Quais são as três abordagens que caracterizam a concepção de aprendizagem e desenvolvimento?

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A CONCEPÇÃO DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO EM VIGOTSKI E A AVALIAÇÃO ESCOLAR1 Silvia Pereira Gonzaga de Moraes Universidade Estadual de Maringá - UEM-PR. Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Atividade Pedagógica – GEPAPe –USP. Grupo de Pesquisa e Ensino Trabalho Educativo e Escolarização – GENTEE – UEM. [email protected]

1. Introdução

Neste texto buscamos subsídios teóricos nas obras de Vigotski

2

para

compreender a relação entre aprendizagem e desenvolvimento. A importância desse estudo revela-se pelo pressuposto da teoria histórico-cultural em que o entendimento dessa relação é essencial para conhecer como os sujeitos se desenvolvem, isto é, formam as funções psicológicas superiores por meio da apropriação da cultura humana. Assim, a compreensão dessa relação é fundamental para organização do processo educativo, e, em especial, para a avaliação do processo de ensino e aprendizagem dos escolares. O texto está organizado em três partes: primeiramente trataremos dos estudos vigotskianos

sobre

as

três

concepções

psicológicas

sobre

aprendizagem

e

desenvolvimento: como processos interdependentes; idênticos e diferentes e relacionados. Em seguida, abordaremos a concepção de Vigotski sobre essa relação, destacando como o pesquisador em seus estudos superou, por incorporação, as concepções vigentes, com base nos pressupostos teóricos do materialismo histórico dialético. Na terceira parte focalizaremos as implicações da concepção vigotskiana de aprendizagem e desenvolvimento para a avaliação do processo de ensino e aprendizagem. 1

Texto extraído da tese de doutorado intitulada Avaliação do processo de ensino e aprendizagem em Matemática: contribuições da teoria histórico-cultural. 2008. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. 2 Na literatura, são encontradas diferentes formas de grafia para o nome de Vigotski, preferiu-se usar Vigotski por predominar essa forma de escrita na maioria dos textos utilizados nesta pesquisa. Porém, quando o nome aparece em citações de outros autores ou referenciados nos textos, manteve-se a grafia original.

2. A relação entre aprendizagem e desenvolvimento

Vigotski

(2000)

destacou

três

abordagens

sobre

aprendizagem

e

desenvolvimento, que são: 1)

Aprendizagem e desenvolvimento: processos independentes;

2)

Aprendizagem e desenvolvimento: processos idênticos;

3)

Aprendizagem e desenvolvimento: processos diferentes e relacionados.

Após Vigotski fazer a análise dessas três abordagens, ele caracteriza sua concepção sobre aprendizagem e desenvolvimento, lançando novos pressupostos para a compreensão desta relação, bem como definindo o papel decisivo da educação e do ensino para o desenvolvimento humano. Para nossa explicitação, seguiremos a mesma organização feita por Vigotski. De acordo com a primeira abordagem, a qual concebe a aprendizagem e o desenvolvimento como independentes entre si, o desenvolvimento constitui-se em um processo de maturação do sujeito segundo as leis naturais e a aprendizagem é meramente exterior às oportunidades criadas pelo processo de desenvolvimento. Um dos principais representantes desta corrente é o epistemólogo Jean Piaget. A aprendizagem, nesta concepção, dependeria do surgimento de novas estruturas e do aperfeiçoamento das antigas. Isto significa que a aprendizagem não pode influenciar o desenvolvimento, ou seja, que as formas superiores de pensamento são desenvolvidas mesmo que a criança não frequente o ensino escolar. A relação entre aprendizagem, desenvolvimento e o meio em que a criança vive também é vista de forma desconectada. Embora ressalte a interação do sujeito com o meio, trata-se de uma interação baseada na premissa da necessidade de certo grau de maturação das funções psíquicas particulares. Dessa maneira, a atuação do meio fica reduzida à mudança do indivíduo, é algo meramente externo. Em poucas palavras, esta concepção prioriza o processo de desenvolvimento em detrimento da aprendizagem. “O desenvolvimento deve concluir certos círculos de leis, determinadas funções devem amadurecer antes que a escola passe a lecionar determinados conhecimentos à criança. Os ciclos do desenvolvimento sempre antecedem os ciclos da aprendizagem” (VIGOTSKI, 2004, p. 468).

Leontiev ([197-], p. 197) afirma que esta concepção de desenvolvimento e aprendizagem está ancorada nos pressupostos da velha psicologia idealista, segundo a qual:

[...] a criança possuiria por natureza a faculdade de efetuar processos mentais inferiores, que os fenômenos que agem sobre a criança apenas fariam provocar estes processos e enriquecê-los com um conteúdo cada vez mais complexo, e que o seu desenvolvimento se reduziria a isso.

Os estudos piagetianos tendo como pressuposto que o conhecimento é constituído na interação do sujeito com o meio externo (objetos e pessoas), contudo, fica evidenciado na sua teoria o aspecto funcional do pensamento, a prioridade reside no processo de desenvolvimento, o qual está ligado à totalidade das estruturas. Vigotski (2000, p. 299) define essa relação da seguinte forma: “É como se aprendizagem colhesse os frutos do amadurecimento da criança, mas em si mesma a aprendizagem continua indiferente ao desenvolvimento. A memória, a atenção e o pensamento da criança já se desenvolveram a um nível que permite aprender a linguagem escrita e aritmética”. Esta forma de conceber a aprendizagem e o desenvolvimento como processos separados implica que o conteúdo que a criança aprendeu não possibilita uma mudança no seu desenvolvimento intelectual. Com isso, a importância do ensino fica diminuída, colocando em xeque a função social da educação escolar, visto que essa concepção considera o desenvolvimento no seu aspecto natural, ou seja, todo o ser humano é capaz de alcançá-lo e o processo pedagógico deve-se adaptar ao desenvolvimento psíquico da criança. Esta abordagem desvaloriza as práticas educativas, podendo até serem dispensadas. A segunda abordagem, citada anteriormente, considera que a aprendizagem e o desenvolvimento são fundidos um no outro, tornando-se idênticos e paralelos. A criança, ao aprender, desenvolve-se e, ao se desenvolver, aprende. Vigotski (2000) salientou, nessa perspectiva, que o desenvolvimento segue passo a passo atrás da aprendizagem, como sombra atrás do objeto projetado.

Tal abordagem é sustentada pelas concepções associativistas da psicologia, tendo como representantes William James 3 e Thorndike 4 . Van der Veer e Valsiner (2001, p. 357) afirmam que: “Vygotsky via Thorndike como um representante dessa categoria de pensamento, por este ter desenvolvido esta idéia até seu ponto extremo, afirmando que aprendizagem e desenvolvimento cognitivo na verdade coincidem”. Para os defensores desta concepção, o processo de associação na relação estímulo – resposta (E – R) conduziria à atividade intelectual. Ao estudar tal abordagem, Leontiev ([197-], p. 199) a critica, ressaltando que “[...] o processo de atualização das associações não é de modo algum idêntico ao processo de atividade intelectual que é senão uma das condições e um dos mecanismos da sua realização”. O autor reforça, ainda, que há uma omissão sobre o encadeamento principal e a condição essencial dos processos de apropriação, que são as ações da criança – base real destes processos. A justificativa para a omissão é a falta de fundamento teórico-prático. Na abordagem associacionista a qualidade específica de uma sensação é determinada pelas propriedades do receptor e das vias nervosas condutoras. Desta forma, as causas exteriores não afetam qualquer sensação, isto é, os processos motores da sensação estão dados, dependendo apenas do condicionamento. Assim, as leis de desenvolvimento são entendidas como leis naturais e, do mesmo modo, explica-se a aprendizagem, a qual ocorre simultaneamente e sincronizada com o desenvolvimento. A função do ensino, nesta abordagem, seria simplesmente a organização do comportamento, até porque ele não interferiria na mudança das leis naturais do desenvolvimento. A aprendizagem, realizada de forma mecânica, não conscientizada, aconteceria por meio de ensaio e erro até chegar ao resultado positivo, tornando o treinamento de habilidades uma das principais funções da educação escolar. Desse modo, o ensino estaria priorizando o desenvolvimento das funções psíquicas elementares, visto que a ação de treinar habilidades não implica em desenvolver as outras funções – superiores – com intencionalidade.

3

William James (1842-1910) é considerado precursor da corrente psicológica funcionalista nos Estados Unidos. Enfatizou a importância do “[...] pragmatismo na psicologia, cuja doutrina baseia-se na comprovação da validade de uma idéia ou um conceito mediante a análise das conseqüências práticas. A conhecida expressão do ponto de vista pragmático ‘se funcionar, é verdadeiro’” (SCHULTZ; SIDNEY, 2005, p. 165). 4 Edward L. Thorndike (1874-1949) foi um dos principais expoentes, junto com John B. Watson (18781958), da teoria behaviorista de aprendizagem, desenvolvida, sobretudo nos Estados Unidos, a partir dos anos 30. “O termo behaviorismo engloba todas as teorias de condicionamento S-R” (BIGGE, 1977, p. 51).

Na primeira abordagem, há uma relação entre o tempo, o desenvolvimento e a aprendizagem, isto é, para aprender, primeiramente, é necessário desenvolver-se, o que ocorre por meio da maturação do sistema nervoso. Na segunda abordagem, tal relação não ocorre, uma vez que os processos são idênticos e correspondentes. De acordo com Bernardes (2006, p. 41), “[...] os aspectos internos decorrentes da maturação do sistema nervoso determinam as possibilidades de aprendizagem, assim como, em medida correspondente, a aprendizagem categoriza as possibilidades do desenvolvimento das capacidades humanas”. Se, na primeira abordagem, a função do ensino fica limitada, nesta abordagem, tal quadro não se modifica, uma vez que as condições de aprendizagem e de desenvolvimento são concebidos como inatos e caberia ao ensino a simples organização e mudança do comportamento. O papel do ensino consistiria na conformação desses processos apoiados na dominação dos reflexos condicionados. A terceira abordagem concebe a aprendizagem e o desenvolvimento como processos diferentes e relacionados. Esta abordagem tem como principal representante o estudioso Kofka5. Trata-se de uma tentativa de ocupar um meio termo entre as duas abordagens anteriores por meio da unificação das duas idéias contidas nas abordagens anteriores. Em função disso, a relação entre desenvolvimento e aprendizagem é tomada com duplo caráter. Por isso, para Vigotski (2000), esta abordagem não só deixa de explicar claramente a relação entre desenvolvimento e aprendizagem, como torna-a mais confusa ainda. Para esta concepção, é necessário diferenciar quando o desenvolvimento é resultado maturação e quando ele é decorrente da aprendizagem. Quando Kofka concebe o desenvolvimento como maturação, alia-se à primeira abordagem, em que aprendizagem

e

desenvolvimento

são

independentes.

Quando

assume

que

desenvolvimento também é aprendizagem, junta-se aos pressupostos da segunda abordagem, em que o desenvolvimento e a aprendizagem são fundidos um no outro. Segundo Vigotski (2000), este estudioso consegue até visualizar a interdependência entre os dois elementos quando verifica que a aprendizagem influência até certo ponto a maturação e vice-versa, porém não explica essa influência, permanece apenas no reconhecimento. 5

Kurt Kofka (1886-1941) foi um dos representantes da teoria de campo Gestalt, que teve sua origem na Alemanha durante a primeira parte do século XX (BIGGE, 1977).

Kofka diverge das abordagens anteriores, porque não concebe a aprendizagem como específica e não a reduz à formação de habilidades. Isto ocorre porque, segundo o autor, o indivíduo não reage de forma cega e automática aos estímulos e pressões do meio, ou seja, sua conduta depende da compreensão da situação. Desta forma, pode-se dizer que ele amplia a função da aprendizagem. Vigotski (2000) verificou que a terceira abordagem não rompe com o dualismo entre o desenvolvimento e a aprendizagem. Contudo, ao distinguir aprendizagem de maturação, essa teoria acrescenta algo novo nessa relação, que é a possibilidade da aprendizagem produzir o desenvolvimento, apesar de considerar o desenvolvimento sempre um conjunto maior que o aprendizado. Nesse sentido, observou que “[...] a aprendizagem pode ir não só atrás do desenvolvimento, não só passo a passo com ele, mas pode superá-lo, projetando-o para frente e suscitando nele novas formações” (VIGOTSKI, 2000, p. 303). Explicar esse conteúdo novo sobre a relação entre aprendizagem e desenvolvimento consistiu no principal trabalho de Vigotski. A realização do estudo comparativo sobre as abordagens psicológicas do desenvolvimento e da aprendizagem, sinteticamente por nós apresentadas, foi importante para que Vigotski pudesse lançar seus pressupostos teóricos de forma que superassem, por incorporação, as teorias vigentes sobre esses dois processos. Tomando como base os aspectos contraditórios apresentados nas abordagens anteriores, ele concluiu que há uma unidade entre estes dois elementos e não apenas uma identidade ou coincidência. Assim, concebe que o desenvolvimento e a aprendizagem são diferentes, porém articulados entre si, numa relação dialética. Entre outras palavras: a aprendizagem influencia o desenvolvimento, assim como o desenvolvimento influencia a aprendizagem. Isto ocorre, não apenas em um espaço reservado e único, mas na vivência social. Tal concepção supera as dicotomias defendidas pelas concepções anteriores. Vigotskii (2001, p. 115) nega a relação de identidade entre desenvolvimento e aprendizagem quando afirma que:

[...] a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-se sem a aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na

criança essas características humanas não-naturais, mas formadas historicamente.

Sua defesa evidencia que a aprendizagem não pode ir atrás do desenvolvimento, como postula a abordagem idealista; nem só passo a passo com ele, como defendem os associacionistas, mas pode superar o desenvolvimento, projetando-o para a frente e provocando nele novas formações. É com base neste pressuposto que Vigotskii (2001) elabora sua principal tese que considera que a boa aprendizagem é aquela que se adianta e conduz o desenvolvimento. Desta forma, ele, além de valorizar a aprendizagem como a promotora do desenvolvimento humano, delega à educação e ao ensino um importante papel nesse processo. Este pressuposto é de fundamental importância para a educação escolar por colocá-la em um grau de extrema relevância na constituição do desenvolvimento humano. Isto ocorre porque, de acordo com a perspectiva vigotskiana, a aprendizagem sai do contexto da mecanização e do treinamento de habilidades que, na maioria das vezes, ficam restritas às funções elementares e, consequentemente, pouco influenciam as funções psicológicas superiores (memória, atenção, pensamento, consciência). Tais funções não só se distinguem por estruturas mais complexas, como auxiliam a formação de outras absolutamente novas, possibilitando a formação de sistemas funcionais complexos. Com o objetivo de comprovar sua tese, Vigotski realiza uma série de investigações sobre a aprendizagem e o desenvolvimento. Estas investigações inseremse no campo da psicologia escolar e analisam o ensino das matérias escolares básicas: leitura, escrita, aritmética e ciências naturais. Ele conclui que: “[...] toda aprendizagem escolar, tomada no aspecto psicológico, gira sempre em torno do eixo das novas formações básicas da idade escolar: a tomada de consciência e apreensão” (VIGOTSKI, 2000, p. 321). Para tornar suas conclusões mais claras, Vigotski cita o exemplo do ensino de aritmética, em suas pesquisas revelaram que o desenvolvimento não termina no momento de assimilação de alguma operação ou de algum conceito científico, ao contrário, apenas começa. Assim, o desenvolvimento não coincide com a aprendizagem do programa escolar, ele se realiza por outros ritmos, tem sua própria lógica. Conforme

Vigotski (2000, p. 322), “[...] a criança adquire certos hábitos e habilidades numa área específica antes de aprender a aplicá-los de modo consciente”. Isso significa que a aprendizagem está à frente do desenvolvimento. Outra conclusão importante das pesquisas realizadas foi a de que: “[...] o pensamento abstrato da criança se desenvolve em todas as aulas, e esse desenvolvimento de forma alguma se decompõe em cursos isolados de acordo com as disciplinas que se decompõe o ensino escolar” (VIGOTSKI, 2000, p. 325). Isto implica defender que, quando a criança aprende, ela está desenvolvendo estruturas de pensamento que podem ser transferida para outros campos de conhecimento, já que as funções psíquicas superiores desenvolvem-se num processo complexo e uno em que: “[...] a tomada de consciência e a apreensão são essa base comum a todas as funções psíquicas superiores cujo desenvolvimento constitui a nova formação básica da idade escolar” (VIGOTSKI, 2000, p. 326). Nesse sentido, a consciência é compreendida como sendo a forma mais elevada de reflexão sobre a realidade (LURIA, 1991). A preocupação de Vigotski, ao realizar suas investigações sobre as diferentes abordagens que tratam da relação entre aprendizagem e desenvolvimento, era compreender o nível de desenvolvimento intelectual da criança. Para isso, o autor elabora dois conceitos: nível de desenvolvimento real ou atual e zona de desenvolvimento proximal ou imediato. O primeiro constitui-se nos conhecimentos que a criança já possui, o que ela consegue realizar sozinha. O segundo são os conhecimentos que a criança terá capacidade de se apropriar por meio das mediações culturais ao longo de sua vida. Isto é: o intervalo entre o que é capaz de realizar sozinha e o que será capaz de fazer com a mediação do outro mais experiente. Conforme suas palavras:

[...] define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de “brotos” ou “flores” do desenvolvimento, ao invés de “frutos” do desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente (VYGOTSKY 1989, p. 97).

Diante disso, Vigotski defende que analisar o que a criança é capaz de fazer com a ajuda do outro é um importante indicativo para compreender seu desenvolvimento mental e também é determinante para entender a relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento. Tal pressuposto, para a avaliação da aprendizagem escolar, é de suma importância, visto que coloca aos profissionais da educação a possibilidade de analisar a aprendizagem sobre aquilo que ainda não está “amadurecido”, fazendo com que se compreenda o significado do processo de apropriação do conhecimento entre o nível de desenvolvimento real, ou seja, aquilo que está formado, instituído, e aquilo que está por se formar, instituinte. A zona de desenvolvimento proximal aparece como um campo de possibilidades para a aprendizagem (ARAUJO, 2003) e para avaliação.

3. A concepção de desenvolvimento e aprendizagem em Vigotski e a avaliação

A concepção de desenvolvimento e aprendizagem proposta por Vigotski apresenta elementos importantes para explicar a avaliação da aprendizagem como processo contínuo e realizado sistematicamente durante a execução das atividades escolares, na interação professor – conhecimento – criança. Conforme defende Vigotsky (1991, p.44):

Isto significa que com o auxílio deste método podemos medir não só o processo de desenvolvimento até o momento presente e os processos de maturação que já se produziram, mas também os processos que estão ocorrendo ainda, que só agora estão amadurecendo e desenvolvendo-se.

Desse modo, a avaliação escolar torna-se uma ação essencial para o acompanhamento do desenvolvimento do estudante ao possibilitar analisar uma relação qualitativa entre a atividade de ensino elaborada pelo professor e a atividade de aprendizagem realizada pelos escolares. Essa perspectiva também encontra sustentação no pressuposto vigotskiano de que a mediação do professor ou do outro mais experiente, ao atuar na zona de desenvolvimento proximal do estudante, poderá promover o seu desenvolvimento.

Sendo assim, o professor necessita ser um observador perspicaz das ações de aprendizagem da criança. Vigotski (2000) cita um exemplo interessante. Em seus estudos sobre a importância do brincar, do jogar na educação infantil, relata que estas atividades se constituem como principal fonte para a criança desenvolver-se e revelar seu desenvolvimento. Assim, o professor, como um observador perspicaz, analisa tal processo para intervir. Porém, infelizmente, o que percebemos nas práticas escolares da educação infantil é que pouco se observam as crianças brincando e seus processos de aprendizagem. Os exercícios repetitivos, nas folhas de papel, direcionados às crianças tomam o maior espaço no trabalho pedagógico. Nesse período de escolarização, os jogos e as brincadeiras até são tomados como núcleo do trabalho com a criança, no entanto não se explora a relação entre brincar, aprender e desenvolver-se. Culturalmente, as práticas avaliativas têm reforçado, por meio da aplicação de provas e testes, o que a criança já sabe, classificando-a, com o objetivo de aprovar e reprovar, isto é, dar o veredicto final. O processo de ensino e aprendizagem é analisado pelo seu produto, não pelo seu processo. O pior dessa prática avaliativa é que os resultados não são tomados para refletir sobre o trabalho pedagógico. Seus objetivos são muito mais burocráticos e imediatos, com isso não influenciam nem o ensino e muito menos a aprendizagem, revelando uma dissociação entre esses dois elementos cruciais das práticas escolares. Em poucas palavras, essa forma de avaliar constitui-se em uma pseudo-avaliação ou uma avaliação estática. Conforme Lunt (1994, p. 228, grifos da autora):

As técnicas de avaliação estática concentram-se no que a criança já sabe e, portanto, no produto da aprendizagem, e no que ela sabe fazer por si mesma. A intenção desses procedimentos é estabelecer níveis de competência, que frequentemente são confundidos e usados como medidas de potencial.

É possível inferir que a prática avaliativa estática foi influenciada pela perspectiva psicológica psicométrica, em que baterias de testes eram realizadas com o objetivo de identificar o nível de desenvolvimento do sujeito. De acordo com essa ótica, avalia-se o desenvolvimento já completado e o ensino deverá direcionar suas práticas tendo como referência esses dados. A lógica dessa prática avaliativa é a da resposta certa, porque, para a sociedade, é o que importa.

A proposta vigotskiana reverte tal concepção ao mostrar a importância capital de analisar o que a criança é capaz de realizar com a ajuda do outro, do mediador, ela possibilita uma avaliação prospectiva, mediante uma relação dinâmica entre retrospecção e prospecção. O desafio consiste em acompanhar o processo de apropriação do conhecimento, focando na interação com o outro e verificando se o ensino incide na zona de desenvolvimento proximal. Lunt (1994) desenvolveu um estudo sobre a avaliação na perspectiva vigotskiana, estabelecendo distinções entre avaliação estática e dinâmica. No quadro a seguir são apresentadas as principais características destes dois tipos de avaliação.

AVALIAÇÃO ESTÁTICA Pressupõe a existência no indivíduo características fixas e mensuráveis. O progresso é controlável;

de

A avaliação é realizada por nível de competência, frequentemente confundida e usada como o potencial da criança (aproveitamento como sinônimo de potencial); A avaliação é individual; Concentra-se no que a criança já sabe (produto da aprendizagem), destacando os resultados;

A avaliação é retrospectiva, descritiva e prognóstica; Evidencia os dados quantitativos, não permitindo uma exploração mais ampla das funções psicológicas; As informações colhidas nas avaliações não subsidiam o ensino;

Valoriza os testes de QI; A criança é isolada do seu contexto.

AVALIAÇÃO DINÂMICA A aprendizagem e o desenvolvimento estão em movimento; O potencial da criança será revelado por meio das interações que estabelece; A avaliação é realizada tanto coletiva como individualmente; Há interação dinâmica entre o escolar e o professor; A ênfase recai em como a criança aprende. O foco está no processo de aprendizagem, analisando o que a criança pode fazer com a ajuda do outro (mediador); A avaliação é prospectiva; Evidencia os dados qualitativos, objetivando compreender a relação entre a aprendizagem e o desenvolvimento das funções psicológicas superiores; A avaliação tem o potencial para revelar informações importantes sobre as estratégias e processos de aprendizagem, oferecendo sugestões úteis sobre o ensino; Valoriza a análise da atividade em sala de aula.

Quadro 1 – Características da avaliação estática e dinâmica segundo Lunt

De acordo com Lunt (1994), a prática avaliativa que segue os pressupostos de Vigotski enquadra-se na perspectiva de avaliação dinâmica, como demonstramos quadro acima, seu foco está na compreensão da qualidade de aprendizagem e o objetivo é revelar as mudanças psicológicas do escolar ao longo do processo educacional. Segundo Martins (2005, p. 73):

Tal avaliação também deve contemplar o desenvolvimento das funções psicológicas que estão implicadas nas atividades propostas pelo professor: será através dessas atividades que a criança desenvolverá o seu pensamento, a linguagem, a atenção voluntária, a memória, estabelecerá relações e correlações, etc.

Os estudos de Vigotski fornecem elementos que possibilitam a organização de métodos de análise sobre os processos de aprendizagem, o potencial de aprendizagem e o desenvolvimento dos indivíduos (diagnóstico e prognóstico), oferecendo fundamentos para a reestruturação do ensino voltado à promoção humana. Desta forma, as práticas avaliativas baseadas nessa perspectiva privilegiam formas mais interativas e qualitativas de aprendizagem, analisando o que a criança não sabe fazer sozinha, isto é, explorando a natureza do potencial de aprendizagem na zona de desenvolvimento proximal, por isso constitui-se em uma avaliação prospectiva. Lunt (1994, p. 234) afirma que:

[...] qualquer avaliação que não explore a zona de desenvolvimento proximal é apenas parcial, já que só leva em conta as funções já desenvolvidas e não aquelas que estão em processo de desenvolvimento e que, por definição, desenvolvem-se por meio da atividade colaborativa.

Nesta concepção de avaliação, o valor da interação está imbricado, fundamentalmente, com a forma como a criança se apropria dos conhecimentos: primeiramente, nas relações com os outros – interpsicológicas – para, depois, incidir no plano individual (intrapsicológica), ou seja, na dinâmica dialética entre o social e o individual, entre o externo e o interno. Deste modo, conforme Martins (2005, p. 56),

[...] é o exercício social do conhecimento que permitirá aos alunos dar sentido próprio para o conhecimento oferecido na escola. Essa concepção revela o movimento na avaliação, buscando dar conta da complexidade do ensinar e aprender, como elementos essenciais à promoção humana.

Esta síntese que realizamos sobre a relação entre aprendizagem e desenvolvimento humano fornece subsídios para a compreensão da avaliação do processo de ensino e aprendizagem como forma de acompanhar/orientar o

desenvolvimento humano dos escolares por meio da apropriação dos conhecimentos historicamente elaborado. Assim, a força do processo educativo deve concentrar nas possibilidades de aprendizagens dos estudantes, ou seja, nos conhecimentos que eles tem capacidade de apropriar, não apenas nos conhecimentos já consolidados, como a prática avaliativa tem se ancorada, a importância no devir humano e as intervenções pedagógicas necessitam estar direcionadas para essa dimensão. Nesse sentido, defendemos que a avaliação da aprendizagem escolar se constitui na mediação entre a escola e o desenvolvimento dos indivíduos inseridos no processo de ensino e aprendizagem, buscando analisar se trabalho pedagógico está proporcionando o desenvolvimento humano. Analisar com o objetivo de intervir nesse processo de forma que os sujeitos reflitam constantemente sobre suas ações, no sentido de desenvolver plenamente as capacidades humanas.

4. Referências: ARAUJO. E. S. Da formação e do formar-se: A Atividade de aprendizagem docente em uma escola pública. Tese. 2003, 186 f. (Doutorado em Educação: Ensino de Ciências e Matemática) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003. BERNARDES, M. E. Mediações simbólicas na atividade pedagógica: Contribuições do enfoque histórico-cultural para o ensino e aprendizagem. 2006, 330 f. Tese (Doutorado em Educação: Ensino de Ciências e Matemática) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. BIGGE, M. L. Teorias da aprendizagem para professores. São Paulo: EPU, 1977. LEONTIEV. A. N. O desenvolvimento do psiquismo humano. São Paulo: Moraes, [197-]. LURIA, A. R. O papel da linguagem na formação de conexões temporais e a regulação do comportamento em crianças normais e oligofrénicas. In: LURIA, A.R. et al. Psicologia e pedagogia: Bases psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento. v. 1. 2. ed. Lisboa: Estampa, 1991. p. 121-142. LUNT, I. A prática da avalição. In: DANIELS, H. (Org.). Vygotsky em foco: Pressupostos e desdobramentos. Campinas-SP: Papirus, 1994. p. 219-252. MARTINS, L. M. Psicologia sócio-histórica: o fazer científico. In: ABRANTES, A. A.; SILVA, N. R.; MARTINS, S. T. F. Método histórico-social na psicologia social. Petrópolis-RJ: Vozes, 2005. p. 118-138. MORAES, S. P. G. Avaliação do processo de ensino e aprendizagem em Matemática: contribuições da teoria histórico-cultural. 2008. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

SCHUTZ, D. P.; SYDNEY, E. S. História da psicologia moderna. São Paulo: Pioneira-Learning, 2005. VAN DER VEER, R.; VALSINER, J. Vygotsky: uma síntese. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2001. VIGOTSKI, L.S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ________ . Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2004. VIGOTSKII, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In: VIGOTSKII, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 7. ed. São Paulo: Ícone, 2001. p. 103-119. VIGOTSKY, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In: LURIA, A. R. et al. Psicologia e pedagogia: Bases psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento. v.1 2. ed. Lisboa: Estampa, 1991. p. 31-50. VYGOTSKY. L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

Quais são as três concepções de aprendizagem?

Desta forma, a prática pedagógica do professor tem a necessidade de conhecer as concepções de aprendizagens existentes, sendo elas: concepção inatista, concepção ambientalista e interacionista.

Quais são as concepções de desenvolvimento e de aprendizagem?

a aprendizagem não é em si mesma desenvolvimento, mas uma correcta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, activa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta activação não poderia produzir-se sem a aprendizagem.

Quais são as concepções da aprendizagem?

De acordo com ela o fenômeno da aprendizagem pode ser representado basicamente de duas formas, segundo uma concepção quantitativa e segundo uma concepção qualitativa. As concepções de aprendizagem podem ser definidas como o significado que o fenômeno da aprendizagem possui para os alunos.

Quais são as principais concepções de ensino e aprendizagem?

As Concepções do processo ensino-aprendizagem remetem para os significados pessoais e gerais em torno do processo ensino-aprendizagem, ou seja, interpretações do ensino e do ensinar, da competência e desempenho dos professores, da sua eficácia, da satisfação nas actividades docentes, do melhor método, da aprendizagem, ...