Primeira reportagem de uma s�rie feita pelo Jornal VS sobre os 190 anos da imigra��o alem� detalha a chegada dos imigrantes a S�o Leopoldo em 1824.
Susana Leite - susana.leite@gruposinos.com.br
São Leopoldo – Cento e noventa anos atrás, o Brasil estaria prestes a iniciar um capítulo novo na história, marcado pela chegada dos primeiros colonos alemães. A inserção de novos costumes, o marco da religião evangélica luterana e os dialetos, que se preservam até hoje, foram trazidos na bagagem dos imigrantes que desembarcaram no País. No próximo dia 25 comemora-se a chegada da primeira leva, formada por 39 pessoas, segundo dados do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo. Os imigrantes vieram agarrados à promessa de que aqui teriam terra e trabalho como oportunidade para começar uma nova vida.
Para os alemães, o país subtropical era uma chance para escapar da instabilidade financeira – provocada em parte pela mecanização do campo na Europa – pelas grandes epidemias e pela fome. Do lado de cá, o País precisava ocupar a terra, sobretudo o Rio Grande do Sul, cujos 90 mil habitantes continham 30 mil escravos. Precisava-se de mão de obra especializada para produzir alimentos e confecções. E o exército também carecia de efetivo.
Segundo o diretor do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo, Márcio Linck, entre 1824 e 1830 vieram mais de 5 mil imigrantes para o Brasil, a maioria se instalou na colônia de São Leopoldo, que mais tarde originou o Município. “As primeiras levas foram financiadas pelo governo brasileiro”, reforça. A chegada das famílias teve os primeiros registros feitos pelo médico Johann Daniel Hillebrand, que fez parte do segundo grupo de alemães que desembarcou em solo gaúcho. “Foi ele (Hillebrand) quem fez as primeiras anotações da relação das famílias que chegaram aqui”, afirma Linck.
O início da formação da ocupação dos colonos, que deu origem à São Leopoldo, também foi retratada na narrativa do Tempo e o Vento, de Erico Verissimo. Em "O Continente 1", o primeiro volume da trilogia, o autor menciona a chegada das primeiras famílias que ocuparam a Feitoria do Linho Cânhamo. Nas palavras de Verissimo, “o ar da antiga Feitoria do Linho Cânhamo se enche do som de machado, serrotes, martelos e vozes estrangeiras. Árvores tombam, picadas se abrem, e escondidos dentro do mato bugres e bugios espiam intrigados aqueles homens louros.” Armazéns de casas foram erguidos com a força do trabalho dos imigrantes que, ainda hoje, remanescentes dos primeiros colonos perpetuam a memória das famílias sobre o mesmo chão que conquistaram 190 anos atrás.
Famílias
Entre as pessoas que desembarcaram no ano de 1824, em São Leopoldo, havia seis católicos e 33 evangélicos. Famílias como Krämer, Höpper, Hammel, Pfingsten, Rust, Timm, Bentzen e Jaacks se instalaram por aqui. A princípio, antes de ganhar o pedaço de terra, abrigaram-se na Casa da Feitoria. Era como um local de passagem até que conseguissem a posse da terra que o governo brasileiro prometera. “Os primeiros colonos ganharam as terras somente no final do ano de 1824”, afirma Linck.
Foto: Tiago da Rosa/GES
Entre os remanescentes que ainda vivem, onde hoje é o bairro Feitoria, a professora aposentada Norma Vera Timm dos Santos, 60 anos, guarda em retratos a histórias dos parentes alemães. Muitos dos rostos nas fotografias ela não reconhece. As lembranças fazem parte do legado da mãe, Lory Georg Timm, que faleceu aos 85 anos, em 2006. “Ela nos contava histórias de quando era menina. Minha mãe contava que o pai dela, Bernardo, havia morado na Casa do Imigrante, que faziam farinha na atafona”, recorda-se Norma. Lory foi casada com o Ottomar Timm.
Ela e a filha, Fernanda Timm, pesquisam sobre a origem da família, mas ainda não conseguiram desvendar a genealógica. “Descobri que na Alemanha existem dois registros de emigração da família Timm, uma evangélica e outra católica, mas são de datas diferentes, por isso não tive como confirmar”, comenta Fernanda, que entre 2010 e 2011 fez intercâmbio na Alemanha. De acordo com os registros do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo, a primeira leva de imigrantes trouxe Henrique Timm, a esposa Margarida, os filhos João Henrique, Ana Catarina, Catarina Margarida, Jorge e Jacob. Também vieram Augusto Timm, a esposa Catarina, os filhos Cristóvão e João. Ambas as famílias eram evangélicas.
Motivos da imigração
O historiador, Martin Dreher, autor do livro “190 anos de Imigração Alemã no Rio Grande do Sul – Esquecimentos e Lembranças” aponta alguns motivos que justificam a vinda os alemães para o Brasil. Havia a necessidade de produzir alimentos para o mercado interno; a necessidade de reforçar o contingente de soldados. “Desde cedo, os rapazes de São Leopoldo eram mandados ao Uruguai – naquela época fazia parte do território brasileiro. Depois participaram da Guerra do Paraguai e da Revolução Farroupilha.” Havia um motivo racista: a população do Brasil era de maioria formada por escravos negros, e Dom João IV instaurou a política de “branqueamento” do País.
Questão de segurança nacional, pois o Rio Grande do Sul, com 90 mil pessoas, necessidade de ocupação territorial. Até então, somente a região da fronteira era povoada. Os imigrantes ocuparam as terras próximas dos rios e as florestas adjacentes. O Brasil precisava de artesãos. “A região tinha muitos sapateiros, celeiros. Eram profissionais que produziam coturnos para o exército, pois havia uma demanda. Além disso, os colonos também sustentavam as tropas com embutidos, farinhas produzidas nas atafonas e cachaça”, completa Dreher.
Primeiro desembarque
A relação da origem dos primeiros colonos foi registrada pelo Major Jorge Antônio von Schaeffer, nomeado por Dom Pedro para ir a Europa “propagandear” o Brasil para atrair migrantes e soldados. É creditado a ele os registros de embarque dos primeiros alemães. Posteriormente, o doutor Hillebrand resgatou o registro dos que chegaram a São Leopoldo.
As primeiras 39 pessoas desembarcaram no Município partiram de Hamburgo, na Alemanha, a bordo do navio “Caroline”, em 17 de dezembro de 1823. O grupo chegou a Porto Alegre em 18 de julho de 1824, onde trocaram de embarcação, chegando a São Leopoldo a bordo do veleiro “Protector”. As informações são do pesquisador, já falecido, Carlos Hunsche, e estão no livro “O Biênio 1824/25 da Imigração e Colonização Alemã no Rio Grande do Sul – Província de São Pedro”.
Imigrantes
Miguel Krämer era lavrador, ele saiu da antiga Bavária com a esposa Margarida;
João Francisco Höpper trabalhava como fabricante de cartas. Com esposa Anna Margarida, os filhos Anna Maria, Christóvão e João Ludovico, eles saíram da antiga Bavária;
Paulo Hammel, marceneiro, saiu de Munique com esposa Maria Teresa e os filhos Carlos e Antônio;
João Henrique Otto Pfingsten, lavrador, partiu de Munique com a esposa Catarina, e os filhos Carolina, Dorothea, Frederico, Catarina e Maria;
João Christiano Rust trabalhava como marceneiro em Hamburgo. Ele partiu com a esposa Joana Margarida e as filhas Joana e Luiza;
Henrique Timm era lavrador, morava em Holstein com a esposa Margarida, e os filhos João Henrique, Ana Catarina, Catarina Margarida, Jorge e Jacob;
Augusto Timm, também lavrador e morador de Holstein, partiu com a esposa Catarina e os filhos Cristóvão e João;
Gaspar Henrique Bentzen, lavrador, natural de Holstein. A esposa e um parente, Frederico Gross, morreram na viagem. Bentzen chegou com o filho João Henrique;
João Henrique Jaacks era lavrador, morava em Holstein com a esposa Catarina. Eles partiram com os filhos João Henrique e João Joaquim.
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