projetos oficiais, do Minist�rio da Educa��o �s Secretarias Municipais e Estaduais afirmam que seu objetivo principal � a educa��o para a cidadania. No entanto, a concep��o e as experi�ncias s�o t�o diferentes, em fun��o de prefeituras e de governos, que o conceito de cidadania foi se esgar�ando, n�o se tem certeza de que se fala sobre o mesmo tema. � bastante comum a id�ia de educa��o para cidadania ser entendida como se fosse meramente uma educa��o moral e c�vica. Ou seja, como se fosse necess�rio e suficiente pregar o culto � p�tria, seus s�mbolos, her�is e datas hist�ricas, assim como fomentar um nacionalismo ora ing�nuo ora agressivo, sem a percep��o de que a na��o n�o � um todo homog�neo, mas um todo heterog�neo, com conflitos, classes sociais, grupos e interesses diferenciados.

Portanto, a id�ia de educa��o para a cidadania n�o pode partir de uma vis�o da sociedade homog�nea, como uma grande comunidade, nem permanecer no n�vel do civismo nacionalista. Torna-se necess�rio entender educa��o para a cidadania como forma��o do cidad�o participativo e solid�rio, consciente de seus deveres e direitos � e, ent�o, associ�-la � educa��o em direitos humanos. S� assim teremos uma base para uma vis�o mais global do que seja uma educa��o democr�tica, que �, afinal, o que desejamos com a educa��o em direitos humanos, entendendo �democracia� no sentido mais radical � radical no sentido de ra�zes � ou seja, como o regime da soberania popular com pleno respeito aos direitos humanos. N�o existe democracia sem direitos humanos, assim como n�o existe direitos humanos sem a pr�tica da democracia. Em decorr�ncia, podemos afirmar o que j� vem sendo discutido em certos meios jur�dicos como a quarta gera��o, ou dimens�o, dos direitos humanos: o direito da humanidade � democracia.

� nesse sentido que nos referimos sempre � cidadania democr�tica. Existem casos de regimes pol�ticos que levaram ao extremo a educa��o para a cidadania, em termos de mobiliza��o c�vica, mas n�o em termos de cidadania democr�tica. Regimes totalit�rios levaram ao extremo a forma��o do cidad�o ligado � p�tria, � na��o, ao seu passado hist�rico, ao projeto do futuro. Ali�s, regimes totalit�rios s�o aqueles que mais mobilizam os cidad�os para um tipo de educa��o c�vica que n�o tem nada a ver com educa��o em direitos humanos, com educa��o democr�tica. Em meados do s�culo XX regimes totalit�rios formaram cidad�os participantes, conscientes de uma miss�o c�vica, por�m cidad�os fascistas, nazistas, ou seja, cidad�os de um determinado regime que n�o era democr�tico. Portanto, nossa id�ia de cidadania insere-se exclusivamente no quadro da democracia.

Em rela��o especificamente � educa��o em direitos humanos, o que desejamos? Que efeitos queremos com esse processo educativo? Queremos uma forma��o que leve em conta algumas premissas. Em primeiro lugar, o aprendizado deve estar ligado � viv�ncia do valor da igualdade em dignidade e direitos para todos e deve propiciar o desenvolvimento de sentimentos e atitudes de coopera��o e solidariedade. Ao mesmo tempo, a educa��o para a toler�ncia se imp�e como um valor ativo vinculado � solidariedade e n�o apenas como toler�ncia passiva da mera aceita��o do outro, com o qual pode-se n�o estar solid�rio. Em seguida, o aprendizado deve levar ao desenvolvimento da capacidade de se perceber as conseq��ncias pessoais e sociais de cada escolha. Ou seja, deve levar ao senso de responsabilidade. Esse processo educativo deve, ainda, visar � forma��o do cidad�o participante, cr�tico, respons�vel e comprometido com a mudan�a daquelas pr�ticas e condi��es da sociedade que violam ou negam os direitos humanos. Mais ainda, deve visar � forma��o de personalidades aut�nomas, intelectual e afetivamente, sujeitos de deveres e de direitos, capazes de julgar, escolher, tomar decis�es, serem respons�veis e prontos para exigir que n�o apenas seus direitos, mas tamb�m os direitos dos outros sejam respeitados e cumpridos.

Uma quest�o que surge com muita freq��ncia quando debatemos o tema da educa��o em direitos humanos � : ser� realisticamente poss�vel educar em direitos humanos? A quest�o tem pertin�ncia, pois se trata, sem d�vida, de um processo extremamente complexo, dif�cil e a longo prazo. O educador em direitos humanos na escola, por exemplo, sabe que n�o ter� resultados no final do ano, como ao ensinar uma mat�ria que ser� completada a medida que o conjunto daquele programa for bem entendido e avaliado pelos alunos. Trata-se de uma educa��o permanente e global, complexa e dif�cil, mas n�o imposs�vel. � certamente uma utopia, mas que se realiza na pr�pria tentativa de realiz�-la, como afirma o educador Perez Aguirre, enfatizando que os direitos humanos ter�o sempre, nas sociedades contempor�neas, a dupla fun��o de ser, ao mesmo tempo, cr�tica e utopia frente � realidade social.

O que ser� indispens�vel para este processo educativo, partindo-se da constata��o de que, apesar das dificuldades, � poss�vel desenvolver um processo educativo em direitos humanos?

Em primeiro lugar, o conhecimento dos direitos humanos, das suas garantias, das suas institui��es de defesa e promo��o, das declara��es oficiais, de �mbito nacional e internacional, com a consci�ncia de que os direitos humanos n�o s�o neutros, n�o s�o meramente declama��es ret�ricas. Eles exigem certas atitudes e repelem outras. Portanto, exigem tamb�m uma viv�ncia compartilhada. A palavra dever� sempre estar ligada a pr�ticas, embasadas nos valores dos direitos humanos e na realidade social. Na escola, por exemplo, dever� estar vinculada � realidade concreta dos alunos, dos professores, dos diretores, dos funcion�rios, da comunidade que a cerca.

Onde podemos educar em direitos humanos? Temos v�rias op��es, com diferentes ve�culos e estruturas educacionais. Podemos fazer uma escolha, dependendo dos recursos e das condi��es objetivas, sociais, locais e institucionais, de cada grupo, de cada entidade. H� que distinguir entre as possibilidades da educa��o formal e da educa��o informal. Na educa��o formal, a forma��o em direitos humanos ser� feita no sistema de ensino, desde a escola prim�ria at� a universidade. Na educa��o informal, ser� feita atrav�s dos movimentos sociais e populares, das diversas organiza��es n�o-governamentais � ONGs � , dos sindicatos, dos partidos, das associa��es, das igrejas, dos meios art�sticos, e, muito especialmente, atrav�s dos meios de comunica��o de massa, sobretudo a televis�o.

Cumpre lembrar que esta educa��o formal na escola, desde a prim�ria at� a universidade e principalmente no sistema p�blico do ensino, resultar� mais vi�vel se contar com o apoio dos �rg�os oficiais, tanto ligados diretamente � educa��o como ligados � cultura, � justi�a e defesa da cidadania. � por isso que valorizamos os planos oficiais, de educa��o em direitos humanos na escola, tanto no n�vel federal como nos n�veis estadual e municipal � embora nem sempre vejamos seus resultados ou mesmo sua aplica��o no quotidiano escolar. Se escolhemos a educa��o formal, constatamos como a escola p�blica � um locus privilegiado pois, por sua pr�pria natureza, tende a promover um esp�rito mais igualit�rio, na medida em que os alunos, normalmente separados por barreiras de origem social, a� convivem. Na escola p�blica o diferente tende a ser mais vis�vel e a viv�ncia da igualdade, da toler�ncia e da solidariedade imp�e-se com maior vigor. O objetivo maior desta educa��o na escola � fundamentar o espa�o escolar como uma verdadeira esfera p�blica democr�tica.

Finalmente, quais seriam os pontos principais do conte�do da educa��o em direitos humanos? H� um conte�do �bvio, que decorre da pr�pria defini��o de direitos humanos e do conhecimento sobre as gera��es ou dimens�es hist�ricas, sobre as possibilidades de reivindica��o e de garantias etc. Este conte�do deve estar efetivamente vinculado a uma no��o de direitos mas tamb�m de deveres, estes decorrentes das obriga��es do cidad�o e de seu compromisso com a solidariedade. � importante, ainda, que sejam mostradas as raz�es e as conseq��ncias da obedi�ncia a normas e regras de conviv�ncia. Em seguida, este conte�do deve conter a discuss�o � para a viv�ncia � dos grandes valores da �tica republicana e da �tica democr�tica. Os valores da �tica republicana incluem o respeito �s leis legitimamente elaboradas, a prioridade do bem p�blico acima dos interesses pessoais ou grupais, e a no��o da responsabilidade, ou seja, de presta��o de contas de nossos atos como cidad�os. Por sua vez, os valores democr�ticos est�o profundamente vinculados ao conjunto dos direitos humanos, os quais se resumem no valor da igualdade, no valor da liberdade e no valor da solidariedade.

Nas palestras seguintes est� previsto um detalhamento sobre o encaminhamento metodol�gico desses fundamentos; mas � preciso deixar claro que o componente essencial ao escolhermos trabalhar na escola com um programa de direitos humanos � que ele ser� imposs�vel se n�o estiver associado a pr�ticas democr�ticas. Um grande educador como o Prof. Jos� Mario Pires Azanha enfatiza, com o rigor de sempre, que de nada adiantar� levar programas de direitos humanos para a escola, se a pr�pria escola n�o � democr�tica na sua rela��o de respeito com os alunos, com os pais, com os professores, com os funcion�rios e com a comunidade que a cerca.

� nesse sentido que um programa de direitos humanos introduzido na escola serve, tamb�m, para questionar e enfrentar as suas pr�prias contradi��es e os conflitos no seu cotidiano.

Muito obrigada.


* Palestra de abertura do Semin�rio de Educa��o em Direitos Humanos, S�o Paulo, 18/02/2000. A autora agradece a importante contribui��o do Prof. F�bio Konder Comparato.

** Professora de Sociologia da Faculdade de Educa��o da USP e vice-coordenadora da Rede Brasileira de Educa��o em Direitos Humanos.

Qual a importância da relação indissociável da educação?

A importância da relação indissociável da educação com os direitos humanos perpassa a possibilidade que esse meio possui de sensibilizar, difundir e vivenciar a compreensão do que são os direitos humanos. Trazer o tema para a sala de aula e promove-lo em suas práticas e vivência cotidianas.

Qual a importância da educação em direitos humanos na escola?

Direitos humanos na escola Como a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos mostra, são muitos os direitos garantidos a todos e todas, de diferentes esferas: civil, política, econômica, social, cultural, ambiental. Por isso, as práticas educativas que tratam dessas questões são amplas.

Qual a relação entre a educação e os direitos humanos?

Educação e Direitos Humanos são indissociáveis. É a formação educacional que torna um indivíduo ciente de seus direitos e deveres, bem como de seu papel em sociedade. Há uma íntima ligação entre cidadania, democracia e paz, com os Direitos Humanos.

Qual a relação da educação em direitos humanos e a comunidade escolar?

A educação constitui-se em instrumento que possibilita a promoção dos direitos humanos visto que é parte integrante da dignidade humana por formar e conscientizar socialmente o indivíduo para o exercício pleno de sua cidadania.