É possível a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela no crime de estelionato?

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O princípio da insignificância é um mecanismo importante para a firmação do direito penal como direito subsidiário, a ser aplicado em última instância sobre o comportamento ilícito do autor, reafirmando o caráter positivista dos princípios que o fundamentam.

O princípio da insignificância ou da bagatela é um mecanismo importante para o direito penal brasileiro, uma vez que possibilita a análise concreta do caso, possibilitando que um delito não seja enquadrado como crime quando a sua consequência é insignificante.

Neste artigo, abordaremos questões fundamentais da aplicação do princípio da insignificância, explicando o que ele é, quais são os requisitos e quais são as suas aplicações, observando casos concretos da jurisprudência. Boa leitura!

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  • O que é o princípio da insignificância?
    • Para que serve o princípio da insignificância?
    • Fluxo de caixa para Advogados/Escritórios
  • Por que o princípio da insignificância exclui a tipicidade?
  • Quais os requisitos do princípio da insignificância?
    • A ação não apresenta perigo social
    • A conduta não é ou é minimamente ofensiva
    • O ato praticado é pouco reprovável
    • A lesão jurídica é inexpressiva
  • Quais são os efeitos do princípio da insignificância?
  • Onde não se aplica o princípio da insignificância?
  • Princípio da insignificância aplicado ao réu reincidente
    • Planilha grátis para controle de processos
  • Perguntas frequentes sobre princípio da insignificância
  • Conclusão
  • Autor: Tiago Fachini
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O princípio da insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, é um princípio jurídico, aplicado ao direito penal, que tem como objetivo afastar a tipicidade penal de um delito cometido.

Isso significa descaracterizar um ato que, ao levar a lei ao pé da letra, seria compreendido como crime, mas, por ter impacto insignificante, é destituído de sua tipicidade, isentando o autor da ação de pena.

Ele é um princípio que não está disposto em legislação específica. Portanto, é utilizado enquanto ferramenta do direito penal a partir da jurisprudência originada em torno de situações que se enquadrem no princípio.

O princípio da insignificância se apoia, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, sobre outro princípio: o da intervenção mínima. Este estabelece que o direito penal só deve ser aplicado como última possibilidade, impedindo que o Estado exerça poder punitivista sobre a sociedade.

Dessa forma, deve-se tentar resolver a conduta ilícita de outras formas que não a penal, usando o poder punitivo do Estado, no que trata o encarceramento e a privação de liberdade, em última instância.

O princípio da insignificância ou bagatela, portanto, descaracteriza a tipicidade penal de um ato que é insignificante aos olhos do Poder Judiciário, tornando a pena prevista para o mesmo muito desproporcional com as consequências do ato praticado.

Para que serve o princípio da insignificância?

Para explicar a aplicação do princípio da insignificância e, com isso, seu propósito, considere a seguinte situação: um trabalhador de um escritório pega para si uma caneta da empresa sem que ninguém saiba ou veja.

Essa ação pode ser configurada como furto, tipificado no Código Penal brasileiro no artigo 155:

“Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º – A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.

§ 2º – Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

§ 3º – Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico”.

Porém, é insensato aplicar uma pena de reclusão de um a quatro anos, além de multa, a alguém que furtou uma caneta. Trata-se de um ato insignificante, que não causa dano formal ou material a ninguém e nada.

Dessa forma, seria aplicado o princípio da insignificância ao caso, visto que a pena estabelecida para o ato cometido não teria um peso justo com relação ao crime cometido. O crime de bagatela, portanto, seria desprovido de tipificação, livrando o autor de punição.

Por que o princípio da insignificância exclui a tipicidade?

Dentro da teoria que embasa o direito penal brasileiro, há a teoria do delito, que configura as situações que definem os critérios para se identificar se uma ação é um delito (portanto criminosa) ou não.

Para se configurar um delito, é necessário que a ação tenha três substratos distintos: tipicidade (a conduta precisa estar normalizada enquanto criminosa por lei), antijuridicidade (a conduta está em contrariedade com o que estabelece a lei) e a imputabilidade (o autor é culpado pela ação e tem consciência do mesmo).

Esses três critérios precisam ser preenchidos para que se configure um crime ou delito. Mas como o princípio da insignificância exclui a tipicidade se o comportamento insignificante está disposto em lei como criminoso?

Dentro da tipicidade, analisa-se a tipicidade formal e a material. A primeira tem relação com o que a letra da lei apresenta enquanto comportamento que é penalmente tipificado. Já a segunda trata do impacto real da conduta para o afetado, para a coisa, o direito e a sociedade.

Alguém que furta uma caneta (conforme o nosso exemplo anterior) não está causando um dano material de notável impacto ao dono da mesma, como também não está causando um grande impacto à sociedade ou ao direito. Portanto, o crime pode ser considerado insignificante, perdendo sua tipicidade material.

Quais os requisitos do princípio da insignificância?

O crime de bagatela, por sua vez, precisa seguir alguns critérios para que se configure como tal, excluindo a tipicidade material do delito e, portanto, enquadrando-o no princípio da insignificância. Os requisitos para tal definição são:

O delito cometido pelo autor não colocou em perigo ou provocou situação de potencial perigo para a sociedade, para as pessoas e para o patrimônio.

A conduta não é ou é minimamente ofensiva

O delito causado pelo autor não ofende moral ou fisicamente a pessoa prejudicada e nem a sociedade, fazendo com que a mesma seja inofensiva.

O ato praticado é pouco reprovável

Isso quer dizer que, embora a pessoa tenha cometido um crime, ele não seja reprovado socialmente a ponto de ser significante.

Podemos usar novamente o exemplo do furto da caneta, que embora seja um furto, não é reprovável socialmente, como também podemos dar outro exemplo, de alguém que, em momento de necessidade, furta uma cesta básica de um mercado para alimentar sua família.

O furto de uma cesta básica é maior do que o furto de uma caneta, mas o ato praticado, o de furtar para alimentar a própria família, não é reprovável, uma vez que não causa dano considerável e é realizado por necessidade.

A lesão jurídica é inexpressiva

Por último, o ato criminoso deve apresentar inexpressiva lesão jurídica, isso é, ele não deve causar dano expressivo à vida, à integridade física, moral e psicológica das pessoas, aos objetos, ao patrimônio ao à própria proteção jurídica que se dá sobre esses institutos.

Quais são os efeitos do princípio da insignificância?

O princípio da insignificância, como já abordamos, remove a tipicidade material do ato delituoso, extinguindo, assim, o próprio delito.

De forma prática, isso quer dizer que o efeito que a aplicação do princípio da bagatela a um delito é a absolvição do autor do mesmo, fazendo com o que o seu crime não seja registrado enquanto tal, tirando do sujeito a necessidade de cumprir pena.

Assim, o princípio da insignificância, quando aplicado, extingue o processo penal por compreender que não há crime no que foi cometido.

Há países, onde o princípio da insignificância é aplicado, que mantém o processo criminal sobre o autor, mas apenas não aplica ao mesmo a pena, como é o caso da Alemanha, por exemplo.

Onde não se aplica o princípio da insignificância?

Por se tratar de um princípio fundamentado em jurisprudência, as situações onde se aplica ou não o princípio da insignificância mudam com o tempo.

Entretanto, atualmente o Supremo Tribunal Federal (STF) não aplica o princípio a crimes que envolvam tráfico de drogas ou crimes de falsificação, embora já tenham aplicado o princípio em situações de porte de quantidade pequena de drogas.

A aplicação do princípio leva em consideração os quatro requisitos anteriormente apresentados neste artigo, mas também leva em consideração o caso concreto e o autor do ato, como veremos a seguir.

Princípio da insignificância aplicado ao réu reincidente

Historicamente, o réu reincidente, ou seja, aquele que já possui uma ficha criminal e já cometeu atos ilícitos no passado, apresentava mais dificuldade ter o princípio da insignificância aplicado a algum delito que se enquadre nos quesitos pedidos.

É o que aparece, por exemplo, na decisão feita pelo ministro do STF Marco Aurélio, em 2009, ao negar o pedido de Habeas Corpus nº 98.944-6 por conta da reincidência criminal da autora, que havia furtado uma caixa de chicletes no valor de R$ 98,90.

Na decisão, o ministro do STF aponta:

“De início, seria dado acolher o pedido de suspensão do que decidido no processo-crime instaurado contra a paciente. Realmente, o prejuízo advindo do furto foi de pequena monta – caixas de goma de mascar avaliadas em R$ 98,80 −, mas, além de não se tratar do denominado furto famélico, nota-se que a paciente já havia incursionado em tal  campo, surgindo condenação penal. Em síntese, voltou a claudicar na arte de proceder em sociedade, não cabendo, ao menos nesta fase preliminar, acionar o instituto da bagatela e suspender a eficácia do título executivo judicial condenatório”.

Entretanto, esse tipo de decisão, que optava por não aplicar o princípio da insignificância a um ato criminoso por conta de antecedentes criminais do autor, vem sido mudado na jurisprudência, como aponta a decisão do ministro do STF Gilmar Mendes, em decisão, em abril de 2020, sobre o Habeas Corpus nº 18.138-9.

Nele, o ministro afirmou que “é equivocado afastar sua incidência [do princípio da insignificância] apenas pelo fato de o recorrente possuir antecedentes criminais”.

Dessa forma, a jurisprudência mais atual sobre a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela sobre casos onde o réu é reincidente aponta para a aprovação do pedido, independente dos antecedentes do autor.

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Perguntas frequentes sobre princípio da insignificância

O que é o princípio da insignificância?

O princípio da insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, é um princípio jurídico, aplicado ao direito penal, que tem como objetivo afastar a tipicidade penal de um delito cometido.

Quais os requisitos do princípio da insignificância?

Os requisitos para aplicar o princípio da insignificância a algum crime cometido são:
– A ação praticada não apresenta perigo social
– A conduta não é ou é minimamente ofensiva
– O ato praticado é pouco reprovável
– A lesão jurídica é inexpressiva

Conclusão

O princípio da insignificância é um mecanismo importante para a firmação do direito penal como direito subsidiário, a ser aplicado em última instância sobre o comportamento ilícito do autor, reafirmando o caráter positivista dos princípios que o fundamentam.

Assim sendo, a bagatela é importante para o direito brasileiro e para a sociedade na medida em que não torna o poder punitivo do Estado abusivo, aplicando as penas na medida dos crimes cometidos, analisando os casos concretos ao invés de se firmar na letra dura da lei.

É possível a aplicação do princípio da insignificância ou bagatela no crime de estelionato?

O que é insignificância no crime de estelionato?

O princípio da insignificância é inaplicável ao crime de estelionato quando cometido contra a administração pública, uma vez que a conduta ofende o patrimônio público, a moral administrativa e a fé pública, possuindo elevado grau de reprovabilidade (RHC 056754/RS, Rel.

Não é cabível a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho?

Súmula 599 – O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública. – Admite a aplicação do princípio da insignificância quando o montante não ultrapassar os R$ 20.000,00, nos crimes de Descaminho.

É possível se aplicar o princípio da insignificância no crime de roubo justifique?

Não se aplica o princípio da insignificância ao crime de roubo, ainda que ínfimo o valor do bem, em razão da violência e/ou grave ameaça que o integram.

Quais crimes não se aplica o princípio da insignificância?

O STF considera como crimes incompatíveis com o Princípio da Insignificância os crimes mediante violência ou grave ameaça à pessoa; tráfico de drogas; e crimes de falsificação.