Quando tem início a vigência do tratado internacional no Brasil

Quando tem início a vigência do tratado internacional no Brasil
Todos os estudiosos do Direito, não importa de que ramo jurídico, devem saber quando e como um tratado internacional passa a ser executório em nosso ordenamento interno. Os tratados são cada vez mais frequentes em um mundo globalizado, em que avulta a cooperação entre Estados; cooperação essa que se efetiva nos mais variados quadrantes do direito.

O tratado internacional é um dos instrumentos jurídicos mais antigos. Na mais remota antiguidade, os suseranos de circunscrições territoriais utilizavam-se do tratado para acordarem entre si, bilateralmente. Sua importância, então, pode ser aquilatada pelo fato de serem gravados em pedra, o que não acontecia com documentos corriqueiros. Com a criação da doutrina da soberania absoluta, com o advento dos Estados e com o surgimento do direito internacional público, por volta de 1500, continuaram os tratados a serem utilizados. A necessidade de se criarem regras internacionais, que obrigassem um número maior de Estados propiciou o aparecimento do tratado multilateral.

Muitas foram as mutações por que passou o tratado, até chegar à sua formulação hodierna, qual seja, a de ser instrumento, regido pelo direito internacional público, pelo qual Estados, organizações internacionais intergovernamentais e outros sujeitos dotados de personalidade internacional e de jus tractuum (direito de tratar) avençam qualquer assunto lícito, podendo muitas vezes estabelecer regras quase universais.

 A regulamentação dos tratados – sua negociação, entrada em vigor, interpretação e terminação etc – foi feita através dos tempos pelo costume internacional, sendo de formulação recente a adoção de regras escritas. A Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados, de 1969, que coligiu regras consuetudinárias (codificação propriamente dita) e estabeleceu algumas regras novas (desenvolvimento progressivo) é o principal tratado sobre tratados. Essa convenção, que está entre os tratados que vinculam maior número de Estados, constitui-se em verdadeiro código sobre tratados internacionais.

As fases para a conclusão de um tratado solene ou em forma devida são: negociação, assinatura ou adoção, aprovação legislativa por parte do Estado interessado em tornar-se parte no tratado, ratificação ou adesão.

No século XVII, Grócio e a generalidade dos internacionalistas consideravam que a assinatura pelos plenipotenciários concedia força obrigatória ao tratado. Isso em razão das normas sobre o mandato e da regra romana “qui facit per alium facit per se” (quem faz por meio de outro, faz por si mesmo). Nessa época, a ratificação era mera formalidade, simples ato de cortesia. Os raros casos de recusa em ratificar causavam protestos por violação do dever legal.  Nessa mesma época, por vezes, os mandatários ao redigir a procuração - plenos poderes - incluíam expressamente cláusula de “reserva de ratificação”, retendo o direito de ratificar acordos concluídos em nome dele por seus agentes, após examinar o respectivo texto assinado. Entretanto, até meados do séc. XVIII, a ratificação continuou a ser de rigor, após a assinatura. Essa exceção tornar-se-ia em regra, por força da consagração, na maioria dos Estados, de regimes constitucionais que preconizavam a participação dos parlamentos na feitura dos tratados internacionais. O tratado somente é dado por concluído após a troca das ratificações. Disse-o o Congresso de Berlim, de 1878 - “as ratificações e não só a assinatura ... dão aos tratados seu valor definitivo”; tendo a Corte Permanente de Justiça Internacional reafirmado essa regra, em 1929, no caso do Rio Oder. A partir de fins do séc. XIX, outro desenvolvimento ocorreria, a ratificação viria a ser considerada “um ato perfeitamente livre, que o Estado pode dar ou recusar por qualquer razão”[1].

Duas são as teorias tradicionais sobre o relacionamento entre a ordem internacional e a ordem interna. A teoria monista que afirma comporem ambas o mesmo âmbito, representada, visualmente, por dois círculos concêntricos; e a dualista, que as considera como dois círculos, quanto muito tangentes, mas nunca secantes. O corolário é que para os países que adotam a teoria monista (ex. Reino Unido), no momento em que um tratado passa a integrar a ordem internacional, ipso facto, já pertence também à ordem interna. Já para aqueles que perfilham o dualismo (ex. Brasil), a ratificação internacional de um tratado faz com que ele passe a figurar no direito internacional brasileiro; sendo necessário uma nova formalidade para inseri-lo no direito interno do Brasil. Se, por acaso, o tratado é ratificado e o país deixa de internalizá-lo, o tratado não é executório nesse país, acarretando-lhe responsabilidade internacional.

A negociação de um tratado, quer seja ela por conversações bilaterais ou, coletiva e plurilateralmente, sob a égide de alguma organização internacional, termina pela assinatura que, via de regra, significa apenas a definição e finalização do texto do tratado. Tal é verdadeiro, com exceção do tratado em forma simplificada, também conhecido por acordo do Executivo, que merece estudo a parte. Se aprovado, o Chefe de Estado, poderá ratificá-lo. Quando um Estado não participou das negociações e não assinou, e inobstante deseja fazer parte do tratado, pode fazê-lo pela adoção. Uma vez assinado, o tratado, é levado pelos signatários aos seus países, para ser encaminhado, em consonância com as respectivas regras internas, para a aprovação pelo Congresso ou similar.

Os poucos artigos das Constituições Brasileiras republicanas sobre a dinâmica interna dos tratados internacionais não mudaram muito, sendo formal e substancialmente semelhantes. A tradição constitucional brasileira, com exceção da Carta de 1937, determina a colaboração entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo na conclusão dos tratados internacionais. A Constituição vigente considera a vontade do Estado com referência aos atos internacionais como ato complexo, sendo necessária a vontade conjugada do Presidente da República e a do Congresso Nacional. O art. 84, Inciso VIII, estabelece como competência privativa do Presidente da República: “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”. Entretanto, completa o art. 49, inciso I, que tais atos só se tornam definitivos, após a provação do Congresso Nacional.

Uma vez aprovado o tratado pelo Poder Executivo, aprovação essa materializada pela emissão do decreto do Legislativo, assinado pelo Presidente do Senado Federal, o Poder Executivo pode proceder à ratificação internacional, realizada pela troca (em caso de tratado bilateral) ou depósito (no caso de tratado multilateral) de instrumento de ratificação. Chama-se ratificação internacional, pois obriga o Estado que a faz, internacionalmente, com relação ao conteúdo do tratado.

A incorporação do ato internacional à legislação brasileira dá-se, contudo, pela sua promulgação por meio de decreto do Executivo, que torna público seu texto e determina sua execução. A Divisão de Atos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores redige o instrumento do decreto, que será acompanhado do texto do tratado e, eventualmente, de tradução oficial. Esse decreto, assinado pelo Presidente da República e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores, é publicado no Diário Oficial da União.

Em razão de costume assente, a aprovação dos tratados no Brasil segue o mesmo processo da elaboração da lei. As Constituições brasileiras não se referem à internalização dos tratados no direito interno, continuando, nesse tocante, o Brasil a seguir a tradição lusitana de promulgar o tratado já ratificado por meio de decreto do Executivo.

No direito brasileiro, a promulgação e a publicação compõem a fase integratória da eficácia da lei. A promulgação atesta a adoção da lei pelo Legislativo, certifica a sua existência e o seu texto e afirma, finalmente, seu valor imperativo e executório.

A publicação, que se segue à promulgação, é condição de eficácia da lei. Não prevista constitucionalmente, rege-se pelo artigo 1º do Decreto-lei 4.657/1942, recentemente redenominado Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Para todos os efeitos, a prova de que o Brasil se encontra vinculado a um tratado solene ou em forma devida e de que ele é executório no território nacional deve ser feita pela exibição do decreto de promulgação e pela publicação.

[1] Pallieri, G. B. , “La formation des traités dans la pratique internationale contemporaine”. In Recueil des Cours, 1949, v. 74, p. 500.

Depois de longo período praticando uma política de isolamento no tocante à ratificação de tratados, o Brasil tem seguido movimento inverso nos últimos anos: cada vez mais se torna parte de diplomas convencionais, dos mais variados tipos.

Levando-se em conta essa nova realidade, é importante que se conheça o roteiro para internalização desses textos. No Brasil, é necessário que passem por um processo que envolve os poderes Executivo e Legislativo, que pode ser assim resumido:
(i) negociação e assinatura do texto pelo presidente da República (ou por seu representante, denominado plenipotenciário), a quem incumbe privativamente manter relações com Estados estrangeiros e celebrar tratados, convenções e atos internacionais;
(ii) aprovação pelo Congresso Nacional por meio de decreto legislativo, cabendo-lhe apenas aprová-lo, com reservas ou não;
(iii) ratificação, ato de direito internacional realizado pelo presidente ou seu representante, perante a organização internacional que patrocinou a elaboração do tratado, que tem lugar quando o presidente assinou o texto original, ou adesão, quando o Estado brasileiro se torna parte do tratado, sem que o tivesse assinado anteriormente.

Após esses passos previstos na Constituição, o tratado entrará em vigor no plano internacional, em conformidade com os critérios previstos no próprio texto convencional. Normalmente, se prevê vigência após um mês, seis meses ou um ano da data da ratificação ou adesão.

Para que o tratado entre em vigor internamente exige-se também a (iv) promulgação e publicação, por meio de decreto do chefe do Executivo, onde se divulga o texto integral do pacto. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que os tratados só produzem efeitos no plano interno após a promulgação e publicação do decreto executivo, que também tem regras sobre sua entrada em vigor.

O decreto pode silenciar a respeito — e neste caso vigerá 45 dias após a sua publicação — ou prever expressamente outro prazo para sua vigência. A situação ideal, portanto, é que a convenção entre em vigor simultaneamente tanto no plano internacional como no plano interno, o decreto executivo prevendo expressamente data que coincida com a vigência internacional.

Todavia, situações atípicas podem acontecer. A mais comum é a hipótese de a convenção entrar em vigor no cenário doméstico posteriormente à vigência internacional. Trata-se de situação na qual a convenção estará em vigor no plano internacional, face aos outros Estados contratantes, mas que não será aplicada pelo Judiciário brasileiro, por faltar etapa considerada essencial para vigência dos tratados no país.

Já tivemos algumas situações dessa natureza: a Convenção da Haia sobre Seqüestro Internacional de Crianças entrou em vigor internacionalmente em janeiro de 2000 e, no plano doméstico, em abril de 2000; a Convenção de Montreal para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional entrou em vigor internacionalmente em julho de 2006 e, internamente, em setembro de 2006; e a Convenção da ONU sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro, exemplo extremo de inércia do legislador interno, vigorou internacionalmente em dezembro de 1960 e passou a vigorar no plano interno somente em setembro de 1965.

Na hipótese de decreto executivo que preveja data de vigência anterior àquela prevista no tratado para vigência no cenário internacional, trata-se de situação em que o tratado não poderá vigorar internamente antes da vigência internacional. A doutrina monista, adotada no país, não concebe a possibilidade de tratado que, com essa natureza, esteja em vigor no plano interno sem que esteja em vigor no plano internacional. Todavia, a Convenção de Nova Iorque sobre Reconhecimento e Execução de Laudos Arbitrais Estrangeiros vigorou para o Brasil em setembro de 2002 no cenário internacional, mas internamente já vigia a partir de julho de 2002.

Atualmente, a Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG), que está em vigor em 78 países, foi aprovada por decreto legislativo em outubro de 2012 e já houve a adesão pelo país no plano internacional, em março de 2013, ainda pendente de publicação do decreto executivo. Isso significa dizer que, enquanto o referido decreto executivo não for promulgado e publicado, a CISG não será aplicada pelo Judiciário brasileiro.

Note-se, porém, que internacionalmente a convenção passará a vigorar em abril de 2014, por conta de critérios fixados no art. 99 do tratado. Seria recomendável que, por se tratar de texto com tanta aceitação internacional, o país atentasse para a questão e fixasse uma data para sua vigência interna, no decreto executivo, coincidente com a sua vigência internacional.