A mafia e a política sao a mesma coisa

A mafia e a política sao a mesma coisa

Certa vez, lendo um texto sobre a formação dos Estados Modernos para as aulas de Política, ocorreu-me a seguinte dúvida: qual, exatamente, seria a diferença entre o Estado Oficial e a Máfia? Em outras palavras: o que confere legitimidade ao poder? Bem, para desenvolver uma problematização sobre essa questão, recorreremos à Teoria Pura de Kelsen (jurista austríaco do século XX, tão famoso quanto demonizado nos meios jurídicos), porque certo é que qualquer resposta satisfatória envolverá o Direito como elemento central, uma vez que através dele é que se exerce, se limita e se legitima o poder político.

Bem, olhando de perto, o modus operandi de um Estado em pouco ou nada difere do das organizações ditas criminosas, como a Máfia ou o Comando Vermelho, no Rio: todos trabalham com o domínio do poder para o controle de uma população em certo território. Para melhor detalhar o assunto, usaremos a imagem da Cosa Nostra, a máfia italiana, magistralmente ilustrada em O Poderoso Chefão, livro de Mario Puzo, cuja fama muito deve à trilogia de filmes igualmente brilhantes, dirigidos por Coppola. O personagem principal do livro é Vito Corleone, nascido italiano e radicado nos Estados Unidos. Com bastante astúcia, de crime em crime, Vito ascende à condição de Don, o chefe de uma organização criminosa que lucra através do monopólio de atividades ilegais: casas de jogo e extorsão, mormente. Um império será erguido aos poucos à margem da ordem instituída, ao arrepio da lei posta. Tal qual um Príncipe de Maquiavel, Don Corleone torna-se temido, mas também amado, recebendo o apelido de Padrinho (Godfather) por parte de seus aliados, que o tomam como um segundo pai.

Neste sentido, deve-se dizer que também os Estados modernos se edificaram como a Cosa Nostra e a família Corleone: os reis absolutistas, tais quais os Dons, só puderam erguer seus impérios derrotando seus inimigos em guerras, comprando aliados, enfim, desfazendo a velha ordem feudal que assentava, sobretudo na soberania jurídico-política de cada feudo. Foi preciso, portanto, concentrar: nas mãos do Rei, tudo. Quase tudo extraído do que outrora fora autoridade e competência de cada senhor em sua terra. Monopolizou-se o poder de dizer o direito (monismo jurídico), de cunhar moedas, de cobrar impostos, de definir a língua e os símbolos oficiais, o sistema métrico, dentre outros. Se a gênese dos impérios, quer dos criminosos, quer dos considerados legítimos, é uma só: o processo de concentrar poder em si, retirando-o dos outros, o que nos faz obedecer resignadamente à cobrança do coletor de impostos da Receita Federal e nos revoltar contra o assaltante que, com arma em punho, toma-nos a carteira? Para entrarmos a fundo neste problema, vamos a Kelsen.

O jurista de Viena, em sua obra Teoria Pura do Direito, cita Agostinho (em Cidade de Deus) para tentar esclarecer a diferença entre o Estado e um bando de criminosos: “Que são os impérios sem Justiça senão grandes bandos de salteadores? E são os bandos de salteadores outra coisa senão pequenos impérios?”. Explico: para o teólogo medieval, o elemento que confere legitimidade à ordem político-jurídica posta é a Justiça, situada para além do próprio direito e da existência terrena, posto que divina. Kelsen, como homem moderno, embora concorde com a necessidade de diferenciar a Cosa Nostra do Estado legitimado, é alguém que já duvida desta autoridade natural, de um Deus, de uma Justiça e de uma Moral absoluta que sirvam sempre e em todo lugar como parâmetro para legitimar a lei e o poder terreno. Os valores são relativos, o Direito e o Estado não podem depender deles para serem válidos ou não.

Para esse jurista, o que torna um Estado legítimo e a Máfia não é que esta não se apoia na autoridade de uma norma com validade objetiva, enquanto aquele o faz. Uma norma se torna objetivamente válida quando recebe sua validade de outra que já o é. Recuando ao ponto inicial do ordenamento jurídico, a seu fundamento último e primeiro, chegamos ao que Kelsen chamou de Norma fundamental hipotética. Esta norma é pressuposta, não posta, seu conteúdo diz que devemos obedecer à primeira constituição histórica (esta sim será norma positiva e posta). Ela recebe sua validade não de outra norma, posto que é a primeira a existir, mas de um certo grau de eficácia social consolidado através do tempo.

É dizer, noutras palavras: obedecemos porque quase todos quase sempre obedeceram… Assim, o problema da legitimidade do Estado é recolocado como o da validade objetiva da norma fundamental. Fazendo-nos pensar em épocas de incerteza política, como quando um país vive uma revolução, Kelsen afirma que é um certo nível de eficácia concreta da norma na sociedade durante certo período de tempo que forja a consciência de sua obrigatoriedade, de sua validade objetiva. Assim, os comunistas, por exemplo, só legitimaram sua nova ordem após a enfiarem goela abaixo dos contrarrevolucionários e ostentarem esta vitória ao longo dos anos para a população, que foi adotando as novas regras. A poeira do tempo e a resignação dos homens, o conformismo com o estado das coisas, dia a dia e em cada um de nós, funda a validade do sistema jurídico-político.

Portanto, a diferença entre o Estado e a Máfia não poderá ser encontrada em uma dicotomia maniqueísta: legalidade ou ilegalidade, arbítrio ou justiça, mocinhos ou bandidos, polícia ou ladrão. Toda ordem nova se institui através do crime, rompendo com as amarras do velho. Todo criador é antes um destruidor (frase de Saramago ou Dostoiévski, falha-me a memória). Se esta ordem vingará ou não, depende antes de angariar quem a abrace e a ela se sujeite ao longo dos anos. Esta visão sobre o fundamento do poder parece nos ensinar que muito do mundo que tomamos como inevitável ou natural é construção solidificada no tempo e na aceitação tácita, no poder cedido por aqueles que calam. A ordem jurídica não é nem precisa ser reflexo de uma essência transcendente e absoluta, de valores absolutos e de uma Justiça etérea. Nada nos exime de lidarmos com a pluralidade de nossas visões de mundo, modos de viver e regras pessoais. A Máfia e o Estado não se justificam por valores imutáveis ou por uma Justiça etérea, mas inserem-se no mundo de coisas humanas e cambiáveis. Toda ordem é possível.


Victor Ribeiro da Costa

Graduando em Direito na UFS e Assistente em Administração do DMEC/UFS. Potência incipiente e insipiente, pouco ou nada de ato. Acha que gosta de Filosofia, mas nem disso tem certeza.  (Palavras do autor)

O que e considerado máfia?

Máfia é uma organização criminosa cujas atividades estão submetidas a uma direção de membros que sempre ocorre de forma oculta e que repousa numa estratégia de infiltração na sociedade civil e nas instituições. Os membros são chamados mafiosos (no singular: mafioso).

Qual a diferença entre máfia e facção?

Algumas Gangue de rua tem um certo grau de racionalidade organizacional típica de algumas organizações criminosas tradicionais, uma Gangue, ao contrário da Máfia possui uma estrutura carente não bem estruturada, solta e mal definida; as ações entre os membros são relativamente baixas porque poucos tem objetivos comuns.

Quais são as máfias do Brasil?

As facções na região Sudeste do Brasil:.
- PCC: ... .
- Comando Vermelho: ... .
- Amigo dos Amigos: ... .
- Terceiro Comando Puro: ... .
- Primeiro Comando de Vitória: ... .
- Trem Bala: ... .
- Cartel do Norte (Ex-Família do Norte): ... .
- Facções no Acre:.

Qual o nome da máfia brasileira?

Primeiro Comando da Capital, PCC As favelas miseráveis são cheias de violência dessa quadrilha, particularmente entre os jovens brasileiros, em um país que possui uma das maiores taxas de homicídio do mundo. Com 13.000 membros, quase metade na prisão, o PCC é uma das organizações mais perigosas e audaciosas do país.