Qual foi a relação do desenvolvimento industrial com café?

ARTIGOS

Uma reavaliação do desenvolvimento industrial no Brasil

José Sérgio Rocha de Castro Gonçalves

Diretor-Administrativo da Brasinca S.A., Ferramentaria, Carrocerías, Veículos. Bacharel em Direito e Filosofia da Universidade de São Paulo. Pós-Graduado pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo

1. Objetivos do Estudo

Esquematizações simplificadas e distorcidas do processo histórico de formação e desenvolvimento de um setor industrial na economia brasileira, constituindo-se no mais das vezes em formulações que respondiam à necessidade de uma afirmação ideológica do desenvolvimentismo que marcou a década dos anos 50, apontando para esta industrialização, como resultante da conciliação feliz de circunstâncias - de um lado a sustação periódica do fluxo normal de importações de bens de consumo, provocada por crises e guerras mundiais, de outro, a existência de um produto primário capaz de gerar os recursos externos necessários, e que se tornara um processo irreversível, dinamizado por uma burguesia industrial ativa e amparado pela burocracia civil e militar, tais esquematizações tornaram-se inaceitáveis desde o momento em que o próprio desenvolvimentismo frustrou-se, não apenas como atitude política, mas especialmente nas suas possibilidades econômicas.

No presente estudo, expõe-se e critica-se o modelo proposto por CELSO FURTADO, para interpretação do mesmo fenômeno, tal como êle pode ser encontrado nas primeiras obras do Autor - A Economia Brasileira (1954), Uma Economia Dependente (1956), Perspectivas da Economia Brasileira (1957), Formação Econômica do Brasil (1959), Desenvolvimento e Subdesenvolvimento (1961). A escolha de CELSO FURTADO não é arbitrária, e pode ser justificada por tratar-se de um dos economistas brasileiros de seriedade maior, contando com uma obra extremamente farta. Também a escolha dos textos será compreensível, na medida em que eles são contemporâneos àquele mesmo desenvolvimentismo, nessa medida traduzindo uma posição de momento assumida pelo Autor e não uma revisão crítica que estaria então baseada na verificação de fatos. Finalmente, o estudo pretende, como intenção de quem o faz, justificar-se pelos objetivos seguintes: a) pela exposição de um modelo, já em si bastante completo, e também, através de seu exame crítico, chegar-se a uma mais correta possível compreensão daquele processo histórico de formação de uma economia industrial, como caminho necessário a uma reavaliação desse desenvolvimento industrial, em suas formas e em suas possibilidades; e b) ainda pela mesma exposição e crítica, melhor apreender-se a significação da atitude assumida pelo Autor em questão, e que naturalmente está refletida nos seus textos, verificando-se então em que medida ela se afasta daquelas esquematizações de conotação puramente ideológica.

2. O Modelo Proposto por Celso Furtado

Nos termos da análise desenvolvida por C. FURTADO, a economia brasileira foi capaz de superar as conseqüências negativas da contração da procura externa, perceptível já antes de 1929 e tornada evidente depois dela, de tal sorte que não apenas se manteve a demanda interna em seus níveis anteriores, como também, e muito mais ainda, criaram-se as condições que permitiriam a transição para um sistema industrial. Textualmente diz o Autor que "esses resultados de grande significação para o futuro imediato da economia brasileira estão ligados às dimensões catastróficas da crise do café e à persistência com que foram defendidos os interesses da economia cafeeira (em A Economia Brasileira, p. 142)".

De fato, a crise de 1929 trouxe novas dimensões para a problemática ligada à política de defesa do setor exportador que se vinha executando desde o Convênio de Taubaté. As novas condições da economia mundial tornaram impossível a obtenção de novos empréstimos externos para financiamento dos excedentes do café. No entanto, mesmo assim, manteve-se a política de controle da oferta no mercado mundial, com a subtração daqueles excedentes, que acabariam por ser queimados. Os empréstimos externos foram substituídos então por recursos gerados pelo próprio sistema, seja através de taxas cobradas sobre a exportação do produto, seja através da expansão do crédito, sendo que este último instrumento veio permitir que se procedesse ainda uma vez à socialização dos prejuízos, além de colaborar para o agravamento do desequilíbrio externo, provocando novas depreciações, que também beneficiavam o setor exportador. Os novos expedientes utilizados na sustentação dos esquemas de proteção do café traziam consigo conseqüências igualmente novas, como observa C. FURTADO: " A acumulação de estoques de café realizada antes da crise tinha uma contrapartida de débitos contraídos no exterior. Não ocorria, portanto, nada que se assemelhasse a uma inversão, pois o que se invertía dentro do país, acumulando estoques, se desinvestia no exterior contraindo dívidas. Tudo se passava como se o café acumulado tivesse sido comprado por firmas estrangeiras que, por seu próprio interesse, postergavam o transporte da mercadoria para fora do país. A acumulação de café financiada do exterior se assemelha portanto a uma exportação. O mesmo não ocorre com a acumulação de estoques financiada dentro do país, se a base desse financiamento é a expansão do crédito. A compra do café para acumular representa uma criação de renda que se adiciona à renda criada pelos dispêndios dos consumidores e dos inversionistas (em Uma Economia Dependente, p. 59)."

A partir daí, criavam-se as condições mínimas essenciais que iriam permitir o deslocamento do centro dinâmico da economia brasileira, que passaria a estar situado num setor industrial que se desenvolveria sob a forma de um processo de substituição de importações:

a) A política de defesa dos preços do café, nos moldes em que se fazia, evitava a contração da renda monetária do setor exportador, reduzindo os efeitos do multiplicador de desemprego em todos os demais setores da economia; em outras palavras, ela implicava na destruição de um produto de valor inferior à renda que criava ao mesmo tempo. O que se obtinha, em última instância, era a manutenção e mesmo o incremento da renda. De outra parte, as depreciações cambiais, implícitas em todos os esquemas de proteção ao setor exportador, provocando o encarecimento das importações, faziam com que aquela renda ficasse represada dentro do país, completando-se dessa forma um quadro extremamente favorável ao setor que produzia para o mercado interno.

b) Combinando-se de uma parte a deterioração do setor exportador e, de outra, as novas condições que se ofereciam ao setor interno, resultava que éste último passava, pela primeira vez, a oferecer condições mais atrativas para investimento; nesse sentido é a observação de C. FURTADO, em que "se explica, portanto, a preocupação de desviar capitais de um para outro setor. As atividades ligadas ao mercado interno não somente cresciam impulsionadas por seus maiores lucros, mas ainda recebiam alento da poupança que se gerava e dos capitais que se desinvestiam no setor de exportação (em Uma Economia Dependente, p. 65)."

c) Finalmente as mesmas condições permitiam que se caminhasse para a consolidação do setor industrial, formando-se a base de sua auto-suficiência; para o Autor, "a firmeza da procura de equipamentos e outros bens de inversão, reflexo da expansão da produção para o mercado interno, e a forte elevação dos preços desses bens, acarretada pela depressão cambial, criaram condições excepcionalmente favoráveis à instalação, no país, de uma indústria de bens de capital... A procura de bens de capital cresceu exatamente numa etapa em que as condições de importação eram as mais desfavoráveis possíveis (na mesma obra, p. 66)."

Em resumidas palavras: a política do café, além de atender aos interesses específicos do setor exportador, criara condições para o amadurecimento de um mercado interno; mantêm-se o nível de emprego e o nível da renda, ao mesmo tempo em que as importações não podem ter curso normal como decorrência do seu encarecimento provocado pela depreciação cambial. Tudo isto resulta da política cambial, da compra dos estoques de café e a sua destruição, bem como da criação de renda, através da expansão do crédito. Intensifica-se então o processo de substituição de importações e, além disso, vivendo o setor exportador uma situação de crise e deterioração, enquanto o setor interno eleva a sua rentabilidade, o primeiro tende a desviar os seus capitais e lucros para o segundo. O setor que produzia para o mercado interno desenvolve-se e consolida-se, chegando até mesmo à etapa de produção de bens de capital.

3. As Correções Necessárias

Sem que se desconsiderem as excelências do modelo proposto, que se constitui de fato num dos capítulos mais brilhantes na obra de C. FURTADO, a sua análise exige que, num primeiro momento, sejam propostas duas correções:

3.1. O MOMENTO EM QUE OCORRE O DESLOCAMENTO DO CENTRO DINÂMICO DA ECONOMIA NACIONAL

A análise proposta por C. FURTADO leva naturalmente à afirmação de que "o fator dinâmico principal, nos anos que se seguem à crise, passa a ser, sem nenhuma dúvida, o mercado interno. A produção industrial, que se destinava em sua totalidade ao mercado interno, sofre durante a depressão uma queda de menos de 10%, e já em 1933 recupera o nível de 1929. A produção agrícola para o mercado interno supera, com igual rapidez, os efeitos da crise (em Formação Econômica do Brasil, p. 228)". Esta conclusão, de que já nos anos 30 ocorre o deslocamento do centro dinâmico da economia nacional, notadamente ao fazer-se acompanhada das observações, de que se verifica uma transferência de recursos do setor exportador para o interno, e de que o desenvolvimento industrial naquele momento já atinge uma etapa que permite a instalação de uma indústria de bens de capital, é que deverá merecer a mais cuidadosa consideração, a fim de que sejam evitadas conclusões distorcidas, de profundas conseqüências na análise do processo de formação de uma economia industrial no Brasil.

Com efeito, a afirmação de que ainda nos anos 30 o mercado interno passa a ser o principal fator dinâmico, quando entendida em suas últimas conseqüências, equivale àquela outra, de que já naquele momento a economia nacional liberta-se de suas formas coloniais, definindo-se como um sistema econômico, na medida em que seu esforço de produção volta-se, do mercado interno para o externo. No entanto, será necessário reconhecer, de maneira contrária, que a economia brasleira permaneceu ainda marcada por seus traços básicos anteriores, isto é, enquanto economia exportadora de produtos primários. O café, mesmo afetado pela crise que já se evidenciava desde os primeiros anos do século, permaneceu sendo a grande fonte geradora de divisas, isto é, o fator determinante básico da capacidade para importar. Se na década dos anos 20 êle representou em média 69,6% das exportações, tal porcentagem manteve-se elevada durante a primeira metade da década seguinte, reduzindo-se progressivamente, na segunda metade, até atingir o índice mínimo, que foi de 32,0%, registrado em 1940, obtendo-se então uma média para o período de 53,1%; desde então o café prosseguiu representando sempre mais de 40% do total das exportações brasileiras. Também as quantidades exportadas devem ser tomadas em consideração: fazendo-se o período 1901-1910 igual a 100, tem-se que na década seguinte exportaram-se 92,3; nos anos 20, 106,8%; e nos anos 30, 112,4. Em tais condições, seria inevitável que a economia cafeeira, ou setor tradicional, prosseguisse sendo favorecida por esquemas de proteção, mantendo o seu grande poder político. C. FURTADO mesmo observa com pertinência que os homens do café se constituíram no primeiro grupo que soube assumir o controle do poder político, utilizando-o para definição e execução de uma política de defesa de seus interesses econômicos diretos. É sabido que, fundada em poder político de contestação inviável, tal defesa de interesses por isto mesmo não conheceu limites, chegando a abusos que se refletiram necessariamente sobre a ordem econômica, na medida em que corresponderam ao estabelecimento de formas regressivas de distribuição da renda.

Existiu de fato um momento de crise, provocada diretamente pelo Governo W. Luiz, que fora pessoalmente sempre contrário à política de valorização, e que na presidência via nela o grande inimigo de seu plano de estabilização. No momento em que a União faltou com seu apoio, então foi todo o esquema que ameaçou ruir: era a crise, e nesse instante seria correto dizer-se que o setor exportador se deteriorava. No entanto, embora profunda, a crise foi de duração curta; a Segunda República, fundada também no apoio que lhe ofereceu o setor exportador, recebeu a herança representada por uma situação de fato já cristalizada. À Revolução de 1930 não restou mais do que adotar as mesmas formas de proteção ao café, zelando por êle, e permitindo a sua recuperação, ao menos nos limites permitidos pela conjuntura, apenas não lhe sendo dado restituir-lhe, na sua integralidade, as glórias e a lucratividade passadas. Apenas em 1937, com o nascer do Estado Novo, foram introduzidas modificações, fixando-se então diretrizes, não opostas aos interesses do setor, mas no sentido de obterem-se condições melhores de concorrência no mercado internacional. Note-se que, durante a crise, ou nos anos 30, a cotação mais baixa em moeda nacional obtida pelo café fixou-se em 119$540 por saca de 60 quilos, o que aconteceu em 1930; porém, já no ano seguinte, ela chegou a 131$483, para em 1932 atingir 152$850. Tomando-se em conta o valor médio da saca de 60 quilos por decênio, tem-se que nos anos 20 êle era de 4,02 libras-ouro, correspondendo a 163$460; para os anos 30 o primeiro valor baixou a 1,38 libras-ouro e o segundo para 144$421. A redução em moeda nacional é portanto de 11,6%, enquanto a redução em libras atingiu 65,6%. Em 1930 o valor da saca era fixado em 2,69 libras-ouro, correspondendo a 119$540, sendo que em 1940 os mesmos valores eram de 0,85 librasouro e 131$935. Esses números permitem afirmar-se que de fato a política do café foi bastante bem sucedida, permitindo que se diminuíssem para o cafeicultor os efeitos da deterioração dos preços no mercado internacional. Práticamente o mesmo é dito por C. FURTADO: "O fato de que a produção de café tenha continuado a expandir-se depois da crise e a circunstância de que os cafeicultores se tivessem habituado aos planos de defesa dirigidos pelo governo respondem, em boa parte, pela manutenção da renda monetária do setor exportador. Ao produtor de café pouco lhe interessava que a acumulação de estoques fosse financiada com empréstimos externos ou com expansão de crédito. A decisão de continuar financiando, sem recursos externos, a acumulação de estoques, qualquer que fosse a repercussão sobre a balança de pagamentos, foi de conseqüências que na época não se podiam suspeitar. Mantinha-se, assim, a procura monetária em nível relativamente elevado no setor exportador (em Formação Econômica do Brasil, p. 232 e 233)."

Pode-se concluir por aí que o setor tradicional contou com condições que lhe permitiram manter a sua posição privilegiada. Apenas, e o que será melhor considerado adiante, não se mantendo dentro dos limites mais estreitos que permitiriam a sua exata caracterização enquanto tal, êle teve ainda a possibilidade de participar diretamente do novo sistema que se ia constituindo, não apenas coexistindo com um setor moderno, irias de fato integrando-se juntamente com este último naquele sistema novo, desde logo fazendo com que a nova ordem econômica estivesse comprometida com os seus interesses.

Não se justificaria conseqüentemente uma transferência de lucros e de capitais, de um setor para outro; mais razoável será admitir-se que o setor exportador, possuindo uma capacidade maior de geração de lucros, que de absorção de investimentos novos, tenha caminhado no sentido de uma crescente diversificação de suas aplicações, que se fazem então, entre outras possibüidades, no setor industrial. De resto, e é importante notar, o próprio C . FURTADO não deixa de reconhecer implicitamente, em algumas de suas passagens, que a descapitalização do setor exportador em benefício do setor de produção para o mercado interno, por não ter sido necessária, também não terá ocorrido; reconhece o Autor que o desenvolvimento industrial nos anos 30 se deu essencialmente sob a forma de aproveitamento mais intensivo de um potencial já instalado, observando que "o fator mais importante na primeira fase de aumento da produção deve ter sido o aproveitamento mais intenso da capacidade já instalada no país. Bastaria citar como exemplo a indústria têxtil, cuja produção aumentou substancialmente nos anos que se seguiram à crise, independentemente de novas expansões da capacidade produtiva (em Uma Economia Dependente, p. 65)."

Mas, para que se conclua pela inviabilidade de um deslocamento do centro dinâmico da economia nacional, ainda na década dos 30, não basta que se constate ter o setor exportador evoluído na forma descrita; será preciso ainda que se procure uma visão mais correta do estágio atingido pelo setor industrial naquele momento, o que será feito em páginas seguintes.

3.2. AS FORMAS DE FINANCIAMENTO

As formas de financiamento dos estoques de café, umas baseando-se em empréstimos externos, outras em expansão de crédito, implicam em conseqüências econômicas muito distintas, tal como explica com grande clareza C. FURTADO: as primeiras correspondem, quanto aos seus efeitos, a uma exportação, enquanto as segundas correspondiam, de fato, à criação de uma renda adicional. Indo mais adiante, o Autor estabelece uma divisão rígida; as primeiras formas foram adotadas antes da crise, e, com o seu advento, tornando-se inviáveis novos empréstimos, puseram-se em uso as segundas. Porém, é exatamente uma diferenciação tão nítida que não encontra justificativa, quando se considera, ainda que sumariamente, a política econômico- financeira da Primeira República, marcada por diversos surtos inflacionários relacionados com a política de defesa do café.

O período republicano já nasceu sob o signo do crédito fácil, resultante do esquema de bancos emissores regionais (o Encilhamento), e que conduziu a uma deterioração financeira, obrigando a adotar-se em seguida uma política de objetivos opostos, preocupada com o equilíbrio, e o que foi feito durante o Governo CAMPOS SALES. Logo em seguida, porém, as necessidades impostas pela política de proteção ao setor exportador tornaram necessária a utilização de diferentes instrumentos que, de uma forma ou de outra, implicavam na expansão do crédito; assim é que, logo em 1906, como conseqüência imediata do Convênio de Taubaté, foi criada a Caixa de Conversão, sobre isto observando E . CARONE: " A criação da Caixa e sua cotação baixa (15 dinheiros) respondem aos desejos dos fazendeiros, pois o produto da venda no exterior alcançaria na conversão cifra mais alta, e eles teriam garantido a segurança de sua mercadoria (em A Primeira República, p. 175)" ; em 1921 , no Governo EPITÁCIO PESSOA, criou-se a Carteira de Redescontos do Banco do Brasil, estabelecendo-se então que "para as operações de redesconto o presidente do Banco do Brasil requisitará do Ministério da Fazenda, todas as vezes que julgar necessário, a conveniente soma em notas do Tesouro Nacional, justificando devidamente cada uma das requisições (V . VIANA, O Banco do Brasil, p. 825)", em 1923, o mesmo Banco do Brasil tornou-se emissor: "O Banco contratará com o Governo a regulamentação da faculdade emissora, cessando, então, para o Tesouro Nacional, o direito de emitir papel-moeda durante o prazo do contrato, o qual será de 10 anos (INGLÊS DE SOUZA, A Anarquia Monetária e Suas Conseqüências, p. 595)." Depois de 1924, com a melhora temporária da balança de pagamentos, voltou-se a uma política de deflação, preocupada com o equilíbrio financeiro.

Torna-se bastante claro, pois, que a política de defesa do café implicou, desde os seus primeiros momentos, em medidas que conduziram à expansão do crédito. Nesse sentido, e depois de 1930 , apenas se retomou uma linha já tradicional, interrompida em alguns instantes, mas consagrada pelo uso reiterado durante os três primeiros decênios de vida republicana. O depoimento de PANDIÁ CALÓGERAS é de grande interesse nesse sentido: "o funcionamento do esquema contratado no Convênio de Taubaté, e conseqüentemente toda a política de defesa do café, ficou ameaçado desde logo pela dificuldade encontrada na obtenção de empréstimos para financiamento dos excedentes. São Paulo, em tal circunstância, acabou então, numa atitude isolada, por celebrar acordos com as principais casas exportadoras, em especial com a firma Theodor Wille & Cia., que passaram a financiar 80% do café retido, sob garantia do próprio produto. Essa situação obrigou os demais Estados produtores, minas e Rio de Janeiro, a comporem-se com a União, decidindo-se que o Banco do Brasil emprestaria 6 000 000 $ 000 para a compra de café, por intermédio de firma nacional, que agiria de acordo com a Theodor Wille & Cia. Antes de obtido o primeiro empréstimo estrangeiro, o Banco do Brasil forneceria ainda para os mesmos fins mais 12 000 000 $ 000 (veja-se A Política Monetária do Brasil, de PANDIÁ CALÓGERAS, p. 423 e seguintes).

Tem-se, em conclusão, que o estabelecimento de uma diferenciação rígida entre formas de financiamento dos estoques de café, adotadas antes e depois da crise, somente pode corresponder a uma generalização, que torna mais fácil a apreensão do modelo proposto; porém, na medida em que tal generalização colabora, no sentido de torná-lo exeqüível, e também se afasta da realidade, então é o próprio modelo que fica sujeito a crítica.

4. Os Elementos não Considerados

Uma vez propostas as correções, cabe prosseguir na análise do modelo em questão, considerando-se então alguns elementos básicos, não contidos nele, mas necessários para uma exata compreensão do desenvolvimento industrial no Brasil.

4.1 . FORMAÇÃO DE UMA ESTRUTURA CAPITALISTA E URBANIZAÇÃO

Ao analisar a transição, de uma economia escravista para uma outra baseada no trabalho assalariado, C. FURTADO lembra que: "o fato de maior relevância ocorrido na economia brasileira no último quartel do século XIX foi, sem lugar de dúvida, o aumento da importância relativa do setor assalariado... Crescendo a massa de salários pagos, aumentará automaticamente a procura de artigos de consumo: a massa de salários pagos no setor exportador vem a ser, por conseguinte, o núcleo de uma economia de mercado interno (em Formação Econômica do Brasil, p. 177 e seguintes)." No entanto, o estudo do funcionamento do novo sistema econômico estará em grande parte voltado para a tendência ao desequilíbrio externo, gerada por uma procura monetária que cresce mais do que as exportações, num desajustamento mtimamente ligado ao regime de trabalho assalariado. Quanto à formação de um mercado interno conclui o Autor: "Os mecanismos de defesa, que se foram formando nas lutas contra as crises externas, criaram condições pouco propícias ao desenvolvimento da economia de mercado interno. O espírito de concorrência, em vez de desenvolver-se no adestramento de uma classe empresaria, foi-se debilitando. Por seu turno a maquinaria estatal, ao ser chamada a mancomunar-se de forma progressiva com os interesses dos exportadores, prestou-se à consolidação desses interesses em prejuízo dos de outros grupos que começavam a articular-se. É portanto explicável que a economia de mercado interno não tenha tomado impulso e alcançado autonomia como conseqüência natural do crescimento da economia cafeeira de exportação. Esta última, na sua luta de sobrevivência contra as crises externas, criou em realidade entraves à transformação espontânea da economia dependente num sistema autônomo (em Uma Economia Dependente, p. 38)." Tal conclusão, correta na medida em que aponta para a utilização do poder político em defesa do setor exportador, disto resultando o estabelecimento de formas regressivas de distribuição da renda, permite a desconsideração de um fato essencial, isto é, que ainda assim foi a partir do setor exportador, na medida em que se introduziu o trabalho assalariado, que se formou uma estrutura capitalista que iria permitir e criar condições para um subseqüente desenvolvimento industrial.

No caso brasileiro o desenvolvimento de formas econômicas capitalistas inicia-se efetivamente com a economia do café, ou mais exatamente com a organização econômica das fazendas do Oeste Paulista. Sobre isto anota F. H. CARDOSO: "Nelas, ou graças a elas, realizaramse historicamente as condições básicas que antecedem o desenvolvimento industrial capitalista. Ora, exatamente a produção mercantil generalizada (tanto no latifúndio monocultor cafeeiro como no açucareiro apenas a produção para exportação era mercantil), e a existência de trabalhadores livres são os pressupostos necessários para o desenvolvimento capitalista. O preço do escravo nas duas décadas que antecedem a abolição já não compensava economicamente a sua utilização. O fazendeiro paulista do Oeste do Estado passou então a importar mão-de-obra livre e tornou-se, até, abolicionista. Perdia sua cindição de senhor, para tornar-se um empresário capitalista (em Condições Sociais da Industrialização em São Paulo)." Ora, na medida em que o fazendeiro de café se tornava empresário capitalista, fixavam-se as condições para uma divisão social do trabalho: na nova fazenda, então empreendimento capitalista, não haverá mais lugar para a atividade manufatureira (roupas, objetos de uso pessoal e de trabalho), que se desenvolvera até então no interior do próprio latifúndio, para atendimento de suas necessidades, que de nenhuma maneira eram supridas apenas através de importações. É conseqüentemente nessa economia capitalista nascente que as cidades começam a assumir um papel de relevo maior, atuando num primeiro momento como entrepostos comerciais, para atendimento das necessidades da fazenda e do mecanismo exportador.

De fato, é ainda o mesmo setor exportador que será responsável pelo processo de aceleramento da urbanização, na medida em que na cidade irão concentrar-se todos os serviços decorrentes de suas atividades: transporte, armazenamento, comercialização, financiamento, etc. No caso específico de São Paulo, a cidade veio representar, além disso, o mercado por excelência da mão-de-obra imigrante, pois que foi o Gcvêrno deste Estado o primeiro responsável pela execução da política de imigração. Enfim, as cidades, além de produzir para atendimento das necessidades do setor exportador, isto é, para a fazenda, vai, na medida em que se intensifica a urbanização, ela mesma tornar-se, antes de qualquer outro, um mercado consumidor de proporções maiores; ainda em São Paulo se encontra um exemplo marcante desse processo: a cidade, que contava com 31.385 habitantes, em 1872, em 1890, atingia os 64.934; em 1900, esses números elevaram-se, passando a 239.820; em 1920, chegava-se a 579.033 habitantes; em 1934, a 1.060.120 habitantes; e em 1940, a 1.337.644.

Por certo que esse mercado interno foi inicialmente atendido em parte por importações, sendo certo, também, como o lembra P. SINGER, que "a etapa de substituição de produtos importados da indústria nacional não é absolutamente conseqüência natural da criação de um mercado interno. Os exemplos da Venezuela ou de Cuba mostram que um país pode permanecer por longo período como um setor bem amplo de economia de mercado, quase inteiramente abastecido por meio de importações (em Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana)." Mesmo assim é preciso que se mantenha sempre bem claro que uma indústria nacional, ou o processo de desenvolvimento industrial, pressupõe sempre a existência de uma estrutura capitalista; e também, no caso brasileiro, que foi o desenvolvimento de formas capitalistas, iniciado com base no setor exportador, que redundou numa urbanização progressiva, transformando-se as mesmas populações urbanas nos grandes mercados internos. Efetivamente, para que tais mercados pudessem ser aproveitados como base para o desenvolvimento de uma economia industrial, foi necessária a configuração de circunstâncias como aquelas analisadas por C. FURTADO: a efetivação de uma política protecionista, de defesa dos interesses do setor exportador, porém trazendo consigo um conjunto de conseqüências de alcance muito maior, e a ocorrência de fenômenos periódicos que implicavam no truncamento do fluxo normal das importações. Posta a mesma questão em termos mais simples: é certo que, mesmo existindo um mercado interno, o desenvolvimento de uma indústria nacional não ocorreria fatalmente, não só porque, ao menos em tese, pode-se admitir a hipótese de um fluxo normal de importações, como forma de abastecimento desse mercado, ou ainda porque, sempre em teoria, é admissível um processo regressivo, que permitiria uma adaptação às possibilidades limitadas de importação. Porém, é certo da mesma forma, e suficientemente óbvio, para que se dispensem considerações mais alongadas, que a simples ocorrência de fatos circunstanciais, que conduziriam finalmente à formação de um setor industrial, não teria nenhum sentido, caso inexistisse, como condição prévia, um mercado consumidor de proporções suficientes, baseado numa estrutura capitalista já delineada.

Isto posto, torna-se possível a formulação clara da crítica que se pretende propor à análise de C. FURTADO: é que ela acaba por voltar-se inteiramente para o estudo daqueles eventos circunstanciais, que justificariam a passagem, de uma situação de mercado interno consumidor de produtos importados, para uma outra, quando então esse mesmo mercado passaria a consumir a produção de uma indústria nacional. Enquanto isso, é o próprio processo de formação de estruturas capitalistas e o desenvolvimento desse mercado interno que deixam de ser considerados na profundidade necessária. Nessa medida é que a análise, mantendo-se ao nível de interpretação de tais eventos circunstanciais, será ela mesma circunstancial, com o que não se pretende negar a sua validade relativa, e nem contestar os resultados a que pode legitimamente conduzir.

Porém, é graças a tal abordagem circunstancial que o modelo desenvolvido pode estar assentado num nítido divisor de águas - o que aconteceu antes de 1929, e o que veio acontecer depois disso, pretendendo-se finalmente que apenas no segundo momento tenham ocorrido aqueles fatos significativos, que levaram ao desenvolvimento industrial. Ora, já pelo que foi observado até aqui, pode-se concluir que não se justifica uma distinção tão nítida entre aqueles dois períodos, ou seja, verifica-se que os acontecimentos posteriores a 1929 não contrariam uma situação anterior, antes representando uma continuação lógica e espontânea dessa última. Sendo assim, há que corrigir-se o modelo em exame, entendendo-se que a formação de um setor industrial não resulta de uma modificação brusca, mas sim de um processo muito mais alongado no tempo, que se iniciou tímidamente ainda nos últimos anos do século passado, intensificando-se gradativamente depois de 1900, e efetivando-se claramente muito depois de 1930. A necessidade desta correção fica bem evidenciada quando se pretende, o que não é feito por C. FURTADO, enfocar o desenvolvimento industrial brasileiro a partir daquelas condições que constituem o seu pressuposto, sendo que elas mesmas, a formação de uma economia capitalista, e a ocorrência de suas conseqüências lógicas sucedem-se durante um período de tempo razoavelmente longo, o que ocorre especificamente com o processo de urbanização que, em última instância, corresponde ao próprio processo de formação de um mercado interno.

Remonta às últimas décadas do século passado, como já se viu, a formação inicial de uma estrutura capitalista, como evolução verificada no interior do próprio setor exportador, e fundada na substituição de mão-de-obra escrava pela assalariada. Fixam-se então as condições para a divisão social do trabalho, esboçando-se um esquema no qual os núcleos urbanos desempenharão um papel de importância crescente: começa então a tomar forma, e também conteúdo, um mercado interno consumidor. E é ainda na virada do século, nos primeiros momentos da República, que pela primeira vez se define uma política minanceira favorável ao desenvolvimento industrial; é o Encilhamento, representando principalmente a possibilidade de crédito fácil, e um primeiro impulso para que se aproveitem as possibilidades oferecidas por um mercado em crescimento, na medida em que os núcleos urbanos expandem-se com rapidez.

É certo que esse mercado inicial foi formado por uma população de pequena capacidade aquisitiva, e caracterizável pelos seus hábitos de consumo extremamente simples. Por isto mesmo foi que, nesse processo de formação, o ramo representado pela indústria têxtil assumiu o primeiro lugar, contando, não só com o maior número de estabelecimentos, como também com o maior número de empregados; seguiam-se a ela as indústrias do vestuário e de alimentação. De qualquer forma, era ainda uma indústria que não contava com condições para competir com os produtos importados, nem pretendia isto, e que atendia à demanda de um mercado que, também êle, não tinha condições para suprir-se de produtos importados. Este quadro sofreu alterações apenas e tão somente com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, permitindo ela que se iniciasse o processo de substituição de importações, o que significou um impulso maior à industrialização, mas não, e de qualquer forma, a superação dos limites naturais de uma produção destinada ao fornecimento de produtos de primeira necessidade, isto é, de roupas e de alimentos. Isto equivale dizer que, mesmo iniciado o processo de substituição de importações, êle se realizou com base em ramos industriais pioneiros, que se caracterizavam pela possibilidade de implantação com um índice menor de capitalização, e também pelo seu nível tecnológico rudimentar.

A partir de 1930 a economia de base industrial recebeu novos impulsos; inicialmente foram aquelas condições que mereceram a atenção de C. FURTADO, e que corresponderam a interrupções no fluxo normal de importações. Deve-se notar, porém, e contrariando-se nesse ponto a informação de C. FURTADO, que o desenvolvimento ocorrido durante os anos 30 manteve-se ainda nos limites do pioneirismo anterior; àqueles ramos já mencionados, a indústria têxtil, de vestuário, e de alimentação, acrescentou-se apenas um novo, representado pela indústria farmacêutica. O desenvolvimento de uma indústria de bens de capital, como pretendeu o Autor, de fato não ocorreu naquele momento. Ao configurar-se, porém, uma situação de guerra, e especificamente na primeira metade da década seguinte, é que o Governo, pressionado por setores militares, veio definir mais claramente e de forma inédita uma política de industrialização, entendendo-a então como necessária ao resguardo da soberania nacional. A partir daí tornou-se crescente e decisiva a participação direta do Estado no plano econômico, disto resultando imediatamente a instalação, com a Usina de Volta Redonda, de uma indústria siderúrgica, a quem caberia um papel extremamente importante nos anos seguintes, de dinamização de setores básicos, como o metalúrgico e o mecânico.

Este rápido esboço histórico não estará completo, caso não se analise também o capítulo referente aos bens de produção. As indústrias pioneiras no Brasil, seguindo um esquema clássico, ao mesmo tempo que o mais natural, caracterizaram-se por seu baixo nível de capitalização, que se mantém assim até mesmo em momentos de expansão. De fato, a indústria têxtil, bem como as suas congêneres no caso, não exigiu mais do que uma tecnologia primitiva, podendo operar com máquinas simples, mais comumente obsoletas, dispensando a efetivação de investimentos de algum porte; naturalmente que, de outra parte, um mercado consumidor, constituído basicamente por uma demanda nada sofisticada, poderia ser suprido por produtos de qualidade inferior. Além disso, e na medida em que esse mercado se expandia, a produção podia no mais das vezes ser intensificada com a utilização de maior quantidade de mão-de-obra, combinada com o uso intensivo do equipamento instalado. Este foi o caminho seguido, não apenas porque o empresário brasileiro relutaria sempre em efetivar novos investimentos no setor industrial, o que será visto adiante, como também porque as possibilidades de aquisição de novos bens de capital, necessariamente no exterior, sofriam aquelas mesmas limitações que já foram analisadas naquilo que se refere aos bens de consumo; mais do que isto, tais momentos de limitação eram os mesmos, para um e outro caso, de tal sorte que, nas ocasiões de maior expansão da demanda interna, quando se faziam mais atrativos, ao menos em tese, novos investimentos industriais, também a indústria sofria idênticas restrições quanto à possibilidade de importação, ficando dessa forma impossibilitada de qualquer forma de atingir um dimensionamento maior. Tal situação manteve-se pelo menos até 1948, sendo comum afirmar-se que, desde este momento, com a introdução de um sistema seletivo de importações, dentro do regime criado com a CEXIM, formulou-se então "uma política extremada de incentivo a novos investimentos no setor industrial (C. FURTADO em Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, p. 239)." Isto, contudo, será na melhor hipótese duvidoso, podendo-se lembrar que "logo depois do término da guerra não era possível o reequipamento (J. C. PEREIRA, em Estrutura e Expansão da Indústria em São Paulo)." Também no período de 1950 a 1952, graças a uma situação excepcionalmente boa da balança de pagamentos, criaram-se condições que permitiram a importação de máquinas e equipamentos. Porém, e de qualquer forma, é bem verdade que "os desmedidos incentivos às importações de equipamentos, no período de 1948-53, foram administrados na ausência de um plano ou concepção de conjunto do desenvolvimento econômico. Como as indústrias mais rentáveis eram as de produtos menos essenciais, pois as importações foram eliminadas em função de nãoessencialidade, os investimentos não se distribuíram com critério de complementariedade. Pior ainda: concentraram-se na razão inversa da essencialidade da indústria (C. FURTADO, em Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, p. 240 e 241)." Finalmente, iniciou-se desde 1953 um processo de "reforma cambial por aproximações sucessivas", que conduiziria ao sistema de livre câmbio; ainda no mesmo ano a Instrução 70 da SUMOC criava categorias diferenciadas de câmbio, para importação e exportação, sendo então os bens de capital colocados em posição privilegiada. Paralelamente, criaram-se condições especialmente atrativas para os investimentos estrangeiros. E tudo isto acontecia quando, de fato, como resultado de um longo processo evolutivo, o mercado brasileiro já adquiria dimensões razoavelmente atrativas.

O conjunto de tais circunstâncias permitiu que durante os anos 50, caracterizando-se isto como uma verdadeira revolução, o desenvolvimento industrial no Brasil se realizasse numa dimensão qualitativa. Até então havia acontecido um crescimento extensivo, fundado na utilização maior do potencial instalado, com o emprego de maior quantidade de mão-de-obra; desde então esse último fator será cada vez mais substituído pela máquina: trata-se de um progresso tecnológico, inédito em termos brasileiros, no que se baseará em seguida um novo crescimento extensivo, mas êle também agora inédito pelas suas dimensões. Em suma, pode-se pretender que, nessa década, já na altura de seus meados, tenha chegado a termo por fim o longo processo de deslocamento do centro dinâmico da economia nacional. Foi também a partir de então que se criaram as condições mínimas, necessárias para o desenvolvimento de uma indústria de bens de capital, naturalmente que limitada em função das próprias dimensões do setor industrial.

4.2 . A BURGUESIA INDUSTRIAL BRASILEIRA

O modelo proposto por C. FURTADO pressupõe o empresário industrial; porém, êle não é objeto de sua análise, ainda que, bem evidentemente, ela se conduza no sentido de afirmar-se, além de sua existência, a sua oposição, ou de seus interesses, em relação ao setor exportador. Partindo-se daí evolui-se até a formulação clara de um esquema dualista, isto é, de uma relação de antagonismo entre dois setores opostos no sistema, um deles tradicional, e o outro moderno.

Ora, já ficou visto que as estruturas capitalistas da economia brasileira começaram a formar-se dentro do próprio setor exportador, através da atuação econômica do fazendeiro de café. Naturalmente que esta verificação simples não será suficiente para que se afirme ser o empresário industrial descendente direto e de sangue do fazendeiro. Como observa F. H. CARDOSO, inexistem dados que permitam um dimensionamento exato da participação desse último nos primórdios da indústria, e LUCIANO MARTINS vai ainda mais longe, baseado em números coligidos em pesquisa específica, negando a possibilidade de a origem social dos empresários industriais justificar a tese de seu recrutamento no seio da oligarquia cafeeira. Porém, não é exatamente esta tese contestável que importa, mas de fato, e de uma parte, a observação de que, na medida em que se desenvolve uma economia industrial, tendo ao mesmo tempo surgido o empresário industrial, a chamada oligarquia do café, ou setor tradicional, participa desse mesmo processo de desenvolvimento, não apenas mantendo o seu vigor enquanto setor tradicional que coexistisse com um setor moderno, mas efetivamente integrando-se nessa nova sociedade. De outra parte, cabe notar que o empresário industrial (o setor moderno), não tendo se firmado desde logo, enquanto classe de elite, irá contudo, no momento em que se faz classe dominante, identificar os seus interesses com os da oligarquia cafeicultora (setor tradicional); é que então ambos passam a constituir a mesma classe de elite, numa mesma estrutura social.

Posta a questão em suas últimas conseqüências, deve-se reconhecer que, já no momento em que o fazendeiro de café transforma-se em empresário capitalista, isto é, quando o próprio setor exportador assume uma estrutura capitalista, não cabe mais distinção entre setores tradicional e moderno; esta oposição, caso houvesse de fato se cristalizado uma aristocracia rural, teria então sentido, na medida em que esta última estaria mantida fora dos limites da economia capitalista.

Ora, compreendendo-se que o empresário capitalista define-se, enquanto tal, em função de seu esforço, no sentido de obter a mais alta taxa de retomo possível para o capital investido, elimina-se como injustificável a distinção entre investimento e aplicação especulativa. Apenas são diversas as circunstâncias em que o empresário atua, de tal sorte que o mesmo empresário, agindo numa economia desenvolvida, tende a assumir comportamentos de forma mais sofisticada, identificando-se no mais das vezes como industrial, e colocando-se sempre como empresário-empreendedor - e não será ocasional teremse registrado, exatamente nos Estados Unidos, os esforços mais intensos, no sentido de negar-se o lucro como objetivo último do empreendimento capitalista; enquanto isso, numa economia subdesenvolvida, êle estará sempre sendo identificado mais facilmente em razão daquele objetivo básico, sendo então freqüentemente confundido como especulador, dando-se a tal designação uma conotação altamente pejorativa. Entenda-se, portanto, como inevitável que o empresário capitalista brasileiro, inicialmente ligado ao setor exportador, tenha vindo a atuar também como comerciante, banqueiro e industrial; da mesma forma, o empresário que se iniciou no setor industrial, muitas vezes graças à possibilidade de fazê-lo através de um investimento menor, diversificará também as suas atividades, não sendo raro que venha voltar-se para o mesmo setor exportador, ou ao menos se faça fazendeiro, como maneira de obtenção de status. Em suma, o que se tem a compreender é que numa economia subdesenvolvida, como no caso brasileiro, o setor exportador integra-se na estrutura econômica capitalista, por êle gerada de fato, e permanece durante largo espaço de tempo como o setor que oferece condições mais atrativas para o investidor. É exatamente por isto, volte-se a dizer, que o empresário capitalista nacional, tendo surgido inicialmente no setor exportador, fica ainda ligado a êle, embora vá gradativamente diversificando as suas atividades, começando por explorar os serviços, direta ou indiretamente ligados a êle. Por outro lado, e na medida em que as condições criadas a partir daí permitam o desenvolvimento da atividade industrial, o que foi visto antes, esse mesmo empresário (enquanto empresário capitalista, e não necessariamente como individualidade) irá voltar-se para ela, na medida exata em que o novo setor venha a oferecer uma lucratividade suficientemente atrativa.

Já por tudo isto as possibilidades de desenvolvimento industrial, durante toda a metade do século atual, permaneceram muito limitadas, xestringindo-se de fato o processo à criação e ampliação de indústrias tradicionais que, ou ofereciam melhores condições e possibilidades para a aplicação de capitais menores, ou ainda, graças exatamente às suas exigências menores de investimento, permitiam que eles se fizessem em caráter supletivo, isto é, como forma de diversificação dos investimentos. Trata-se, em resumidas palavras, de uma situação típica, de uma economia de passado colonial que, mesmo depois de ter-se estruturado em padrões capitalistas, prossegue tendo no setor exportador o seu núcleo de maior dinamismo; de uma forma ou de outra voltado para êle, ou com êle mantendo vinculações, o empresário capitalista, como conseqüência direta disto, está desde logo conservando e fazendo atuais formas diversas de relacionamento com empreendimentos estrangeiros, associando-se a eles ao nível das transações internacionais, e já por isto ainda mais se afastando do setor industrial, tendendo a aceitar, como de conveniência para os seus interesses, sem limitações e com todas as suas conseqüências, uma filosofia inspirada diretamente na divisão e especiaüzação internacionais do trabalho.

Foi assim que, já se consolidando o setor industrial desde os anos 50, com base num mercado interno que assumia boas dimensões e que tendia ao crescimento, também assentado numa infra-estrutura razoavelmente desenvolvida durante os anos anteriores através da atuação do Estado, e também contando com estímulos especiais para a sua ampliação, representados pelos esquemas de favores para importação de matérias-primas e bens de capital, já nesse momento o empresário brasileiro não possuía condições para assumir mais do que um papel secundário no processo, ficando então, conseqüentemente, reservado aos empreendimentos estrangeiros o direito, pois que a possibilidade, de dirigi-lo. Não será fortuito, portanto, o fato de que, nesta época exatamente, tenham sido criadas condições e estímulos especialíssimos para os capitais estrangeiros.

4.3 . OS CAPITAIS ESTRANGEIROS

O lugar ocupado pelos capitais estrangeiros na análise de C. FURTADO é acidental, fazendo-se referência a eles, mais comumente em função dos desequilíbrios externos, e sendo-lhes reservada uma importância maior quando se trata da política de defesa do café, pela influência por eles exercida indiretamente sobre ela. No entanto, a participação dos capitais estrangeiros na economia brasileira, sob a forma de empréstimos ou de investimentos diretos, não só se tornou uma constante, como ainda assumiu uma importância crescente, que se tornará decisiva na fase de industrialização.

No que se refere aos empréstimos, contrariamente ao que pretende C. FURTADO, que relaciona a possibilidade de desequilíbrio externo às formas de propagação da renda num regime de trabalho assalariado, somente então fazendo-se necessária a utilização constante desse recurso para correção de repetidas situações de desequilíbrio, os empréstimos de fato datam de muito antes da República, repetindo-se e fazendo-se sempre maiores durante o Império, exatamente como conseqüência dos desequilíbrios que já se registravam naquela época. É certo, porém, que o desenvolvimento de formas capitalistas, na medida em que o sistema se mantinha sustentado por uma economia exportadora de produtos primários, conduziu a um considerável agravamento da situação, pois que então a demanda monetária tenderia sempre a crescer mais depressa e em maiores proporções que as exportações; a partir de tais condições básicas, e em circunstâncias que se repetiriam constantemente, estabeleceu-se um jogo entre as opções básicas ou a superação dos limites mais estreitos, determinados pelo valor das exportações, atendendo-se à procura monetária crescente através de emissões, ou a adequação dessa demanda àqueles primeiros limites. O próprio setor exportador, contudo, tinha condições para defender-se; utilizando fatores de baixo custo (terra e mão-de-obra), graças à sua abundância, e dispensando qualquer capitalização de significação maior, êle podia manter-se e mesmo expandir-se, ainda em momentos de crise, sendo sempre beneficiado pelos expedientes de manipulação da taxa cambial, que traziam como resultado a socialização dos prejuízos.

Foi, portanto, com a formação e desenvolvimento de um setor industrial que os desequilíbrios externos e, conseqüentemente, a possibilidade de corrigi-los através de empréstimos, assumiram a sua maior importância: é que uma economia em processo de industrialização exige investimentos de alta escala, sob pena de atrofiamento, nesse sentido diferenciando-se radicalmente do setor exportador, mesmo aquele já fundado no trabalho assalariado. Ora, inalteradas as exportações brasileiras, quanto às suas pequenas possibilidades de financiamento de todo o processo, era a própria exequibilidade da industrialização que se punha em jogo, posto que, em tais condições, ela pressupunha a obtenção de novos empréstimos externos e ao mesmo tempo a aceitação de uma situação de desequilíbrio interno e externo.

As conseqüências de uma eventual política de deflação para retomada do equilíbrio revestiam-se de uma conotação drástica: qualquer orientação nesse sentido implicaria em estagnação e retrocesso do sistema. Por isto mesmo toda a década dos 50, e também a seguinte, serão marcadas profundamente por esta problemática que assinala um dos obstáculos a que se chegou no processo de desenvolvimento da economia brasileira.

Cabe também considerar com atenção o sentido que tomou o investimento direto estrangeiro, presente desde os momentos iniciais de formação de uma economia capitalista no Brasil. Naturalmente que êle desempenhou em cada momento as funções que as próprias circunstâncias permitiam, apresentando-se inicialmente na forma de atividades ligadas ao setor exportador, à comercialização em geral (notadamente a importação), ou ainda no campo de serviços, especialmente os públicos, não estando ausente até mesmo dos primeiros esforços feitos para implantação de uma indústria local. É bastante sintomático, na medida em que revela a presença de investimentos estrangeiros no campo industrial e também aspectos específicos dessa mesma presença, o depoimento de J. STREET, datado de 1912, e que falava então em nome do Centro Industrial do Brasil: "É claro que o capital estrangeiro merece todo o apoio e garantia quando vem ao Brasil em procura de normal aplicação, porém, igual tratamento e maior incentivo deve receber o capital brasileiro, o qual, sendo embora mais modesto, será sempre mais estável na incorporação às empresas fundadas no país. Assim prestigiado o esforço nacional, não se teria a lamentar a freqüente desnacionalização de empresas que, nascidas brasileiras, podiam e deviam continuar realmente nacionais. Encontrassem os capitais brasileiros todo o devido e continuado apoio, e o país não teria a lamentar a desnacionalização de grande parte de sua atividade material."

As dimensões dos investimentos estrangeiros foram naturalmente sempre ditadas pelas dimensões do próprio mercado brasileiro, embora não apenas por elas; pressupunha-se a existência de uma infra-estrutura que tornasse exeqüível a atividade industrial, e além disso a criação de condições atrativas e ao mesmo tempo seguras. Ora, a economia nacional, durante a primeira metade do século, estruturou-se gradativamente em padrões capitalistas, sendo que isto permitiu a formação de um mercado interno de proporções sempre crescentes, bem como o desenvolvimento, ainda em termos acanhados, de um setor industrial, ao mesmo tempo em que o Estado criava as necessárias economias externas, que deveriam permitir uma etapa seguinte de desenvolvimento. Por tudo isto o setor industrial já contaria nos anos 50 com condições para impor-se como elemento mais dinâmico de todo o sistema; apenas o empresário nacional deixara-se colocar numa posição de fragilidade tal, que não lhe seria possível promover aquela dinamização. Por tudo isto, os investimentos diretos estrangeiros passaram a contar com possibilidades excepcionais, e que uma vez aproveitadas vieram também representar a possibilidade de conservação do controle de um mercado que era atendido em boa parte por produtos importados, isto acontecendo quando as possibilidades de importação iam-se fazendo cada vez mais limitadas.

Como último impulso destinado a acelerar a entrada de capitais de investimento direto, o Governo definiu esquemas que redundariam em grandes benefícios e condições de especial atratividade, que culminaram com a célebre Instrução n.º 113 da SUMOC. Os acontecimentos seguintes corresponderam às expectativas criadas, verificando-se um grande afluxo de capitais estrangeiros durante os anos seguintes, que se destinaram em sua grande maioria ao setor industrial. Além disso, foram notoriamente os capitais americanos que se deslocaram para o Brasil; eles, que em princípios do século estavam colocados em posição secundária e superados pelos investimentos ingleses e franceses, vieram tornar-se, já na primeira metade dos anos 50, os primeiros em volume, superando a soma de todos os demais. Portanto, e caracterizando-se de maneira bem marcante uma situação de dependência, o que ocorreu foi a aplicação em larga escala de capitais estrangeiros, predominantemente de uma só nacionalidade, e investimentos estes que se concentraram no setor industrial, assumindo o seu controle no momento em que êle se tornava o núcleo dinâmico do sistema.

4.4. O ESTADO

C. FURTADO ocupa-se em detalhe com a participação do Estado no plano econômico, no que diz respeito à sua atuação no sentido de defesa do setor exportador. Todavia, é esta ainda uma forma de participação menor, definível em termos de "instrumentos patrimoniais de interferência estatal nas atividades produtivas, na medida em que resultam de uma manipulação discricionária do aparelho estatal, sem que sejam levados em conta os interesses de outras classes sociais e sem que se cogite de seus significados prospectivos, a médio e longo prazo (O . IANNI, em Estado e Capitalismo, p. 51)."

Essa participação tornou-se com o tempo bastante mais profunda e assumiu novas formas: "conforme a economia nacional se transforma de uma economia essencialmente dominada pelo setor primário em uma economia com predominância do setor secundário, modificamse os instrumentos e as orientações da política econômica do Governo. Como mediação num sistema de relações de classes sociais, o poder público adquire relevância especial na formação do capitalismo industrial (O . IANNI, na obra citada, p. 52)." É bem verdade que ainda durante os anos 30 a atividade governamental limitou-se quase que exclusivamente àquele campo tradicional, de defesa do setor exportador; contudo, e na medida em que o desenvolvimento industrial ia amadurecendo, tornou-se necessária aquela nova forma de intervenção, que se devia fazer no sentido de dinamizar o processo de formação de capital, seja através de medidas que permitissem o incremento da poupança, como ainda de outras, que orientassem e incentivassem o investimento, criando condições para a sua realização. Esta necessidade apenas não foi reconhecida pela burguesia nacional, isto é, por aqueles que seriam os beneficiados diretos pela atuação estatal enquanto agente econômico, e o que se compreende como manifestação de uma classe social confundida na interpretação de seus próprios objetivos naturais. É que esta burguesia nacional, nascida do setor exportador, mantendo-se profundamente identificada com êle, ao mesmo tempo que conservadas as suas íntimas relações com grupos e capitais estrangeiros, aceitou sempre e sem restrições o liberalismo como ideologia, em seu nome condenando qualquer intervenção do Estado no plano econômico.

Sendo assim, tornou-se necessário que outros setores e circunstâncias cuidassem de impulsionar o Estado, no sentido de que êle acabasse por assumir o papel que a êle etava reservado. De certa forma isto acabou por acontecer na passagem da década, quando, em situação de guerra, os militares brasileiros, associando o conceito de soberania nacional, então necessáriamente hipertrofiado, à existência de uma economia auto-suficiente, levaram o Governo a definir-se claramente por uma política de industrialização. Resultou disto em seguida a criação pelo Estado de uma indústria siderúrgica, como primeira medida que permitiu um impulso inicial na formação de condições de infra-estrutura necessárias ao desenvolvimento industrial. Essas interferências de oficiais militares, de alguma maneira antecipando-se aos fatos econômicos, ou ao menos à burguesia nacional, assumem grande importância, posto que superam os limites mais estreitos dos acontecimentos fortuitos, e podem ser definidas como uma constante que chegará nos anos 50 a um de seus pontos culminantes, tornando- se decisiva na criação da Petrobrás, como forma que consagrava o monopólio estatal do petróleo. É que, enquanto o empresário brasileiro esteve desde o primeiro momento situado nos quadros de um capitalismo internacional, qualificando-se como fornecedor de produtor, primários para o mercado mundial, os militares foram conduzidos por valores que derivam do conceito básico de soberania nacional, que somente depois, mais tarde e gradativamente, foi sendo influenciado pelo de interdependência, o que deveria permitir que, por caminhos diferentes, e ainda que resultando em compromissos não uniformes, o empresário e o militar viessem assumir atitudes, não baseadas e orientadas pelos limites dos quadros nacionais, mas justificadas por uma posição compreensível apenas quando situada em nível de relações internacionais.

De qualquer forma, tornou-se patente, já na segunda metade dos anos 40, a necessidade de o Estado participar ativa e diretamente no processo econômico, o que aconteceu em seguida, desenvolvendo-se então a ação do Estado concomitantemente em diversos planos básicos: realizaram-se as primeiras tentativas de planejamento econômico nacional; intensificaram-se os investimentos de infra-estrutura; traçaram-se planos de desenvolvimento regional; ofereceram-se proteção e estímulo ao setor industrial. Contudo, será necessário ter sempre em vista que, atuando dessa forma, o Estado não agiu nunca como elemento efetivamente estranho à ordem econômica, ou independentemente dela. Por isto mesmo é que, para desempenhar a sua tarefa, como força estimuladora de novos investimentos, êle tratou de criar condições atrativas para o capital estrangeiro, o que significava de fato a solução espontaneamente sugerida pelo sistema. Exatamente por isto o Estado não teve condições, nem naquele momento, nem depois disso, para assumir integralmente aquela atribuição que os teóricos do desenvolvimento reservam a êle, de planejamento global do sistema econômico, e que pressupõe a sua total autonomia em relação aos elementos componentes do próprio sistema, sendo este último ao mesmo tempo concebido como unidade nacional. Porém, e como anota O. IANNI, "além das contradições da esfera da burguesia dividida em interesses divergentes, e, muitas vezes, voltados para o exterior, foi decisiva a atuação dos centros de decisão externos. É que as decisões sobre o tipo de desenvolvimento preconizado para o país foram adotadas de comum acordo com as empresas e órgãos financeiros internacionais. Nesse jogo, o Brasil foi pensado como base de operações, e não como economia independente e autônoma (em Estado e Capitalismo, p. 33)."

5. Conclusões

A formação de uma economia industrial no Brasil deu-se, portanto, sob a forma de sucessivos acomodamentos, sem que em nenhum momento ocorresse um efetivo rompimento com as velhas estruturas herdadas de um passado colonial. Daí o caráter totalmente dependente desse setor, a êle faltando qualquer possibilidade de atuação dinamizadora: longe de poder criar as suas próprias condições de desenvolvimento, e muito menos de modernizar todo o sistema, transmitindo a êle o seu próprio dinamismo, o setor industrial continuou tendo o seu futuro dependente da possibilidade de novas soluções de acomodamento, que se impusessem como necessárias a partir de novas modificações que ocorressem no interior do sistema ou em suas relações internacionais, dependendo também de decisões que seriam sempre tomadas em última instância em centros externos. Nessa medida, o mais provável seria que o desenvolvimento industrial estancasse desde o momento em que fossem atingidos os limites mais próximos fixados por sua relativa capacidade de autocrescimento, o que de fato veio a acontecer, a partir daí tornando-se inevitável que o processo assumisse formas patológicas. Isto fica perfeitamente exemplificado pelo índice extremamente elevado de concentração geográfica que o setor atingiu.

Ao contrário disso, o modelo proposto por CELSO FURTADO indica ter existido üm momento em que as antigas estruturas foram subvertidas na sua ordem tradicional, surgindo então o setor industrial como força dinamizadora do sistema. O problema que se colocaria então seria apenas o do disciplinamento dessa força, através do planejamento elaborado e executado pelo Estado, de maneira que se corrigissem os desequilíbrios estruturais, resultantes de um desenvolvimento até então espontâneo. Contudo, é exatamente a definição daquele momento que exige a configuração de uma situação que não existiu históricamente, de tal sorte que será possível pensar-se que CELSO FURTADO, ao construir o seu modelo descritivo e interpretativo da evolução da economia nacional nos anos 30, esteve muito menos preocupado com esta evolução em si mesma, e muito mais desejoso de reconstituí-la, de maneira a melhor e mais fácilmente, não apenas justificar-se a política desenvolvimentista posta em execução durante a década dos anos 50, como ainda e especialmente propor-se o planejamento para correção daqueles desequilíbrios, colocando-se êle então, não só como alternativa politicamente exeqüível, mas igualmente como solução economicamente justificável. Se é assim, deve-se acrescentar aos méritos teóricos da obra de CELSO FURTADO uma dimensão política; ela mesma corresponderia a um esforço para comoverem-se setores importantes de opinião pública, a fim de tornar-se efetiva a solução política através do planejamento; de certa forma, isto é confirmado pelas palavras do próprio Autor, em seu prefácio à Formação Econômica do Brasil. Será por isto, possivelmente, que êle, mesmo afirmando que o estudo de desenvolvimento somente será possível enquanto abordagem histórica, acaba por elaborar um modelo que em muitos dos seus pontos fundamentais afasta-se da história.

Qual é a relação do café com a industrialização?

Por meio da intensa exportação de café e importação de outros produtos necessários ao mercado interno brasileiro, várias estruturas de maquinário fabril também aportavam em terras brasileiras, já que muitos produtores de café também passaram a investir nas fábricas.

Qual a relação do café com o início da industrialização brasileira?

O café se torna um dos protagonistas da industrialização brasileira por duas razões: o primeiro fator foi que com a ampliação da produção cafeeira para o interior paulista e fluminense, houve necessidade de se investir na construção de ferrovias para facilitar seu transporte para as zonas portuárias afim de ...

Porque o café foi importante para o desenvolvimento industrial brasileiro?

O café foi importante porque foi um dos produtos base da economia e indústria brasileira, sendo a urbanização das cidades e o processo de industrialização do país ligados a esse produto, que favoreceu o crescimento do Brasil, além de atrair muitos imigrantes para o país.

Quais são as relações entre o desenvolvimento econômico do café e da indústria e o desenvolvimento da malha de transportes da região Sudeste?

A produção cafeeira tornou-se o carro-chefe da economia nacional e impulsionou a estruturação econômica, política e social do estado de São Paulo, com o desenvolvimento da malha ferroviária, melhoramento de portos, configuração do comércio regional e proporcionando acúmulo de capitais.